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DUCROT O DIZER E O DITO

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N 
~ 
...., 
-~ ')'IZER E O DITO, O 
., 
co 
~ !III I liiiU I IIII 
9788571 1~0029 
Os artigos reunidos neste 
livro foram escritos entre 
1968 e 1984. Retomados e 
atualizados pelo autor, 
dão um testemunho vivo 
da consttução e da 
evolucão da semântica 
lingü {stica de Oswald 
Ducrot: desde a relação 
da pressuposição com 
os atos de fala, à 
argumentação como um 
predicado lingü (stico 
da linguagem, até a 
teoria polifônica da 
enunciação. 
---- -----~------~--~~~------------
OSWALD DUCROT · 
Pontes 
,. 
.. 
O DIZER 
E O DITO 
Prof. Dra. Sulemi Fabiano Campos 
LETRAS UFRN 
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Ducrot, Oswald. 
D89d O dizer e o dito I Oswald Ducrot ; revisão técnica da 
87-1898 
tradução Eduardo Guimarães. - Campinas, SP : Pontes, 
198:Z. 
(Linguagem/ crítica) 
Bibliografia. 
ISBN 85-7113-002-7 
1. Linguagem - Filosofia 2. Lingüística 3. Semântica 
I. Título. II. Série. .. 
lndices para catálogo sistemático: 
1. Linguagem : Filosofia 401 
2. Lingüística 410 
3. Semântica : Lingüística 412 
CD0>-401 
-410 
-412 
OSWALD DUCROT 
O DIZER 
E O DITO 
Revisão Técnica da Tradução: 
Eduardo Guimarães 
1987 
Copyright © 1984 by Oswald Ducrot 
Título Original: Le Dire et le Dit 
Direitos adquiridos para a língua portuguesa pela PONTES EDITORES 
Capa: João Baptista da Costa Aguiar 
Coordenação Editorial: Ernesto Guimarães 
Revisão: .Adagoberto Ferreira Baptista 
Ernesto Guimarães 
PONTES EDITORES 
R. Dr. Quirino, 1230 
Telefone: (0192) 33-2939 
Campinas - SP 
1987 
Impresso no Brasil 
íNDICE 
Prefácio 7 
I -PRESSUPOSIÇÃO E ATOS DE LINGUAGEM 
I. Pressupostos e Subentendidos: a Hipótese de uma 
Semântica Lingüística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 
II. Pressupostos e Subentendidos (Reexame) . . . . . . . . 31 
III. A Descrição Semântica em Lingüística . . . . . . . . . . 45 
IV. Estruturalismo, Enunciação e Semântica . . . . . . . . . 63 
V. As Leis de Discurso ... . . .... . ...... ) . . . . . . . . 89 
II - ENUNCIAÇÃO 
VI. Linguagem, Metalinguagem e Performativos 109 
VII. A Argumentação por Autoridade .... . ..... . ... 139 
VIII. Esboço .de uma Teoria Polifônica da Enunciação .. 161 
Bibliografia 2'19 
PREFACIO 
Neste livro foram reunidos textos escritos desde 1968. Os cinco 
capítulos da primeira seção e os dois primeiros da segunda retomam, 
com modificações mais ou menos significativas, mas essencialmente 
formais, artigos publicados em diversas revistas, e das quais algumas 
não são mais acessíveis. O último capítulo, ao contrário, embora 
tenha como ponto de partida trabalhos anteriores, pode ser consi-
derado como um texto "novo". Procuro apresentar nele uma teoria 
geral da enunciação, que constitui o quadro no qual trabalho atual-
mente. 
Gostaria de poder dizer que estes diferentes textos têm uma 
unidade ao mesmo tempo temática e teórica. Quanto ao primeiro 
ponto, creio poder assegurá-lo sem muita dificu}dade. Por um lado, 
são sempre as mesmas noções que reaparecem nos oito capítulos da 
· coletânea: o conceito de pressuposição, por exemplo, objeto do pri· 
meiro texto, é ainda retrabalhado nas últimas páginas do último. 
Por outro lado, estas diversas noções têm entre si um ponto comum, 
que motiva o título geral do livro: trata-se sempre do que, no sen-
tido de um enunciado (no "dito"), diz respeito à aparição deste 
enunciado (seu "dizer"). 
Tenho mais escrúpulos em pretender que os oito textos possuam 
uma unidade teórica , já que não há nenhuma dúvida - e eu o sub-
linho explicitamente na maior parte dos capítulos - que os traba-
lhos aqui reunidos se contradizem largamente uns aos outros: sua 
leitura é, pois, pouco recomendável para as pessoas para quem a re-
tratação intelectual comporta um risco severo de depressão. 
7 
Para resumir em algumas palavras a origem destas contradições, 
diria que elas se devem a uma progressiva reviravolta na minha ati-
tude diante da filosofia da linguagem anglo-americ~na. Tendo partido 
de Strawson, Austin e Searle, cuja leitura foi a base de todas as mi-
nhas pesquisas, e de quem eu unicamente contava aplicar as idéias 
em lingüística, fui levado a abandonar a maioria de suas teses. 
Esta infidelidade - que é ao mesmo .tempo uma infidelidade a 
mim mesmo - é particularmente visível quando se comparam as 
duas seções do livro . Na primeira, o ponto de contato do dizer no 
dito está fundamentado antes de tudo na idéia de ato de linguagem: 
se o sentido de um enunciado alude à sua enunciação, é na medida 
em que o enunciado é ou pretende ser a realização de um tipo par-
ticular de ato de linguagem, o ato ilocutório. Todo meu esforço, nos 
textos da segunda seção, visa, ao contrário, ultrapassar a noção de 
ato ilocutório. Tendo mostrado, no capítulo sobre os performativos, 
que sua utilização implica uma confiança cega na linguagem (consi-
derada como sendo a melhor metalinguagem para descrever a si mes-
ma), procuro - este é o objeto dos dois últimos capítulos - des-
cobrir no sentido dos enunciados um comentário da enunciação muito 
mais fundamental que aquele que se expressa .na realização dos atos 
ilocutórios: estes aparecem como um fenômeno segundo, derivado a 
partir de uma realidade mais profunda, a saber, a descrição do dizer 
como uma representação teatral, como uma polifonia. 
Certamente não vou terminar meu prefácio com esta declaração 
de incoerência: cedendo a um movimento psicológico difícil de evi-
tar, vou sublinhar que a reviravolta que ostentei é o signo exterior 
de uma fidelidade oculta. Fidelidade, primeiro, ao que me parece 
ser a intuição profunda dos filósofos em quem me if!spirei: para sus-
tentar isto, é suficiente sustentar que sua insistência ~obre os atos de 
linguagem não diz respeito fundamentalmente a um interesse pela 
atividade realizada através da língua 1 , mas por esta possibilidade que 
tem a fala de falar de seu próprio acontecimento, possibilidade que 
se faz aparecer indiretamente quando se interpreta um enunciado co-
mo a realização de um ato ilocutório. 
1. De fato, eles descrevem esta atividade de uma maneira um tanto ingênua, 
deixando-se "cair na armadilha" da linguagem e suas "Vérités de la Palice", 
como diria M. Pêcheux. 
8 
Mas espero também, mergulhando a teoria dos atos de lingua-· 
gem em uma concepção polifônica da enunciação, ser fiel a uma 
inquietação pessoal, que talvez explique, por outro lado, as distor-
ções às quais submeti a filosofia da linguagem quando supunha so-
mente aplicá-la. Esta inquietação, que, segundo penso, está na base 
do estruturalismo em semântica lingüística, é o de dar à alteridade 
- para retomar uma expressão da qual Carlos Vogt e eu nos temos 
servido freqüentemente - um "valor constitutivo". Ao mesmo tem-
po, a teoria dos atos de linguagem, tal como a compreendi, e a teoria 
da polifonia fundam o sentido sobre a alteridade. No que concerne 
à teoria dos atos de linguagem, ela funda o sentido de um enunciado 
nas relações que este estabelece entre sua enunciação e um certo 
número de desdobramentos "jurídicos" que esta enunciação, segundo 
ele, deve ter. No que concerne à teoria da polifonia, ela acrescenta 
a esta alteridade, por assim dizer "externa", uma alteridade "inter-
na" - colocando que o sentido de um enunciado descreve a enun-
ciação como uma espécie de diálogo cristalizado, em que várias vozes 
se entrechocam. A possibilidade permanece, aliás, aberta para que 
cada uma destas vozes seja ela própria, por sua vez, a representação, 
a colocação em cena de um diálogo, possibilidade à qual alude, sem 
ser capaz de explorar, a última seção do último capítulo. 
Duas observações relativas à organização da coletânea. 
1 . A ordem na qual os textos são apresentadosé um compro-
misso entre o cuidado histórico e um cuidado temático. Aproximei 
os textos que tratavam do mesmo tema, ou temas aparentados -
ordenando-os a partir de uma antigüidade decrescente. 
2 . Serão encontradas nos pés de páginas duas espécies de nota. 
Ás primeiras, indicadas por números, são as que faziam parte dos 
textos originais. As outras, indicadas por asteriscos, são comentários 
feitos a propósito destes textos, no momento em que organizei a 
coletânea *. Elas assinalam, principalmente, as diferenças terminoló-
gicas e as contradições teóricas entre os trabalhos apresentados neste 
livro**. 
* As notas de tradução serão também indicadas com asterisco, colocando-se 
ao final da nota a indicação N. do T. (N. do T.). 
* * Os exemplos utilizados para as análises serão, em geral, traduzidos para o 
português. Só não o serão os trechos de textos, tais como os retirados de 
romances e peças de teatro, bem como certos exemplos relativos a análises 
que não seriam facilmente transpostas para o português, a não ser com o 
risco de afetar o conjunto da análise. (N. do T.) 
9 
I 
Pressuposição 
e atos de linguagem 
.. 
