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Brasília-DF. Direito ADministrAtivo: Ato e Processo Elaboração Humberto Barbosa de Castro Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I ÓRGÃOS PÚBLICOS ............................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ........................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 ÓRGÃOS PÚBLICOS ............................................................................................................... 11 UNIDADE II ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA ..................................................................................................... 14 CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................................................... 14 CAPÍTULO 2 AUTARQUIAS, FUNDAÇÕES, EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA ........... 23 UNIDADE III AGÊNCIAS .......................................................................................................................................... 39 CAPÍTULO 1 AGÊNCIAS EXECUTIVAS .......................................................................................................... 39 CAPÍTULO 2 AGÊNCIAS REGULADORAS ..................................................................................................... 51 UNIDADE IV ENTIDADES DE APOIO .......................................................................................................................... 60 CAPÍTULO 1 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (O.S. E OSCIP) .......................................................................................... 60 UNIDADE V PARCERIAS .......................................................................................................................................... 70 CAPÍTULO 1 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADOS .............................................................................................. 70 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 81 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução Atualmente, o Estado Moderno tem sua caracterização numa delimitação territorial, engajada por soberania, povo (sociedade) e finalidade revestidos sob o manto da legalidade. Registra-se que a marca mais forte da distinção entre o Estado Moderno e o Estado Feudal é a impessoalidade decorrente da legalidade. Destaca-se que o Estado Feudal tinha a característica própria da personalidade do monarca, do rei, que se confundia com a própria personalidade do Estado, enquanto o Estado Moderno tem como decorrência da sua soberania o princípio da legalidade, que se confunde, então, com a personalidade de sua formação. Ou seja, o Estado Moderno opera pela vontade da lei e não mais pela vontade do rei. É, portanto, Estado Impessoal. Assim, o Estado Moderno expressa-se pela lei – legalidade – no sentido impessoal de sua vontade, pois que a vontade do Estado é a vontade da lei. Decorre de tudo isso que o Estado, para se manifestar, precisa, basicamente, da lei e de alguns instrumentos de atuação: os órgãos e as entidades integrantes da Administração Indireta e, obviamente, dos agentes públicos. Esse será o objeto do nosso estudo, ou seja, a estrutura de que o Estado dispõe para atingir seus fins. Bons estudos! Objetivos » Conhecer os conceitos de órgãos públicos. » Conhecer a Administração Indireta. » Conhecer institutos introduzidos no Direito Administrativo. 9 UNIDADE IÓRGÃOS PÚBLICOS CAPÍTULO 1 Considerações introdutórias Antes de analisarmos os órgãos e as entidades da Administração Pública, convém estabelecermos algumas ideias básicasque nortearão nosso estudo. a. A Administração Direta é integrada por órgãos, os quais não possuem personalidade jurídica, compreendendo a Presidência da República e os Ministérios. b. Quando o Estado executa suas tarefas diretamente, por intermédio de seus órgãos pertencentes à Administração Direta, ocorre a chamada centralização administrativa. c. A descentralização administrativa ocorre quando o Estado desempenha suas funções por meio de entidades, criadas por meio de lei, quais sejam: as autarquias, as fundações, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. d. Segundo Di Pietro (2008:390-4), existem três tipos de descentralização: › territorial ou geográfica: é a que se verifica quando uma entidade local, geograficamente delimitada, é dotada de personalidade jurídica própria, de direito público, com capacidade administrativa genérica [...] No Brasil de hoje, podem ser incluídos nessa modalidade de descentralização os territórios federais, que não integram a federação, mas têm personalidade jurídica de direito público, são geograficamente delimitados e possuem capacidade genérica, que abrange serviços de segurança, saúde, justiça etc; Observe-se que, com a Constituição de 1988, os territórios federais antes existentes transformaram-se em Estados (Roraima, Rondônia e Amapá); Fernando de Noronha tornou-se município do Estado de Pernambuco. Portanto, hoje, no Brasil, não existem territórios federais. 10 UNIDADE I │ ÓRGÃOS PÚBLICOS › por serviços: “é a que se verifica quando o Poder Público (União, Estados ou Municípios) cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público”; › por colaboração: “é a que se verifica quando, por meio de contrato ou ato administrativo unilateral, se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando ao Poder Público a titularidade do serviço; e. Na Administração Indireta, as autarquias e as fundações públicas são pessoas jurídicas de direito público, ao passo que as empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado. f. As entidades da Administração Indireta possuem capacidade processual para demandarem em juízo, ao passo que os órgãos, salvo raríssimas exceções, não possuem essa capacidade. Segundo Alexandrino e Paulo (2009:120), A capacidade processual de certos órgãos públicos para defesa de suas prerrogativas está hoje pacificamente sustentada pela doutrina e aceita pela jurisprudência. A capacidade processual do órgão público para a impetração de mandado de segurança, na defesa de sua competência, quando violada por outro órgão, é hoje matéria incontroversa. Cabe ressaltar, porém, que essa excepcional capacidade processual só é aceita em relação aos órgãos mais elevados do Poder Público, de natureza constitucional, quando defendem suas prerrogativas e competências. Beneficia os chamados órgãos independentes e autônomos, não alcançando os demais órgãos hierarquizados (superiores e subalternos). A capacidade processual do órgão público foi expressamente reconhecida pelo Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que são legitimados para promover a liquidação e a execução de indenização as autoridades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica (Lei no 8.078, de 1990, art. 82, III). g. No âmbito federal, a matéria pertinente à organização administrativa é regulada pelo Decreto-Lei no 200, de 1967 (Reforma Administrativa Federal), e legislação posterior. 11 CAPÍTULO 2 Órgãos públicos Vejamos, adiante, o que os pensadores do Direito Administrativo dissertam sobre órgãos públicos. Bandeira de Mello (2002:122-3): Órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado. Por se tratar, tal como o próprio Estado, de entidades reais, porém abstratas (seres sem razão), não têm nem vontade nem ação, no sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais. [...] Em síntese, juridicamente falando, não há, em sentido próprio, relações entre órgãos, e muito menos entre eles e outras pessoas, visto que, não tendo personalidade, os órgãos não podem ser sujeitos de direitos e obrigações. Na intimidade do Estado, os que se relacionam entre si são os agentes manifestando as respectivas competências (inclusas no campo de atribuições dos respectivos órgãos). Nos vínculos entre Estado e outras pessoas, os que se relacionam são, de um lado, o próprio Estado (atuando por via dos agentes integrados nestas unidades de plexos de competência denominados órgãos) e, de outro, a pessoa que é a contraparte no liame jurídico travado. O mesmo autor, assim classifica os órgãos: Quanto à estrutura Simples Decisões formadas individualmente por seus agentes. Colegiado Decisões formadas coletivamente por seus agentes. Quanto às funções Ativos Expressão decisões estatais. Controle Prepostos que fiscalizam e controlam as atividades de outros órgãos ou agentes. Consultivos Aconselhamento e elucidação (pareceres) em assistência a órgãos ativos. Com relação aos órgãos que exercem funções consultivas, afirma que tais elucidações podem ter os seguintes conteúdos: » mérito – com competência para apreciar a oportunidade e a conveniência da medida a ser realizada; » legalidade – exame da conformidade ao