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r;- N ~ ...., -~ ')'IZER E O DITO, O ., co ~ !III I liiiU I IIII 9788571 1~0029 Os artigos reunidos neste livro foram escritos entre 1968 e 1984. Retomados e atualizados pelo autor, dão um testemunho vivo da consttução e da evolucão da semântica lingü {stica de Oswald Ducrot: desde a relação da pressuposição com os atos de fala, à argumentação como um predicado lingü (stico da linguagem, até a teoria polifônica da enunciação. ---- -----~------~--~~~------------ OSWALD DUCROT · Pontes ,. .. O DIZER E O DITO Prof. Dra. Sulemi Fabiano Campos LETRAS UFRN Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ducrot, Oswald. D89d O dizer e o dito I Oswald Ducrot ; revisão técnica da 87-1898 tradução Eduardo Guimarães. - Campinas, SP : Pontes, 198:Z. (Linguagem/ crítica) Bibliografia. ISBN 85-7113-002-7 1. Linguagem - Filosofia 2. Lingüística 3. Semântica I. Título. II. Série. .. lndices para catálogo sistemático: 1. Linguagem : Filosofia 401 2. Lingüística 410 3. Semântica : Lingüística 412 CD0>-401 -410 -412 OSWALD DUCROT O DIZER E O DITO Revisão Técnica da Tradução: Eduardo Guimarães 1987 Copyright © 1984 by Oswald Ducrot Título Original: Le Dire et le Dit Direitos adquiridos para a língua portuguesa pela PONTES EDITORES Capa: João Baptista da Costa Aguiar Coordenação Editorial: Ernesto Guimarães Revisão: .Adagoberto Ferreira Baptista Ernesto Guimarães PONTES EDITORES R. Dr. Quirino, 1230 Telefone: (0192) 33-2939 Campinas - SP 1987 Impresso no Brasil íNDICE Prefácio 7 I -PRESSUPOSIÇÃO E ATOS DE LINGUAGEM I. Pressupostos e Subentendidos: a Hipótese de uma Semântica Lingüística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 II. Pressupostos e Subentendidos (Reexame) . . . . . . . . 31 III. A Descrição Semântica em Lingüística . . . . . . . . . . 45 IV. Estruturalismo, Enunciação e Semântica . . . . . . . . . 63 V. As Leis de Discurso ... . . .... . ...... ) . . . . . . . . 89 II - ENUNCIAÇÃO VI. Linguagem, Metalinguagem e Performativos 109 VII. A Argumentação por Autoridade .... . ..... . ... 139 VIII. Esboço .de uma Teoria Polifônica da Enunciação .. 161 Bibliografia 2'19 PREFACIO Neste livro foram reunidos textos escritos desde 1968. Os cinco capítulos da primeira seção e os dois primeiros da segunda retomam, com modificações mais ou menos significativas, mas essencialmente formais, artigos publicados em diversas revistas, e das quais algumas não são mais acessíveis. O último capítulo, ao contrário, embora tenha como ponto de partida trabalhos anteriores, pode ser consi- derado como um texto "novo". Procuro apresentar nele uma teoria geral da enunciação, que constitui o quadro no qual trabalho atual- mente. Gostaria de poder dizer que estes diferentes textos têm uma unidade ao mesmo tempo temática e teórica. Quanto ao primeiro ponto, creio poder assegurá-lo sem muita dificu}dade. Por um lado, são sempre as mesmas noções que reaparecem nos oito capítulos da · coletânea: o conceito de pressuposição, por exemplo, objeto do pri· meiro texto, é ainda retrabalhado nas últimas páginas do último. Por outro lado, estas diversas noções têm entre si um ponto comum, que motiva o título geral do livro: trata-se sempre do que, no sen- tido de um enunciado (no "dito"), diz respeito à aparição deste enunciado (seu "dizer"). Tenho mais escrúpulos em pretender que os oito textos possuam uma unidade teórica , já que não há nenhuma dúvida - e eu o sub- linho explicitamente na maior parte dos capítulos - que os traba- lhos aqui reunidos se contradizem largamente uns aos outros: sua leitura é, pois, pouco recomendável para as pessoas para quem a re- tratação intelectual comporta um risco severo de depressão. 