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OS SENTIDOS DO LULISMO

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OS SENTIDOS DO LULISMO - Reforma gradual e pacto conservador
André Singer
		
	
	
 “Raízes sociais e ideológicas do lulismo” analisava o grande realinhamento eleitoral ocorrido no país durante o pleito de 2006. O subproletariado - isto é, a massa de dezenas de milhões de pessoas excluídas das relações de consumo e trabalho, e que sempre havia se mantido distante da ameaça de “desordem” representada pela esquerda - aderiu em bloco à vitoriosa candidatura à reeleição. Ao mesmo tempo, a classe média tradicional se afastou de Lula e do PT após as denúncias de corrupção que originaram o caso do “mensalão”. Invertia-se, desse modo, a trajetória eleitoral do partido e de seu principal líder, até então apoiados majoritariamente pelos eleitores urbanos e pelos estratos sociais de maior renda e instrução.
Neste ensaio inédito, muito aguardado pelos observadores e atores da política nacional e que cristaliza suas reflexões sobre o tema, o autor explica como a manutenção da estabilidade econômica e as ações distributivas patrocinadas pelo Estado estão na raiz do massivo apoio das classes populares a Lula - e, a partir de 2010, a sua pupila Dilma Rousseff. Grande conhecedor dos bastidores do PT e do primeiro governo Lula, Singer realiza uma aguda radiografia das relações de classe e poder no Brasil.
O ano de 2010 é o último ano de Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006, à frente da Presidência da República. Passados esses anos todos, o presidente é o mesmo – mas o eleitorado mudou. Esse fenômeno tem sido chamado “lulismo” pelos cientistas políticos e sociólogos na análise da política brasileira.
Há quem veja no processo uma despolitização, como é o caso do sociólogo Francisco de Oliveira. O ex-presidente e também sociólogo Fernando Henrique Cardoso escreveu um artigo comparando o processo ao peronismo argentino.
Para André Singer, Lula, com uma política ao mesmo tempo manteve a ordem e distribuiu renda conquistou o segmento do “subproletariado”: trabalhadores que não tinham carteira assinada e que votaram maciçamente no PT nas eleições de 2006.
Lula ganhou a eleição de 2006 por uma margem de 20 milhões de votos sobre um adversário do PSDB – um número próximo do observado em 2002. Mas, para Singer, “essa semelhança é superficial”: “Por trás dessa aparente igualdade, existe uma transformação da base social que elegeu Lula.”
Singer foi também, durante o primeiro mandato de Lula, porta-voz da Presidência. Em entrevista ao UOL Notícias e a Joaquim Toledo Jr., editor da revista “Novos Estudos”, Singer falou sobre a mudança nessa base social de apoio de Lula, sobre o filme “Lula, o Filho do Brasil” e ainda sobre os principais pré-candidatos à Presidência da República.
Leia abaixo a opinião de Singer sobre os principais tópicos da entrevista.
O QUE É O LULISMO?
“O lulismo é o que a gente poderia chamar de movimento social que emerge na eleição de 2006, quando, na minha opínião, ocorreu um fenômeno de realinhamento eleitoral. O presidente Lula ganhou a eleição de 2006 no segundo turno por uma diferença de votos muito parecida com a que ele tinha recebido em 2002. Ganhou por uma margem de 20 milhões de votos sobre um adversário do PSDB. Na realidade, essa semelhança é superficial. Por trás dessa aparente igualdade, existe uma transformação da base social que elegeu Lula.”
QUEM SÃO OS ELEITORES DE LULA?