Direito. Ademais, prossegue Bandeira de Mello (2002:123-4) afirmando que do aconselhamento resultante dos órgãos de natureza consultiva, a consulta, em si, pode ser facultativa – que não obriga a autoridade 12 UNIDADE I │ ÓRGÃOS PÚBLICOS -, obrigatória – a consulta é necessária, mas não obriga a autoridade – e vinculante – que obriga a autoridade. Meirelles (2008:68-9): São centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. São unidades de ação com atribuições específicas na organização estatal. Cada órgão, como centro de competência governamental ou administrativa, tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas é distinto desses elementos, que podem ser modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica. Isto explica por que a alteração de funções, ou a vacância dos cargos, ou a mudança de seus titulares, não acarreta a extinção do órgão. A “criação e extinção” de “órgãos da administração pública” depende de lei, de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (CF/88, arts. 48, XI, e 61, § 1o, “e”, na redação dada pela EC no 32/2001), a quem compete, privativamente e por decreto, dispor sobre “organização e funcionamento” desse órgãos públicos, “quando não implicar aumento de despesas nem criação ou extinção de órgão público” (CF/88, art. 84, VI, “b”, na redação dada pela EC no 32/2001). Os órgãos integram a estrutura do Estado e das demais pessoas jurídicas como partes desses corpos vivos, dotados de vontade e capazes de exercer direitos e contrair obrigações para a consecução de seus fins institucionais. Por isso, os órgãos não têm personalidade jurídica nem vontade própria, que são atributos do corpo e não das partes, mas na área de suas atribuições e nos limites de sua competência funcional expressam a vontade da entidade a que pertencem e a vinculam por seus atos, manifestados através de seus agentes (pessoas físicas). Como partes das entidades que integram, os órgãos são meros instrumentos de ação dessas pessoas jurídicas, preordenados ao desempenho das funções quelhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento. Para eficiente realização de suas funções cada órgão é investido de determinada competência, redistribuída entre seus cargos, com a correspondente parcela de poder necessária ao exercício funcional de seus agentes. Meirelles (2008:71-5) assim classifica os órgãos: Quanto à posição estatal Independentes São originários da Constituição e representativos dos Poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário, Autônomos São localizados na cúpula da Administração Pública. Ex.: Ministérios, Secretarias de Estado e de Município. Superiores São os que detêm poder de direção, controle, decisão e comando dos assuntos de sua competência específica. Ex.: Gabinetes, Secretarias-Gerais, Coordenadorias. Subalternos São todos aqueles que se acham hierarquizados a órgãos mais elevados. Ex.: Seções. 13 ÓRGÃOS PÚBLICOS │ UNIDADE I Quanto à estrutura Simples São os órgãos constituídos por um só centro de competência e uma única unidade de ação. Composto São os que reúnem na sua estrutura outros órgãos menores com função principal e com funções auxiliares. Quanto à atuação funcional Singulares São os que atuam e decidem mediante um único agente, que é seu chefe e representante. Colegiados São todos aqueles que atuam e decidem pela manifestação conjunta e majoritária da vontade de seus membros. Di Pietro (2008:480): Com base na teoria do órgão, pode-se definir o órgão público como uma unidade que congrega atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado. Na realidade, o órgão não se confunde com a pessoa jurídica, embora seja uma de suas partes integrantes; a pessoa jurídica é o todo, enquanto os órgãos são as parcelas integrantes do todo. O órgão também não se confunde com a pessoa física, o agente público, porque congrega funções que este vai exercer. Conforme estabelece o artigo 1o, § 2o, inciso I, da Lei no 9.784, de 20 de janeiro de 1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, órgão é “a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração Direta e da estrutura da Administração Indireta”. Isto equivale a dizer que o órgão não tem personalidade jurídica própria, já que integra a estrutura da Administração Direta, ao contrário da entidade, que constitui “unidade de atuação dotada de personalidade jurídica” (inciso II do mesmo dispositivo); é o caso das entidades da Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista). 14 UNIDADE IIADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA CAPÍTULO 1 Considerações introdutórias O Estado tem como função primordial o oferecimento de utilidades aos administrados, não se justificando sua atuação senão no interesse público. Assim, entende-se que todas as vezes que o Estado atua, o faz porque à coletividade deve atender. No início dos estudos sobre o Direito Administrativo, havia o entendimento de que os serviços públicos eram poderes estatais (e não deveres), que independiam da vontade ou da necessidade do cidadão ou do residente de um determinado local. Esta ideia inicial foi superada com o surgimento da Escola Francesa do Serviço Público, capitaneada por Léon Duguit, quando se passou a entender serviço público como serviços prestados aos administrados. Meirelles (2008:333) apresenta o seguinte conceito de serviço público: “Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado.” Nesse sentido, prendendo-se aos critérios relativos à atividade pública, ensina Carvalho Filho (2008:293): “[...] conceituamos serviço público como toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob o regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.” Apresentados dois dos diversos conceitos oferecidos pela doutrina, deve-se buscar qual a entidade federativa (União, Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios) competente para instituir, regulamentar e controlar os diversos serviços públicos. Para tanto, há que se buscar o fundamento de validade da atuação estatal na Constituição Federal, que apresenta, quanto ao ente federativo titular do serviço, a classificação de serviços privativos e serviços comuns. Os primeiros são aqueles atribuídos a somente uma das esferas da federação, como, por exemplo, a emissão de moeda, de competência privativa da União (CF, art. 21, VII). Já os serviços comuns, podem ser prestados por mais de uma esfera federativa, como por exemplo, os serviços de saúde pública (CF, art. 23, II). 15 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II Analisados o conceito e a atribuição para a prestação dos serviços públicos, deve-se ter em mente que estes são regidos por princípios que levam em consideração o prestador (ente público ou delegado), os destinatários e o regime a que se sujeitam. Como exemplo dos princípios que regem os serviços públicos, temos o princípio da generalidade – o serviço deve beneficiar o maior número possível de indivíduos; princípio da continuidade – os serviços não devem sofrer interrupção; princípio da eficiência; princípio da modicidade – o lucro, meta da atividade econômica capitalista, não é objetivo da função administrativa. Feitas essas breves considerações preliminares, quanto à origem, ao conceito, à titularidade, e aos princípios informativos, passamos à análise da questão central que é a forma de execução dos serviços públicos. Podem os serviços públicos ser executados direta ou indiretamente. O Estado, por seus diversos órgãos e nos diversos níveis da federação, estará prestando serviço por EXECUÇÃO DIRETA quando, dentro de sua estrutura administrativa – ministérios, secretarias, departamentos, delegacias –, for o titular do serviço e o seu executor. Assim, o ente federativo, será tanto o titular do serviço, quando o prestador dele. Esses órgãos formam o que a doutrina chama de ADMINISTRAÇÃO CENTRALIZADA, porque é o próprio Estado que, nesses casos, centraliza a atividade. O Decreto-Lei no 200/1967, que implantou a Reforma Administrativa Federal, denominou esse grupamento de órgãos de administração direta (art. 4o, I), isso porque o Estado, na função de administrar, assumirá diretamente seus encargos. Por outro lado, identifica-se a EXECUÇÃO INDIRETA quando os serviços são prestados por pessoas diversas das entidades formadoras da federação. Ainda que prestados por terceiros, insistimos, o Estado não poderá nunca abdicar do controle sobre os serviços públicos; afinal, quem teve o poder jurídico de transferir atividades deve suportar, de algum modo, as consequências do fato. Essa execução indireta, quando os serviços públicos são prestados por terceiros sob o controle e a fiscalização do ente titular, é conhecido na doutrina como DESCENTRALIZAÇÃO. Leciona Bandeira de Mello (2002:131-2) que: [...] a atividade é descentralizada quando é exercida, [...] por pessoas distintas do Estado. Na descentralização o Estado atua indiretamente, pois o faz por meio de outras pessoas, seres juridicamente distintos dele, ainda quando sejam criaturas suas e por isso mesmo se constituam, [...], em parcelas personalizadas da totalidade do aparelho administrativo estatal. Visualizado o conceito de descentralização da prestação dos serviços públicos, há que destacar os modelos de descentralização adotados pela doutrina pátria. 