7 Para resumir em algumas palavras a origem destas contradições, diria que elas se devem a uma progressiva reviravolta na minha ati- tude diante da filosofia da linguagem anglo-americ~na. Tendo partido de Strawson, Austin e Searle, cuja leitura foi a base de todas as mi- nhas pesquisas, e de quem eu unicamente contava aplicar as idéias em lingüística, fui levado a abandonar a maioria de suas teses. Esta infidelidade - que é ao mesmo .tempo uma infidelidade a mim mesmo - é particularmente visível quando se comparam as duas seções do livro . Na primeira, o ponto de contato do dizer no dito está fundamentado antes de tudo na idéia de ato de linguagem: se o sentido de um enunciado alude à sua enunciação, é na medida em que o enunciado é ou pretende ser a realização de um tipo par- ticular de ato de linguagem, o ato ilocutório. Todo meu esforço, nos textos da segunda seção, visa, ao contrário, ultrapassar a noção de ato ilocutório. Tendo mostrado, no capítulo sobre os performativos, que sua utilização implica uma confiança cega na linguagem (consi- derada como sendo a melhor metalinguagem para descrever a si mes- ma), procuro - este é o objeto dos dois últimos capítulos - des- cobrir no sentido dos enunciados um comentário da enunciação muito mais fundamental que aquele que se expressa .na realização dos atos ilocutórios: estes aparecem como um fenômeno segundo, derivado a partir de uma realidade mais profunda, a saber, a descrição do dizer como uma representação teatral, como uma polifonia. Certamente não vou terminar meu prefácio com esta declaração de incoerência: cedendo a um movimento psicológico difícil de evi- tar, vou sublinhar que a reviravolta que ostentei é o signo exterior de uma fidelidade oculta. Fidelidade, primeiro, ao que me parece ser a intuição profunda dos filósofos em quem me if!spirei: para sus- tentar isto, é suficiente sustentar que sua insistência ~obre os atos de linguagem não diz respeito fundamentalmente a um interesse pela atividade realizada através da língua 1 , mas por esta possibilidade que tem a fala de falar de seu próprio acontecimento, possibilidade que se faz aparecer indiretamente quando se interpreta um enunciado co- mo a realização de um ato ilocutório. 1. De fato, eles descrevem esta atividade de uma maneira um tanto ingênua, deixando-se "cair na armadilha" da linguagem e suas "Vérités de la Palice", como diria M. Pêcheux. 8 Mas espero também, mergulhando a teoria dos atos de lingua-· gem em uma concepção polifônica da enunciação, ser fiel a uma inquietação pessoal, que talvez explique, por outro lado, as distor- ções às quais submeti a filosofia da linguagem quando supunha so- mente aplicá-la. Esta inquietação, que, segundo penso, está na base do estruturalismo em semântica lingüística, é o de dar à alteridade - para retomar uma expressão da qual Carlos Vogt e eu nos temos servido freqüentemente - um "valor constitutivo". Ao mesmo tem- po, a teoria dos atos de linguagem, tal como a compreendi, e a teoria da polifonia fundam o sentido sobre a alteridade. No que concerne à teoria dos atos de linguagem, ela funda o sentido de um enunciado nas relações que este estabelece entre sua enunciação e um certo número de desdobramentos "jurídicos" que esta enunciação, segundo ele, deve ter. No que concerne à teoria da polifonia, ela acrescenta a esta alteridade, por assim dizer "externa", uma alteridade "inter- na" - colocando que o sentido de um enunciado descreve a enun- ciação como uma espécie de diálogo cristalizado, em que várias vozes se entrechocam. A possibilidade permanece, aliás, aberta para que cada uma destas vozes seja ela própria, por sua vez, a representação, a colocação em cena de um diálogo, possibilidade à qual alude, sem ser capaz de explorar, a última seção do último capítulo. Duas observações relativas à organização da coletânea. 1 . A ordem na qual os textos são apresentadosé um compro- misso entre o cuidado histórico e um cuidado temático. Aproximei os textos que tratavam do mesmo tema, ou temas aparentados - ordenando-os a partir de uma antigüidade decrescente. 2 . Serão encontradas nos pés de páginas duas espécies de nota. Ás primeiras, indicadas por números, são as que faziam parte dos textos originais. As outras, indicadas por asteriscos, são comentários feitos a propósito destes textos, no momento em que organizei a coletânea *. Elas assinalam, principalmente, as diferenças terminoló- gicas e as contradições teóricas entre os trabalhos apresentados neste livro**. * As notas de tradução serão também indicadas com asterisco, colocando-se ao final da nota a indicação N. do T. (N. do T.). * * Os exemplos utilizados para as análises serão, em geral, traduzidos para o português. Só não o serão os trechos de textos, tais como os retirados de romances e peças de teatro, bem como certos exemplos relativos a análises que não seriam facilmente transpostas para o português, a não ser com o risco de afetar o conjunto da