“Se a gente olha para a intenção de voto desagregada pela renda, são os eleitores de baixíssima renda. Esses são os eleitores que apoiaram o presidente Lula ainda no primeiro turno, quando o candidato do PSDB chegou perto de 40% teve uma votação expressiva no primeiro turno, o candidato Geraldo Alckmin, vindo a perder votos no segundo turno. Quem sustentou o presidente Lula desde o primeiro turno foram esses eleitores de baixíssima renda. Ocorre que historicamente esses eleitores sempre estiveram afastados da candidatura de Lula à presidência da República e do PT. O eleitorado tradicional do PT é um eleitorado de classe média, se nós considerarmos a parte formalizada da classe trabalhadora como classe média. Essa é uma visão que eu proponho no artigo para tentar compreender esse fenômeno do realinhamento à luz da teoria de classes, que é ver que no Brasil nós temos um conjunto de trabalhadores que estão aquém do proletariado - estou usando um conceito do professor Paul Singer de subproletariado para designar essa camada que veio a apoiar Lula e que nunca havia apoiado desde que ele concorre à Presidência da República, em 1989.”
SEM SE FAZER NOTAR
“Ocorreu um duplo fenômeno. Esse setor que veio aderir ao presidente Lula é um setor da sociedade que está na base da pirâmide social e, nessa medida, ele fica distante dos analistas políticos
. Um outro aspecto é que esse fenômeno veio provavelmente se configurando ao longo do ano de 2005, quando ocorreu a chamada crise do mensalão, e as atenções do mundo político estavam voltadas para o mensalão, ao mesmo tempo em que na base da sociedade começava a ocorrer um fenômeno de adesão ao presidente Lula, que não foi percebido a não ser quando ele já estava se expressando eleitoralmente, perto da campanha eleitoral de 2006.”
O QUE LEVOU AO LULISMO?
“Houve a execução de um programa que, simultaneamente, manteve a ordem - e a manutenção da ordem é uma aspiração deste eleitorado, por razões que não são difíceis de compreender... Vou recuar um pouquinho. Se a gente lembrar como foi a formação do PT, o PT foi um partido que se construiu sobre a ideia de que a luta de classes deveria ocupar o primeiro lugar na cena política. E a luta de classes é, por definição, um conflito social, que ameaça a ordem. Então o PT, que procurou construir uma organização autônoma da classe trabalhadora, se ergueu sobre a ideia e sobre a prática, porque foi um período de greves muito intensas, de que o conflito era positivo. Esse setor do eleitorado tem dificuldade para aceder a essa compreensão até porque é um setor que não pode se organizar, por exemplo, não participa de sindicato, porque não é formalizado. Está aquém das condições de participação da luta de classes. Então, para esse setor, a manutenção da ordem é um valor. Simultaneamente a isso [à manutenção da ordem], o governo Lula promoveu uma série de programas que, no seu conjunto, fizeram com que a qualidade de vida deste setor tivesse uma mudança positiva importante. Se a gente for pegar cada programa isoladamente, ele não talvez represente essa mudança. Mas se olharmos para o conjunto do Bolsa Família, dos aumentos do salário mínimo, da redução do custo da cesta básica e de dezenas de programas focalizados, como Luz para Todos, regularização de terras de quilombolas, construção de cisternas no semi-árido... Se reunirmos esse conjunto, a gente vai observar que o governo executou um conjunto de políticas que transformou a vida de milhões de pessoas que pertencem a esse setor que depois veio a aderir ao presidente Lula.”
CONSERVADORISMO ‘SUI GENERIS’
“É preciso compreender bem o que é a natureza desse conservadorismo. Ele é um conservadorismo muito "sui generis". Ele é ao mesmo tempo conservador e não conservador. Ele é conservador num aspecto: ele recusa o conflito social. Ele quer mudanças dentro da ordem, mas ele quer mudanças. Esse setor do eleitorado apoia vigorosamente a intervenção do Estado na economia, por exemplo. Se a gente entender essa dialética, há uma transformação na qualidade do voto, a partir da adesão ao presidente Lula, o centro e a direita não podem mais fazer o discurso que foi muito eficiente da eleição de 1989 até a eleição de 2002, a de que Lula e o PT representam desordem. Esse tipo de eixo foi quebrado.”