16 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE Não há, pelos doutrinadores, uniformidade na classificação das subespécies de descentralização.Entretanto, temos por mais didática a apresentação feita por Di Pietro (2008:389-394). Em seu curso, ela divide a descentralização inicialmente em política e administrativa. A descentralização política ocorre quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias que não decorrem do ente central. A descentralização política decorre diretamente da Constituição (o fundamento de validade é o texto constitucional) e independe da manifestação do ente central (União). Já a descentralização administrativa ocorre quando o ente descentralizado exerce atribuições que decorrem do ente central, que empresta sua competência administrativa constitucional a um dos entes da federação tais como os Estados-Membros, os Municípios e o Distrito Federal, para a consecução dos serviços públicos. Assim, entende-se que, na descentralização administrativa, os entes descentralizados têm capacidade para gerir os seus próprios “negócios”, mas com subordinação a leis postas pelo ente central. A descentralização administrativa apresenta-se de três formas. Pode ser territorial ou geográfica; por serviços, funcional ou técnica; e por colaboração. A descentralização territorial ou geográfica é a que se verifica quando uma entidade local, geograficamente delimitada, é dotada de personalidade jurídica própria, de direito público, com capacidade jurídica própria e com a capacidade legislativa (quando existente) subordinada a normas emanadas do poder central. No Brasil, podem ser incluídos nessa modalidade de descentralização os territórios federais, embora na atualidade não existam. Como já afirmamos, até 1988, havia os Territórios Federais de Rondônia, Roraima e Amapá, que foram transformados em Estados Federados, e o Território Federal de Fernando de Noronha, que passou a município do Estado de Pernambuco. Mas nada impede que, no futuro, sejam criados outros territórios federais, se assim a necessidade o indicar. A descentralização por serviços, funcional ou técnica é a que se verifica quando o Poder Público (União, Estados, Distrito Federal ou Município), por meio de uma lei, cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade (não a plena, mas a decorrente de lei) e a execução de serviço público descentralizado. Doutrina minoritária permite, ignorando o DL no 200/1967, a transferência da titularidade legal e da execução de serviço público a pessoa jurídica de direito privado. Essa classificação permitiria no Brasil a transferência da titularidade legal e da execução dos serviços às sociedades de economia mista e às empresas públicas. Na descentralização por serviços, o ente descentralizado passa a deter a “titularidade” e a execução do serviço nos termos da lei não devendo e não podendo sofrer interferências indevidas por parte do ente que lhe deu vida. Deve, pois, desempenhar o seu mister da melhor forma e de acordo com a estrita demarcação legal. Exemplos: Banco Central do Brasil (autarquia), INSS (autarquia), FUNAI (fundação pública) etc. 17 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II Deve-se ressaltar, neste ponto, que, após a Emenda Constitucional no 19/1998, que deu nova redação ao art. 37, XIX, da CF, apenas as autarquias dependem de lei para serem criadas; com relação às fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, basta uma lei autorizativa, cabendo ao Poder Executivo as providências para a instituição da entidade: “Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. (grifamos) A descentralização por colaboração é a que se verifica quando, por meio de contrato (concessão ou permissão) ou de ato administrativo unilateral (autorização), se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o Poder Público, in totum, a titularidade do serviço, o que permite ao ente público dispor do serviço de acordo com o interesse público. Exemplos: transporte coletivo, navegação aérea, exploração de energia elétrica etc. Feitas as distinções concernentes ao tema, vale recordar que a descentralização não se confunde com a desconcentração. A desconcentração é um procedimento eminentemente interno, significando, tão somente, a substituição de um órgão por dois ou mais com o objetivo de acelerar a prestação do serviço. Na desconcentração, o serviço era centralizado e continuou centralizado, pois que a substituição se processou apenas internamente. Na desconcentração, as atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre um e outros. Isso é feito com o intuito de desafogar, ou seja, desconcentrar, tirar do centro um grande volume de atribuições para permitir o seu mais adequado e racional desempenho. Conceito de Administração Pública – dada a etimologia do vocábulo “administração” (manus. mandare, cuja raiz é man), é natural a ideia de comando, orientação, direção e chefia, ao lado da noção de subordinação, obediência e servidão. Destarte, a palavra encerra a ideia geral de relação hierárquica e de um comportamento eminentemente dinâmico. Deste modo, temos duas formas de utilização desse termo: a) administração pública = atividade administrativa: b) Administração Pública = Estado. Assim, se grafada em minúsculas (administração pública), indica atividade administrativa ou função administrativa; se registrada em maiúsculas (Administração Pública), significa Estado. A Administração Pública, em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em beneficio da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de 18 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE governo; pratica, tão somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos (MEIRELLES, 2008:65-66). Administração Pública Direta A administração pública direta é aquela realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração por seus próprios meios, compreendendo: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. » No âmbito federal: é o conjunto de órgãos integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. » No âmbito estadual: é o conjunto de órgãos integrados na estrutura administrativa do Governo do Estado e das Secretarias Estaduais. » No âmbito municipal: é o conjunto de órgãos integrados na estrutura administrativa do Governo Municipal e das Secretarias Municipais. » No âmbito distrital: é o conjunto de órgãos integrados na estrutura administrativa do Governo do Distrito Federal e das Secretarias Distritais. O art. 4o, I, do Decreto-Lei no 200/1967, estabelece: “A Administração Federal compreende: I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios”. Administração Pública Indireta A administração pública indireta é aquela em que o Estado (União, Estados, DF e Municípios) outorga a terceiros (entidades autárquicas, fundacionais, empresas públicas e sociedades de economia mista, estas duas últimas denominadas empresas estatais) a realização de serviçopúblico, observadas as normas regulamentares. Do ponto de vista da Constituição Federal de 1988, abrange: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. A doutrina critica esse conceito legal, pois ele é menos abrangente do que deveria ser e, por outro lado, outros doutrinadores o consideram mais abrangente do que deveria ser. » Aspecto em que a doutrina critica o conceito legal porque é menos abrangente: Haverá administração indireta em todos os casos de descentralização administrativa. A descentralização também abrange os particulares, como os permissionários e os concessionários, portanto, estes fazem parte da administração indireta e não foram contemplados pelo conceito legal. 