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TEOLOGIA S I S T E M Á T I C A TEOLOGIA S I S T E M Á T I C A TEOLOGIA S I S T E M Á T I C A Uma perspectiva pentecostal J . R O D M A N W I L L I A M S Vida (s/ Vida Ed it o r a V id a Rua Isidro Tinoco, 70 Tatuapé CEP 03316-010 São Paulo, SP Tel.: 0 xx 11 2618 7000 Fax: 0 xx 11 2618 7030 www.editoravida.com.br Editores responsáveis: Sônia Freire Lula Almeida e Marcelo Smargiasse Editor-assistente: Gisele Romão da Cruz Santiago Tradução por Sueli Saraiva e Lucy Hiromi Kono Yamakami Revisão de tradução: Daniel Oliveira e Judson R. Canto Revisão de provas: Josemar de Souza Pinto Diagramação: Claudia Fatel Lino e Karine dos Santos Barbosa Capa: Arte Peniel ©1988, 1990, 1992, 1996, de J. Roman Williams Título original Renewal Theology edição publicada por ZoNDERVAN PuBL ISH IN G H o U S E (Grand Rapids, Michigan, EUA) ■ Todos os direitos em língua portuguesa reservados po r Editora Vida. P r o i b i d a a r e p r o d u ç ã o p o r q u a i s q u e r m e i o s , SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDTCAÇÃO DA FONTE. As citações bíblicas foram extraídas de cinco versões brasileiras Nova Versão Internacional [iW7], Bíblia Viva [B V ], Nova Tradução na Linguagem de Hoje [N TH L ], Bíblia de Jerusalém [B J], Cartas para Hoje [C H ], A lm eida Edição Contem porânea [A E C ], Alm eida Revista e Atualizada [ARA], A lm eida Revista e Corrigida [ARC] e Bíblia na Linguagem de Hoje [BLH ], todas indicadas pelas siglas acima, e de outras dez versões em inglês sem correspondência no Brasil. Essas dez versões foram livremente traduzidas para esta obra e estão relacionadas em “Abreviaturas”. ■ Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009. L edição: jul. 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Williams, J. Rodman Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal / J. Rodman Williams; [tradução por Sueli Saraiva e Lucy Hiromi Kono Yamakami]. — São Paulo: Editora Vida, 2011. Título original: Renewal 'Theology ISBN 978-85-383-0203-2 1. Pentecostalismo 2. Teologia sistemática I. Título. 11-03311 CDD-230.0462 índices para catálogo sistemático: 1. Teologia sistemática : Perspectiva pentecostal: Cristianismo 230.0462 Sumário Abreviaturas............................................................................................................................................................................................... 7 Volume 1 Prefácio.................................................................................................................................................. 11 1. I n t r o d u ç ã o .................................................................................................................................................................................. 13 2. O c o n h e c im e n to d e D e u s ...................................................................................................................................................25 3. D e u s ...............................................................................................................................................................................................40 4. A s a n ta T r i n d a d e ....................................................................................................................................................................71 5. C r i a ç ã o .........................................................................................................................................................................................81 6. P r o v id ê n c ia ............................................................................................................................................................................. 101 7. M ila g re s ............................................................................................................................. 121 8. A n j o s .......................................................................................................................................................................................... 146 9. H o m e m ...................................................................................................................................................................................... 170 10. P e c a d o ........................................................................................................................................................................................191 11. O s e fe ito s d o p e c a d o .......................................................................................................................................................... 211 12. A l i a n ç a ......................................................................................................................................................................................237 13. A e n c a r n a ç ã o .........................................................................................................................................................................263 14. E x p ia ç ã o ......................................................................................................................................................................... 305 15. A e x a lta ç ã o d e C r i s to ......................................................................................................................................................... 329 Volume 2 Prefácio.................................................................................................................................................................................................... 361 1. C h a m a d o ..................................................................................................................................................................................363 2. R e g e n e ra ç ã o ...........................................................................................................................................................................381 3. J u s t i f ic a ç ã o ..............................................................................................................................................................................4 0 4 4. S a n t if ic a ç ã o .............................................................................................................................................................................42 3 5. P e r s e v e r a n ç a ..........................................................................................................................................................................45 5 6. O E s p ír i to S a n to .................................................................................................. ;.............................................................. 47 2 7. O E s p ír i to c a p a c i ta d o r ...................................................................................................................................................... 48 8 8. A v in d a d o E s p ír i to S a n t o ...............................................................................................................................................511 9. O fe n ô m e n o d a s l ín g u a s . ..................................................................... 536 10. A m is s ã o d o E s p ír i to S a n to ............................................................................................................................................. 561 T e o lo g ía s is te m á tic a : u rn a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l 11. O re c e b im e n to d o E s p ir i to S a n to ........ .........................................................................................................................592 12. O s e fe ito s d a v in d a d o E s p i r i to .................................................................................................................................... 625 13. O s d o n s d o E s p ir i to S a n to ...............................................................................................................................................638 14. A m a n ife s ta ç ã o n ó n u p l a ................................................................................................................................................. 6 60 15. V id a c r i s t ã ................................................................................................................. 719 Volume 3 Prefácio.................................................................................................................................................................................................... 753 Pa r t e 1 — A ig r e j a .........................................................................................................................................................................754 1. D e f in iç ã o ....................................... ................................................... ..................................................................................... 755 2. E s c o p o ....................................................................................................................................................................................... 