..._______________ --
Capítulo I 
PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS* 
A HIPóTESE DE UMA SEMÂNTICA LINGÜÍSTICA 
Quando um lingüista declara que um determinado enunciado ** 
da língua que ele estuda possui tal significação (descrita com o amú-
lio de um enunciado sinõnimo desta mesma língua ou de uma outra), 
ele freqüentemente tem a impressão de registrar um dado, de cons-
tatar um fato. Na realidade, os únicos dados que a experiência lhe 
fornece concernem, não ao próprio enunciado, mas às múltiplas ocor-
rências possíveis deste enunciado, nas diversas situações em que é. 
utilizado: à medida em que compreendo uma língua, sou capaz de 
atribuir significados produzidos hic et nunc. Mas, decidir qual é a 
significação do enunciado, fora de suas ocorrências possíveis, implica 
ultrapassar o terreno da experiência e da constatação, e estabelecer 
uma hipótese - talvez justificável, mas que, de qualquer forma preci- · 
sa ser justificada 1• Acreditar que seja possível evitar essa dificuldade, 
* Este· texto, publicado no n.0 4 de Langue. Française de 1969, é o primeiro 
onde utilizo sistematicamente a noção de "lei de discurso". Objetar-lhe-ia 
presentemente (cf. Cap. II) que o qualificativo "pressuposto" refere~se à 
natureza de um elemento semântico veiculado pelo enunciado, enquanto o 
qualificativo "subentendido" caracteriza a forma pela qual um elemento se-
mântico é introduzido no sentido. Por outro lado pare~me que, através 
das leis de discurso, introduzi a águia: ' no ninho da lingüística e gostaria 
que o uso dessa noção seja mais controlado do que o é atualmente (cf., 
Cap. V e Anscombre & Ducrot, 1983, Cap. III). 
N. do T. A metáfora "águia no ninho" foi uma adaptação da metá-
fora original "Le loup dans la bergerie", pois "bergerie", que significa lugar 
onde são guardados os carneiros, não tem equivalente em Português. 
** Os. termos "sentido", "significação", "enunciado" não possuem, neste texto, 
os valores exatos fixados nos § 4-7 do Cap. VIII. 
1 . Para ser rigoroso, seria necessário precisar que mesmo em um contexto 
definido, a descrição de uma significação tem maiores implicações do que 
13 
apoiando-se em uma especte de expenencia imagmarta que consiste 
em tentar representar o efeito casual do enunciado, caso este fosse 
produzido fora do contexto, é enganar-se a si mesmo: uma ocorrência 
fora de contexto não passa de · uma ocorrência produzida em um 
contexto artificialmente simplificado, e não é absolutamente neces-
sário que a significação constatada nessas condições possibilite com-
preender as significações registradas em contextos naturais. 
Mas, se a decisão de atribuir uma descrição semântica a cada 
enunciado isolado baseia-se em uma hipótese que não encontraria 
apoio em nenhuma evidência, ainda assim ela deve ser formulada. O 
fato de não poder justificá-la não significa que seja injustificável. Pen-
samos, ao contrário, que hipóteses desse tipo constituem a condição 
necessária para a existência de uma descrição semântica especifica-
mente lingüística das línguas naturais. Antes de procurar estabelecer 
o que poderia ser uma tal descrição semântica língüística, explicite-
mos o que deve ser esperado da descrição semântica de uma língua L. 
Entendemos qtie esta consiste em um conjunto de conhecimentos que 
permitem prever, frente a um enunciado A de L, produzido em cir-
cunstâncias X, o sentido que esta ocorrência de A tomou neste con-
texto. 
Descrição Semântica 
de L 
I 
Sentido de A em X 
ESQUEMA 
.. 
Embora, presentemente, a realização deste programa para toda e qual-
quer língua possa parecer ficção científica, isto não deve impedir 
considerá-la como um objetivo legítimo e mesmo necessário, em dire-
14 
uma simples constatação, pois a própria escolha da fórmula que auxiliará 
a descrever a significação já exige que se faça abstração de certos matizes 
considerados não-pertinentes, e a validade desta abstração constitui uma 
hipótese e exige uma justificação. 
ção ao qual devem convergir todas as análises de detalhe possíveis 
de serem realizadas atualmente. 
Quanto a dizer que existe, para a língua L, uma descrição se-
mântica lingüística possível, é formular uma hipótese bem precisa so-
bre a organização a ser dada à descrição semântica de L. Manter o 
esquema precedente significa que a descrição semântica se constituirá 
de um conjunto extremamente heterogêneo, heteróclito mesmo. Com 
efeito, aí deverão ser abrigados, além dos conhecimentos habitual-
mente chamados de lingüísticos, um certo número de leis de ordem 
psicológica, lógica ou sociológica, um inventário das figuras de estilo 
empregadas pela coletividade que fala a língua L, com suas condi-
ções de aplicação, em suma, informações referentes às diferentes uti-
lizações da linguagem nessa mesma comunidade. Caso contrário, como 
dar conta do fato de que, em certas circunstâncias, o enunciado Que 
tempo bom! possa ser dotado de um valor aproximadamente equiva-
lente a Que tempo feio!, e, em outras circunstâncias, ser compreen-
dido como Não temos muita coisa a dizer um ao outro, etc. Diante 
de fatos deste gênero e percebendo que uma frase qualquer pode ser 
levada a veicular não importa qual significação, lingüistas como F. 
Brunot renunciaram à esperança de uma descrição semântica das lín-
guas naturais, pois seria preciso prever, para cada enunciado, a infi-
nidade de significações decorrentes da infinidade de contextos possí-
veis e, ao mesmo tempo, seria preciso acumular no retângulo, através 
do qual representamos a descrição semântica, informações empresta-
das a quase todas as ciências. Se desejarmos, entretanto, evitar este 
pessimismo e tentar colocar um pouco de ordem na descrição semân-
tica, uma hipótese que parece vantajosa é a que está, implícita ou 
explicitamente, em toda a semântica lingüística. 
Trata-se de considerar que o retângulo acima desenhado deve ser 
dividido em dois compartimentos principais. Um primeiro componen-
te, isto é, um conjunto de conhecimentos (descrição semântica lin-
güística de L ou, abreviadamente, componente lingüístico) atribuiria 
a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto, uma cer-
ta significação. Exemplificando: a A, corresponde a significação A'. 
Caberia ao segundo componente (o componente retórico), consideran-
do a significação A' ligada a A e as circunstâncias X nas quais A é 
produzido, prever a significação efetiva de A na situação X. 
15 
A 
l. 
Componente 1 : 
descrição semântica 
lingüística 
A' 
~ 
Componente 2: 
Componente retórico 
Sentido de A no 
contexto X 
ESQUEMA 2 
X 
A hipótese incorporada a este esquema pressupõe que as circuns-
tânciall da enunciação são mobilizadas paraexplicar o sentido real de 
uma ocorrência particular de um enunciado, somente depois que uma 
significação tenha sido atribuída ao próprio enunciado, independen-
temente de qualquer recurso ao contexto. 
Para justificar esta hipótese de forma definitiva, seria necessário, 
em primeiro lugar, construir efetivamente os dois componentes (para 
uma língua, pelo menos), mas nã,p nos encontramos nesse estágio. 
Entretanto, se pudermos mostrar que uma descrição semântica orga-
nizada com base Jl.O segundo esquema pode ser mais satisfatória do 
que o seria, caso mantivéssemos 6 primeiro, seria possível, desde já, 
conferir-lhe uma certa verossimilhança. Acreditamos que uma tal des-
crição se aproximaria, com melhores condições, do resultado final 
desejado (a explicação dos efeitos de sentido constatados de fato), ao 
mesmo tempo que o abordaria de forma mais natural. Para salientar 
este segundo ponto, séria necessário mostrar que é possível atribuir ao 
16 
componente lingüístico uma postura relativamente sistemática, at In-
tegrando um pequeno número de regras gerais suscetíveis de interfe-
rir e de combinar seus efeitos de acordo com relações previsíveis. Por 
outro lado, cabe apontar que as leis utilizadas no componente retó-
rico serão justificáveis, independentemente de seu emprego na des-
crição semântica, e poderiam ser autenticadas, por exemplo, pela psi-
cologia geral, pela lógica, pela crítica literária, etc. É unicamente atra-
vés de tais demonstraçÇ)es que tornaremos plausível a hipótese · de uma 
descrição semântica lingüística das línguas naturais - hipótese esta 
totalinente arbitrária. 
DISTINÇÃO ENTRE PRESSUPOSTO E SUBENTENDIDO 
Tentaremos esboçar essa demonstração, mantendo-nos no inte-
rior de um domínio muito lirp.itado. Tratar-se-á de distinguir dois 
tipos de efeitos de sentido e de mostrar que é interessante descrever 
um deles a partir do componente lingüístico, enquanto o outro exige 
a intervenção do componente retórico. Considerem-se os enunciados 
seguintes: 
(1) Se Pedro vier, Jacques partirá. 
(2) Jacques não despreza vinho. 
(3) Jacques continua fumando. 
(4) Pedro deu pouco vinho a Jacques. 
Na maior parte dos contextos imagináveis, uma pessoa, ao ou-
vir (1), concluirá que a vinda de Pedro desencadeia a partida de Jac-
ques, da qual é a condição suficiente e também necessária, isto é, 
que a partida de Jacques está subordinada à vinda de Pedro. Com 
efeito, o indivíduo que enunciasse (1) seria considerado bastante 
anormal ou mesmo mentiroso se, ao fazê-lo, não pensasse que: 
(la) Se Pedro não vier, Jacques não partirá. 
Caso contrário seria necessário explicitar que, de qualquer for-
ma, Jacques provavelmente partiria. É, sem dúvida, este costume lin-
güístico que dificulta, aos que se iniciam em matemática, distinguir 
as condições necessárias das condições suficientes. 
Por outro lado, no que concerne ao enunciado (2), é difícil de 
aí não perceber a afirmação: 
17 
(2a) Jacques gosta muito de vinho. 
Para evitar que o ouvinte chegue a essa conclusão, o locutor 
seria obrigado a tomar precauções que acabariam por entulhar seu 
enunciado, advindo daí falta de fluência, cuja conseqüência seria, 
aliás, a de reforçar o efeito de sentido que o locutor desejou suprimir 
através das referidas providências. 
A propósito do enunciado (3), é quase inevitável concluir que 
não apenas Jacques fuma atualmente, mas que já antigamente ele 
fumava. Acrescentemos, pois, ao conteúdo do (3) a indicação: 
(3a) Jacques fumava antigamente. 
Enfim, o enunciado (4) indica, ao mesmo tempo, que Pedro deu 
vinho a Jacques e que, ao fazê-lo, não foi generoso. Justificaremos, 
mais adiante, a diferença entre estes dois elementos semânticos, mas, 
no presente momento, nos limitaremos a anotar o primeiro: 
(4a) Pedro deu vinho a Jacques. 