19 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II » Aspecto em que a doutrina é contra o conceito legal porque é mais abrangente: O conceito legal inclui quem não deveria ter sido incluído, pois muitas empresas públicas e sociedades de economia mista não desempenham atividades administrativas e sim econômicas, por exemplo, o Banco do Brasil. Nos casos de empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenham atividades econômicas, não devem estar abrangidas pelo conceito de Administração Indireta, porque não haveria aí desempenho de atividades administrativas, pois estão exercendo atividades econômicas sob as regras privadas, com respaldo no art. 173 da Constituição. Para parte da doutrina, só as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos é que são da administração indireta. Todas as entidades da administração indireta estão sujeitas: 1. à necessidade da lei para a sua criação; observe-se a redação do art. 37, XIX da CF: somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional no 19, de 1998) 2. aos princípios da administração pública; 3. à exigência de concurso público para admissão do seu pessoal; 4. à licitação para suas contratações. A organização da Administração Pública Federal Indireta esta disposta no art. 4o, II do Decreto Lei no 200/1967: Art. 4o. A Administração Federal compreende: II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a. Autarquias; b. Empresas Públicas; c. Sociedades de Economia Mista; d. Fundações Públicas. Esta descrição é adotada não somente pela União, mas também, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, ou seja, esses entes federativos também podem instituir autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. 20 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE Concentração e Desconcentração A concentração e a desconcentração ocorrem no âmbito de uma mesma pessoa. » Concentração – é quando há uma transferência das atividades dos órgãos periféricos para os centrais. » Desconcentração – é uma técnica administrativa de simplificação e aceleração do serviço dentro da mesma entidade – deferentemente da descentralização, que é uma técnica de especialização – consistente na retirada do serviço dentro de uma entidade e transferência a outra para que o execute com mais perfeição e autonomia. Ocorre desconcentração quando as atividades são distribuídas do centro para a periferia de entidades superiores para inferiores (âmbito da hierarquia), dentro da mesma entidade ou da mesma pessoa jurídica. Obs.: tanto a concentração como a desconcentração poderão ocorrer na estrutura administrativa centralizada ou descentralizada. As características da desconcentração são estas. » Mesma pessoa jurídica – a desconcentração ocorre no âmbito da mesma pessoa jurídica. A entidade pública distribui serviço entre seus próprios departamentos ou órgãos subalternos; é a distribuição interna de complexos de competências, agrupadas em unidades individualizadas; refere-se a uma só pessoa. Essa desconcentração pode ocorrer tanto na administração pública direta como na indireta. » Vínculos hierárquicos – como a desconcentração ocorre dentro da mesma pessoa jurídica, a relação se dá entre a entidade e seus departamentos ou órgãos subordinados; opera-se, sempre, pelo de vínculo hierárquico, é dizer, toda e qualquer conduta do órgão subordinado deve obedecer os ditames da entidade pública (órgão subordinante). » Controle – não havendo independência do órgão subordinado, o órgão subordinante é o que detém o poder de controle, decisão e comando, estando o órgão subordinado sempre sujeito ao controle hierárquico. Esse controle visa, em especial, à consecução dos objetivos e à eficiência da gestão da entidade pública; assim, as normas de controle das atividades administrativas são sempre estabelecidas pelo órgão subordinante. » Centralização – a administração centralizada é a administração direta; nela, os serviços e a competência para prestá-los estão distribuídos pelos diversos órgãos que compõem a entidade política por eles responsável. Destarte, o serviço centralizado é o que o Poder Público presta por seus próprios órgãos em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade. Em tais casos, o Estado é, ao mesmo tempo, titular e prestador do serviço, que permanece integrado na Administração Direta (Decreto-Lei no 200/1967, art. 4o, I). 21 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II Na centralização há concentração dentro de uma estrutura cêntrica. Na esfera federal os mais amplos órgãos são os Ministérios; na estadual, distrital e municipal são as Secretarias. A União é um exemplo de centralização administrativa – mas as atribuições podem ser exercidas por seus órgãos centrais – há concentração dentro de uma estrutura centralizada. Também pode haver desconcentração dentro de uma estrutura centralizada – quando há delegação de atribuição. Descentralização Serviço descentralizado é todo aquele em que o Poder Público transfere sua titularidade ou, simplesmente, sua execução, por outorga ou delegação, a autarquias, entidades estatais, empresas privadas ou particulares individualmente. Há outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei, a titularidade de determinado serviço público ou de utilidade pública; há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão ou permissão) ou ato unilateral (autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal. Observe-se que, no tocante à permissão de serviços públicos, a Lei no 8.987/1995 é controversa ao determinar que ela se faça por contrato “de adesão” (art. 40), pois, na verdade, todo contrato administrativo é de adesão, eis que o particular não pode participar da sua confecção. Dessa forma, ocorre descentralização quando o poder de decisão em matérias específicas é transferido a entes dotados de personalidade jurídica própria. É dizer, na administração descentralizada a realização das atividades é feita pela empresa (pública ou privada) criada para a consecução de determinada atividade, ou seja, a realização das atividades ocorre em nome próprio. Há também a transferência da atividade decisória, pois compete à unidade descentralizada a decisão da conveniência e oportunidade para realização de obras ou serviços (não competindo tal decisão ao Poder Público que tenha outorgado ou delegado dada atividade). Enfatize-se que não há relação de subordinação entre os órgãos da Administração Direta e as entidades da Administração Indireta, e, sim, relação de vinculação. Para que ocorra descentralização é necessário o seguinte. » Atribuiçãode personalidade jurídica ao ente criado, diverso da matriz (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). » Conferir ao ente descentralizado o poder decisório, ou seja, haverá a criação de um ente descentralizado com personalidade jurídica própria, autônoma da matriz. » Órgãos e patrimônio próprios, devendo observar formas de se manter independente da matriz, a partir do exercício da atividade para qual fora criada. 22 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE » Estabelecimento de normas para controle ou tutela específica (tutela: DL no 200/67 – arts. 19 a 29), nos limites da lei, pelo órgão instituidor. » Impossibilidade de avocação, é dizer, impossível envolvimento na administração do ente descentralizado, v.g., não pode a União intervir na administração do INSS. 23 CAPÍTULO 2 Autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista Autarquia Etimologicamente, o vocábulo “autarquia”, de origem helênica, significa comando próprio, direção própria, autogoverno. Com esse sentido a palavra ingressou no mundo jurídico e passou a representar “toda pessoa jurídica de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa”. O Decreto-Lei no 200/1967, no inciso I do art. 5o, define autarquia federal como sendo “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”. Embora o referido diploma legal não tenha explicitado, a autarquia é uma pessoa jurídica de direito público interno. Essa característica orienta todo seu regime jurídico. A par disso, vê-se, de ambos os conceitos, que não se lhe atribui qualquer competência política. Por via de consequência, diz-se que sua capacidade é unicamente administrativa. As autarquias são detentoras, em nome próprio, de direitos e obrigações, poderes e deveres, prerrogativas e responsabilidades. Ademais, em razão de sua personalidade, as atividades que lhes são trespassadas e os fins e interesses que perseguem são próprios, assim como são próprios os bens que possuem ou que venham a possuir. Tudo isso porque a autarquia tem administração própria, órgãos próprios, patrimônio próprio, recursos próprios, negócios e interesses próprios, direitos, poderes e responsabilidades próprias. Com tais características, é notório que não se subordinam hierarquicamente à Administração Pública que as criou, embora se coloquem, naturalmente, sob seu planejamento geral, conforme se infere do disposto no parágrafo único do art. 4o do Decreto-Lei no 200/1967. Autonomia quer dizer que a autarquia não se subordina hierarquicamente ao seu ente criador. As entidades da Administração Indireta são vinculadas aos órgãos da Administração Direta, com o objetivo principal de possibilitar a verificação de seus resultados, a harmonização de suas atividades políticas com a programação do Governo, a eficiência de sua gestão e a manutenção de sua autonomia, que se dá nas áreas financeira, operacional, por meio dos meios de controle estabelecido em lei. São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta se administra a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou. Por esse motivo é que Di Pietro (2008:409) prefere utilizar a expressão “capacidade de autoadministração”, ao invés de autonomia: Falando-se em autoadministração, diferencia-se a autarquia das pessoas jurídicas públicas políticas (União, Estados e Municípios), que têm o poder de criar o próprio direito, dentro de um âmbito de ação fixado pela Constituição. 