análise. (N. do T.) 9 I Pressuposição e atos de linguagem .. ..._______________ -- Capítulo I PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS* A HIPóTESE DE UMA SEMÂNTICA LINGÜÍSTICA Quando um lingüista declara que um determinado enunciado ** da língua que ele estuda possui tal significação (descrita com o amú- lio de um enunciado sinõnimo desta mesma língua ou de uma outra), ele freqüentemente tem a impressão de registrar um dado, de cons- tatar um fato. Na realidade, os únicos dados que a experiência lhe fornece concernem, não ao próprio enunciado, mas às múltiplas ocor- rências possíveis deste enunciado, nas diversas situações em que é. utilizado: à medida em que compreendo uma língua, sou capaz de atribuir significados produzidos hic et nunc. Mas, decidir qual é a significação do enunciado, fora de suas ocorrências possíveis, implica ultrapassar o terreno da experiência e da constatação, e estabelecer uma hipótese - talvez justificável, mas que, de qualquer forma preci- · sa ser justificada 1• Acreditar que seja possível evitar essa dificuldade, * Este· texto, publicado no n.0 4 de Langue. Française de 1969, é o primeiro onde utilizo sistematicamente a noção de "lei de discurso". Objetar-lhe-ia presentemente (cf. Cap. II) que o qualificativo "pressuposto" refere~se à natureza de um elemento semântico veiculado pelo enunciado, enquanto o qualificativo "subentendido" caracteriza a forma pela qual um elemento se- mântico é introduzido no sentido. Por outro lado pare~me que, através das leis de discurso, introduzi a águia: ' no ninho da lingüística e gostaria que o uso dessa noção seja mais controlado do que o é atualmente (cf., Cap. V e Anscombre & Ducrot, 1983, Cap. III). N. do T. A metáfora "águia no ninho" foi uma adaptação da metá- fora original "Le loup dans la bergerie", pois "bergerie", que significa lugar onde são guardados os carneiros, não tem equivalente em Português. ** Os. termos "sentido", "significação", "enunciado" não possuem, neste texto, os valores exatos fixados nos § 4-7 do Cap. VIII. 1 . Para ser rigoroso, seria necessário precisar que mesmo em um contexto definido, a descrição de uma significação tem maiores implicações do que 13 apoiando-se em uma especte de expenencia imagmarta que consiste em tentar representar o efeito casual do enunciado, caso este fosse produzido fora do contexto, é enganar-se a si mesmo: uma ocorrência fora de contexto não passa de · uma ocorrência produzida em um contexto artificialmente simplificado, e não é absolutamente neces- sário que a significação constatada nessas condições possibilite com- preender as significações registradas em contextos naturais. Mas, se a decisão de atribuir uma descrição semântica a cada enunciado isolado baseia-se em uma hipótese que não encontraria apoio em nenhuma evidência, ainda assim ela deve ser formulada. O fato de não poder justificá-la não significa que seja injustificável. Pen- samos, ao contrário, que hipóteses desse tipo constituem a condição necessária para a existência de uma descrição semântica especifica- mente lingüística das línguas naturais. Antes de procurar estabelecer o que poderia ser uma tal descrição semântica língüística, explicite- mos o que deve ser esperado da descrição semântica de uma língua L. Entendemos qtie esta consiste em um conjunto de conhecimentos que permitem prever, frente a um enunciado A de L, produzido em cir- cunstâncias X, o sentido que esta ocorrência de A tomou neste con- texto. Descrição Semântica de L I Sentido de A em X ESQUEMA .. Embora, presentemente, a realização deste programa para toda e qual- quer língua possa parecer ficção científica, isto não deve impedir considerá-la como um objetivo legítimo e mesmo necessário, em dire- 14 uma simples constatação, pois a própria escolha da fórmula que auxiliará a descrever a significação já exige que se faça abstração de certos matizes considerados não-pertinentes, e a validade desta abstração constitui uma hipótese e exige uma justificação. ção ao qual devem convergir todas as análises de detalhe possíveis de serem realizadas atualmente. Quanto a dizer que existe, para a língua L, uma descrição se- mântica lingüística possível, é formular uma hipótese bem precisa so- bre a organização a ser dada à descrição semântica de L. Manter o esquema precedente significa que a