DESPOLITIZAÇÃO E ‘SUBPERONISMO
“Acho que há uma repolitização em bases novas. O professor Francisco de Oliveira tem razão ao assinalar que há um fenômeno novo. Por que é novo? Por que o lulismo mistura elementos de esquerda e de direita. Nesse sentido ele reembaralha as cartas ideológicas de uma maneira nova, e obriga tanto o centro quanto a esquerda e a direita a se reposicionarem diantede uma articulação ideológica e social diferente. Com relação à questão do subperonismo, acho que estamos numa fase de transição, em que não sabemos em que forma política essa força social vai se cristalizar. Eu diria que existe uma possibilidade de que ela cristalize no próprio PT. Acho que ainda é cedo para a gente falar em modelos antigos.”
’LEALDADE’ AO LULISMO
“O fenômeno do lulismo, se a minha hipótese estiver correta, é que as pessoas que mudaram de condição de vida e identificaram essa mudança com um projeto político encabeçado pelo presidente Lula devem se manter leais a esse projeto. Essa seria uma possibilidade, mas é claro que a história vai se construindo de uma maneira inesperada.”
18 BRUMÁRIO DE LULA
“Do mesmo modo como Marx, ao tentar explicar a ascensão do Luís Bonaparte - ninguém esperava que Luís Bonaparte ganhasse as eleições de 2 de dezembro de 1848. Ganhou para surpresa de todos analistas. Essa é a meu ver a genialidade do Marx, ter percebido que ele recebeu os votos de uma parcela enorme da população francesa que tinha dificuldades estruturais para se organizar. Hoje eles estão organizados, naquele momento era muito difícil. Eu fiquei pensando nesses trabalhadores que vivem na informalidade no Brasil, que vivem no setor de serviços, ora estão empregados, ora desempregados, muito em empregos domésticos, que têm muita dificuldade em se expressar. Eles têm de expressar suas aspirações a partir de cima, de alguém que venha de cima. E num certo sentido eles recusam essa organização eleitoralmente, ao não votar no Lula e no PT até 2002. Até eles terem a certeza da ordem.”
O PT É REFÉM DO LULISMO?
“Max Weber viu isso com clareza quase cem anos atrás: em democracias presidencialistas, uma liderança carismática, como é o caso do presidente Lula, que tem muita expressão eleitoral, ela se torna uma força enorme dentro do partido que tem vocação eleitoral. O partido fica observando qual é a direção que essa liderança vai dar. Esse é um fenômeno que não tem novidade em relação a isso, sobretudo nas democracias presidencialistas. O presidente Lula tem um peso enorme dentro do PT.”
"LULA, O FILHO DO BRASIL"
“Ouvi que as índices de público no Nordeste eram muito mais altos que no Sudeste. Acho que isso corresponde um pouco a essa nova divisão política que emergiu da eleição de 2006. Se a hipótese desse realinhamento do subproletariado estiver correta, ela explica a força do lulismo no Nordeste. É que o Nordeste é o coração social, cultural e político do subproletariado. Boa parte das pessoas que estão nessa condição nas periferias do Sudeste vieram do Nordeste. Provavelmente o filme está correspondendo às expectativas onde o lulismo é mais forte.”
MÍDIA E LULA, MÍDIA E FHC
“Eu tenho evitado me manifestar sobre a mídia. Sou jornalista profissional, não estou exercendo a profissão neste momento, mas trabalhei quase 30 anos como jornalista. Nesse sentido eu tive uma vivência da mídia por dentro. Para não simplesmente dar uma impressão subjetiva de pouco valor, eu teria de estudar. Eu acho que é uma pergunta que está no ar. Eu conheço alguns estudos que mostrem em 2006 por parte de certos veículos uma certa tendência contra Lula e contra o PT. Mas não eu não conheço nenhum estudo comparativo que mostre de maneira inequívoca essa comparação, como foi o comportamento do veículo A, B e C no governo Lula e no governo FHC.”