763 3. S ím b o lo s ................................................................................................................................................................................... 784 4. F u n ç õ e s .................................................................................................................................................................................... 815 5. M in is té r io .................................................... 879 6. O r d e n a n ç a s ............................................................................................................................................................................ 935 7. A ig re ja e 0 g o v e rn o c iv il ................................................................................................................................................. 973 Pa r t e 2 — Ú l t im a s c o i s a s ........................................................................................................................................................992 8. O R e in o d e D e u s .................................................................................................................................................................. 993 9. O r e to r n o d e Jesu s C r i s t o ............................................ 999 10. S in a i s ....................................................................................................................................................................................... 1016 11. A fo rm a d o r e to r n o d e C r i s t o .................................................................................................................................... 1075 12. O p ro p ó s i to d o r e to r n o d e C r i s t o .............................................................................................................................. 1085 13. O M i l ê n io .............................................................................................................................................................................. 1106 14. O ju íz o f in a l .......................................................................................................................................................................... 1127 15. A c o n s u m a ç ã o ..................................................................................................................................................................... 1155 Bibliografia..........................................................................................................................................................................................1181 índice de assuntos........................................................................................................................................................................... 1199 6 Abreviaturas AB Anchor Bible AEC Edição Contemporânea da tradução de João Ferreira de Almeida ("Editora Vida,) ARA Edição Revista e Atualizada da tradução de João Ferreira de Almeida ARC Edição Revista e Corrigida da tradução de João Ferreira de Almeida ASV American Standard Version AT Antigo Testamento BAGD Bauer, Arndt, Gingrich & Danker, Greek-English Lexicon ofthe New Testament BDB Brown, Driver & Briggs, Hebrew-English Lexicon o f the Old Testament BDF Blass, Debrunner & Funk, A Greek Grammar ofthe New Testament BJ Bíblia de Jerusalém BLH Bíblia na Linguagem de Hoje EBC Expositors Bible Commentary EDT Evangelical Dictionary o f Theology e.g. exempli gratia (por exemplo) EGT Expositors Greek Testament HNTC Harpers New Testament Commentary IB Interpreters Bible ICC International Criticai Commentary IDB Interpreters Dictionary ofthe Bible i.e. id est (isto é) ISBE International Standard Bible Encyclopedia, Revised Edition KJV King James Version LCC Library ofChristian Classics LXX Septuaginta (Antigo Testamento em grego) NASB New American Standard Bible NCBC New Century Bible Commentary NEB New English Bible 7 NICNT NICOT NIDNTT NIGTC NIV NT NTC NTLH NVI RSV TB TDNT TNTC TOTC TWOT UBS WBC WBE ZPEB T e o lo g ia s is te m á tic a : New International Commentary ofthe New Testament New International Commentary ofthe Old Testament New International Dictionary ofNew Testament Theology New International Greek Testament Commentary New International Version Novo Testamento New Testament Commentary Nova Tradução na Linguagem de Hoje Nova Versão Internacional (Editora Vida) Revised Standard Version Tradução Brasileira Theological Dictionary ofthe New Testament Tyndale New Testament Commentary Tynàale Old Testament Commentary Theological Wordbook o f the Old Testament United Bible Societies Greek New Testament Word Bible Commentary Wydijfe Bible Encyclopedia Zondervan Pictorial Encyclopedia o f the Bible u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l 8 Volume 1 Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal Deus, o mundo e a redenção Prefácio Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal é um estudo sobre a fé cristã. Ela trata de assuntos básicos como Deus e seu relacionamento com o mundo, a natureza do homem e a tragédia do pecado e do mal, a pessoa e a obra de Jesus Cristo, o caminho da salvação, a vinda do Espírito Santo, os dons do Espírito e a vida cristã. Essas e muitas outras áreas afins serão consideradas com cuidado. O presente volume culminará com o estudo da pessoa e obra de Cristo conforme apresentadas na encarnação, expiação e exaltação. O texto da Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal tem como base, em primeiro lugar, a teologia ensinada a partir de 1959 em três instituições; Austin Presbyterian Theological Seminary, em Austin, Texas; Metodyland School of Theology, em Anaheim, Califórnia e, atualmente, na Regent University, em Virginia Beach, Virgínia. Em cada um desses lugares tem sido minha responsabilidade cobrir todo o campo da teologia: as doutrinas básicas da fé cristã. Por conseguinte, o que se escreve em Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal brota, em grande parte, da experiência em salas de aula: a preparação regular para o ensino, o intercâmbio com os alunos e o diálogo com os professores da faculdade. Em anos recentes, boa parte do material que agora se encontra nesta obra tem sido usada para instrução em sala de aula e carrega as marcas, creio, da comunicação viva. Minha preocupação em toda a obra é apresentar a fé cristã de maneira que seja interativa — um tipo de fala escrita. Em um livro anterior intitulado Ten Teachings [Dez ensinos] (1974), que surgiu tan to da pregação como do ensino, fiz uma tentativa preliminar muito mais breve. Agora, minha esperança é que todos os que lerem estas páginas — estudantes de teologia, pastores ou leigos — reconheçam este discurso pessoal a eles. O outro aspecto dos bastidores para a escrita de Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal é minha participação, desde 1965, no movimento de renovação espiritual na igreja antes descrita como “neopentecostal” e, mais recentemente, como “carismática”. Muitos envolvidos nesse movimento tratam- -na hoje apenas como “a renovação”. Anos atrás, tentei tratar de certas características da renovação por meio de três livros: The Era o f the Spirit [A era do Espírito] (1971), The Pentecostal Reality [A realidade pentecostal] (1972) e The Gift o f the Holy Spirit Today [O dom do Espírito Santo hoje] (1980). Em Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal, meu interesse é muito mais amplo, ou seja, tratar de todo o leque da verdade cristã. Ainda assim, será uma “teologia da renovação”, i.e., uma teologia sistemática na perspec tiva pentecostal, porque escrevo como alguém posicionado dentro do contexto da renovação. Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal é, em certo sentido, uma expressão de revitalização. Quando cheguei à renovação, em 1965, a linguagem do “Deus está morto” era corriqueira. O que aconte ceu no meu caso e no caso de muitos outros foi a própria resposta de Deus: uma autorrevelação poderosa. Em The Era ofthe Spirit escrevi: “Talvez ele tenha parecido ausente, distante, até inexistente para muitos de li T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l nós antes, mas agora sua presença manifesta-se de maneira viva” (p. 10). João Calvino declarou muito tem po atrás que o conhecimento de Deus consiste “mais em viva experiência do que em vazia e leviana especula ção” (As institutas ou tratado da religião cristã, 1:10.2). Agora que houve uma intensificação de “experiência viva” em minha vida, brotou um novo zelo no ensino da teologia em suas muitas facetas. Como disse mais tarde em The Era ofthe Spirit: “Liberou-se uma nova dinâmica que revitalizou várias categorias teológicas” (p. 41). Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal é uma expressão dessa revitalização teológica. Na maioria das páginas que se seguem, haverá pouca diferença em relação àquilo que se pode encontrar em muitos livros de teologia. Isso ocorre especialmente neste primeiro volume em que os tópicos em geral seguem os padrões tradicionais. Entretanto, o que espero que o leitor capte nas entre linhas é o fascínio e o entusiasmo com a realidade das matérias discutidas. A velha existência renovada é algo com que se entusiasmar! Contudo, Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal também representa uma tentativa de reforçar certas afirmações bíblicas que têm sido muito negligenciadas ou recebido atenção insufi ciente. Em harmonia com o cenário desta teologia dentro da renovação contemporânea, também há uma profunda preocupação em relacionar ênfases renovadas relevantes com as categorias mais tra dicionais. Já que minha convicção é de que a tradição e a teologia da igreja têm em geral deixado de dar tratamento adequado ao aspecto da obra do Espírito Santo que pode ser chamado de “pentecos- tal” e “carismático”, haverá uma tentativa diligente de trazer essas questões à luz. O volume 2 tratará especialmente dessa área; mas, em muitos outros pontos de Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal haverá uma coloração pentecostal/carismática. Por fim, a preocupação de Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal em cada área de estu do é a verdade. Isso não é uma tentativa de promover uma causa particular, mas compreender em sua totalidade o que proclama a fé cristã. Não é apenas uma questão de doutrinas específicas, mas também de toda a extensão da verdade cristã. Com isso em mente, é meu desejo e oração que o “Espírito da verdade” guie “a toda a verdade” (Jo 16.13) em cada ponto. Estendo minha gratidão a vários colegas do corpo discente da Regent University que leram o ma terial no todo ou em parte e ofereceram muitas sugestões valiosas. Sou especialmente grato ao dr. John Rea e ao dr. Charles Holman do departamento de estudos bíblicos, pelo auxílio nesse sentido. Também apresento minha gratidão a Mark Wilson, assistente da Regent University, pela edição inicial de todo o material. Estendo igualmente meu apreço aos assistentes de graduação Helena 0 ’Flanagan e Cynthia Robinson, pelo trabalho de referências, e às digitadoras Ruth Dorman e Juanita Helms. Ao trazer este material para ser publicado, também agradeço o agradável relacionamento cooperativo com Stanley Gundry, Ed van der Maas e Gerard Terpstra, da Zondervan Publishing House. Acima de tudo, sou profundamente grato a minha esposa, Jo, pelo incentivo e auxílio em todo o longo processo de chegar à conclusão desta obra. Encerro este prefácio com as palavras desafiadoras de Paulo a Tito: “Você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina” (Tt 2.1). Pela graça de Deus, creio que o que se encontra nas páginas a seguir seja “sã doutrina”. Não tenho nenhum desejo de ensinar outra coisa. 12 1 Introdução Este capítulo de abertura trata do assunto básico da teologia. Qual sua natureza, função e método? Have rá referências à relevância da renovação, mas a ênfase principal estará na questão da teologia em si. 1. A NATUREZA DA TEOLOGIA Uma proposta de definição: o conteúdo da fé cris tã conforme apresentado em exposição ordenada pela comunidade cristã. Vários aspectos dessa definição de teologia serão considerados nas páginas a seguir. A. O conteúdo da fé cristã A teologia apresenta o que a fé cristã ensina, afir ma, considera verdadeiro: suas doutrinas. A fé cristã possui princípios definidos, e o cam po é vasto; e.g., o Deus trino, Criação, providência, pecado, salvação, santificação, a igreja, sacramentos, “últimas coisas”. A teologia trata do que é verdade em sua totalidade. Desde seus primórdios a comunidade cristã tem um compromisso profundo com a doutrina ou o en sino. A primeira coisa que se disse acerca dos cris tãos primitivos era que “se dedicavam ao ensino dos apóstolos”1 (At 2.42). Em todo o NT há muitas re ferências à importância da doutrina2 — i.e., da “sã doutrina”.3 Tal preocupação diz respeito tanto a dou trinas específicas como a “toda a vontade de Deus” (At 20.27). Essa preocupação continua até os dias de hoje. A comunidade cristã é uma comunidade de ensino. Ou “doutrina” (ARA). A palavra grega é didachê, em geral traduzida por “ensino”. : V., e.g., Efésios 4.14; lTimóteo 1.3; Tito 2.10. A palavra grega é didaskalia. “Sã doutrina” é citada em lTimóteo 1.10; Tito 1.9; 2.1 (v. tb. 2Tm 4.3). A teologia trata da verdade. Isso significa, em pri meiro lugar, uma explicação fiel e precisa do conteúdo da fé cristã — assim, ser fiel à substância da fé. Signi fica, em segundo lugar, por causa da convicção de que a fé cristã é a verdade acerca de Deus, do homem, da salvação etc., que a teologia se preocupa em ser mais que exata: preocupa-se com a verdade enquanto con formidade com a realidade última. O centro da teologia é Deus. Embora a teologia trate de todo o campo da verdade cristã, o ponto fo cal é Deus: sua relação com o Universo e o homem. A palavra “teologia” deriva de theos e logos> aquela significando “Deus” e esta, “palavra”, “fala”, “discur so”; portanto, “palavra acerca de Deus”, “fala acerca de Deus”, “discurso acerca de Deus”. No sentido mais es treito, como indica a etimologia, a teologia não trata ou tro assunto senão do próprio Deus: seu ser e atributos. Entretanto, como costuma acontecer agora, a palavra é usada em referência não só a Deus, mas também a todas as suas relações com o mundo e o homem. Na teo logia, nunca deixamos a área do falar acerca de Deus: a teologia é teocêntrica do começo ao fim. Deve-se acrescentar que a teologia não é nem lou vor nem proclamação, que seriam ou falar para Deus ou falar de Deus. Antes, limita-se ao discurso: falar acerca de Deus. A teologia, por conseguinte, cumpre sua tarefa não na primeira ou na segunda pessoa, mas na terceira pessoa. Ao discursar acerca de Deus, a teo logia pressupõe louvor e proclamação, e existe com o propósito de definir o conteúdo deles. A teologia é, pois, serva da fé cristã. A palavra “teologia” é também com frequência empregada como um termo totalmente abrangente que diz respeito ao estudo de qualquer assunto que se refira à Bíblia, à igreja e à vida cristã. Uma “escola de 13 teologia” é onde se estudam muitas disciplinas: Bíblia, história da igreja, ministérios práticos. Nenhum des ses estudos, como tais, procuram explicar o conteúdo da fé cristã; mas todos são estreitamente ligados uns aos outros e ao conteúdo da fé. Neste sentido amplo, uma pessoa teologicamente bem instruída e treinada está habilitada nessas disciplinas afins. B. Em exposição ordenada A teologia não é apenas doutrina, mas a articulação de relações e ligações entre várias doutrinas. A preo cupação é que “toda a vontade de Deus” seja apresenta da de maneira compreensível e ordenada. A verdade da fé cristã é um todo arquitetônico. Ela forma uma estrutura, um padrão de harmonia entrelaçada em que todas as partes se encaixam e se misturam entre si: Criação e providência, aliança e salvação, dons espirituais e escatologia, e assim por diante. E mais, já que o cenário de toda reflexão teo lógica é o Deus vivo em relacionamento com a cria tura viva, a teologia procura expor a doutrina cristã como uma realidade viva. Não é, portanto, a arquite tura de cimento e pedras inanimadas nem a estrutura de uma catedral linda, mas sem vida; trata-se, antes, da articulação da verdade viva em toda a sua maravi lhosa variedade e unidade. Isso significa também que cada doutrina — como parte do todo — deve ser apresentada da maneira mais clara e coerente possível. Isso deve ser feito com base em muitos aspectos; e.g., seu conteúdo, contex to, intenção básica, relevância. A doutrina deve tor- nar-se compreensível ao máximo. Uma vez que todas as doutrinas cristãs dizem respeito a Deus, que está totalmente acima de nossa compreensão, é inevitável que haja algum elemento de mistério, ou transcen dência, que não pode ser reduzido ao entendimento humano. Ainda assim, dentro desses limites, é preci so prosseguir com o esforço teológico. A teologia é uma disciplina intelectual. É uma “-logia” e, portanto, a reflexão sobre certa área do T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l conhecimento e a ordenação dela.4 É um modo de amar a Deus com todo o entendimento (Mt 22.37) e, assim, um trabalho mental de amor que procura apresentar da maneira mais convincente possível os caminhos de Deus com o homem. O teólogo nunca ostentará ou empregará demais a razão, pois embora não consiga, por meio de sua razão, compreender nem elucidar plenamente a verdade cristã, ele é chamado a expressar com a maior clareza possível o que é decla rado nos mistérios da fé. A teologia, por conseguinte, é “fé em busca do entendimento”.5 Se a exposição ordenada é o método da teologia, podemos agora acrescentar que ela é teologia sistemá tica. A palavra “sistema” indica o caráter entrelaçado e interdependente de todas as doutrinas que formam a teologia. Sob certos aspectos a expressão “teologia sis temática” é uma tautologia, pois a teologia em si é uma explicação ordenada e, assim, implica procedimentos sistemáticos. Entretanto, a expressão passou a ser lar gamente utilizada para diferenciá-la da “teologia bíbli ca”, da “teologia histórica” e da “teologia prática”. Elas podem ser brevemente explicadas quanto à sua relação com a teologia sistemática. A teologia bíblica é a organização e explicação or denada dos ensinos da Bíblia. Ela pode ser subdividi da em teologia do AT e teologia do NT e, ainda mais, por exemplo, em teologia paulina e joanina. A teologia histórica apresenta de maneira ordenada como a igre ja, ao longo dos séculos, tem recebido e articulado a fé cristã em credos, confissões e outras formulações. A teologia prática é um estudo ordenado da maneira pela qual a fé cristã é praticada: por meio da pregação, ensino, aconselhamento, e assim por diante. A teologia sistemática é em geral colocada depois das teologias 4 E.g., a “bío-logia” trata do conhecimento acerca da vida orgânica (bios); a “psico-logia”, acerca da mente ou alma (psyche) etc. 3 A n s e l m o (teólogo medieval) fez dessa expressão a base de sua obra teológica. Seu famoso Proslógio era originalmen te intitulado Fé em busca do entendimento. 