24 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE Não é demais repetir que se deve evitar o termo autonomia, em relação às autarquias, porque estas não têm o poder de criar o próprio direito, mas apenas a capacidade de se autoadministrar a respeito de matérias específicas que lhes foram destinadas pela pessoa pública política que lhes deu vida O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia é precipuamente político. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores a que se vinculam, como ocorre com os Municípios brasileiros (autonomias), em relação aos Estados-Membros e à União (MEIRELLES, 2008:347-8). As autarquias são criadas por lei específica, pelo ente federado ao qual está vinculada (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios). Nesta lei são estabelecidas todas as regras básicas pelas quais a autarquia se regerá. Se só podem ser criadas por lei, obviamente só podem ser extintas por lei. Mas a organização opera-se por decreto, que aprova o regulamento ou o estatuto da entidade, e daí por diante sua implantação se completa por atos da diretoria, na forma regulamentar ou estatutária, independentemente de quaisquer registros públicos. É denominada longa manus da pessoa política que a criou, considerada para todos os fins, fazenda pública. A autarquia dá-se sempre no âmbito de atividade tipicamente estatal. Como pessoa jurídica de direito público interno, sujeita-se a todos os direitos e deveres do Estado, aplicando-se-lhe todos os comandos normativos da entidade pública. Embora identificada com o Estado, a autarquia não é entidade estatal; é simples desmembramento administrativo do Poder Público. E, assim sendo, pode diversificar-se das repartições públicas para adaptar-se às exigências específicas dos serviços que lhe são cometidos (MEIRELLES, 2008:350). O controle das autarquias pode ser extrajudicial ou judicial (mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, habeas data, mandado de injunção, ação popular, ação civil e ação civil pública). O patrimônio inicial das autarquias é formado com a transferência de bens móveis e imóveis da entidade -matriz, os quais se incorporam ao ativo da nova pessoa jurídica. A transferência de imóveis ou é feita diretamente pela lei instituidora, caso em que dispensa transcrição, ou a lei apenas autoriza a incorporação, a qual se efetivará por termo administrativo ou por escritura pública, para a necessária transcrição no registro imobiliário competente. O que não se admite é a transferência de bens imóveis por decreto ou qualquer outro ato administrativo unilateral (MEIRELLES, 2008:350). Os bens e rendas das autarquias são considerados patrimônio público, mas com destinação especial e administração própria da entidade a que foram incorporados, para realização dos objetivos legais e estatutários. Daí por que podem ser utilizados, onerados e alienados, para os fins da instituição, na forma regulamentar ou estatutária, independentemente de autorização legislativa especial, porque essa autorização está implícita na lei que a criou e outorgou-lhe os serviços com os conseqüentes poderes para bem executá-los. Por essa razão, os atos lesivos ao patrimônio autárquico são passíveis de anulação por ação popular (Lei no 4.717/65, art. 1º). Por idêntico motivo, extinguindo-se a autarquia, todo o seu patrimônio reincorpora-se no da entidade estatal que a criou (MEIRELLES, 2008:351). 25 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II O orçamento das autarquias é formalmente idêntico ao das entidades estatais, com as peculiaridades indicadas nos arts. 107 a 110 da Lei no 4.320/64 e adequação ao disposto no art. 165, § 5º, da CF. (MEIRELLES, 2008:351). Os dirigentes das autarquias são investidos nos respectivos cargos na forma que a lei ou seu estatuto estabelecer. (MEIRELLES, 2008:351). Os atos dos dirigentes das autarquias equiparam-se aos atos administrativos e, por isso, devem observar os mesmos requisitos para sua expedição,com atendimento específico das normas regulamentares e estatutárias da instituição, sujeitando-se aos controles internos e ao exame de legalidade pelo Judiciário, pelas vias comuns (ações ordinárias) ou especiais (mandado de segurança e ação popular). (MEIRELLES, 2008:351). Os contratos das autarquias estão sujeitos a licitação por expressa determinação do art. 1o, Parágrafo único, da Lei no 8.666/1993 e do art. 37, XXI, da CF, sendo nulos os que não a realizarem ou fraudarem o procedimento licitatório (Lei no 4.717/1965, arts. 1o e 4o, III, IV e V). (MEIRELLES, 2008:351). O pessoal das autarquias está sujeito ao regime jurídico único da entidade-matriz, como dispõe o art. 39, caput, da CF. As proibições de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções atingem também os servidores das autarquias, nos expressos termos dos incs. XVI e XVII do art. 37 da CF. Por outro lado, para efeitos criminais (CP, art. 327), os servidores e dirigentes de autarquias igualam-se a funcionários públicos, na terminologia dessa norma, que ainda se refere a “funcionários públicos” quando, hoje, são todos “servidores públicos”. Para as sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa, são agentes públicos (Lei no 8.429/1992, art. 2o). (MEIRELLES, 2008:352). Se, não obstante, a autarquia dedicar-se à exploração de atividade econômica, impõe-se-lhe, por força do art. 173, §1o, da CF, nas relações de trabalho com os seus empregados, o mesmo regime das empresas privadas (cf. STF, Pleno, ADIn 83-7-DF, DJU 18/10/1992). (MEIRELLES, 2008:352). As autarquias brasileiras nascem com os privilégios administrativos (não políticos) da entidade estatal que as institui, auferindo também as vantagens tributárias e as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, além dos que lhe forem outorgados por lei especial, como necessários ao bom desempenho das atribuições da instituição. (MEIRELLES, 2008:352). Os privilégios das autarquias em geral são os seguintes: imunidade de impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes (CF, art. 150, §2o); prescrição quinquenal de suas dívidas passivas (Decreto-Lei no 4.597, de 19/8/1942); execução fiscal de seus créditos inscritos (CPC, art. 578); ação regressiva contra seus servidores culpados por danos a terceiros (CF, art. 37, § 6o); impenhorabilidade de seus bens e de suas rendas (CF, art. 100 e §§); impossibilidade de usucapião de seus bens imóveis (Decreto-Lei no 9.760, de 5/9/1946, art. 200); recurso de ofício nas sentenças que julgarem improcedente a execução de seus créditos fiscais (CPC, art. 475, III – STF Súmula 620); prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (CPC, art. 188, e Decreto-Lei no 7.659, de 21/6/1945); pagamento de custas só a final, quando vencidas (CPC, art. 27); juízo privativo da entidade estatal a que pertencem (CF, art. 109, I); ampliação do prazo para desocupação de prédio locado para seus serviços, quando 26 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE decretado o despejo (Lei no 8.245, de 18/10/1991, art. 63, § 3o); não sujeição a concurso de credores ou a habilitação de crédito em falência, concordata ou inventário, para cobrança de seus créditos; retomada dos bens havidos ilicitamente por seus servidores (Lei no 8.429/1992); impedimento de acumulação de cargos, empregos e funções para seus servidores (CF, art. 37, XVI e XVII); dispensa de exibição de instrumento de mandato em juízo, pelos procuradores de seu quadro, para os atos ad judicia. (MEIRELLES, 2008:352-3). As autarquias não se igualam às entidades estatais, nem se sobrepõem a qualquer delas em direitos ou poderes públicos, ainda que pertençam a uma entidade político-administrativa de grau superior. Entre as autarquias, deve ser observada a mesma precedência federal, estadual ou municipal caso concorram seus interesses sobre o mesmo objeto, mas entre autarquias e entidades estatais hão de prevalecer sempre as prerrogativas destas sobre as daquelas, por superior na ordem constitucional a posição das entidades político-administrativas (União, Estados-Membros e Municípios) em relação à das entidades meramente administrativas (autarquias). Essa realidade jurídica impede que qualquer autarquia dispute preferência com as entidades estatais ou a elas se sobreponha em direitos e vantagens, ainda que o ente autárquico pertença a uma esfera