Presentemente, defender-se-á agora a tese de que existe uma di-
ferenca entre as indicações (la) e (2a) por um lado, as quais chama-
remo; de subentendidos, e as indicações (3a) e ( 4a), que denominare-
mos pressupostos. Um primeiro critério que permite esta classificação 
deriva do comportamento muito particular assumido pelos pressupos-
tos no momento em que o enunciado que os veicula é submetido a 
certas modificações sintáticas, tais como a negação ou a interrogação. 
Ducrot (1968, p . 38-41 e 46-48) mostra que os pressupostos de um 
enunciado continuam a ser afirmados pela negação deste enunciado 
ou por sua transformação e!I! pergunta. Assim, em todas as suas 
ocorrências imagináveis, os enúnciados Será que Jacques continua fu-
mando?, e E falso que Jacques continua fumando continuam man-
tendo, tal como o faz (3), que Jacques fumava antigamente. Observe-
se ainda que, quando (3) é introdu~do a título de proposição ele-
mentar em uma , frase complexa (por exemplo, Pedro continua fuman-
do, ainda que o médico lhe tenha proibido o cigarro), o elo de subor-
dinação - no presente caso, a conexão - não se refere ao elemento 
pressuposto (3a), mas apenas ao resto do conteú~o de (3), que cha-
mamos de conteúdo posto, ou seja, afirma-se que Jacques fuma atual-
mente. E, aliás, este comportamento particular frente à negação, à 
interrogação e à subordinação que nos autoriza a distinguir, no sen-
tido global de (4), o elemento (4a) - "Pedro deu vinho a Jacques" 
18 
- pois possui esta propriedade de subsistir quando (4) é transfor-
mado em pergunta ou em negação, ao mesmo tempo que também 
resiste à subordinação (cf. Pedro deu pouco vinho a Jacques, embora 
lhe tivesse solicitado bem mais). 
Poder-se-ia procurar em vão, nos subentendidos que tomamos 
por exemplo, características semelhantes as dos pressupostos. Assim, 
construa-se, a partir de (1), a pergunta Será que Jacques partirá, caso 
Pedro venha?. Percebe-se que nesse caso a indicação (la) não sub-
siste: "Se Pedro não vier, Jacques não partirá". Quanto a (2), em 
virtude de sua forma negativa, dificilmente pode ser submetido aos 
testes da negação e da interrogação, mas basta que lhe seja acres-
centada uma oração subordinada para que seja perceptível que o elo 
de subordinação incide precisamente sobre a indicação (2a): "Jacques 
gosta muito de vinho". Tal fato indica que não se trata de uma 
pressuposição. Em síntese, o fenômeno de pressuposição parece estar 
em estreita relação com as construções sintáticas gerais - o que 
fornece uma primeira razão para tratá-lo no componente lingüís- · 
tico on~e, evidentemente, deveria ser descrito o valor semântico des-
sas coristruções. O mesmo argumento não pode ser empregado, tra-
tando-se dos subentendidos, pois a relação com a sintaxe é bem mais 
difícil de aparecer. 
Como, então, caracterizar o subentendido de forma positiva?. Um 
primeiro traço observável consiste no fato de que existe sempre para 
um enunciado com subentendidos, um "sentido literal" do qual tais 
subentendidos estão excluídos. Eles parecem ter sido acrescentados. 
Se, após afirmar que Jacques não despreza vinho, sou acusado de 
maledicência, sempre poderei proteger-me por trás do sentido literal 
de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade 
da interpretação que delas faz. E, aliás, desta possibilidade de reti-
rada que advém toda a vantagem do enunciado (2) em relação à 
afirmação direta de (2a) . De acordo. com uma expressão familiar, o 
subentendido permite acrescentar alguma coisa "sem dizê-la, ao mesmo 
tempo em que ela é dita". Apesar de algumas analogias, a situação 
é bastante diferente para o· pressuposto. Este pertence plenamente ao 
sentido literal. Seria muito fácil demonstrá-lo, tomando o exemplo (4) 
que perde toda significação ou, mais exatamente, toda capacidade 
informativa se seu pressuposto (4a) não for admitido. O enunciado 
(3) é ainda mais interessante, pois nele o posto "Jacques fuma atual-
mente", pode ser compreendido e aceito mesmo que seu pressuposto 
19 
"J;1cquesfumava antigamente" não seja admitido. Isto não impede que 
este pressuposto seja concebido, no ato de discurso, como inerente ao 
próprio enunciado. Se meu interlocutor puder provar-me que T acques 
nunca fumou, não disponho de nenhum recurso para isentar-me de 
minha responsabilidade e ser-me-á muito difícil não reconhecer meu 
erro. Certamente o pressuposto não pertence ao enunciado da mes-
ma forma que o posto. Contudo, também ele lhe pertence - em-
bora isso ocorra de· um outro modo. 
Para descrever este estatuto particular do pressuposto, seria pos-
sível dizer (cf. Ducrot, 1968, p. 40) que ele é apresentado como uma 
evidência, como um quadro incontestável no interior do qual a con-
versação deve necessariamente inscrever-se, ou seja, como um ele-
mento do universo do discurso. Introduzindo uma idéia sob forma de 
pressuposto, procedo como se meu interlocutor e eu não pudéssemos 
deixar de aceitá-lo. Se o posto é o que afirmo, enquanto locutor, se 
o subentendido é o que deixo meu ouvinte concluir, o pressuposto 
é o que apresento como pertencendo ao domínio comum das duas 
personagens do diálogo, como o objeto de uma cumplicidade funda-
mental que liga entre si os participantes do ato de ~omunicação. Em 
relação ao sistema dos pronomes poder-se-ia dizer que o pressuposto 
é apresentado como pertencendo ao "nós", enquanto o posto é rei-
vindicado pelo "eu", e o subentendido é repassado ao "tu". Ou, ainda, 
se as imagens temporais forem preferidas, é possível dizer que o 
posto se apresenta simultaneamente ao ato da comunicação, como se 
tivesse surgido pela primeira vez, no universo do discurso, no mo-
mento da realizacão desse ato . O subentendido, ao contrário, ocorre 
em momento pos,terior a esse ato, como se tivesse sido acrescentado 
através da interpretação do ouvinte; quanto ao pressuposto, mesmo 
que, de fato, nunca tenha sido introduzido anteriormente ao ato de 
enunciação (como se o ouvinte não soubesse, antes da formulação do 
enunciado (3), que Jacques fumava antigamente), ele procura sempre 
situar-se em um passado do conhecimento, eventualmente fictício, ao 
qual o locutor parece referir-se. 
Através destas metáforas, que tentam descrever como o posto, 
o pressuposto e o subentendido são vivenciados na experiência da 
comunicação, uma profunda opo::!ição se estabelece entre os dois pri-
meiros, por um lado; e o terceiro, por out~o. Ocorre que o suben-
tendido reivindica a possibilidade de estar ausente do próprio enun-
ciado e de somente apat:ecer quando um ouvinte, num momento pos-
20 
terior refletir sobre o referido enunciado. Ao contrário, o pressuposto 
e, co~ mais razão ainda, o posto apresentam-se como contribüições 
próprias do enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, esta 
contribuição se restrinja à lembrança de um conhecimento passado). 
Eles se apresentam como se tivessem sido escolhidos concomitante-
mente ao enunciado e empenham, a seguir, a responsabilidade daquele 
que escolheu o enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, o 
locutor tente partilhar esta responsabilidade com o ouvinte, disfarçando 
o que diz sob a aparência de uma crença comum). Entregando, pois, a 
pesquisa dos pressupostos ao componente lingüístico - que trata do 
próprio enunciado, sem considerar suas condições de ocorrência 
enquanto os subentendidos seriam previstos por um componente re-
tórico - que leva em conta as circunstâncias da enunciação - fa-
zemos justiça a um certo sentimento ou, pelo menos, a uma certa 
pretensão dos falantes. Esta é uma segunda razão - que, aliás, seria 
bastante insuficiente, caso fosse considerada isoladamente - para 
distinguir estes dois componentes. 
Dissemos que o subentendido só toma seu valor particular ao 
opor-se a um sentido literal do qual ele mesmo se exclui. Como, nes-
sas condições, julga-se que o ouvinte deva descobri-lo?. É preciso que 
isto ocorra através de um procedimento discursivo, isto é, através de 
uma espécie de raciocínio. Mas, a esse propósito, uma objeção poderá 
ser feita: sobre o que este raciocínio pode fundar-se?. Pois, se a ope· 
ração consiste em retirar do enunciado as conclusões nele implicadas, 
é difícil de compreender como o locutor poderia rejeitar a responsa-
bilidade do subentendido: à medida que o subentendido fosse dedu-
zido do sentido literal, não seria possível, ao mesmo tempo, reivin-
dicar esse sentido literal e recusar as conseqüências que ele acarreta. 
Basta, aliás, por um mome11to, considerar os dois exemplos de su-
bentendido que utilizamos para verificar que não decorrem, de forma 
alguma, do sentido literal dos enunciados que os veiculam. No caso 
de (1), seria mesmo necessário um erro muito grosseiro de raciocínio 
(a confusão entre um julgamento e sua recíproca) para deduzir do 
enunciado - o qual estabelece uma condição suficiente - seu suben-
tendido habitual - que sugere uma condição necessária. E nada 
autoriza a considerar o ilogismo como um princípio explicativo dos 
fatos de língua. 