14 Introdução bíblica e histórica, já que a fé cristã, que tem suas raízes na Bíblia, vem atravessando séculos. E ela é colocada antes da teologia prática porque fornece o conteúdo daquilo que deve ser posto em prática. A expressão “teologia doutrinai” é muitas vezes usada em referência essencialmente à mesma área que a “teologia sistemática”. Uma vez que a teologia trata da articulação dos conteúdos da fé cristã (as doutrinas, portanto), ela é tanto sistemática como doutrinai. Uma vez que a palavra “sistemática” expressa a articulação e a palavra “doutrinai”, o conteúdo, os termos podem ser usados de maneira intercambiável. Outra expressão, particularmente comum no cenário europeu, que precisa ser relacionada à teo logia sistemática, é “teologia dogmática” A teologia dogmática (ou simplesmente “dogmática”) refere-se em especial à teologia conforme apresentada nos dogmas, credos e pronunciamentos da igreja. Os dogmas dizem respeito a doutrinas aceitas pela igre ja ou por uma igreja em particular — o que é aceito e crido. Assim, a teologia dogmática procura expor aquelas doutrinas com a maior clareza possível. A teologia dogmática, por conseguinte, mantém um relacionamento estreito com a teologia histórica por se concentrar em formulações históricas da fé. Ela é semelhante à teologia sistemática por procurar eluci dar e estabelecer as formulações aceitas de maneira ordenada para a igreja contemporânea.6 * A teologia sistemática, ainda que relacionada com as formu lações históricas, opera de maneira mais livre em relação a elas. Para concluir: embora toda teologia 6 A teologia dogmática tem ligação mais estreita com as formu lações da igreja na Igreja católica romana do que nas igrejas protestantes. Por exemplo, Karl Barth, um teólogo protes tante europeu, ainda que intitule Dogmática eclesiástica sua principal obra, fala do caráter não restritivo dos credos e con fissões (v. Barth, Dogmatics in Outline, p. 13). Ainda que se considere teólogo da igreja na tradição reformada e alguém que escreve no contexto dos credos clássicos e das afirmações confessionais da Reforma, Barth afirma estar atado acima de tudo à Palavra de Deus na Escritura. dogmática seja sistemática, nem toda teologia sis temática é dogmática; ela pode ser mais bíblica ou mesmo mais filosófica." A área da apologética deve ser mencionada a seguir. É a disciplina teológica que apresenta argumentos e evidências em favor da validade da fé cristã. Em 1 Pe dro 3.15, estão as palavras: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês”. Observe também 2Co- ríntios 10.5: “Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e leva mos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”.8 O apologista procura prover, na medida do possível, uma defesa racional da fé cristã. A apologéti ca está voltada para o mundo da incredulidade e tenta estabelecer certos aspectos da fé cristã — por exemplo, a veracidade das Escrituras, a existência de Deus, a dei- dade e ressurreição de Cristo e a imortalidade da alma — como verdades, baseada exclusivamente em evidên cias racionais e empíricas. Não se faz nenhum apelo à fé ou à Escritura, mas simplesmente ao que uma mente racional e aberta consegue compreender. A apologética, portanto, não é teologia no sentido direto de estabelecer o conteúdo da fé sem argumentos ou defesa. Entretanto, a apologética pressupõe essa fé e é bem sistemática em suas tentativas de estabelecer as razões da fé. A ética é outra área que precisa ser considerada. A ética, a disciplina que trata da conduta moral, pode ser uma busca totalmente secular — por exemplo, no estudo da ética aristotélica. Mas, desde que a ética seja ética cristã, há uma ligação vital com a teologia. Para o cristão, a fé volta-se não só para o amor a Deus, mas também para o amor ao próximo. Sempre que o 7 Teologia sistemática, de Paul Tillich, é um exemplo de teologia sistemática abertamente filosófica em sua orienta ção. Sua base não é a Palavra de Deus, mas a filosofia exis tencialista. 8 Paulo fala de modo semelhante em relação ao “bispo” ou “supervisor” (gr. episkopos) como alguém apto não só para “encorajar outros pela sã doutrina”, como também para “re futar os que se opõem a ela” (Tt 1.7,9). 15 assunto é a relação com o próximo, estamos no cam po da ética. O cristianismo está ligado tanto à fé como à moral; uma sem a outra é teologia truncada. Nesse sentido, a ética é idêntica à teologia em sua dimen são moral. Mas também à medida que a ética cristã se torna mais concreta em sua aplicação a problemas contemporâneos como guerra, relações raciais, ordem econômica, comportamento sexual e ecologia, passa a auxiliar a teologia. Assim como a apologética, a ética pressupõe a substância da teologia e serve como uma aplicação concreta dela. C. Pela comunidade cristã A teologia é uma função da comunidade cristã, tendo exercido várias funções desde os primeiros dias. Além de se dedicarem ao “ensino dos apóstolos” que já observamos, os primeiros cristãos também se de dicavam “à comunhão, ao partir do pão e às orações” (At 2.42). Em termos gerais, as principais funções po dem ser descritas como adoração, proclamação, ensi no, comunhão e serviço. Quando a comunidade cristã procura estabelecer seu entendimento básico — seus ensinos — de maneira ordenada, isso é teologia. Já que a teologia é uma função da comunidade cristã, é evidente que a teologia não pode ser um exer cício de observação neutra; antes, ela só pode ser feita pelos que são participantes genuínos.9 Obviamente, muito se pode escrever sobre Deus e seus rumos (e isso até poderia parecer adequado e verdadeiro), mas sem participação há uma percepção inadequada do que se está falando. A teologia legítima brota da vida da co munidade cristã, explorando assim as profundidades e alturas que, de outro modo, estariam fechadas para o entendimento ordinário. 9 “A teologia pode ser definida como um estudo que, por meio da participação na fé religiosa e reflexão sobre ela, pro cura expressar o conteúdo dessa fé na linguagem mais clara e coerente possível” (M a c q u a r r i e , John. Principies of Christian Theology, p. 1). O papel da participação é de importância crucial. T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l Por fim, deve-se acrescentar que, embora a teolo gia seja uma função da comunidade cristã, ela muitas vezes desempenha sua tarefa teológica por meio de assembléias, concílios e comissões especiais particular mente dedicadas à elaboração dos fundamentos da fé cristã. Aqui o papel do teólogo como especialista em questões doutrinárias é altamente significativo. Ele pode ser influente por sua contribuição a uma assembléia que esteja tentando definir uma doutri na ou simplesmente por meio de seus escritos que recebam crédito na comunidade cristã. De qualquer forma, quer o trabalho de teologia seja realizado por uma grande assembléia, um grupo pequeno ou um indivíduo, a questão da participação continua tendo importância crucial II. A FUNÇÃO DA TEOLOGIA A teologia possui algumas funções. Entre elas estão a clarificação, a integração, a correção, a declaração e o desafio. A. Clarificação É importante estabelecer com a maior clareza possível o que afirma a comunidade cristã. Isso ser ve basicamente para as pessoas da comunidade que precisam ser instruídas na fé. Muitas vezes há falta de entendimento em várias áreas doutrinárias. A par ticipação na experiência cristã é, claro, algo impres cindível, mas isso não traz pleno entendimento de maneira automática. É preciso uma instrução com plementar para que possa ocorrer um esclarecimento cada vez maior da verdade.10 É triste que muitos cristãos sejam tão inseguros quanto ao que creem. Eles precisam de instruções so bre aquilo em que creem — e muitas vezes as desejam. Eles clamam por um ensino mais adequado. Essa é a tarefa que a teologia é chamada a cumprir. 10 A intenção dessa instrução é que o indivíduo cristão se tor ne “como obreiro que não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a palavra da verdade” (2Tm 2.15). 1 6 Introdução A teologia deve ajudar a juntar tudo, integrando uma verdade com outra. A teologia não trata só de clari ficar as doutrinas isoladas, mas também de demonstrar como elas se encaixam formando um desenho comple to. Já mencionei que a verdade da fé cristã é um todo arquitetônico. No ensino da teologia, há o esforço contí nuo de mostrar como uma parte se relaciona com outra. O propósito de outra disciplina, a filosofia, é às ve zes descrito como “ver a realidade e vê-la por inteiro". Isso é ainda mais aplicável à teologia, em que a reali dade não é apenas vista, como também experimenta da e, portanto, pode ser declarada em sua totalidade. A integração é importante em tudo o que diz respeito à vida e, decerto, isso é verdade na área da fé cristã. Para muitos cristãos não há necessidade de inte grar a leitura da Bíblia e seu estudo, para formar um quadro unificado da verdade. Em muitas áreas não é fácil relacionar uma doutrina com outra. Isso também ocorre na relação do ensino de um livro com o de ou tro. Entre muitos cristãos também há necessidade de integrar a verdade que receberam com vários aspectos da própria experiência deles. Isso acontece tanto em re lação à experiência cristã deles como também em rela ção à sua experiência cotidiana com o mundo ao redor. Em geral, eles ignoram como tudo se encaixa. C. Correção A teologia serve como corretivo para desvios da verdade. Ao articular da maneira mais clara possível as várias verdades da fé cristã, indiretamente, ela pro cura remediar desequilíbrios ou erros que possam ter ocorrido. É essencial para a saúde da fé cristã que seja afastada desses desvios. Infelizmente, a participação na fé e na experiência cristã não é uma garantia contra a entrada furtiva de he resias. Aliás, a maior parte das heresias que têm afligido a igreja tem surgido não de oponentes de fora, mas de equívocos em seu interior. Às vezes isso se deve à ênfa se exagerada em certa doutrina que assim fica inflada de modo desproporcional à sua devida importância. 