estatal de grau superior. (MEIRELLES, 2008:353). Controle autárquico é a vigilância, orientação e correção que a entidade estatal exerce sobre os atos e a conduta dos dirigentes de suas autarquias. Mas esse controle não é pleno, nem ilimitado. É restrito aos atos da administração superior e limitado aos termos da lei que o estabelece, para não suprimir a autonomia administrativa dessas entidades. (MEIRELLES, 2008:353-4). Sendo as autarquias serviços públicos descentralizados, personalizados e autônomos, não se acham integradas na estrutura orgânica do Executivo, nem hierarquizadas a qualquer chefia, mas tão somente vinculadas à Administração Direta, compondo, separadamente, a Administração Indireta do Estado com outras entidades autônomas (fundações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista). Por esse motivo não se sujeitam ao controle hierárquico, mas, sim, a um controle diverso, finalístico, atenuado, normalmente de legalidade e excepcionalmente de mérito, visando unicamente a mantê-las dentro de suas finalidades institucionais, enquadradas no plano global da Administração a que se vinculam e fiéis às suas normas regulamentares. É um controle de orientação e correção superiores, só apreciando os atos internos e a conduta funcional de seus dirigentes em condições especialíssimas, autorizadas por lei. (MEIRELLES, 2008:354). Entre nós, o controle das autarquias realiza-se na tríplice linha política, administrativa e financeira, mas todos esses controles adstritos aos termos da lei que os estabelece. O controle político normalmente se faz pela nomeação de seus dirigentes pelo Executivo; o controle administrativo se exerce por meio da supervisão ministerial (Decreto-Lei no 200/1967, art. 26) ou de órgão equivalente no âmbito estadual e municipal, bem como por meio de recursos administrativos internos e externos, na forma regulamentar; o controle financeiro opera nos moldes da Administração Direta, inclusive prestação de contas ao tribunal competente, por expressa determinação constitucional (art. 71, II). (MEIRELLES, 2008:355). 27 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II Autarquias são pessoas jurídicas de direito público e possuem capital exclusivamente público. São criadas e extintas somente por meio de lei específica e têm autonomia administrativa (capacidade de autoadministração) e financeira, além de patrimônio próprio. Não há vínculo hierárquico ou subordinação entre as autarquias e a Administração Direta, mas esta realiza um controle sobre aquelas, quanto à sua legalidade ou finalidade. As autarquias também são dotadas de imunidade tributária em relação aos impostos. Além disso, estão incluídas na expressão Fazenda Pública, tendo os privilégios processuais fixados no CPC (em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer). A responsabilidade pelas obrigações contraídas por essas pessoas a elas pertence, podendo admitir- se, no máximo, seja o Estado chamado apenas em caráter subsidiário, vale dizer, apenas depois de esgotadas as forças da autarquia (não se cogita aqui da possibilidade de o Estado responder em caráter solidário). Em razão das atividades que desenvolvem (serviços públicos), as autarquias não se submetem ao regime falimentar. Com a necessidade do Estado de dotar a Administração de instrumentos capazes de absorver a variedade de suas funções e a necessidade amplade descongestioná-la, surgiu a descentralização, que é o processo de passagem de competências para centros autonomizados. Nela, a incumbência de desenvolver estas funções cabe sempre a uma pessoa jurídica, que goza de muita liberdade no desempenho da sua competência, cabendo tão somente ao Estado a tutela para a manutenção destas entidades descentralizadas no exercício das funções que lhe são próprias. A autarquia é uma modalidade fundamental de descentralização, que é criada pelo Estado como pessoa jurídica, com prerrogativas próprias que apenas ele detém, como na qualidade de pessoa encarregada da defesa do interesse coletivo. É um segmento um segmento da atividade Estatal que rompe com os vínculos da hierarquia, passando a exercer as atividades com o mesmo fim das Estatais, com autonomia financeira, administrativa, disciplinar, menos, evidentemente, econômica, que se prende a uma previsão de fundos por parte do Estado. A autarquia, geralmente, são indicados serviços que requeiram maior especialização e consequentemente, organização adequada, autonomia de gestão e pessoal técnico especializado. Por ser entidade com personalidade de direito publico interno, a autarquia recebe a execução de serviço publico por transferência, não agindo por delegação, e sim por direito próprio e com autoridade pública, da competência que lhe for outorgada pela lei que a cria. Não é outra coisa senão uma forma específica da capacidade de direito publico, própria daqueles sujeitos auxiliares do Estado, que exercem função pública por um interesse próprio que seja igualmente público. Nas autarquias, o orçamento é idêntico ao das Entidades Estatais, obedecido o disposto nos arts.107 a 110 da Lei no 4.320/1964; entretanto, uma vez adequados ao Plano Geral do Governo, são por ele aprovados mediante a edição de decreto, onde são discriminadas as tabelas explicativas da receita e da despesa. 28 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE Os atos dos dirigentes das autarquias equiparam-se aos atos administrativos e, portanto, estão sujeitos a mandado de segurança e a ação popular. As despesas relativas a compras, serviços e obras estão sujeitas às Normas de Licitação. O pessoal se sujeita a regime estatutário próprio; entretanto, seus atos para efeito criminal equiparam-se aos praticados por funcionários públicos. Apesar de não se achar integrada na estrutura orgânica do Executivo, vincula-se à Administração Direta, compondo o que se chamou de Administração Indireta ou Descentralizada, com outras entidades autônomas. Daí porque não se sujeita hierarquicamente ao órgão estatal a que está vinculada, porém deve fornecer esclarecimentos quanto aos objetivos e fins, para adequar-se às normas regulamentares e ao plano global de Governo. Entretanto, uma vez adequados, seus orçamentos são por ele aprovados mediante a edição de decreto, onde são discriminadas as tabelas explicativas da receita e da despesa. Di Pietro assim classifica as autarquias (2008:410-11): Vários critérios costumam ser apresentados para classificar as autarquias. Alguns consideram o tipo de atividade, falando em autarquias: 1. econômicas, destinadas ao controle e incentivo à produção, circulação e consumo de certas mercadorias, como o Instituto do Açúcar e do Álcool; 2. de crédito, como as Caixas Econômicas (hoje transformadas em empresas públicas); 3. industriais, como a Imprensa Oficial do Estado (hoje também transformada em empresa); 4. de previdência e assistência, como o INSS e o IPESP; 5. profissionais ou corporativas, que fiscalizam o exercício das profissões, como a OAB; 6. as culturais ou de ensino, em que se incluem as Universidades Esse tipo de classificação carece de relevância, tendo em vista que o tipo de atividade não altera o regime jurídico; além disso, sempre é possível surgirem autarquias com novas funções que não se enquadram em nenhuma das categorias mencionadas. Um outro critério é o da capacidade administrativa, que distingue dois tipos de autarquias: 1. a geográfica ou territorial, que é de capacidade genérica; 2. a de serviço ou institucional, que é de capacidade específica. Essas duas modalidades correspondem a duas formas de descentralização já analisadas: a territorial e a por serviços. 