Na realidade, é possível colocar, na origem dos subentendidos, 
um procedimento discursivo perfeitamente compatível com as leis da 
21 
lógica (embora ela ofereça apenas uma verossimilhança e nenhuma 
certeza) e que permite, por outro lado, compreender que o locutor 
possa recusar-se a assumir sua responsabilidade. Para tanto, basta co-
locar, na base deste procedimento, não apenas o próprio enunciado, 
mas sua enunciação, ou seja, o fato de que o enunciado é utilizado 
em um momento determinado em circunstâncias específicas. O racio-
cínio do ouvinte poderia então explicitar-se por uma fórmula tipo: se 
alguém julga que é adequado dizer-me isso é, sem dúvida, porque 
pensa aquilo. Retomemos nossos exemplos, iniciando pelo enunciado 
(2): Jacques não despreza vinho. Embora possamos facilmente cons-
tatar aqui um caso particular de litotes, não basta alegar a existência · 
dessa figura para obter ipso-jacto a explicação desejada, pois existem 
muitos enunciados que, praticamente, nunca subentendem sua própria 
ampliação. "Folheei este livro, "Algumas pessoas estavam lá", "Não 
me oponho a encontrar Pedro" subentendem apenas em casos excep-
cionais que li o livro, que havia uma multidão ou que desejo encon-
trar-me com Pedro. Na realidade, o ouvinte procura por uma litotes 
apenas quando a utilização de um enunciado mais forte apresentaria 
alguma coisa deslocada, inconveniente, repreensível. Se X e X' con-
sistem em dois enunciados situados sobre uma mesma escala de sig-
nificação 2 , se o segundo distingue-se do primeiro unicamente porque 
ele ocupa um grau superior desta escala, e se, por outro lado, uma 
regra de conveniência se opõe ou parece opor-se ao emprego de X', 
o ouvinte, ao ouvir X, tende a interpretá-lo como X'. No caso de (2), 
haveria certa maledicência ou, melhor, alguma brincadeira tradicio-
nal estaria simulando uma certa maledicência no enunciado direto 
Jacques bebeu muito. É por essa razão que temos a tendência, ao 
ouvir (2), de tomá-lo como substituto de (2a). O raciocínio do ouvinte 
(raciocínio que pode, aliás, como no exemplo de que nos ocupamos, 
tornar-se quase automático e cristalizar-se em uma espécie de institui-
ção) deve então ser reconstituído como segue: Meu interlocutor não 
.. 
tinha o direito de dizer (2a); assim, se ele disse (2), que representa 
o enunciado admissível que mais se aproxima de (2a), existem possi-
bilidades de que tenha pensado (2a). Trata-se, de fato, de um racio-
cínio, mas baseado, pelo menos, tanto sobre a enunciação quanto 
sobre o conteúdo enunciado. 
2. Isso remete à suposição de que a língua comporta tais escalas, ou seja, que 
pelo menos alguns de seus paradigmas são graduados. 
22 
Chegar-se-ia a uma conclusão análoga, analisando o exemplo (1). 
Observe-se, inicialmente, que o ouvinte, em geral, tende a supor úteis 
todas as precisões contidas nas mensagens que lhe são dirigidas. Ele 
supõe,de alguma forma, que o locutor observa, na escolha de seu 
enunciado, uma espécie de lei de economia. Se é afirmado, a propó-
sito de uma pessoa, que ela gosta de romances policiais, o ouvinte 
inclina-se a concluir, para justificar a precisão trazida pela palavra 
"policiais", que ela gosta pouco, ou menos, de outros romances. Pois, 
se gostasse igualmente de todos os romances, qual seria a utilidade 
em acrescentar essa determinação, considerando que seu interesse por 
romances policiais se deduziria, a título de- caso particular, de seu 
interesse geral pelos romances. Pela mesma razão, ao dizer que al-
guém está de bom humor pela manhã, sugiro que o mesmo não lhe 
ocorre durante o resto do dia. Certo ou errado, o ouvinte procede 
como se o locutor lamentasse suas palavras. A partir desta constata-
ção geral, é possível explicar sem muita dificuldade o subentendido 
de (1). Assinale-se, inicialmente, sem no entanto demonstrá-lo aqui, 
que o se em muitas línguas difere bastante da relação lógica de impli-
cação: sua função primeira é de solicitar ao ouvinte que faça uma 
certa hipótese, que se coloque frente a uma certa eventualidade, no 
interior da qual, a seguir, uma certa afirmação é apresentada e ex-
pressa na oração principal. Após essa explicitação podemos retornar 
a nosso exemplo. Para que (1) seja utilizado, anuncia-se a partida de 
Jacques somente após ter solicitado ao interlocutor que elabore a hipó-
tese prévia da vinda de Pedro. No entanto, se Jacques devesse partir 
de qualquer forma ou, simplesmente, se ele devesse partir mesmo que 
Pedro não viesse, por que subordinar o aviso de sua partida à lem-
brança da chegada de Pedro?. Dito de outra forma: ou é inútil, para 
afirmar a partida de Jacques, vislumbrar a eventualidade apresentada 
na subordinada condicional ou, então, é preciso que esta eventuali-
dade seja indispensável à afirmação colocada na principal. Se meu 
interlocutor insistiu em subordinar a enunciação da partida à enun-
ciação da vinda e se, por outro lado, julga-se que ele não fala em vão, 
posso concluir, com certa verossimilhança, que para ele o evento da 
partida está subordinado ao da vinda. Tanto nesse exemplo, como no 
precedente, um raciocínio. - realizado sobre o ato da enunciação -
pode ser considerado o responsável pelo subentendido. 
Contrariamente a certas aparências, o mesmo não ocorre com o 
pressuposto. A repartição do conteúdo de um enunciado em posto e 
23 
pressuposto possui efetivamente esta arbitrariedade característica dos 
fatos de língua, e não pode ser justificada por nenhum raciocínio. Cer-
tamente, pautando-nos pelo bom senso, se afirmamos que Jacques deu 
a Pedro somente uma pequena quantidade de vinho, somos obrigados 
a pressupor que Jacques deu vinho. Mas, compare-se (4) a (4'): 
(4') Pedro deu um pouco de vinho a Jacques. 
Também neste novo enunciado afirma-se que uma certa quan-
tidade foi oferecida e que esta quantidade é pequena. Mas, contra-
riamente ao que ocorre com ( 4), aqui as duas indicações não são mais 
dissociáveis. Submetendo (4') às transformações negativa e interroga-
tiva, ambas são negadas ou questionadas por· inteiro 3 • O destinatário 
do enunciado (4) não tem, assim, nenhum motivo (a não ser seu co-
nhecimento da língua) para nele descobrir o pressuposto ( 4a), pois 
os mesmos motivos o levariam a descobrir este mesmo · pressuposto 
·em (4'), onde ele não se encontra como tal. 
O mesmo poderia ser dito a propósito do exemplo (3). O bom 
senso, nesse caso, também sugere que, para afirmar que alguém conti-
nua a fumar é preciso, logicamente, que já o fizesse anteriormente. 
Mas, assim como ocorreu em (4), a repartição do posto e do pressu-
posto, ainda aqui, decorre da arbitrariedade lingüística. Para con-
vencer-se, basta imaginar um verbo, de fato inexistente, em portu-
guês, mas totalmente possível, que determinaria o que continuar pres-
supõe, e inversamente. Chamemos esse verbo de pertinuar. Jacques 
pertinua a fumar pressuporia, então, que Jacques fuma atualmente e 
colocaria, a título de informação nova, que o faz há muito tempo. 
Jacques pertinua a fumar?. Manteria, como uma evidência, que Jac-
ques fuma e indagaria se isso é um hábito ou uma novidade. Ou, 
ainda, Jacques não pertinua a fumar negaria o fato de que Jacques 
seja um fumante inveterado, ao mesmo tempo que reconheceria que 
ele fuma atualmente. A existência possível deste verbo imaginário, 
bem como a existência real de r:.m ·pouco, I!lOStra que a detecção 
de pressupostos não está ligada a uma reflexão individual dos falan-
tes, mas está inscrita na língua. Esta é uma nova razão para conferir 
um estatuto radicalmente diferente ao subentendido e ao pressuposto. 
Esta diferença pode ser representada caso a descrição semântica seja 
dividida em dois componentes - o lingüístico e o retórico. Parece, 
I . 
com efeito, .razoável fazer do pressuposto, ligado ao próprio enun-
3. A propósito de peu (pouco) e de un peu (um pouco), ver Martin (1969). 
24 
ciado, bem como aos fenômenos sintáticos gerais, um produto do com-
ponente lingüístico . O subentendido, ao contrário, resulta de uma 
reflexão do destinatário sobre as circunstâncias de enunciação da men-
sagem e deve ser captado, através da descrição lingüística, ao final 
de um processo totalmente diferente, que leve em conta, ao mesmo 
tempo, o sentido do enunciado e suas condições de ocorrência e lhes 
aplique leis lógicas e psicológicas gerais. 
A ANTERIORIDADE DO PRESSUPOSTO 
Em nossa opinião, os argumentos que acabam de ser apresenta-
dos justificam nossa decisão de átribuir a dois componentes diferen-
tes da descrição semântica o cálculo dos pressupostos e dos subenten-
didos. Mas o esquema 2 apresenta maiores implicações, pois sugere 
que a descoberta dos pressupostos, a cargo do componente lingüís-
tico, é anterior àquela dos subentendidos. Para legitimá-lo totalmente, 
seria preciso, pois, mostrar ainda que o conhecimento dos ele~entos 
semânticos pressupostos é um pré-requisito necessário à pesqutsa dos 
subentendidos e que os pressupostos encontram-se entre os dados que 
devem ser fornecidos à entrada do componente retórico. 
Tomemos, como primeiro exemplo, o enunciado: 
(5) Se Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido. 
Na maior parte de suas ocorrências, ele veicula as três infor-
mações que seguem: 
(5a) A vinda de Pedro implicava a partida de Jacques. 
(5b) Pedro não veio . 
(5c) Jacques não partiu. 
Por outro lado,. fica claro que os elementos semânticos (5a), (5b) 
e (5c) têm estatutos muito diferentes. Reconhecer-se-á, sem dificul-
dade, em (5a) um conteúdo posto. Já no que diz respeito a (5b), ele 
possui todas as características que atribuímos aos p~essupostos. Veri-
ficar-se-á, sobretudo, que resiste à interrogação e à negação. Em 
compensação, o mesmo não ocorre com (Se), que pode desaparecer 
com a interrogação. Assim, (5') Será que, se Pedro tivesse vindo, Jac-
ques teria partido? - pode freqüentemente ser empregado em um 
contexto em que os dois interlocutores sabem que Jacques partiu. 
25 
Nesse caso, (S') toma aproximadamente o mesmo valor de Será que, 
mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido? - enunciado 
que afirma sempre (estaríamos tentados a dizer: pressupõe) a partida 
de Jacques. Trata-se, nesse caso, de uma diferença muito clara entre 
(S') e (S). Quando se acredita na partida de Jacques, não é possível 
empregar (S); conseqüentemente, esse último enunciado quase nunca 
é equivalente a "Mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria par-
tido". O elemento semântico (Se), geralmente presente em (S), mas 
ausente em (S') - transformação interrogativa de (S) - não pode, 
pois, passar por um pressuposto. Da mesma forma, ele . não pode ser 
considerado como posto e colocado sobre o mesmo plano de (Sa) , 
pois não decorre do sentido literal de (5). Caso objetemos à pessoa 
que empregou (5)que Jacques partiu, ela poderá sempre defender-se, 
alegando que nunca disse o contrário. Este critério permite-nos reco-
nhecer em (Se) um subentendido absolutamente clássico. 