POLARIZAÇÃO
“Concordo que o corte "ordem-desordem" não está na pauta, ele foi de certa maneira superado, mas ele poderá voltar em outra conjuntura. Porque nós não sabemos os limites da possibilidade da continuação da distribuição de renda dentro desse modelo. Porque este é um modelo, que permitiu a execução dessas políticas distributivas mantendo certas linhas mestras da política econômica anterior. O que está dado é que a oposição não tem neste momento um discurso novo e acredito que se as condições atuais que estamos vendo agora, vamos ter dois candidatos tentando dizer que um é melhor que outro para dar continuidade. Um governo que tem 70% de aprovação, significa que o eleitorado quer que esta linha geral continue. Os dois candidatos vão tentar dizer que um é melhor que outro. A oposição vai ter de tentar mostrar isso: que tem o melhor candidato para dar continuidade às políticas deste governo. O problema é que isso é contraintuitivo.”
SERRA (PSDB)
“O governador Serra é um político muito experiente, já disputou a presidência, muito conhecido no Brasil todo. Ele está à frente neste momento porque ele é a figura mais conhecida. Acho que ele está numa situação em que ele não pode se opor frontalmente ao presidente Lula e provavelmente o que ele procurará fazer é mostrar que ele será o melhor continuador dessas políticas e não a ministra Dilma.”
DILMA (PT)
“É a candidata deste governo que está com 70%, portanto ela deverá naturalmente ter o voto de uma parte significativa desses eleitores que querem a continuidade.”
CIRO GOMES (PSB)
“Ele tem uma característica que eu acho interessante: procurar debater projetos para o Brasil. Nós estamos vivendo uma etapa de rearrumação dos partidos políticos. E essa rearrumação está deixando um pouquinho de lado a discussão programática. Acho que ele tem esse diferencial em relação a outros políticos brasileiros. Acho que seria muito interessante que o PT abrisse uma temporada de conversas com partidos de centro-esquerda como é o caso do PSB do ministro Ciro Gomes para tentar estabelecer uma plataforma e apresente para o país um projeto de aprofundamento dessas mudanças feitas no governo Lula.”
MARINA SILVA (PV)
“A senadora Marina Silva é uma figura humana de primeiríssima grandeza e que tem uma espécie de respeito generalizado em todo o mundo político. A disposição dela de se candidatar já produziu um efeito positivo, já obrigou os outros candidatos a falarem mais da questão ambiental e do desenvolvimento sustentável. Evidentemente será uma candidatura minoritária, ela não tem condição de aspirar a uma condição majoritária, mas ela tem condições de ser o fiel da balança num eventual segundo turno.”
PSOL
“Eu acho que a candidatura da senadora Heloísa Helena em 2006 se beneficiou muito da crise de 2005, do mensalão. Este é um episódio eleitoralmente superado. A situação atual do PSOL é muito diferente daquela de 2006. Na verdade, o PSOL está diante de uma situação que é a necessidade de a esquerda se recolocar diante de um cenário novo. A esquerda não pode ficar simplesmente na oposição a um governo que fez essa distribuição de renda. Pode criticar os aspectos conservadores, mas não pode se opor totalmente a este governo. O PSOL está diante deste dilema, que é como a esquerda vai se posicionar diante de um cenário novo.”
 
Tradutor: Em São Paulo
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2010/01/28/crise-do-mensalao-ajudou-a-esconder-o-surgimento-do-lulismo-diz-cientista-politico-andre-singer.htm
07/11/2013
Os impasses do lulismo
Após recente 
ciclo de ascensão social dos mais pobres, seria preciso recuperar o ímpeto para grandes transformações
porVladimir Safatle — publicado 07/01/2013 08:57, última modificação 18/06/2013 13:12 
O governo Dilma alcançou a metade de seu mandato. Eis um bom momento para colocar questões a respeito dos rumos que o Brasil tomou desde o primeiro governo Lula. Rumos próprios à mais longa experiência de continuidade programática dos períodos democráticos.