29 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II [...] Um outro considera a estrutura das autarquias e as subdivide em: 1. fundacionais; e 2. corporativas. [...] A autarquia fundacional corresponde à figura da fundação de direito público, cuja existência alguns doutrinadores negam, por entenderem que todas as fundações são de direito privado e se regem pelo Código Civil. O seu funcionamento vai depender apenas da sua organização, regulamentação, nomeação e posse dos respectivos dirigentes e servidores. A personalidade jurídica da entidade surge com a publicação da lei criadora. O Chefe do Executivo, normalmente, é quem submete ao Legislativo projeto de lei criando autarquia. Mas não detém competência para criar entidade nem órgão por decreto. A proibição é de nível constitucional, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição da República. Fundações A figura da fundação apresentou-se no período subsequente à edição do Decreto-Lei no 900/1969 como um dos principais instrumentos para a atuação estatal nas áreas fruto da expansão do modelo do bem-estar social e que não tinham cunho econômico. Sobre ela surgiram várias discussões doutrinárias de relevo, sobretudo acerca do regime jurídico pertinente, o que refletia sobre pessoal, bens e negócios jurídicos. Tais embates doutrinários foram aplacados com a Constituição de 1988, com a prevalência da tese da “autarquia fundacional” defendida por Bandeira de Mello. Com a reforma do Estado brasileiro, sobretudo após a EC no 19/1998, algumas questões voltam à tona acerca do regime jurídico e do papel destinado a esse tipo de instituição na futura Administração Pública brasileira. Será relevante, também, fazer breve referência ao Código Civil brasileiro. Antes da Constituição de 1988, a figura da fundação instituída e mantida pelo Estado foi muito utilizada como instrumento para a prestação de serviços de interesse público de cunho não econômico. Surgiram, ou foram em tal “transformadas”, com extinção de anteriores autarquias, entidades com essa estrutura na área educacional (todas as Universidades Públicas Federais criadas no período), cultural (v.g. a Fundação Joaquim Nabuco), na área até de serviços públicos típicos (como o IBGE). Festejava-se aquela espécie de ente como forma de prestação de serviços sem as peias do regime de direito público tese privatista, majoritária, sobretudo nas décadas de 1960, pós Decreto-Lei no 900/1969 e de 1970. Progressivamente, a doutrina publicista brasileira, defendida a partir de Bandeira de Mello, ganhou fôlego. Digladiavam-se os autores a partir de dois posicionamentos. O primeiro defendendo a natureza tipicamente privada das fundações instituídas e mantidas pelo Estado e o segundo defendendo serem meras espécies do gênero autarquia. Essa segunda corrente prevaleceu na CF/1988, passando-se a entender, sem maiores discussões, que as fundações nada mais seriam que espécies do gênero autarquia. Tal conclusão alicerçava-se em vários pilares de relevo, tais como: a unidade do regime de pessoal, a unidade do regime jurídico de regência dos bens e atos jurídicos etc. 30 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE Com a reforma do Estado brasileiro, em implantação houve alteração do regime jurídico das fundações instituídas pelo Estado com a EC no 19/1998? Antes de partir para a resposta a essa indagação, deve-se relembrar a estrutura atual dos Órgãos e das Pessoas públicas e privadas responsáveis pela prestação de serviços atribuíveis ao Estado, própriosou impróprios, típicos ou não. Pode-se esboçar o seguinte esquema. » Administração direta – representada pelo conjunto de órgãos integrantes das pessoas Jurídicas Políticas (União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios), divididos em de direção, de execução e consultivos. » Prestação de serviços por terceiros: a. Por meio de Pessoas Jurídicas vinculadas ao Estado – a Administração Indireta. › Pessoas jurídicas de Direito Público: · Autarquias · Fundações Públicas › Pessoas jurídicas de Direito Privado vinculadas ao Estado: · Empresas públicas em sentido estrito (art. 5o, I, do Decreto-Lei no 200/1967) e em sentido lato (art. 5o do Decreto-Lei no 900/1969) e suas subsidiárias; · Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias. b. Mediante Pessoas Jurídicas não vinculadas ao Estado: › em atividades de competência estatal, de cunho econômico em geral, por meio de concessões, permissões regidas, em princípio pela Lei no 8.987/1995 ou autorizações; › em atividades de cunho não lucrativo, assistenciais, culturais etc., por meio de entes de colaboração como as “organizações sociais”. O exercício de atividades econômicas, diretamente pelo Estado ou por empresas, sofreu sensível redução em seu controle no Brasil na década de 1990, a partir do Plano Nacional de Desestatização (Lei no 8.018/1990 e Lei no 9.491/1997) e das alterações constitucionais ocorridas. O princípio da subsidiariedade em matéria econômica foi aguçado (vide arts. 173 e segs. da CF/1988). Mesmo 31 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II as atividades econômicas, ou de valor econômico, aquelas passíveis de exploração empresarial que permanecem na competência do Estado, foram desestatizadas, em sua maior parte, quanto à exploração e à execução, sobretudo por meio do renascido instrumento das concessões e, em menor monta, de permissões e autorizações, impondo-se ao Estado, ressalte-se, para assegurar o direito dos usuários, reforçar o seu papel regulador e fiscalizador, normalmente exercido por pessoa de direito público especializada. Surge, inclusive, o questionamento no sentido de se só autarquias poderiam destinar-se a esse papel, ou se tal, também, poderia ser exercido por fundações públicas. É necessário recordar a polêmica e examinar se, no Direito brasileiro, as fundações públicas correspondem a uma espécie do gênero autarquia, ou se, efetivamente, correspondem a uma figura distinta. A natureza jurídica das fundações instituídas e mantidas pelo Estado foi, como sabido, até recentemente, objeto de acesas controvérsias doutrinárias, que, por certo, poderão ser em parte reavivadas face à nova redação dada pela Emenda Constitucional no 19/1998 à CF/1988, art. 37, XIX: “Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. Deve-se, a essa altura, para melhor situar a questão, fazer um breve retrospecto sobre as fundações públicas no Direito brasileiro, instituição que, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, conforme salientado, dividiu a doutrina quanto à sua natureza jurídica e ao seu regime. Tal diversidade de posicionamento, ressalte-se, foi algo peculiar à doutrina brasileira, não sendo objeto de grandes controvérsias na doutrina estrangeira. A possibilidade de existirem fundações submetidas ao regime de direito público já era apontada por Otto Mayer (1906, p. 268) no início deste século. Lecionava aquele jurista que a “fondation publique öffentliche Stiftung on leur donne pour caractére particulier d’avoir comme base substract simplement un certain patrimoine à l’opposé de la corporation et de l’association Qui ont derrière elles un même temps , un groupe de personnes”. Demonstrava que o ser fundação dependia da estrutura jurídica da pessoa e não de ser a pessoa submetida a regime jurídico de direito privado ou público. Reconheceu, frente ao direito alemão, expressamente, a existência de Fundações Públicas. Na mesma linha, poder-se-iam citar, dentre inúmeros outros publicistas germânicos, Lehmann, Forsthoff. Por outro lado, Laubadére, Venezia e Gaumet, frente ao direito francês, citando Drago e L Constans ressaltavam a existência de fundações submetidas ao regime de direito público distintas das corporações públicas. Lembravam une nouvelle distinction fondamentale entre les collectivités publiques qui sont à caractère de corporation et engloberaient avec les actuelles collectivités territorielles , les actuels établissements publics rassemblant des groúpes humains et les établissements publics qui sont... à caractère de fondation. Na Itália, já desde o início do século, autores como Girola preocupavam-se com as fundações públicas. Mais recentemente, Zanobini também procurou apresentar traços distintivos dessas instituições em cotejo com as demais integrantes da Administração italiana. Alessi, por sua vez, 32 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE procurou caracterizar as fundações públicas, identificando-as como instituições e apresentando a seguinte formulação: Las classificaciones de las personas jurídicas públicas pueden ser varias segun los distinctos elementos que se tomen com base de clasificación. Las clasificaciones mas importantes son las baseadas sobre el distinto caráter del substracto del ente... en base al primer elemento, las personas jurídicas públicas se clasifican en entidades de base corporativa e entidades de base institucional. Esta distinción se funda en la de los entes jurídicos en generaly de las personas privadas en particular , en las que distingue entre corporaciones e instituciones , conocida distinción basada en la destinta estructura y funcionamiento de ambas categorias. No direito português, entre outros autores, Freitas do Amaral, lecionava, seguindo a trilha de Caetano, sobre a figura das fundações públicas, com instituto autônomo, ao lado das fundações de direito privado: Damos por conhecido o conceito de fundação. Acrescentar-se-á apenas que a fundação pública é uma fundação que se reveste da natureza de pessoa coletiva pública. Enquanto a generalidade das fundações são pessoas coletivas privadas, reguladas pelo Código Civil, há muitas fundações, que são pessoas coletivas públicas, reguladas pelo Direito Administrativo. Trata-se, portanto, de patrimônios que são afetados à prossecução de fins públicos especiais. A existência das fundações públicas é aceita pelos principais ordenamentos jurídicos, normalmente tidos como referenciais para as construções jurídicas brasileiras e por