Uma vez estabelecido o estatuto dos três elementos semânticos 
geralmente veiculados por (5), resta-nos mostrar como o subenten-
dido (Se) é produzido a partir dos dois outros, o que justificaria o 
fato de confiarmos ao componente lingüístico a descrição de (Sa) e 
(Sb) e, ao componente retórico, que leva em consideração os resul-
tados oriundos do componente lingüístico, apenas a descrição do su-
bentendido (Se). Para fazê-lo, necessitaremos inicialmente, desta lei 
de economia que já foi empregada anteriormente para explicar o 
subentendido de (1). Já que o locutor entendeu só poder falar na 
partida de Jacques, considerando a hipótese da vinda de Pedro, o 
ouvinte tem algum motivo para concluir que aquela partida está su-
bordinada a essa vinda. É exatamente o mesmo raciocínio que havía-
PlOS considerado como responsável pelo subentendido de (1) . O fato 
novo no presente caso é que (5) pressupõe (Sb): "Pedro não veio". 
Se este pressuposto for combinado com a idéia de que a vinda de 
Pedro é necessária à partida de<~Jacques, é natural concluir que Jac-
ques não partiu, o que constitui exatamente o subentendido, cuja ex-
plicação buscávamos. 
Se, por um lado, o exemplo que precede mostra bem que a de-
terminação dos subentendidos leva em conta um conhecimento pré-
vio dos pressupostos, por outro lado, ele ainda não salienta que estes 
pressupostos devem ser reconhecidos como tal e distinguidos dos ele-
mentos postos, antes que o componente retórico possa dar conta dos 
26 
subentendidos. Uma última análise - que tomamos emprestada, mo-
dificando-a ligeiramente, a um estudo sobre pouco e um pouco [peu 
e un peu] * - buscará ressaltar essa necessidade. 
Seja o enunciado: 
(6) Tivemos pouca sorte. 
Em um certo número de situações, o ouvinte perceberá nele o 
seguinte subentendido: 
(6a) Não tivemos absolutamente nenhuma sorte. 
(6) será, então, considerado um simples substituto, educado e 
fleugmático, de (6a). Este efeito de sentido não parece, inicialmente, 
colocar nenhuma dificuldade. Basta reconhecer aí o produto de uma 
litotes muito banal, que leva a ler em um enunciado fraco um enun-
ciado mais forte, ao qual se oporiam certas coerções sociais. Da mes-
ma forma, poder-se-á explicar, generalizando, que pouco, seguido de 
um adjetivo, serve muito freqüentemente para disfarçar uma negação 
(cf. "pouco trabalhador", "pouco interessante", etc) . 
Contudo, a situação revela-se mais complicada quando um pa-
ralelo entre (6) e (7) é estabelecido: 
(7) Tivemos um pouco de sorte. 
Novamente, e em numerosos casos, aparece um subentendido do 
tipo: 
(7a) Tivemos muita sorte. 
Como no caso precedente, é natural recorrer a uma litotes para 
explicar este novo efeito de sentido . Da mesma forma, não será difí-
cil compreender que um pouco, seguido de um adjetivo, serve fre-
qüentemente para dissimular uma afirmação embaraçosa (cL, "um 
pouco preguiçoso", "um pouco enfadonho", etc). Fica, no entanto, por 
explicar que o efeito de litotes é diametralmente oposto no caso de 
pouco e no de um pouco, pois ela conduz a primeira expressão em 
direção à negação, levando a segunda a reforçar a afirmação. Dispo-
mos, assim, de duas expressões que marcam uma quantidade fraca, 
ocorrendo, no entanto, que esta mesma quantidade torna-se, por ve-
zes, o signo de uma ausência e, em outras, ao contrário, mostra-se o 
signo de uma quantidade mais importante. 
* Este estudo, de 1970, foi retomado em Ducrot (1972, Cap. Vll). 
27 
Se lembrarmos o que foi dito mais acima a propósito de pouco e 
de um pouco, uma solução mostra-se possível. Dissemos que o enun-
ciado (4) -Pedro deu pouco vinho a Jacques- veicula, como pres-
suposto, que Pedro deu vinho e, como posto, indica que uma pe-
quena quantidade de vinho foi oferecida. Em troca, (4') -Pedro deu 
um pouco de vinho a Jacques - tem como posto a existência desta 
niesma quantidade, que é apenas presstfposta em (4). Resta-nos, pre-
sentemente, para obter a explicação desejada, reformular a lei de 
litotes de tal forma que ela se refira unicamente aos conteúdos pos-
tos, excluindo-se os pressupostos. Ela estipularia que, para exprimir 
de {orma atenuada a significação de uma frase A, pode-se utilizar 
uma frase B, cujo conteúdo posto (e não o conteúdo pressuposto) é 
menos forte do que o de A. Se assim é, a expressão um pouco de, 
que tem como posto a existência de uma certa quantidade (fraca), 
tende a insinuar a existência de uma quantidade mais forte. Em 
sentido contrário, a expressão pouco cujo posto é a limitação, deverá, 
quando interpretada como litotes, sugerir uma ausência total. Uma 
formulação um pouco diversa deste mesmo resultado levaria a afir-
mar, considerando-se unicamente os conteúdos postos, que, na língua, 
pouco e um pouco não pertencem à mesma categoria semântica: uma 
decorre da categoria da restrição, enquanto a outra, da categoria da 
afirmação: 
Categoria da Restrição 
Muita sorte 
Sorte 
Um pouco de sorte 
Categoria da Afirmação 
Absolutamente nenhuma sorte 
Nenhuma sorte 
Pouca sorte 
Tal como a apresentamos levaq,do em conta a diferença entre 
posto e pressuposto - a lei de litotes aplica-se apenas no interior 
de cada uma destas duas categorias e conduz um termo a subentender 
um termo superior da mesma categoria. Conseqüentemente, as ex-
pressões pouca sorte e um pouco de sorte, embora sendo dotadas 
globahnente de conteúdos semânticos equivalentes, não repartem o 
posto e o pressuposto da mesma forma, o mesmo ocorrendo com a 
lei de litotes que, aplicada a estas expressões, produzirá subentendi-
. dos diametralmente diferentes. 
28 
Desta longa anális~,_ reteremos que as leis "psicológicas", cons-
titutivas, juntamente com outras, do componente retórico, serão de-
terminadas ma,is facilmente se o conteúdo dos enunciados apresenta-
dos nesse componente já tiver sido anteriormente analisado ·em ele-
mentos semânticos postos e pressupostos. Em lugar de propor duas 
leis diferentes de litotes para dar conta dos efeitos de sentido opostos 
produzidos por (6) e (7), um dirigindo-se para a afirm,aç~o e ~ outro 
para a negação, poderemos contentar-nos com uma umca let - o 
que não só é mais económico, mas parece mais nat.u:_al ~: Entreta~to, 
para isso, é preciso que o fenômeno da pressupos1çao Ja te~a stdo 
desvelado a partir dos dados lingüísticos submetidos a esta le1. É uma 
razão. a mais para pensar que a determinação dos pressupostos de-
corre de uma análise não apenas diversa daquela que descobre os 
subentendidos, mas que também a precede. 
PRESSUPOSTOS E INTERSUBJETIVIDADE 
Permitam-nos, para terminar, indicar uma das conseqüências, em 
uma teoria lingüística geral, da distinção do pressuposto (fato de lín-
gua) e do subentendido (fato de fala). Costuma-se pensar, e isto pode 
parecer natural, que a confrontação dos indivíd~os através da lin~~­
gem - da qual a polêmica é um exemplo. partlcular e, talvez, pnvt-
legiado - é antes de mais nada um fato de discurso~ um e~unciad?, 
enquanto tal, (isto é, independentemente de seu emprego) nao estana 
investiâo de nenhuma função polêmica, ou, mais geralmente, inter-
subjetiva, específica. É unicamente a enunciação do enunciado, sua 
escolha em uma situação particular, que lhe conferiria tal valor. 
A es.ta concepção pode-se objetar facilmente a existência, na 
língua, de todo um vocabulário polêmico: as palavras injuri~sas o.u 
simplesmente pejorativas não podem ser descritas sem fazer . m.ter_vlt 
uma espécie de "função erística ", que constitui seu traço distl~tivo 
em relação às palavras "neutras" correspondentes. Mas trata-se, {mal-
mente, de um fenômeno localizado que, se o desejarmos, podemos con-
siderar marginal e secundário.Uma objeção muito mais impol;'tante 
é sugerida pela existência do sistema dos pronomes, cujas implicações 
* Atualmente teria enormes restrições em justüicar um modelo . porque ele 
representa ~s fatos de forma "natural" ou "intuitiva". A intuiçã~ pode serv~ 
p~a apreender os dados, mas não lhe compete julgar a relaçao entre tats 
dados e a teoria . 
29 
intersubjetivas foram sublinhadas por Benveniste, e que acaba por 
projetar as relações do discurso no próprio interior dos paradigmas da 
língua. 
E a uma conclusão semelhante 'que deveria conduzir a distinção 
entre pressuposto e subentendido, pois a repartição do conteúdo dos 
enunciados em elementos semânticos postos - cuja responsabilidade 
é endossada pelo locutor - e em elementos semânticos pressupostos 
- cuja responsabilidade o locutor partilha com o ouvinte - detém, 
antes de mais nada, uma função polêmica. Quando se tenta definir 
a pressuposição que, conforme procuramos mostrar, não responde a 
nenhuma necessidade lógica, é-se levado a considerar que ela possi-
bilita aprisionar o ouvinte em um universo intelectual que ele não 
escolheu, mas que lhe é apresentado como coextensivo ao próprio 
diálogo. Esse universo não pode mais ser negado nem questionado sem 
que o referido diálogo seja rejeitado em sua totalidade. Agora, se o 
pressuposto, diferentemente do subentendido, não é um fato de retó-
rica ligado à enunciação, mas inscreve-se na própria língua, é pre-
ciso concluir que a língua, independentemente das utilizações que 
dela podem ser feitas, apresenta-se, fundamentalmente, como o lugar 
do debate e da confrontação das subjetividades. 