descrição semântica se constituirá de um conjunto extremamente heterogêneo, heteróclito mesmo. Com efeito, aí deverão ser abrigados, além dos conhecimentos habitual- mente chamados de lingüísticos, um certo número de leis de ordem psicológica, lógica ou sociológica, um inventário das figuras de estilo empregadas pela coletividade que fala a língua L, com suas condi- ções de aplicação, em suma, informações referentes às diferentes uti- lizações da linguagem nessa mesma comunidade. Caso contrário, como dar conta do fato de que, em certas circunstâncias, o enunciado Que tempo bom! possa ser dotado de um valor aproximadamente equiva- lente a Que tempo feio!, e, em outras circunstâncias, ser compreen- dido como Não temos muita coisa a dizer um ao outro, etc. Diante de fatos deste gênero e percebendo que uma frase qualquer pode ser levada a veicular não importa qual significação, lingüistas como F. Brunot renunciaram à esperança de uma descrição semântica das lín- guas naturais, pois seria preciso prever, para cada enunciado, a infi- nidade de significações decorrentes da infinidade de contextos possí- veis e, ao mesmo tempo, seria preciso acumular no retângulo, através do qual representamos a descrição semântica, informações empresta- das a quase todas as ciências. Se desejarmos, entretanto, evitar este pessimismo e tentar colocar um pouco de ordem na descrição semân- tica, uma hipótese que parece vantajosa é a que está, implícita ou explicitamente, em toda a semântica lingüística. Trata-se de considerar que o retângulo acima desenhado deve ser dividido em dois compartimentos principais. Um primeiro componen- te, isto é, um conjunto de conhecimentos (descrição semântica lin- güística de L ou, abreviadamente, componente lingüístico) atribuiria a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto, uma cer- ta significação. Exemplificando: a A, corresponde a significação A'. Caberia ao segundo componente (o componente retórico), consideran- do a significação A' ligada a A e as circunstâncias X nas quais A é produzido, prever a significação efetiva de A na situação X. 15 A l. Componente 1 : descrição semântica lingüística A' ~ Componente 2: Componente retórico Sentido de A no contexto X ESQUEMA 2 X A hipótese incorporada a este esquema pressupõe que as circuns- tânciall da enunciação são mobilizadas paraexplicar o sentido real de uma ocorrência particular de um enunciado, somente depois que uma significação tenha sido atribuída ao próprio enunciado, independen- temente de qualquer recurso ao contexto. Para justificar esta hipótese de forma definitiva, seria necessário, em primeiro lugar, construir efetivamente os dois componentes (para uma língua, pelo menos), mas nã,p nos encontramos nesse estágio. Entretanto, se pudermos mostrar que uma descrição semântica orga- nizada com base Jl.O segundo esquema pode ser mais satisfatória do que o seria, caso mantivéssemos 6 primeiro, seria possível, desde já, conferir-lhe uma certa verossimilhança. Acreditamos que uma tal des- crição se aproximaria, com melhores condições, do resultado final desejado (a explicação dos efeitos de sentido constatados de fato), ao mesmo tempo que o abordaria de forma mais natural. Para salientar este segundo ponto, séria necessário mostrar que é possível atribuir ao 16 componente lingüístico uma postura relativamente sistemática, at In- tegrando um pequeno número de regras gerais suscetíveis de interfe- rir e de combinar seus efeitos de acordo com relações previsíveis. Por outro lado, cabe apontar que as leis utilizadas no componente retó- rico serão justificáveis, independentemente de seu emprego na des- crição semântica, e poderiam ser autenticadas, por exemplo, pela psi- cologia geral, pela lógica, pela crítica literária, etc. É unicamente atra- vés de tais demonstraçÇ)es que tornaremos plausível a hipótese · de uma descrição semântica lingüística das línguas naturais - hipótese esta totalinente arbitrária. DISTINÇÃO ENTRE PRESSUPOSTO E SUBENTENDIDO Tentaremos esboçar essa demonstração, mantendo-nos no inte- rior de um domínio muito lirp.itado. Tratar-se-á de distinguir dois tipos de efeitos de sentido e de mostrar que é interessante descrever um deles a partir do componente lingüístico, enquanto o outro exige a intervenção do componente retórico. Considerem-se os enunciados seguintes: (1) Se Pedro vier, Jacques partirá. (2) Jacques não despreza vinho. (3) Jacques continua fumando. (4) Pedro deu pouco vinho a Jacques. Na maior parte dos contextos imagináveis, uma pessoa, ao ou- vir (1), concluirá que a vinda de Pedro desencadeia a partida de Jac- ques, da qual é a condição suficiente e também necessária, isto é, que a partida de Jacques está subordinada à vinda de Pedro. Com efeito, o indivíduo que enunciasse (1) seria considerado bastante anormal ou mesmo mentiroso se, ao fazê-lo, não pensasse que: (la) Se Pedro não vier, Jacques não partirá. Caso contrário seria necessário explicitar que, de qualquer for- ma, Jacques provavelmente partiria. É, sem dúvida, este costume lin- güístico que dificulta, aos que se iniciam em matemática, distinguir as condições necessárias das condições suficientes. Por outro lado, no que concerne ao enunciado (2), é difícil de aí não perceber a afirmação: 17 (2a) Jacques gosta muito de vinho. Para evitar que o ouvinte chegue a essa conclusão, o locutor seria obrigado a tomar precauções que acabariam por entulhar seu enunciado, advindo daí falta de fluência, cuja conseqüência seria, aliás, a de reforçar o efeito de sentido que o locutor desejou suprimir através das referidas providências. A propósito do enunciado (3), é quase inevitável concluir que não apenas Jacques fuma atualmente, mas que já antigamente ele fumava. Acrescentemos, pois, ao conteúdo do (3) a indicação: (3a) Jacques fumava antigamente. Enfim, o enunciado (4) indica, ao mesmo tempo, que Pedro deu vinho a Jacques e que, ao fazê-lo, não foi generoso. Justificaremos, mais adiante, a diferença entre estes dois elementos semânticos, mas, no presente momento, nos limitaremos a anotar o primeiro: (4a) Pedro deu vinho a Jacques. Presentemente, defender-se-á agora a tese de que existe uma di- ferenca entre as indicações (la) e (2a) por um lado, as quais chama- remo; de subentendidos, e as indicações (3a) e ( 4a), que denominare- mos pressupostos. Um primeiro critério que permite esta classificação deriva do comportamento muito particular assumido pelos pressupos- tos no momento em que o enunciado que os veicula é submetido a certas modificações sintáticas, tais como a negação ou a interrogação. Ducrot (1968, p . 38-41 e 46-48) mostra que os pressupostos de um enunciado continuam a ser afirmados pela negação deste enunciado ou por sua transformação e!I! pergunta. Assim, em todas as suas ocorrências imagináveis, os enúnciados Será que Jacques continua fu- mando?, e E falso que Jacques continua fumando continuam man- tendo, tal como o faz (3), que Jacques fumava antigamente. Observe- se ainda que, quando (3) é introdu~do a título de proposição ele- mentar em uma , frase complexa (por exemplo, Pedro continua fuman- do, ainda que o médico lhe tenha proibido o cigarro), o elo de subor- dinação - no presente caso, a conexão - não se refere ao elemento pressuposto (3a), mas apenas ao resto do conteú~o de (3), que cha- mamos de conteúdo posto, ou seja, afirma-se que Jacques fuma atual- mente. E, aliás, este comportamento particular frente à negação, à interrogação e à subordinação que nos autoriza a distinguir, no sen- tido global de (4), o elemento (4a) - "Pedro deu vinho a Jacques" 18 - pois possui esta propriedade de subsistir quando (4) é transfor- mado em pergunta ou em negação, ao mesmo tempo que também resiste à subordinação (cf. Pedro deu pouco vinho a Jacques, embora lhe tivesse solicitado bem mais). Poder-se-ia procurar em vão, nos subentendidos que tomamos por exemplo, características semelhantes as dos pressupostos. Assim, construa-se, a partir de (1), a pergunta Será que Jacques partirá, caso Pedro venha?. Percebe-se que nesse caso a indicação (la) não sub- siste: "Se Pedro não vier, Jacques não partirá". Quanto a (2), em virtude de sua forma negativa, dificilmente pode ser submetido aos testes da negação e da interrogação, mas basta que lhe seja acres- centada uma oração subordinada para que seja perceptível que o elo de subordinação incide precisamente sobre a indicação (2a): "Jacques gosta muito de vinho". Tal fato indica que não se trata de uma pressuposição. Em síntese, o fenômeno de pressuposição parece estar em estreita relação com as construções sintáticas gerais - o que fornece uma primeira razão para tratá-lo no componente lingüís- · tico