Há tempos, procuramos o tom adequado para avaliações dessa natureza. A experiência do PT no poder suscita reações muito apaixonadas e pouco analíticas. Por um lado, vemos aqueles que não se cansam de assumir um tom laudatório, insistindo na genialidade política de Lula, no novo protagonismo brasileiro na cena internacional, no caráter bem-sucedido de seu “capitalismo de Estado” e na inegável constituição de uma nova classe média. Por outro, temos a negação absoluta na qual as conquistas do governo seriam meros fenômenos “naturais” advindos de decisões tomadas por governos anteriores, as negociações políticas teriamalcançado um nível de corrupção “nunca visto”, assim como o aparelhamento do Estado. Tais análises usam, na maioria das vezes, esquemas liberais que, em plena crise econômica global, continuam a ver o Estado como “mau gerente” (como se empresas como Citibank, Lehman Brothers e GM, salvas pelo Estado, fossem bem gerenciadas) e ter uma perspectiva, no mínimo, seletiva a respeito das indignações causadas pela corrupção.
Essas avaliações parciais nos impedem de tentar compreender o modelo representado por aquilo que o cientista político André Singer chamou de “lulismo” com seus resultados concretos e suas limitações. Compreendê-lo é tarefa importante neste momento, porque talvez estejamos assistindo, com o governo Dilma, ao esgotamento do lulismo. Um esgotamento cujo sintoma mais evidente é o fato de Dilma Rousseff parecer encaminhar-se para ser a gerente de um lulismo de baixo crescimento.
Talvez a pergunta que mais se coloque atualmente é: o que significam esses dois últimos anos de baixo crescimento? Um erro de dosagem nas políticas macroeconômicas, uma inflexão sem maiores significados resultante do mal cenário internacional ou a prova de que o modelo em vigor no panorama brasileiro chegou a um impasse?
Sabemos o que foi o acordo que produziu o lulismo. Ele consistiu na transformação do Estado em indutor de processos de ascensão por meio da consolidação de sistemas de proteção social, do aumento real do salário mínimo e incentivo ao consumo. Na outra ponta do processo, o governo Lula autocompreendeu-se como estimulador da reconstrução do empresariado nacional em seus desejos de globalização. Para tanto, a função do BNDES como grande financiador do capitalismo nacional consolidou-se de vez.
No campo político, o lulismo baseou-se, por um lado, na transformação de grandes alianças heteróclitas em única condição possível de “governabilidade”, retirando da pauta dos debates políticos toda e qualquer modificação estrutural nos modos de gestão do poder. Ele ainda referendou um modo de gestão de conflitos políticos que encontra suas raízes brasileiras na Era Vargas. Trata-se da transposição dos conflitos entre setores da sociedade civil para o interior do Estado. Assim, durante o governo Lula, o conflito entre os monetaristas e desenvolvimentistas encontrou guarida na briga entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda. A luta entre ruralistas e ecologistas incrustou-se nos embates entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. Do mesmo modo, as querelas entre os militares e os defensores dos direitos humanos expressaram-se na colisão entre o Ministério da Defesa e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
O que seria, em situações normais, sintoma de esquizofrenia política foi, graças à posição de Lula como “mediador universal”, uma oportunidade para o governo “ganhar em todos os tabuleiros”, sendo, ao mesmo tempo, o governo e sua própria oposição. Assim, por “fagocitose de posições” o governo Lula conseguiu o feito de esvaziar tanto as oposições à direita quanto à esquerda. Contribuiu para isso a inanição intelectual completa da oposição à direita (PSDB, DEM e PPS) com seus acordos tácitos com os setores mais atrasados do debate de costumes e suas cruzadas moralizadoras feitas por frequentadores de escândalos de corrupção.
Mas como o governo Dilma administrou tal nova situação? No plano -econômico, tudo se passou como se o governo acreditasse que a continuidade bastasse. No entanto, a despeito dos avanços ligados à ascensão social de uma nova classe média, o Brasil continuava um país de níveis brutais de desigualdade. Por isso, seu crescimento só poderia trazer problemas como os que vemos em outros países emergentes de rápido crescimento (como Rússia, Angola etc.).