(Tradução: Freda Indursty) 
30 
Capítulo II 
PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS 
(REEXAME) * 
Gostaria de apresentar aqui uma espécie de autocrítica (ou, para 
empregar uma expressão academicamente melhor vista, um reexame), 
explicando por que abandonei, ou melhor, desloquei a oposição que 
eu estabelecia, a partir de um artigo publicado com esse título em 
1969, entre "pressupostos" e "subentendidos"**. Espero, ainda assim, 
introduzir aqui e ali, nesta confissão, algumas palavras de lingüística. 
Não posso partir de uma definição do pressuposto e do suben-
tendido, pois isto seria supor resolvido o problema que é o meu aqui: 
é justamente a uma definição que eu quero chegar. Tudo que posso 
fazer, inicialmente, é dar um exemplo que servirá de xeferência a 
seguir. Para maior facilidade, tomarei um exemplo muito conhecido. 
Imaginemos um enunciado da frase Pedro parou de fumar. Diremos 
que este enunciado **1': 
a) Põe que Pedro não fuma atualmente. 
b) Pressupõe que ele fumava anteriormente. 
Por outro lado, se esse enunciado é destinado a relembrar a um 
fumante inveterado sua covardia, pode ser que ele veicule subenten-
didos como "Com um pouco de coragem, pode-se chegar lá" , "Pedro 
tem mais força de vontade que você" . . . etc. 
* Este capítulo retoma, com ligeiras modificações, o texto de uma confe-
rência feita em Lyon, em maio de 1977, texto publicado em Estratégias 
discursivas, Presses Universitaires de Lyon, 1978, p. 33-43. 
** Artigo retomado no Cap. I. 
*** As palavras "frase" e "enunciado" têm aqui a acepção exposta detalhada-
mente no Cap. VIII § 3-6. A frase é uma entidade gramatical abstrata, 
e o enunciado é uma realização particular da frase. O sentido é o valor 
semântico do enunciado, a significação, o valor semântico da frase. 
31 
Suporei que meu exemplo foi suficiente- para lembrar que tipo 
de fenômeno remete ao pressuposto e qual ao subentendido. Mediante 
essa suposição, posso abandonar as pr~li~nares e <:>meçar a expor 
0 que eu chamarei de "concepção antiga das r~laçoes pressuposto-
subentendido, quer dizer, aquela que vou reexammar. 
A idéia central era que os pressupostos suscitados por um enun-
ciado estão determinados, e determinados unicamente,. t:ela frase da 
qual este enunciado é a realização. Essa tese se subdivide em duas 
proposições: 
1 . A significação da frase pode implicar a existência, no se~ti~o 
de seus enunciados, deste ou daquele pressuposto (esta proposiÇao, 
eu a mantenho - com algumas reservas). 
2. Todos os pressupostos que aparecem no sentido do enunciado 
estão já previstos na própria significação da frase (é esta segunda 
proposição, sobretudo, que discuto). 
Em resumo, o pressuposto, de acordo com a "concepção antiga", 
se transmite sempre da significação para o sentido. Poder-se-ia mes-
mo dizer que ele está escrito na significação se não se d~vesse levar 
em consideração certas especificações que estão necessanamente au-
sentes da frase (cf., no meu exemplo, a especificação do tempo no 
qual se situa o fato pressuposto: é passado, mas em relação a qual 
presente?). Inversamente, o subentendido ' se caracteriza pelo ~ato d: 
que, sendo observável em certos enunciados ?e uma fr~se, nao esta 
marcado na frase. Essa situação do subentendido se exphca pelo pro-
cesso interpretativo do qual ele provém. Para mim, com efeito, ele é 
sempre gerado como resposta a perguntas do tipo: "Por que o locutor 
disse o que disse?", "O que tornou possível sua fal~?" .. ~m outras 
palavras, uma condição necessária (mas, certamente, msuficiente) pa-
ra que um enunciado E subentenda X, é que X apareça cor.?o .uma 
explícação de sua enunciaçã.p. Se, no meu exemplo de referencia, o 
enunciad~ "Pedro parou de fumar" subentende ")! possível parar", 
é na medida em que admite que uma das razões que levaram ~ pro-
duzir esse enunciado era o desejo de comunicar essa observaçao ao 
destinatário. Então, se o subentendido é resposta a uma pergunta so-
bre as condições de possibilidade da enunciação, é bem evidente que 
só pode aparecer no momento dessa enunciação, e que. conseqüente-
mente depende do próprio enunciado: pertence ao sentido sem estar 
antecipado ou prefigurado na significação. Assim - pelo menos essa 
32 
é a tese que eu vou reexaminar - a oposição pressuposto-subentendi-
do reproduziria a distinção dos dois níveis semânticos, o da signifi-
cação (frase) e o do sentido (enunciado): pressuposto e subentendido 
se opõem pelo fato de não terem sua origem no mesmo momento 
de interpretação. 
Essa tese é explicável - senão justificável - por diversas ra-
zões. Em primeiro lugar, é necessário lembrar por que o pressuposto, 
na literatura filosófica, é geralmente descrito como uma condição de 
emprego. Em outras palavras, toma-se como característica fundamen-
tal do pressuposto a seguinte observação. Se o enunciado E contém 
o pressuposto X e, se, na situação na qual E aparece, não se verifica 
X, tem-se a impressão, não propriamente de uma falsidade, mas de 
uma anomalia, de um emprego fora de propósito. Então é bem evi-
dente que as condições de emprego só podem caracterizar a frase: 
referem-se às circunstâncias, que possibilitam ou impossibilitam que 
a frase se transforme em enunciado. Não haveria nenhum sentido em 
falar das condições de emprego do enunciado, já que o próprio enun-
ciado é um emprego. Resulta disso que o pressuposto pertence antes 
de tudo à frase: ele é transmitido da frase ao enunciado na medida 
em que esse deixa entender que estão satisfeitas as condições de 
emprego da frase do qual ele é a realização. De minha parte, tendo 
seguidamente criticado a definição do pressuposto como condição de 
emprego, deveria ser pouco sensível a esse tipo de motivações; mas, 
de fato, mesmo criticando esta definição, não era fácil livrar-se de 
todas as implicações que ela comporta e nas quais a noção de pres-
suposição estava, por assim dizer, envolta (por vezes é complicado 
comer o bombom sem o papel). 
Um segundo tipo de considerações levaria à tese que eu quero 
colocar em questão. Trata-se dos critérios utilizados classicamente 
para deduzir o fenômeno da pressuposição. Sabe-se que se tratam, an-
tes de tudo, da negação e da interrogação. Os pressupostos de umaasserção são conservados quando essa asserção é transformada em 
negação ou em interrogação (dizendo-se "Pedro deixou de fumar", 
mantém-se que ele fumava anteriormente). Deverá ter sido notado 
que acabo de empregar a expressão "os pressupostos de uma asser-
ção". Trata-se de uma hipocrisia ou, em termos lingüísticos, de uma 
neutralização, para evitar ter que escolher entre as expressões "frase 
assertiva" e "enunciado assertivo". Se agora deixo de lado essa hipo-
crisia, a expressão que devo escolher é incontestavelmente "frase". 
33 
Não faz nenhum sentido falar de transformações negativas ou inter-
rogativas feitas a partir da realidade instantânea que é o enunciado. 
Essas transformações só podem afetar o ser abstrato atemporal, infi-
nitamente reprodutível, que é a frase: uma formulação cuidadosa 
dos critérios clássicos seria: pfira que a frase P pressuponha X, é 
necessário que todos os enunciados de P veiculem X e que X esteja 
contido também em todos os enunciados das frases interrogativas e 
negativas construídas a partir de P. Eu pude me livrar facilmente mais 
acima do argumento inferido, em favor da "teoria antiga", a partir 
de uma definição da pressuposição como condição de emprego -
já que rejeito essa definição. Será muito difícil livrar-me do argu-
mento inferido da negação e da interrogação, pois se trata aqui de 
fatos incontestáveis que constituem uma das mais sólidas motivações 
para a noção de pressuposição. 
Antes de tomar posição sobre esse ponto, passo a um terceiro 
tipo de considerações, relacionado à noção de ato ilocucional. Por di-
ferentes razões, fui levado (e isso, ao menos, não lamento) a descre-
ver a pressuposição como um ato de fala , mais precisamente como 
um ato ilocutório, análogo ao de interrogação, de ordem, de asserção, 
etc. Ora, por ouro lado, eu estava, na época, inclinado a caracterizar 
o ilocutório, por oposição ao perlocutório, por sua inerência à frase. 
Partia de uma definição do ilocutório - que não tenho nenhuma 
intenção de abandonar - de acordo com a qual realizar um ato ilo-
cutório é apresentar suas próprias palavras como induzindo, imedia-
tamente, a uma transformação jurídica da situação: apresentá-las, por 
exemplo, como criadoras de obrigação para o destinatário (no caso 
da ordem ou da interrogação), ou para o locutor (no caso da pro-
messa). Não se pode interrogar se não se atribui ao que se diz o poder 
imediato, pelo fato mesmo de ser dito, de fazer cair em falta o desti-
natário no caso em que ele não efetue uma das condutas catalogadas 
como respostas. Insisto nas três palavras imediato, jurídico e apre-. 
sentar, utilizadas anteriormente.. são essenciais para distinguir o ilo-
cutório do perlocutório. Se realizo um ato perlocutório, como o de 
consolar, o efeito que espero neste caso para minha fala pode ser 
um efeito muito indireto, ligado a um encadeamento causal muito 
complexo (consolo X de seus males, contando-lhe os de seu amigo 
Y, que são ainda maiores). O efeito perlocutório não é, pois, neces-
sariamente imediato. Por outro lado, o perlocutório pode não ter 
nenhum aspecto jurídico; posso consolar X sem pretender por isso 
que ele deva, utilizando esse verbo em sentido muito amplo, deixar-se 
34 
consolar. Enfim, não tenho necessidade, para atingir um objetivo per-
locutório, de me apresentar como pretendendo esse fim; posso con-
solar sem apresentar minhas palavras como consoladoras, enquanto 
não posso interrogar sem dar a entender ao mesmo tempo que inter-
rogo. Parece-me, então, incontestável que há, no perlocutório, uma 
relação privilegiada entre o ato e a fala: é constitutivo do ato ilocutó-
rio atribuir à fala um poder intrínseco. 