seus doutrinadores. No direito brasileiro, ressalte-se, antes do surgimento da polêmica dos anos 1960 e 1970, as fundações de direito público já eram mencionadas por clássicos como J. M. de Carvalho Santos, que, inclusive, destacava que o Estado mantém diferentes organizações de difícil enquadramento no sistema legal, compreendendo diferentes espécies de pessoas jurídicas de Direito Administrativo, tais como: a. as autarquias; b. os estabelecimentos de ensino e cultura; c. as organizações do tipo fundacional, subordinadas a outras organizações de interesse público; d. as fundações de direito público interno ou administrativo. Já publicistas como Brandão Cavalcanti consideravam inadequado aquilo que denominavam de adaptação do modelo germânico, concluindo que pouco importam as analogias que existem entre as fundações e as entidades públicas autônomas, quer quanto à impertinência de seu elemento patrimonial à sua destinação especial, traço característico das fundações, quer quanto à finalidade coletiva de sua instituição, porque essas analogias se encontram na maioria das instituições jurídicas.33 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II Essas divergências seriam aguçadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei no 200/1967 e, sobretudo, com sua alteração pelo Decreto-Lei no 900/1969, esse último tido, por relevante parcela da doutrina, como evidência da adoção da tese da inexistência de fundações de direito público no Direito brasileiro. De um lado, autores como Franco Sobrinho, Kelly Meirelles e Sérgio D’andréa Ferreira afirmavam que “fundações como públicas inexistem. A pessoa jurídica chamada fundação não há como forçar argumentos que se perdem na abstração; sejam quais sejam os seus fins específicos, somente poderão ser de direito privado, porque assim está institucionalizado e consagrado pelo direito positivo”. De outro lado, autores como Cretella Junior procuravam demonstrar a existência das fundações de direito público. Em respeitável monografia, procuraria demonstrar que, partindo-se da categoria jurídica da fundação – patrimônio personalizado dirigido a um fim, atingem-se as das modalidades paralelas e inconfundíveis, a fundação de direito privado patrimônio privado, personalizado pelo registro, afetado a fins particulares e a fundação de direito público patrimônio público personalizado pela lei e afetado a fins de interesse público, realidades absolutamente inconfundíveis, o que se verifica pela compreensão rigorosa entre os respectivos regimes jurídicos, levando-se em conta uma a uma todas as conotações [...] uma pessoa jurídica administrativa, de substrato patrimonial estatal, criada por lei, regida pelo Direito Administrativo, que não pode autodesfazer-se, que edita atos administrativos, sujeitas à tutela da entidade matriz criadora, que não pode receber liberações que importem em desvio de finalidade, cujas contas são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas, de modo algum pode identificar-se como uma fundação de direito privado. Miguel Reale seguiu pela mesma trilha, lembrando lições de mestres como Clóvis Beviláqua, Lacerda de Almeida e João Mendes, ressaltando os equívocos em se pretender entender como de direito privado as fundações instituídas pelo estado para o exercício de atividades tipicamente públicas. Também, no mesmo sentido, Lafayette Pondé. A matéria viria a ser, paulatinamente, pacificada a partir da predominância dessa última posição, sendo marcante para tal a argumentação de Bandeira de Mello, delineada na magistral tese “Natureza e regime jurídico das Autarquias”, em que aquele autor, após aprofundado exame da doutrina sobre a matéria, ressaltava o equívoco em rotular-se um instituto pela denominação que se lhe dá e de se supor que a fundação seria um instituto próprio do direito privado e não da teoria geral do direito. Admitiu aquele jurista que o Estado participasse da criação, instituição e manutenção de fundação de direito privado, não se confundindo essa hipótese com a de criação de fundações para o exercício de atividades típicas, com titularidade de competências estatais, sendo essas, evidentemente de direito público, espécies do gênero autarquia. Em verdade, no período de vigência da EC no 1/1969, sobretudo até os meados da década de 1980, a divergência doutrinária, refletida na legislação, possibilitou o surgimento de algumas construções, no mínimo, esdrúxulas. A Lei no 6.860/1980, que autorizou a criação da Fundação Petrônio Portella, vinculada ao Ministério da Justiça, o fez como ente de direito privado, embora atribuindo 34 UNIDADE II │ TÍTULO DA UNIDADE àquela fundação a gestão de serviços públicos e assegurando-lhe imunidade só pertinente a entes de direito público (art. 19, III, a da EC no 1/1969). No mesmo sentido, a Lei no 7.555, de 18/12/1986, autorizadora da criação da Fundação São João del Rey, e a Lei no 6.687/1979, autorizadora da criação da Fundação Joaquim Nabuco. Aos poucos, entretanto, observou-se tendência moralizadora, de publicização dessas entidades, com suas “reintegrações” à Administração Indireta e o consequente aumento de normas de controle incidentes, evitando-se, ou minorando-se, os abusos que estavam a ocorrer, sobretudo em relação à aplicação de verbas nos contratos de obras e serviços e nas contratações de pessoal, inclusive em relação à questão da acumulação de cargos e empregos. Nessa linha, o Decreto-Lei no 2.299, de 29/11/1986, cujo art. 4o expressamente as incluiu na Administração Indireta e as subordinou aos mecanismos de gestão financeira e incluiu seus serviços no plano de classificação de cargos e salários então aplicáveis aos órgãos e pessoas jurídicas de direito público (cf. lei no 5.645, de 10/12/1970). Também nesse sentido as modificações que se seguiram em relação ao regime de licitações e contratos. A jurisprudência, por sua vez, também evoluiu, no sentido da aceitação e reconhecimento da publicização desses entes fundacionais. Entre outros, pode-se lembrar o conflito de jurisdição 6.073-MG, STF Pleno-Relator Ministro Cordeiro Guerra, admitindo a possibilidade de dois regimes jurídicos de fundações instituídas pelo Estado a depender do regime jurídico e do objeto. Pode-se afirmar que o STF apresentou várias fases interpretativas em relação a essa questão. Primeiramente adotou a tese privatista de Hely Lopes Meirelles e outros (nesse sentido, Recurso Extraordinário 75.315-GO, 1a Turma, Conflito de jurisdição 6175-2a Turma). Posteriormente, aquela Corte passou a aceitar a tese da existência das Fundações de Direito Público, entendendo que aquelas que assumiam a gestão de serviços públicos seriam enquadráveis como espécie do gênero autarquia. Nesse sentido, entre outros, o Recurso Extraordinário 101.126, de 24 de outubro de 1984, que teve como relator o Ministro Moreira Alves, possui a seguinte Ementa: Nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de Direito Privado. As fundações instituídas pelo Poder Público que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados- Membros, por leis estaduais, são fundações de direito público e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécies do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o parágrafo 2o, do art. 99, da Constituição Federal. Também, no mesmo sentido, o Conflito de Jurisdição 6.566 – Relator Aldir Passarinho, destacava: [...] as fundações instituídas pelo Poder Publico, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos estados membros, por leis estaduais, são fundações de direito público que integram o gênero autarquia. O mesmo obviamente ocorre em relação a fundações que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo no âmbito da União por leis federais. Essa tendência jurisprudencial, juntamente com os novos textos legais e com a postura doutrinária publicista, influenciaram decisivamente a Carta de 1988, que consagrou a figura da fundação de direito público, várias vezes referenciada em seu texto, inclusive, expressamente constando administração fundacional no texto original do caput do art. 37. Sabido é que a redação desse 35 TÍTULO DA UNIDADE │ UNIDADE II dispositivo, alterada pela Emenda Constitucional no 19/1998, suprimiu a referência fundacional, não devendo, entretanto, tal ser entendida como afastamento das fundações públicas do elenco de entes da Administração Pública, mas de mera supressão de um equívoco, pois, ao referir-se o citado caput do art. 37 à administração indireta estaria a alcançar aquele tipo de pessoa jurídica. Encontram-se referências a essas entidades no art. 37, XVII acumulação de cargos, empregos e funções e, ainda, art. 37, XIX, art. 22, XXVII, art. 38, art. 150, VI, a e ADCT, art. 19, sem esquecer o revogado art. 39. Esse conjunto normativo
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