6. Integração Além disso, uma heresia pode começar como uma falha honesta na compreensão de certa verdade que, porém, mantida por algum período, torna-se cada vez mais dis torcida.11 Ou — e isto é muito mais sério — por causa do esforço constante das forças malignas para seduzir a comunidade cristã, afastando-a da verdade, os falsos ensinos abraçados podem tragicamente ser “doutrinas de demônios" (H m 4.1).12 Em tudo isso a função da teologia é de impor tância crucial. Há uma “unidade da fé” (Ef 4.13) que afasta erros periféricos. Ao articular isso com maior clareza, as pessoas não serão jogadas “para cá e para lá por todo vento de doutrina” (Ef 4.14); antes, cres cerão até a plena maturidade. Dificilmente seria exa gerada a ênfase na urgência do ensino teológico para proteger a fé dos cristãos. D. Declaração Outra função da teologia é fazer conhecido publi camente o que defende a comunidade cristã. Dizemos ao mundo: “Esta é a bandeira sob a qual nos levanta mos; esta é a verdade que proclamamos para que todos ouçam”.13 Paulo escreve: “A intenção dessa graça era 11 A crítica de Jesus contra os fariseus e escribas é oportuna: “Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições dos homens” (Mc 7.8). V. a preocupação de Paulo com os cristãos que se submetiam cada vez mais aos “mandamentos e ensinos humanos” (Cl 2.20-23). 52 Pedro também alerta: “surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras” (2Pe 2.1). V. alerta semelhante de Paulo em Romanos 16.17 e 1 Ti móteo 1.3-7. V. tb. Hebreus 13.9. 53 Um exemplo pertinente disso é a Declaração de Barmen, de 1934, quando representantes das igrejas reformada, lu terana e de outras igrejas protestantes da Alemanha decla raram sua fé no senhorio de Jesus Cristo contra a ascensão do Terceiro Reich e de Adolf Hitler. O teólogo Karl Barth estava nos bastidores de sua redação. Nessa importante de claração, por meio de algumas afirmações teológicas, essas igrejas protestantes alemãs expressaram publicamente sua posição em contraponto ao nazismo. Não se tratava de uma declaração teológica completa, mas de uma declaração que tratava de uma situação particularmente urgente. 1 que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autori dades nas regiões celestiais” (Ef 3.10). Evidentemente, a igreja declara a sabedoria de Deus na pregação do evangelho; mas, em particular, é em sua expressão teo lógica que a multiformidade da verdade divina é apre sentada para os que queiram ouvir. Pela ordem das prioridades, o primeiro alvo da teo logia é a própria comunidade cristã. A clarificação, a integração e a correção já descritas estão obviamente relacionadas com o benefício e fortalecimento daque les que participam da fé e da experiência cristãs. En tretanto, há a declaração, essa função orientada para o mundo, cuja importância não deve ser menosprezada. No mínimo, ela representa um tipo de responsabilida de pública, uma razão de ser para a comunidade cris tã. E isso — quaisquer que sejam os resultados — não deixa de trazer por sua vez algum benefício para a co munidade cristã. Há valor indubitável, tanto comunal como pessoal, em tornar pública uma posição. Por fim, ainda que a teologia não seja proclama ção ao mundo, pode servir de maneira indireta como um convite a investigações posteriores. Quando os cristãos declaram sua posição com firmeza e o fazem de modo responsável e articulado, o fator de credi bilidade é aumentado. Além disso, se essa teologia é escrita sob a unção do Espírito Santo, é muito mais capaz de preparar o caminho para o testemunho di reto que leva à vida e à salvação. E. Desafio A teologia move-se para dentro de áreas do pen samento cristão que muitas vezes se mostram confu sas, até divisivas, procurando descobrir a verdade. Há diferenças de doutrina dentro de várias comunidades cristãs, chegando com frequência a separá-las umas das outras. No passado, desenvolveram-se extremos em questões como a soberania de Deus e a liberdade humana, a divindade e a humanidade de Jesus e a na tureza dos sacramentos. No presente, os extremos são particularmente evidentes na área da escatologia. É a tarefa desafiadora da teologia procurar descobrir onde T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l está a verdade e estabelecê-la de modo claro e coerente. Algumas diferenças podem ser reconhecidas como questões principalmente de semântica; outras são mui to mais substantivas em caráter. De qualquer modo, a teologia enfrenta esse desafio sempre presente. O desafio também pode ser visto de outra maneira, a saber, explorar as áreas da verdade cristã que ainda não foram suficientemente esquadrinhadas.14 Em nos sos dias, isso é especialmente verdadeiro na área do Espírito Santo. A vinda do Espírito Santo, os dons es pirituais, o lugar da renovação carismática na vida da comunidade cristã — tudo isso representa uma área que recebeu apenas um mínimo de atenção teológica no passado. É certamente dominante entre os desafios teológicos de nosso tempo. III. O MÉTODO DA TEOLOGIA Como desempenhar a tarefa de articular a teologia? A. Buscar a direção do Espírito Santo É só por meio da orientação contínua do Espírito Santo que se pode realizar o trabalho teológico. “Quan do o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a ver dade” (Jo 16.13). Essas palavras de Jesus expressam o fato fundamental de que o Espírito Santo é o guia para toda a verdade. A comunidade cristã, para quem veio “o Espírito da verdade”, o Espírito Santo, possui o Guia em seu interior. Esse mesmo Espírito “lhes ensinará todas as coisas” (Jo 14.26). O Espírito Santo, além disso, foi prometido não só para estar com os cristãos, mas também nos cristãos: “ele vive com vocês e estará em vocês” (Jo 14.17). As sim, a comunidade cristã possui o Guia em seu interior, o Mestre, como uma presença residente. A questão es sencial, portanto, é permitir que a realidade interna, o Espírito Santo, conduza a toda a verdade. Aprofundando: o fato básico de o Espírito Santo ser o Espírito da verdade e ser residente significa que a 14 Num sentido, isso é uma questão de “avançar para a maturi dade” (v. Hb 6.1). O desafio, por conseguinte, é “prosseguir” (.AEC) para além dos “ensinos elementares”, para o âmbito maior das questões teológicas. 1 8 In trodução Essa oração an tig a ao E spírito Santo b em p o d e ser a o ração co n tín u a p o r trá s de to d o esforço teológico. B. Confiança nas Escrituras As E scrituras do AT e do N T são insp iradas p o r D eus e devem receber p lena confiança ao se desenvolver a tarefa da teologia. Elas apresen tam em fo rm a escrita a declaração da verdade divina e assim são a fonte e m edi- da objetiva para todo 0 traba lho teológico. As E scrituras em to d a a sua extensão proveem os dados m ateriais para a d o u trin a cristã e a subsequente form ulação teológica. As palavras de 2T im óteo 3.16,17 são b em adequa- das: “Toda a E scritu ra é insp irada p o r Deus e ú til para 0 ensino [doutrina], p a ra a repreensão, para a correção e p ara a instrução n a justiça, p a ra que 0 h o m em de D eus seja apto e p lenam ente p reparado p ara to d a boa obra”. De acordo com essa declaração, a to talidade das E scrituras é “soprada p o r D eus” (o sen tido literal de “inspirada”)17 e, assim , d ada d ire tam en te p o r D eus.ÍS Assim , existe n a E scritu ra u m a au to ridade que não per- tence a pensam entos ou palavras hum anos, não im p o rta quan to são guiados pelo Espírito Santo. Os pensam entos e as palavras do h o m em não são “insp irados p o r Deus” e, portan to , sem pre necessitam de “repreensão” e “corre- ção”. Por conseguinte, a teologia deve voltar-se p rim eiro p ara as E scrituras ao cu m p rir sua tarefa. Essa inspiração das E scrituras refere-se a am bos: o AT e o NT. As palavras de Paulo em 2T im óteo podem ser consideradas com o referências só ao AT, já que 0 NT, obviam ente, a inda não estava com pleto. E ntretan to , que os escritos de Paulo, b em com o alguns ou tros, foram 17 A palavra grega é theopneustos, de theos> “Deus”, e pneõ, cc ייsopro. 