Mas esse fato, que não discutirei, levou-me a tirar uma conclusão 
bastante discutível, a introduzir a idéia de que o agente de um ato 
ilocutório atribui à própria frase que pronuncia o poder que· reivin-
dica somente, em realidade, para sua enunciação dessa frase: passei, 
em outras palavras, da idéia de que o ilocutório reivindica uma efi-
cácia enquanto fala, para a idéia de que ele se apóia numa eficácia 
própria das palavras, quer dizer, do material utilizado na fala . O que 
leva a concluir que o ilocutório está, por definição, inscrito na fra-
se. Se se lembrar que apresento a pressuposição como um ato ilo-
cutório, vê-se como a concepção do ilocutório, da qual acabo de falar, 
constitui uma terceira via que conduz à conclusão que gostaria de 
colocar em questão aqui. Foi-se levado a colocar o poder pressuposi-
cional na frase, e a pensar que ele é transmitido da frase ao enun-
ciado. Em oposição, os subentendidos seriam colocados no mesmo 
plano que o perlocutório e ligados às circunstâncias da enunciação. 
Isso traz conseqüências um pouco paradoxais. Suponhamos que eu 
utilize, para pedir-lhe que feche a janela, a frase interrogativa "Pode 
fechar a janela?". Fica claro que o pedido não está, nesse caso, ins-
crito na frase. Ele só pode ser um subentendido produzido por um 
mecanismo interpretativo do tipo: "Ele me pede para dizer se sou 
capaz de fechar a janela. Ora, ele sabe bem que sim. Então, quer, 
dessa forma, me lembrar que eu sou capaz disso. A única razão que 
pode tê-lo levado a fazer o que fez é o desejo que eu utilize essa ca-
pacidade". Donde concluiu-se finalmente que a pergunta, sendo ma-
nifestação de um desejo, deve ser compreendida como um pedido. 
Já que é produzido como subentendido, este pedido deverá, na lógica 
da concepção da qual falo, ser descrito como perlocutório. Chega-se 
assim a dizer - coisa que agora creio totalmente inaceitável - que 
um mesmo tipo de ato pode ser realizado tanto de forma ilocutória 
como perlocutória (de acordo com a frase utilizada para realizá-la). 
35 
Resta agora avaliar as motivações que acabo de desenvolver em 
favor da "concepção antiga" (ainda assim as duas últimas, pois a 
primeira foi eliminada no próprio momento de sua apresent~ç3o). ~o­
meço pelo argumento inferido das relações entre pressupos1çao e llo-
cutório. Na verdade, formulei-o de um modo que já deixava ver as 
dificuldades que ele suscita. Inicialmente, ele repousa sobre um des-
lizamento de sentido entre duas proposições. Uma, que me parece 
indiscutível, seria: "Fazer um ato ilocutório é apresentar sua enun-
ciação como eficaz". A outra proposição, bem mais discutível, se 
enuncia: "Fazer um ato ilocutório é utilizar palavras providas de efi-
cácia intrínseca". Esse é o deslizamento inerente à expressão "o po-
der das palavras" . Tratam-se de palavras consideradas como entidades 
abstraías, elementos do léxico (em inglês, type), ou de suas ocorrên-
cias (em inglês, token), elementos do discurso?. Não nego que exis-
tak sistemas sociais, sistemas jurídicos, sistemas de crenças que sa-
cralizam, por assim dizer, a palavra (considerada como "type") e lhe 
atribuem um poder próprio. Mas não há nenhuma razão para que 
essa forma particular do ilocutório seja o protótipo, o modelo. Aliás, 
compreende-se facilmente como se produz esse desliz.amento. Supo-
nhamos que a realização de uma frase P dê ao locut9r L um certo 
poder sobre uma situação S. Tudo que mudou entre o· momento no 
qual L não tinha esse poder e o momento no qual ele tem, é que ele 
empregou P. Tende-se a concluir que o poder está localizado em P. 
De fato, obedece à realização de P na situação S. Mas como S ~á 
está lá e não depende do locutor enquanto tal, tende-se a esquecê-la. 
Uma segunda razão leva a duvidar dessa concepção de ilocutó-
rio, razão que se liga a uma conseqüência assinalada ainda agora: 
com uma tal concepção, um mesmo tipo de ato, um pedido por exem-
plo, pode ser realizado de modo ilocutório ou perlocutório (se ele 
foi produzido de modo indireto, por subentendido). Mas isso é ina-
ceitável se se admite a definição que propus para ilocutório, e em 
virtude da qual qualquer pedidg é ilocutório: ela se apresenta crian-
dodesde sua aparição, por sua aparição, uma certa forma de obri-
gação para o destinatário. 
Se lhe é retirada essa característica, o pedido não é mais um 
pedido, mas um esforço para fazer agir alguém de um certo modo. 
Chego então à conclusão de que o valor ilocutório de um enunciado 
pode não estar marcado na frase que serve para realizar o ato. De 
fato, não há mesmo nenhum tipo de ato ilocutório que não seja, ao 
menos alguma vez, realizado dessa forma indireta. 
36 
A aplicação ao problema da pressupos1çao é imediato. Se esta 
é um ato ilocutório como os outros, seria bastante surpreendente que 
fosse o único a ser ligado à frase. E necessário, então, admitir que 
pode aparecer ao nível mesmo do enunciado e até mesmo sob forma 
de subentendido. Haveria pressuposições subentendidas, como há pe-
didos subentendidos . 
Volto ao meu exemplo de partida. Disse que se pode enunciar 
"Pedro deixou de fumar", a fim de fazer notar ao interlocutor que 
Pedro tem mais força de vontade que ele. " Pedro tem mais força de 
vontade que você" é, então, um subentendido que numerarei (1) . Mas 
há, nesse caso, um outro subentendido que numerarei (2), e que é 
"Parar de fumar é prova de força de vontade", sendo o subenten-
dido (2) necessário para a aparição do subentendido ( 1). Suponhamos 
agora uma interpretação do enunciado que lhe dê por objeto decla-
rado fazer ao interlocutor essa espécie de reprimenda que constitui 
o subentendido (1). Nessa interpretação, o subentendido (2) funciona 
como um pressuposto. Por um lado, é dado como impossível de ser 
colocado em dúvida, pois sua contestação impediria até que se pu-
desse ler no enunciado do subentendido (1), do qual supus que sua 
comunicação é sustentada pelo objeto do enunciado. Mas, por outro 
lado, o subentendido (2), sendo um elemento essencial do sentido 
do enunciado, não aparece como seu objeto: o locutor não se coloca 
como tendo procurado comunicar uma apreciação geral sobre os fu-
mantes. Veja-se a idéia que quero ilustrar: a noção de subentendido 
não designa um ato de fala particular. Ela envia a um processo par-
ticular de codificação ou decodificação, no fim do qual aparecem 
todas as formas de atos ilocutórios, notadamente a pressuposição. 
Passo agora a uma outra motivação sobre a qual disse há pouco 
que estava na origem da "concepção antiga". Tratava-se do fato de 
que o pressuposto era descoberto pelos critérios de negação e inter-
rogação, e que esses critérios só podem afetar as frases e não os enun-
ciados. Ora, resulta que fui, cada vez mais, levado, não a recusar 
os critérios, mas a constatar que têm uma aplicabilidade relativamen-
te restrita (poucas frases podem ser negadas ou interrogadas). Em 
compensação, um outro critério, cada vez mais importante, surgiu, o 
do encadeamento. Se uma frase pressupõe X, e um enunciado dessa 
frase é utilizado em um encadeamento discursivo, por exemplo, quan-
do se argumenta a partir dele, encadeia-se com o que é posto e não 
com o que é pressuposto. Esta formulação, que deveria ser refinada 
37 
e matizada, é suficiente para fazer aparecer o traço que, no meu 
ponto de vista atual, é o mais importante. Esse critério que pode, 
como os "critérios clássicos" ser empregado para frases, diferente-
mente daqueles, segue tendo sentido, quando se trata de enunciados 
(é necessário, nesse caso, modificar um pouco sua formulação). Quan-
do não se pode transformar, negativamente ou interrogativamente, 
um enunciado, pode-se encadear a partir dele. Pode-se, então, per-
guntar, levando em conta uma série de enunciados, "a partir de que 
se faz o encadeamento?". E chamarei "pressupostos" de um enun-
ciado às indicações que ele traz, mas . a partir das quais o enunciador 
não quer (quer dizer, faz como se não quisesse) fazer recair o enca-
deamento. Trata-se de indicações que se dão, mas que se dão à mar-
gem da linha argumentativa do discurso. Se se admite essa concepção, 
é possível reconhecer como pressupostos, ao nível do enunciado, ele-
mentos semânticos que, nas teorias clássicas, não teriam direito a esse 
rótulo - pois não é possível descobri-los, ao nível de frases por 
meio de critérios tradicionais. Um exemplo. Consideremos a frase: 
Fui à Alemanha com Pedro. 
f, impossível, aplicando os critérios aplicáveis às frases, atribuir-
lhe pressupostos do tipo "Fui à Alemanha" ou "Viajei com Pedro" . 
Pois nenhum desses elementos se mantém necessariamente pela nega-
ção ou interrogação. Isso aparece facilmente no caso do critério da 
negação. Pois a frase Não fui à Alemanha com Pedro pode ser utili-
zada tanto em contextos nos quais o locutor anuncia que não foi à 
Alemanha (enquanto que Pedro foi) , quanto em contextos nos quais 
anuncia que, quando foi à Alemanha, não viajou com Pedro. (Encon-
trar-se-ia uma situação semelhante para um grande número de frases 
assertivas, cujo conteúdo informativo é múltiplo) . Parece-me, entre-
tanto, conveniente dizer que os enunciados da frase tomada como 
exemplo pressupõem, tanto um como o outro, os dois elementos que 
distingui; é conveniente na medida em que esses dois elementos, em 
um enunciado dado, jamais se apresentam da mesma forma, com o 
mesmo peso, com a mesma função. Ora, é possível dizer isso, se se 
utiliza a noção de encadeamento. Quando o tipo de continuação que 
persigo para meu enunciado diz respeito ao comportamento de Pedro 
na Alemanha, ou à possibilidade que ele teve de realizar essa viagem, 
o que está posto é que levei Pedro e o que está pressuposto é minha 
viagem à Alemanha. Inversamente, se pretendo continuar sobre mi-
nha possibilidade de ter ido à Alemanha, sobre o que lá fiz ou vi, 
38 
o que se põe é que acompanhei Pedro, e o que está pressuposto é 
sua viagem. Graças a essa extensão da noção de pressuposição, e 
utilizando um critério relativo aos enunciados, é possível suprimir um 
paradoxo freqüentemente assinalado a propósito da "teoria antiga": 
quando se aplicava a discursos, portanto a enunciados, obrigava a 
recusar o título de "pressuposto" a elementos que, de fato, compor-
tavam-se exatamente como os pressupostos reconhecidos através dos 
critérios tradicionais e marcados na frase . 