Como uma larga parcela da nova riqueza circula pelas mãos de um grupo bastante restrito com demandas de consumo cada vez mais ostentatórias, como o governo foi incapaz de modificar tal situação por meio de uma rigorosa política de impostos sobre a renda (impostos sobre grandes fortunas, sobre consumo conspícuo, sobre herança etc.), criou-se uma situação na qual a parcela mais rica da população pressiona o custo de vida para cima. Não por acaso, entre as cidades mais caras do mundo encontramos atualmente: Luanda, Moscou e São Paulo. Ou seja, o governo parou de pensar a desigualdade como o problema central da sociedade brasileira.
Acrescenta-se a isso o fato de os salários brasileiros continuarem baixos e sem previsão de grandes modificações. A maioria absoluta dos novos empregos criados nos últimos dez anos tem salários de até um e meio salário mínimo. Uma opção para a melhoria dos salários seria a diminuição dos itens que devem ser pagos pelas famílias. Uma família da nova classe média brasileira deve gastar, porém, quase metade de seus rendimentos com educação e saúde privada. Se o governo tivesse um programa para a universalização da educação e saúde pública de qualidade, poderia contribuir, por meio do fortalecimento do serviço público, para a minimização dos efeitos perversos da desigualdade. Mas o governo Dilma será lembrado, em 2012, pela sua desconsideração soberana com os professores em greve por melhores condições de trabalho e infraestrutura. Diga-se de passagem, é notória a relação problemática do governo com os sindicatos. 
Como se não bastasse, a política lulista de financiamento estatal do capitalismo nacional levou ao extremo as tendências monopolistas da economia brasileira. O capitalismo brasileiro é hoje um capitalismo monopolista de Estado, onde o Estado é o financiador dos processos de oligopolização e cartelização da economia. Exemplo pedagógico nesse sentido foi a incrível história da transformação do setor de frigoríficos em um monopólio no qual uma empresa comprou todas as demais se utilizando de dinheiro do BNDES. Em vez de impedir o processo de concentração, o Estado o estimulou. Como resultado, atualmente não há setor da economia (telefonia, aviação, produção de etanol etc.) que não seja controlado por cartéis, com seus serviços de péssima qualidade e seus preços extorsivos.
Ou seja, economistas pagos regiamente por bancos e consultorias entoam, de maneira infinita, o mantra do alto custo da produção por causa dos impostos, do alto custo da mão de obra em razão dos direitos trabalhistas e da intervenção estatal (como se esquecessem de que as nações que mais crescem, como China, Rússia e Índia, são países de forte intervenção estatal na economia). Melhor seria se eles se perguntassem sobre o impacto da desigualdade e dos processos de oligopolização no baixo crescimento brasileiro.
No plano político, a situação é também digna de profunda preocupação. Por não poder encarnar o papel de “mediadora universal”, Dilma optou por um governo com menos bipolaridade e mais centralizado. Com isso, selou-se de vez a incapacidade do governo em formular e discutir alternativas. Todos falam em uma única voz, mas ela não diz muito mais do que se espera na gestão cotidiana. Por isso, os quadros do governo são marcados por uma tendência a certo “gerencialismo”, onde grandes modificações saíram completamente do debate. Contribuiu para isso a trajetória do PT de afastamento definitivo dos núcleos de debate da sociedade civil (universidades, movimentos sociais etc.).
Essa saída de cena das grandes modificações encontra, na vida partidária brasileira, sua expressão mais bem-acabada. No governo Dilma consolidaram-se dois partidos que têm, como grande característica, não ter característica alguma. PSD e PSB são “partidos-curinga”, ou seja, podem estar em qualquer jogo, fazer qualquer tipo imaginável de alianças, até porque não representam, de maneira estruturada, setor algum da sociedade civil. Eles parecem indicar o futuro da política brasileira, isso enquanto não ocorrer uma radicalização paulatina dos extremos, talvez a única condição para que voltemos a pensar politicamente.
*Texto originalmente publicado em 07/01/2013
http://www.cartacapital.com.br/politica/os-impasses-do-lulismo
07/11/2013

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