18 Esse caráter imediato da inspiração não reduz nem elimi- na, de modo algum, o fator humano. De acordo com 2Pedro 1.21, “homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Es- p írito Santo” Isso se refere aos profetas do AT que, ao falar e escrever, foram de tal maneira movidos pelo Espírito de Deus que suas palavras eram de Deus. Assim, não há nada mecânico na inspiração. A Escritura é o resultado do toque íntimo de Deus — seu “mover” (ARA), seu “soprar” — sobre aqueles que apresentam sua verdade. verdade ;d h ab ita d e n tro da co m u n id ad e cristã . “Vocês têm u m a unção que p rocede do Santo, e todos vocês têm conhecim ento” (1J0 2.20).15 A unção do Espírito Santo, 0 E sp írito d a verdade, pois, significa que, q u an d o o Es- p írito gu ia a to d a a verdade, tra ta -se n a rea lid ad e de traze r à to n a ou evocar 0 que já se conhece. A verdade esp iritua l está im plíc ita e é exp lic itada p o r m eio da di- reção in te rio r do E spírito Santo. Tudo isso significa que 0 trab a lh o d a teologia, a in- da que seja feito no nível d a reflexão, explicação e a rti- culação da verd ad e cristã , não está lid an d o com a ver- dade com o se ela fosse e s tran h a ou ex terna. O p ró p rio teólogo, com o p a rte d a co m u n id ad e cristã , conhece im p lic itam en te a verdade. Por m eio do E spírito im a- n en te que leva a to d a a verdade, aquela verd ad e passa a ser investigada de m o d o a in d a m ais p leno. Esse é 0 m esm o E sp írito que “so n d a to das as coisas, a té m esm o as coisas m ais p ro fu n d as d e D eus” (1C0 2.10), e que, p o rtan to , so n d a as verdades p ro fu n d as da fé cristã. O teólogo trab a lh a dessa base esp iritua l e p ro cu ra apli- car seus m elho res p en sam en to s e reflexões p a ra orde- n a r e ap resen ta r o que é dado. Esse esforço co n tín u o de seg u ir a d ireção do Espi- rito Santo não im plica, de m o d o algum , que a verda- de seja inev itavelm ente declarada. N em a igreja n em 0 teólogo são infalíveis; e rra r é h u m an o . M as q u an to m ais a d ireção do E spírito Santo, 0 E sp írito da verdade, é buscad a e seguida, tan to m ais ad eq u ad o é o desen- vo lv im ento do trab a lh o da teologia Vem, Santo Espírito, nossa alma inspirar, E ilum inar com fogo celeste; És o Esp írito que unge, Quem teus séptuplos dons partilha.16 15 Ou “sabeis tudo”, conforme traduz a ARC. Manuscritos anti- gos tornam possíveis ambas as leituras do texto. Em harmo- nia com João 14.25,26 e 16.13, a leitura “sabeis tudo” parece preferível. Qualquer que seja a maneira correta de ler 0 texto, a mensagem básica é a mesma: a verdade habita dentro da comunidade de fé. 16 Estrofe in icial do hino latino do século XIX: “ Vem, Creator Spiritus”. 19 desde cedo reconhecidos como Escrituras evidencia-se nas palavras de 2Pedro 3.15,16, que, depois de falar das cartas de Paulo, faz referência às “demais Escrituras!19 Assim, a questão básica para a teologia é: “Que diz a Escritura?”.20 Pois só ela é a regra objetiva da verdade cristã. Decerto, o Espírito Santo conduz a toda a ver dade, e a comunidade cristã conhece profundamente as coisas de Deus por meio da habitação do Espírito: há, porém, a necessidade contínua da autoridade das Escrituras Sagradas. Sem ela, por causa da falibilidade humana, a verdade logo se compõe com o erro. “Que diz a Escritura?” é a pergunta crucial que deve subli nhar todo o trabalho teológico. Deve-se acrescentar de imediato que não pode haver uma diferença básica entre a verdade que a co munidade cristã conhece por meio da habitação do Espírito Santo e a apresentada na Escritura. Uma vez que toda Escritura é “inspirada por Deus” (que signi fica “com o Espírito de Deus”)21 ou dada pelo Espírito, é o mesmo Espírito Santo em ação tanto na Escritura como na comunidade. Mas, em termos de qual possui autoridade e, portanto, qual é normativa, o que está es crito na Escritura sempre recebe primazia. Ela testa e julga cada afirmação de fé e doutrina. Devem-se observar mais algumas questões im portantes: 1. Há uma grande necessidade de um conhecimen to crescente das Escrituras — de todas elas. O ideal é que haja um conhecimento instrumental das línguas originais. Uma tradução interlinear é valiosa, especial mente quando usada em conjunto com léxicos. Com parar várias versões é também útil na obtenção de uma perspectiva mais completa. 19 Ou “outras Escrituras” (ARC); a expressão grega é tas loipas graphas. A questão do cânon (a lista dos livros aceitos como Escrituras Sagradas) não será questão discutida em Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. Vamos operar com base nos 66 livros (39 no AT, 27 no NT) reconhecidos como autorizados por todas as igrejas (eles não incluem vá rios livros apócrifos aceitos nas tradições católica romana e ortodoxa oriental). 20 Essas são as palavras de Paulo em Romanos 4.3 e Gaiatas 4.30. 21 “Respiração” e “espírito” são iguais em grego: pneuma. T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l É importante, além disso, aprender tudo o que for possível acerca do pano de fundo, composição e formas literárias da Bíblia e, com isso, saber como estudá-la e compreendê-la melhor. Questões como o contexto his tórico e cultural, o propósito de determinado livro e o estilo da escrita (e.g., história, poesia, parábola, alego ria) são essenciais para a compreensão a fim de se che gar à devida interpretação. Além disso, é importante não ler a passagem isolada, mas vê-la em seu contexto mais amplo e, se o significado não é claro, compará-la com outras passagens que possam lançar mais luz. Todo o campo da hermenêutica — a saber, os princípios da interpretação bíblica — exige compreensão plena para que se realize um trabalho teológico sério. O mais importante é que haja imersão contínua na Escritura. Timóteo foi elogiado por Paulo: “desde crian ça você conhece as Sagradas Letras” (2Tm 3.15). Quem deseja ser “homem de Deus [...] apto e plenamente pre parado para toda boa obra” (v. 17), o que inclui o tra balho da teologia, precisa aumentar o conhecimento de todas as “Sagradas Letras” ao longo de toda a vida. As palavras do próprio Jesus são de importância cru cial: “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra verdadeiramente serão meus discípulos E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8.31,32). As pala vras de Jesus são o coração das Escrituras, e conhece mos a verdade quando permanecemos e vivemos nelas. Decerto, o Espírito Santo é o guia para o entendimento, mas só quando estamos imersos na Palavra do Senhor. 2. Nunca podemos ir além da Escritura na busca da verdade. Paulo ordena aos coríntios: “Aprendais a não ir além do que está escrito [i.e„ a Escritura]” (ICo 4.6).22 Isso fala contra qualquer fonte extrabíblica como tradição, vi são pessoal ou suposta nova verdade apresentada como algo complementar ou superior ao que está registrado nas Escrituras Sagradas. A doutrina sadia estabelecida por um trabalho teológico genuíno não pode depender de ou tras fontes primárias que não sejam as Escrituras. 22 Essa é a tradução da ARC. Literalmente o grego traz “não [ir] além do que está escrito”. “O que foi escrito” significa Escritura, como, e.g., em lCoríntios 1.19,31 e 3.19. A RSV traduz “o que está escrito” em lCoríntios 4.6 por “escritura”. 2 0 in t ro d u ç ã o Além disso, precisamos considerar as palavras que alertam contra interpretações individuais e distorções das Escrituras. Em 2Pedro, lemos, primeiro, que “ne nhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal” (1.20). Trata-se de um alerta urgente contra a falha de não ficar sob a autoridade da Escritura — ainda que se possa alegar submissão externa — mas submetê-la à própria interpretação. A verdade, porém, fica severamente ameaçada quando, embora a Escri tura seja respeitada da boca para fora, prevalece a in terpretação particular e a Escritura é esvaziada de seu verdadeiro significado. Um alerta semelhante é dado por Pedro acerca das cartas de Paulo e “as demais Es crituras” que “os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem [...] para a própria destruição deles” (2Pe 3.16). A distorção da Escritura, que tem ocorrido com frequência na história da igreja, é uma questão ainda mais séria que a interpretação particular, pois toma toda a verdade divina e a muda. A teologia possui uma função crucial a desempe nhar em ambas as situações. Mencionei previamente que uma das funções da teologia é a correção. É triste, mas comum, o vasto número de interpretações par ticulares e distorções que se perfilam sob o nome de “verdade bíblica”. O pensamento cristão deve ajudar a expô-las, ao mesmo tempo que procura com afinco não cair no mesmo erro. 3. Por fim, não pode haver um entendimento ver dadeiro da Escritura sem a iluminação interna do Es pírito Santo. Já que toda a Escritura é “inspirada por Deus”, é só quando essa inspiração de Deus, o Espírito de Deus, move-se sobre as palavras que seu significado pode ser verdadeiramente compreendido. A resposta a “Que diz a Escritura?” é mais que uma questão de co nhecimento da informação nela contida, mesmo que obtida pela exegese mais cuidadosa, consciência da situação histórica, apreciação das formas linguísticas etc. A Escritura só pode ser compreendida em profun didade mediante iluminação do Espírito Santo. isso significa, por conseguinte, que a comunida de cristã é a única qualificada de maneira definitiva para compreender as Escrituras. Paulo escreveu aos coríntios a respeito de sua mensagem: “Delas também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito, interpretando verdades espirituais para os que são es pirituais” (ICo 2.13).23 Sem o Espírito há cegueira na leitura das Escrituras; com o Espírito há iluminação no entendimento das coisas de Deus C. Familiaridade com a história da igreja Para que a teologia consiga realizar adequadamente seu trabalho, é também necessária uma familiaridade com a história da igreja. Isso significa que as afirma ções dos concílios da igreja, seus credos e confissões contêm a maneira pela qual ela tem, em várias épocas, expressado sua doutrina. Os escritos dos pais da igreja primitiva, de teólogos reconhecidos (os “doutores” da igreja), de comentaristas bíblicos de renome e, assim, o pensamento cristão ao longo dos séculos — tudo isso é proveitoso para a teologia. O período da igreja primitiva com seus escritos pós-apostólicos e patrísticos e também os concílios ecumênicos representando a igreja inteira são espe cialmente importantes. O Credo apostólicoy o Credo ni- ceno, o Credo de Calcedônia — para mencionar alguns dos grandes credos universais primitivos — contribuí ram muito para estabelecer o padrão da fé cristã orto doxa através dos séculos. As confissões que brotaram da Reforma, como a de Augsburgo (luterana) e Westminster (reformada), ainda que não ecumênicas, são também muito importantes. As formulações católicas romanas, como os decretos do Concilio de Trento e dos concílios ;; O texto grego de “interpretando verdades espirituais para os que são espirituais” é pneumatikois pneumatika synkrinontes, traduzido de várias maneiras por “comparando as coisas es pirituais com as espirituais” (ARC), “conferindo coisas espi rituais com espirituais” {ARA). A BLH traz “explicamos as verdades espirituais aos que são espirituais”, bem semelhante à NVI, citada acima. Do próprio texto grego e à luz dessas várias traduções, o conteúdo básico da mensagem de Paulo parece claro: verdades espirituais (pneumatika), tais como as que Paulo estava escrevendo, só podem ser compreendidas por pessoas espirituais (pneumatikois). 