N.B. Uma tal definição de pressuposição permite melhor situar 
as pesquisas que desenvolvemos, Jean-Claude Anscombre e eu, sobre 
a argumentação. Consideram-se pressupostos, em um enunciado, o 
que é trazido pelo enunciado, mas não de forma argumentativa, en-
tendendo por isso que não se apresenta como devendo orientar a 
continuação do discurso (insisto sobre a palavra apresentar, essencial, 
para mim, na teoria da argumentação ou da pressuposição, como 
também o é, já o disse anteriormente, na definição do ilocutório) . 
Dizendo Você está quase atrasado, pressuponho que você não esteja 
atrasado: isso significa que o reconheço, mas a continuação que 
proponho a nosso discurso não diz respeito ao fato de que você não 
está atrasado; diz respeito ao fato de que você estava na iminência 
de atrasar-se. 
Tendo admitido, pelo que precede, qu~ há dois modos de defi-
nir a pressuposição, seja a nível do enunciado, seja a nível da frase, 
é necessário perguntar-se que relação pode existir entre essas defini-
ções. Elas são mesmo compatíveis?. Não vou desenvolver esse ponto. 
Indicarei, ainda assim, para subentender que refleti sobre o proble-
ma, que tipo de solução imagino. A idéia central é a seguinte. Se 
uma frase, em virtude dos critérios clássicos, pressupõe X, todos os 
enunciados também o pressupõem, quando lhes é aplicado o critério 
novo, o do encadeamento. Isso não implica, evidentemente, que, se 
um enunciado, em virtude desse critério, pressupõe X, a frase, da 
qual ele é a realização, pressupõe igualmente X a partir dos critérios 
clássicos. Essa situação nada tem de surpreendente se a pressuposi-
ção for considerada como um ato ilocutório. Pois é o que se passa 
com todos os outrosatos ilocutórios. Tomemos o caso da interroga-
ção. Há critérios sintáticos, aplicáveis às frases, que permitem definir 
algumas como interrogativas (cf. "Que fez Pedro esta manhã?") . Por 
outro lado, se se define a interrogação ao nível do enunciado pela 
obrigação de responder que pretende impor ao destinatário, é-se 
39 
levado a considerar como interrogativos enunciados que realizam fra-
ses que não o são (assim, certos enunciados de "Gostaria muito de 
saber o que Pedro fez esta manhã", são interrogações). E basta, para 
assegurar a compatibilidade das duas definições, que os enunciados 
de uma frase interrogativa sejam todos interrogações. É exatamente 
isso o que ocorre com a pressuposição. 
Pode-se levar ainda mais longe a analogia entre a pressuposição 
e os a tos ilocutórios "clássicos". Já que exagerei ao dizer que todos 
os enunciados de uma frase interrogativa são interrogações, que pre-
tendem criar para o destinatário uma obrigação de responder. De 
fato, existem vários usos da frase interrogativa em que sua função não 
é perguntar. Para que seja justificado, apesar disso, que se continue 
a chamar a frase de "interrogativa", basta que esses usos se expli-
quem a partir de um valor interrogativo primitivo (o que se faz facil-
mente no caso das interrogações ditas "retóricas", cujo valor de 
obrigação se deve justamente ao fato de que elas pretendem obrigar 
o destinatário a responder, apesar de a resposta ser evidente; igual-
mente, tentei, antes, derivar certos pedidos a partir de um valor inter-
rogativo fundamental da frase que os veicula). Ora, ocorre exatamen-
te o mesmo com a pressuposição. Uma frase marcada para pressupor 
X pode muito bem ser empregada, retoricamente, em um enunciado 
que não a pressupõe, mas, por exemplo, a expressa. (B . de Cornulier 
apontou numerosos exemplos desse fenômeno: diz-se "Lamento não 
poder publicar seu artigo" para expressar que não se pode publicá-lo, 
enquanto que, de acordo com a estrutura da frase, dever-se-ia pres-
supô-lo, pois lamentar, assim como saber, alegrar-se, etc. são verbos 
"factivos", que pressupõem que sua subordinada é verdadeira). Aqui 
ainda as relações entre os pressupostos da frase e os do enunciado 
confirmam a qualificação da pressuposição como ato ilocutório. 
Suponhamos, agora, que se pergunte para que servem nesta rees-
truturação da teoria pressuposici~nal, os critérios "clássicos" (a nega-
ção, a interrogação e o encadeamento quando ele é definido a pro-
pósito de frases). Direi que eles indicam quais frases são, por assim 
dizer, pressuposicionalmente marcadas (como há aquelas que são mar-
cadas pela interrogação). Vê-se, assim, a conseqüência dessa hipó-
tese para uma teoria geral da atividade lingüística. Tal como a carac-
terizei, no nível do enunciado, a pressuposição aparece como uma 
tática argumentativa dos interlocutores; ela é relativa à maneira pela 
qual eles se provocam, e pretendem impor-se uns aos outros, um certo 
40 
modo de continuar o discurso. Que ela possa ser marcada a partir 
do nível da frase confirma, então, no que tange à língua, no sentido 
~ais tradicional do termo, a idéia de que a utilização polêmica da 
hnguagem não se acrescenta à língua - em virtude de alguma lei de 
discurso ligada à natureza humana. Isso confirma a idéia de que a 
pragmática não é um suplemento da semântica, isso confirma, pois, a 
concepção segundo a qual a língua seria um instrumento intrinseca-
mente polêmico. Eis por que, aliás, tenho podido ter tão pouco pudor 
na confissão que acabo de fazer. Só se confessam voluntariamente pe-
cados que se consideram veniais. Ora, a autocrítica que apresentei 
me parece deixar intacta e, mesmo em realidade, confirma a idéia, 
essencial para mim, de uma língua consagrada à interacão dos indi-
víduos. ' 
Falta-me mostrar como se articulam as noções de subentendido 
e de pressuposto na concepção que acaba de ser defendida. Dois pon-
tos me parecem claros, caso se admita o que precede. Inicialmente, 
que essas noções devem ser distinguidas. A pressuposição é um ato. 
Pois o que se pressupõe é o que os filósofos da linguagem, como 
Searle, chamam de uma "proposição" (poder-se-ia também falar de 
, t 'd ") o b con eu o . que se su entende, ao contrário, é um ato. Subenten-
de-se que se afirma, coloca em questão, pergunta, ou mesmo pressu-
põe este ou aquele conteúdo. Mas essa distinção não pode ser con-
siderada como uma oposição. As noções, com efeito, não estão situa-
das no mesmo nível. Para mim, a pressuposição é parte integrante 
do sentido dos enunciados . O/ subentendido, por sua vez, diz respeito 
à maneira pela qual esse sentido deve ser decifrado pelo destinatário. 
Suponhamos que você admite - por consideração a mim - que o 
sentido de um enunciado é a maneira pela qual o enunciador apre-
senta seu ato de enunciação, a imagem que pretende impor ao desti-
natário de sua enunciação *, a imagem que pretende impor ao des-
tinatário de sua fala (o sentido de um enunciado é, por exemplo, a 
pretensão manifesta de obrigar o destinatário, no momento mesmo 
da enunciação, a fazer esta ou aquela coisa, a crer nesta ou naquela 
proposição, a continuar o diálogo nesta ou naquela direção - ou, 
* A diferen?a entre a concepção do sentido trabalhada aqui e aquela do Cap. 
VITI, destmada a abrigar a noção de polifonia, refere-se a que, no presente 
artigo, a enunciação, antes mesmo de ser descrita no sentido do enunciado 
é definida como um ato, e é a natureza desse ato que. o sentido especificaria: 
No Cap. VIII, ela é somente definida como acontecimento: sua eventual 
descrição como ato do locutor decorre do sentido. 
41 
:;;; : 
,,, 
" i 
o que vem a ser o mesmo, a não continuá-lo nesta ou_ naquela outra). 
A pressuposição é, então, um elemento do sentido - se se considera 
o sentido como acabo de propor, como uma espécie de retrato da 
enunciação. Dizer que pressuponho X, é dizer que pretendo obrigar 
o destinatário, por minha fala, a admitir X, sem por isso dar-lhe o 
direito de prosseguir o diálogo a propósito de X. O subentendido, ao 
contrário, diz respeito à maneira pela qual esse sentido é manifesta-
do, o processo, ao término do qual deve-se descobrir a imagem que 
pretendo lhe dar de minha fala . 
Dito isso, a distinção das duas noções não impede que haja um 
ponto comum ao pressuposto e ao subentendido (é esse ponto comum 
que tento ressaltar, na "teoria antiga", construindo dois modos de 
implícito). Deve-se à possibilidade dada ao locutor, nos dois casos, 
de se retirar, por assim dizer, da fala. Na pressuposição, essa retirada 
se deve ao fato de que a informação pressuposta é colocada à mar-
gem do discurso. O locutor não pode ser atacado por isso, já que o 
diálogo posterior não deve referir-se a ela (quando falo do diálogo 
posterior, falo daquele que é projetado pelo enunciado que contém 
o pressuposto, isto é, do diálogo "ideal", oferecido por si mesmo, e 
não, evidentemente, do diálogo que o continua efetivamente na 
realidade). 
Ora, chega-se a um resultado análogo, por um caminho total-
mente diferente, mediante o subentendido. Disse que o subentendido 
é construído como resposta à pergunta "Por que ele falou desse mo-
do?" . Em outras palavras, o locutor apresenta sua fala como um enig-
ma que o destinatário deve resolver. O sentido, que é sempre, para 
mim, um retrato da enunciação, é então um retrato cuja responsa-
bilidade o locutor deixa ao destinatário, processo quase explícito na 
expressão "Eu não o obrigo a dizer" (o locutor parece aceitar, sem 
lhes dar origem, os subentendidos decifrados pelo destinatário). Per-
guntar-me-ão como é possível aceitar a interpretação do outro, a ima-
gem que ele constrói do ato de enunciação, sem assumir a sua res-
ponsabilidade - o que é necessário para que se possa falar de sen-
tido subentendido. Tudo o que posso dizer é que a linguagem ofe-
rece exemplos

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