2 1 T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta i Vaticano I e II representam outras formulações doutri nárias significativas. A maioria das igrejas protestantes tem algum tipo de declaração doutrinária e pode ser útil tomar conhecimento de algumas. Seria um erro lamentável desconsiderar quase dois mil anos de his tória da igreja ao se empreender o trabalho da teologia. Somos riquíssimos por conta do trabalho de formula ção de doutrinas, credos e confissões realizado antes de nós. Isso não significa que algumas dessas formu lações estejam no mesmo nível de autoridade que as Escrituras;24 entretanto, é preciso ouvi-las de maneira respeitosa e lhes conceder lugar secundário na reflexão teológica. Se o Espírito Santo de alguma maneira veio agindo na igreja através dos séculos25 (e decerto po demos crer que isso é verdade), então devemos espe rar sua marca em muito do que foi formulado. Assim, somos chamados a ter discernimento espiritual, re conhecendo que todas essas formulações são falíveis, mas fazendo todo o uso possível do que o Espírito vem dizendo na igreja ao longo dos séculos. D. Consciência do cenário contemporâneo Quanto mais a teologia é informada daquilo que está ocorrendo na igreja e no mundo, tanto mais re levante e oportuno será o escrito teológico. Há neces sidade, em primeiro lugar, de conhecer a situação em 24 Falo aqui como protestante. Os ortodoxos orientais e católi cos romanos investem de muito mais autoridade as fórmulas confessionais. Para os católicos romanos, pronunciamentos papais anunciados como dogmas (tais como os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção da Virgem Maria) ale gam infalibilidade; assim, eles têm autoridade igual ou supe rior à Escritura. A atitude adequada, devo insistir, é que cada formulação doutrinária, num credo, confissão ou teologia, seja colocada à prova de todo o conselho de Deus na Escritu ra Sagrada. 25 Infelizmente, há os que consideram a história da igreja nada mais que uma história do erro. As “eras das trevas” persisti ram de ponta a ponta. Por conseguinte, nada temos de po sitivo a aprender do passado. Essa atitude é uma afronta ao Espírito Santo e a Cristo, o Senhor da igreja. que se encontra a comunicação. Vivemos numa era de comunicação multimídia — televisão, rádio, impren sa — , e isso exige especialização cada vez maior para que a mensagem fique clara. O homem moderno, tanto dentro como fora da igreja, é tão bombardeado por in formações esparsas, propagandas, conversas de vende dor etc. que não é fácil refletir sobre a verdade cristã ou tomar tempo para uma reflexão teológica séria. Além disso, é muito comum os teólogos serem maus comu nicadores: a linguagem deles é de difícil compreensão e raramente têm a brevidade por ponto forte. Há ne cessidade de escritos teológicos muito melhores e mais contemporâneos. Em certo sentido, toda obra teológica implica tra dução. Isso quer dizer que a escrita deve ser feita de modo que a verdade antiga se torne compreensível para o leitor do século XXL O uso excessivo de ex pressões latinas e gregas ou de termos arcaicos, de palavras sesquipedais (!) dificilmente comunica bem a mensagem. O teólogo, sempre que possível, deve expressar conceitos difíceis em linguagem clara e até permitir que o leitor tenha prazer em compreender o que se diz! Tudo isso significa tradução com a conse quente compreensão.26 Em segundo lugar, a teologia precisa ter consciên cia do estado de espírito da época. Para muitos hoje, tanto dentro como fora da igreja, Deus não é real. Isso não significa necessariamente que não creem em Deus, mas muitos não sentem sua realidade. O estado de espírito que prevalece é de que ele é distante, abstra to ou tenha até desaparecido.27 Deus não se encontra em lugar algum. Ou, se há algum contato com Deus, 26 Deve-se acrescentar que a tradução implica dois perigos: primeiro, de diluir a mensagem; segundo, de transformá-la em outra coisa. O conteúdo, porém, deve permanecer igual, nem diluído nem transformado. 2/ A expressão “Deus está morto” do passado recente é um símbolo trágico obviamente não da morte de Deus, mas da morte da fé para muitos. Mesmo quando essa linguagem a respeito de Deus é deliberadamente evitada ou até consi derada blasfema, há com frequência uma sensação de tal 2 2 In tro d u ç ã o parece tão ocasional e incerto que a vida segue prati camente igual sem ele. Agora, não significa, de modo nenhum, que isso seja verdade para todos; mas, desde que o clima de incerteza e irrealidade existe, a teologia tem uma função criticamente importante a preencher. Também, diz-se com frequência que vivemos numa “era de ansiedade” Há ansiedade sobre relações humanas, segurança econômica, saúde e proximidade da morte, a situação do mundo — e agora tudo é enco berto pela possibilidade iminente de aniquilação nu clear. Assim, há muita insegurança e temor profundo que afetam os cristãos e também os que não afirmam ter fé. Além da ansiedade, pode-se pensar em outros males como solidão, estresse e tensão, confusão, até um senso de vida sem sentido para muitos. Se esse é o sentimento que prevalece, pelo menos em parte, a teo logia digna desse nome deve considerar essa situação. Ainda, para muitos, tanto dentro como fora da igreja, há um forte senso de desamparo e impotência. Muitos se sentem incapazes de lidar com as forças que os atingem; enfrentá-las tornou-se questão crítica. A falta de recursos suficientes para atender às deman das da vida ou para ser um cristão efetivo perturba profundamente a muitos. De novo, a teologia deve en contrar meios de lidar com esse sentimento de desam paro e impotência. Há respostas,2* e é urgentemente importante declarar quais são algumas delas. Em terceiro lugar, há a necessidade de consciência daquilo que Deus está fazendo no nosso tempo. Nes te ponto transpomos um pouco do estado de espírito que acabamos de descrever para afirmar que muitos dos “sinais dos tempos”29 apontam para a presença e distância de um Deus ausente, que resulta numa sensação de que ele está morto. 28 Paul Tillich fala da teologia sistemática como “teologia responsiva”: “Ela deve responder às perguntas implícitas na situação humana geral e na situação histórica especial” (Systematic Theology, v. 1, p. 31). Não concordo que a teologia seja só isso; mas ela não deve deixar de dar respostas para os problemas humanos. 29 Mateus 16.3 atividade de Deus. Sem dúvida, há muita coisa nega tiva: por exemplo, humanismo e ateísmo, feitiçaria e ocultismo, imoralidade e bestialidade — tudo está au mentando. Alguns afirmam que vivemos numa civili zação “pós-cristã”. Entretanto, junto com o lado escuro, há também um quadro muito promissor de ressurgi mento evangelical, atividade missionária cada vez maior e reavivamento espiritual. Nesse último ponto, a renovação carismática dentro do grande leque de igre jas históricas — católica romana, ortodoxa oriental e protestante — é altamente significativa. Deixe-me falar de modo mais específico. Tenho convicção de que a renovação contemporânea, que possui raízes profundas na realidade do Espírito San to, representa um movimento sem precedentes do Es pírito de Deus desde os tempos do NT. Deus em sua soberania está dando seu Espírito em poder, e muitos de seu povo estão recebendo esse dom. Assim, estão surgindo em nosso tempo comunidades cristãs do Es pírito que representam uma força espiritual tremenda no mundo. É nesse ponto que a teologia hoje tem um trabalho importante a desenvolver: expressar à igreja e ao mundo o que tudo isso significa. E. Crescimento na experiência cristã Por fim, é essencial que haja crescimento contínuo na experiência cristã para que a teologia desempenhe bem o seu papel. Podemos observar aqui alguns pontos. Primeiro: a tarefa da teologia exige que tudo seja feito numa atitude de oração. Só numa atmosfera de comunhão persistente com Deus é realmente possí vel falar de Deus e de seus caminhos. A teologia, com certeza, é escrita na terceira pessoa; é um “falar acer ca de Deus”. Entretanto, sem um constante “eu-tu”,30 um relacionamento de oração em segunda pessoa, o trabalho teológico torna-se frio e impessoal. A oração “no Espírito” é particularmente importante, pois, por 30 Linguagem usada no pequeno livro Ich und Du, de Martin Buber. ela, como diz Paulo, a pessoa “pronuncia mistérios no Espírito” (ICo 14.2),31 e esses mistérios, interpretados pelo Espírito, podem levar a uma compreensão mais profunda das verdades apresentadas na Escritura. A vida de oração, constantemente renovada e sempre em busca da face do Senhor, é fundamental num tra balho teológico significativo. Segundo: deve haver um senso cada vez mais pro fundo de reverência. É de Deus que a teologia fala. Ele é o assunto do começo ao fim, seja o que for que se possa falar acerca do Universo e do homem. Esse Deus é aquele que deve ser adorado em santa disposi ção, aquele de quem o nome deve ser honrado, aquele cuja própria presença é um fogo consumidor. A teolo gia, percebendo que fala daquele diante de quem toda boca deve primeiro calar-se, só pode exercer sua fun ção num espírito de reverência contínua. Há o perigo sempre presente de, ao discursar sobre coisas santas, a pessoa tornar-se irreverente e displicente. Nesse caso, a realidade divina é profanada, e a teologia torna-se um empreendimento que só merece o julgamento de Deus e a desaprovação dos homens.32 Terceiro: exige-se uma pureza de coração cada vez maior. Isso é consequência da palavra anterior sobre reverência, pois o Deus da teologia é Deus santo e jus to. Falar dele e de seus caminhos (e falar a verdade) exige um coração que passa por purificação constante. “Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus” (Mt 5.8) aplica-se com peso extraordinário ao teólogo. Ora, ele deve ver para escrever, e não se pode ver com olhos turvos e coração impuro. Quarto: a teologia deve ser feita num espírito de amor crescente. O Grande Mandamento, “Ame o Senhor, T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento” (Mt 22.37), aplica-se com particular força ao trabalho da teologia. A teologia, con forme já observado, é um jeito de amar Deus com a mente, mas deve ser feita no contexto de um amor total a Deus. A teologia é algo apaixonante: é reflexão nas cida da devoção. Para a comunidade cristã, os que co nhecem o amor de Deus e Cristo Jesus — “Deus tanto amou o mundo que deu...” (Jo 3.16) — , esse amor cada vez mais intenso faz da teologia uma resposta, uma oferta de louvor e ação de graças. Esse amor para com Deus é também inseparável do amor pelo próximo, pois as palavras do Grande Mandamento continuam: “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Mt 22.39). Quanto maior o amor pelo próximo, tanto maior o desejo de suprir suas necessidades. No trabalho teo lógico, isso significa expressão com tal clareza, objeti vidade e preocupação que o “próximo” seja edificado. A teologia, se for verdadeiro discurso sobre Deus, é um discurso de amor. Quinto, e da maior importância: todo o traba lho de teologia deve ser feito para a glória de Deus. A comunidade cristã precisa pôr diante de si, cons tantemente, o alvo de glorificar Deus em todos os empreendimentos teológicos. Nas palavras de Jesus: “Aquele que busca a glória de quem o enviou [o Pai], este é verdadeiro; não há nada de falso a seu respei to” (Jo 7.18). Mesmo assim, o alvo da comunidade em cada expressão teológica, tanto de modo coletivo como por meio de seus especialistas, não deve ser a glória própria, mas dar glória constante a Deus. Nes se espírito, a teologia pode ser uma testemunha fiel do Deus vivo. 31 Paulo, nesse versículo, na realidade diz que é falando “numa língua” que a pessoa anuncia esses mistérios. Entretanto, conforme mostra o contexto maior, isso é “orar com o espíri to” ou “orar no Espírito”. Para uma discussão mais detalhada do assunto, cf. o v. 2 desta obra. 32 A verdadeira teologia é “o ensino que é segundo a piedade” (lTm 6.3). É ensino piedoso, pois brota de uma profunda reverência e piedade. 2 4 O conhecimento de Deus 2 A questão básica da teologia é a do conhecimento de Deus. Na teologia, falamos continuamente de Deus. A fé cristã afirma ter conhecimento de Deus — não fantasia, imaginação ou conjectura, mas conhecimento. Qual a base de tal afirmação? Como se conhece Deus? Lidamos aqui com a área da epistemologia — o estudo das premissas, método e limites do conhe cimento. A epistemologia é “o discurso acerca do conhecimento”,1 e no campo teológico é o discurso so bre o conhecimento de Deus. Vamos nos concentrar basicamente em como se conhece Deus. I. A IMPORTÂNCIA DESSE CONHECIMENTO Precisamos reconhecer de início que nunca é de mais destacar a importância desse conhecimento. Esta mos tratando de uma questão de importância suprema. A. Reflexão humana Ao longo de toda a história da raça humana as pes soas vêm levantando várias e várias vezes a questão acerca do conhecimento de Deus. A importância desse assunto é evidenciada pela busca humana universal em que o conhecimento de Deus tem sido a preocupa ção maior. A reflexão humana volta-se invariavelmen te para além da questão do conhecimento do mundo e do homem para a questão: “Como conhecemos a Deus?” Múltiplas religiões, todas representando a má xima lealdade e compromisso da raça humana, são, em essência, tentativas de encontrar a resposta; e muitas filosofias têm-se voltado para o conhecimento do que é definitivo como o objetivo supremo e final. Assim, repetimos, a reflexão humana volta-se inva riavelmente para a questão do conhecimento de Deus 1 De epistemêy “conhecimento”, e logos, “discurso”. como o interesse maior. Esse interesse pode ficar es condido por um tempo em meio aos muitos afazeres do mundo e às preocupações egocêntricas do homem, mas a questão não passa. Algo no homem, ao que pa rece, clama por esse conhecimento supremo; e, a me nos que deseje reconhecê-lo e buscá-lo,2 a vida jamais alcança sua satisfação mais plena. B. As Escrituras A questão do conhecimento de Deus é um tema contínuo em toda a Bíblia. Do lado humano, por exem plo, há o lamento de Jó que diz: “Se tão somente eu soubesse onde encontrá-lo e como ir à sua habitação!” (Jó 23.3). Ou ouvimos as palavras de Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta” (Jo 14.8). O clamor do coração é por encontrar Deus, contemplá-lo e che gar em paz à sua presença. Do lado divino, as Escrituras retratam Deus supre mamente desejoso de que seu povo o conheça. Uma das grandes passagens é Jeremias 9.23,24: “Assim diz o Senhor: £Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado’, declara o Senhor”. Compreender e conhecer Deus — e gloriar-se nis so — é o alvo supremo e final. Isaías declara profetica mente que virá o dia em que “a terra se encherá do co nhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar” 2 João Calvino escreve que “todos os que não dirigem todos os pensamentos e atos de sua vida para esse fim [o conheci mento de Deus] não conseguem cumprir a lei da existência deles” (Institutas, 1:6.3, trad. Beveridge). (Is 11.9). Essa é a consumação do desejo e da intenção divina: que todo o mundo chegue um dia a conhecê-lo. Por outro lado, a falta de conhecimento genuíno de Deus é mostrada nas Escrituras como algo trágico. Nas palavras de abertura da profecia de Isaías, existe este lamento: “Ouçam, ó céus! Escute, ó terra! Pois o Senhor falou: *[...] O boi reconhece o seu dono, e o jumento conhece a manjedoura do seu proprietário, mas Israel nada sabe, o meu povo nada compreende ” (1.2,3). Em consequência dessa falta de conhecimento, o povo de Israel “carregado de iniquidade Aban donaram o Senhor’’ (1.4); “a terra [...] está devasta da, suas cidades foram destruídas a fogo” (1.7). Outro grande profeta, Oseias, exclama: “A fidelidade e o amor desapareceram desta terra, como também o conheci mento de Deus. [...] Por isso a terra pranteia [...] Meu povo foi destruído por falta de conhecimento” (Os 4.1,2,6). As consequências trágicas de não conhecer a Deus são males de todos os tipos — e destruição. O que o Senhor deseja de seu povo? Novamen te de Oseias: “Desejo misericórdia, e não sacrifícios; conhecimento de Deus em vez de holocaustos” (6.6). E certamente virá um dia, declara o Senhor por meio de Jeremias, em que “ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: 'Conheça ao Senhor’, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior” (Jr 31.34). Não deve haver dúvidas de que o conhecimento de Deus é de suprema importância de acordo com as Escri turas. Devemos nos alegrar com isso acima de todas as coisas, muito acima de todas as outras glórias da terra. Sua falta leva à multiplicação do pecado e da iniquidade, do distanciamento de Deus e desolação. Mas Deus dese ja ser conhecido. Um dia todos o conhecerão, e a terra ficará repleta desse conhecimento glorioso. II. O CAMINHO DO CONHECIMENTO Já que é evidente, tanto pela reflexão humana como pelas Escrituras, que o conhecimento de Deus é uma questão do máximo interesse do homem, bem como intenção de Deus, a pergunta crítica agora diante de T e o lo g ia s is te m á tic a : u m a p e rs p e c tiv a p e n te c o s ta l nós é sobre o caminho desse conhecimento: “Como Deus pode ser conhecido?”. A. O mistério de Deus Todo conhecimento deve ser prefaciado pela cons ciência de que o próprio Deus não pode ser conhecido como são conhecidas outras coisas ou pessoas. Ele está totalmente velado em relação à percepção humana. Ele é o Deus que habita em “nuvem escura” (IR s 8.12). Deus é o mysterium tremendum,3 um vasto mistério não passível de compreensão por qualquer meio ordinário. O fato de Deus ser Deus, e não homem, significa mistério e singularidade de todo conheci mento relacionado a ele. Assim, tudo o que Deus faz carrega em si um ca ráter de mistério. Paulo fala acerca do “mistério da sua vontade” (Ef 1.9), do “mistério de Cristo” (3.4), do “mistério do evangelho” (6.19). Há mistério no próprio Deus e em todos os
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