on~e, evidentemente, deveria ser descrito o valor semântico des- sas coristruções. O mesmo argumento não pode ser empregado, tra- tando-se dos subentendidos, pois a relação com a sintaxe é bem mais difícil de aparecer. Como, então, caracterizar o subentendido de forma positiva?. Um primeiro traço observável consiste no fato de que existe sempre para um enunciado com subentendidos, um "sentido literal" do qual tais subentendidos estão excluídos. Eles parecem ter sido acrescentados. Se, após afirmar que Jacques não despreza vinho, sou acusado de maledicência, sempre poderei proteger-me por trás do sentido literal de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade da interpretação que delas faz. E, aliás, desta possibilidade de reti- rada que advém toda a vantagem do enunciado (2) em relação à afirmação direta de (2a) . De acordo. com uma expressão familiar, o subentendido permite acrescentar alguma coisa "sem dizê-la, ao mesmo tempo em que ela é dita". Apesar de algumas analogias, a situação é bastante diferente para o· pressuposto. Este pertence plenamente ao sentido literal. Seria muito fácil demonstrá-lo, tomando o exemplo (4) que perde toda significação ou, mais exatamente, toda capacidade informativa se seu pressuposto (4a) não for admitido. O enunciado (3) é ainda mais interessante, pois nele o posto "Jacques fuma atual- mente", pode ser compreendido e aceito mesmo que seu pressuposto 19 "J;1cquesfumava antigamente" não seja admitido. Isto não impede que este pressuposto seja concebido, no ato de discurso, como inerente ao próprio enunciado. Se meu interlocutor puder provar-me que T acques nunca fumou, não disponho de nenhum recurso para isentar-me de minha responsabilidade e ser-me-á muito difícil não reconhecer meu erro. Certamente o pressuposto não pertence ao enunciado da mes- ma forma que o posto. Contudo, também ele lhe pertence - em- bora isso ocorra de· um outro modo. Para descrever este estatuto particular do pressuposto, seria pos- sível dizer (cf. Ducrot, 1968, p. 40) que ele é apresentado como uma evidência, como um quadro incontestável no interior do qual a con- versação deve necessariamente inscrever-se, ou seja, como um ele- mento do universo do discurso. Introduzindo uma idéia sob forma de pressuposto, procedo como se meu interlocutor e eu não pudéssemos deixar de aceitá-lo. Se o posto é o que afirmo, enquanto locutor, se o subentendido é o que deixo meu ouvinte concluir, o pressuposto é o que apresento como pertencendo ao domínio comum das duas personagens do diálogo, como o objeto de uma cumplicidade funda- mental que liga entre si os participantes do ato de ~omunicação. Em relação ao sistema dos pronomes poder-se-ia dizer que o pressuposto é apresentado como pertencendo ao "nós", enquanto o posto é rei- vindicado pelo "eu", e o subentendido é repassado ao "tu". Ou, ainda, se as imagens temporais forem preferidas, é possível dizer que o posto se apresenta simultaneamente ao ato da comunicação, como se tivesse surgido pela primeira vez, no universo do discurso, no mo- mento da realizacão desse ato . O subentendido, ao contrário, ocorre em momento pos,terior a esse ato, como se tivesse sido acrescentado através da interpretação do ouvinte; quanto ao pressuposto, mesmo que, de fato, nunca tenha sido introduzido anteriormente ao ato de enunciação (como se o ouvinte não soubesse, antes da formulação do enunciado (3), que Jacques fumava antigamente), ele procura sempre situar-se em um passado do conhecimento, eventualmente fictício, ao qual o locutor parece referir-se. Através destas metáforas, que tentam descrever como o posto, o pressuposto e o subentendido são vivenciados na experiência da comunicação, uma profunda opo::!ição se estabelece entre os dois pri- meiros, por um lado; e o terceiro, por out~o. Ocorre que o suben- tendido reivindica a possibilidade de estar ausente do próprio enun- ciado e de somente apat:ecer quando um ouvinte, num momento pos- 20 terior refletir sobre o referido enunciado. Ao contrário, o pressuposto e, co~ mais razão ainda, o posto apresentam-se como contribüições próprias do enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, esta contribuição se restrinja à lembrança de um conhecimento passado). Eles se apresentam como se tivessem sido escolhidos concomitante- mente ao enunciado e empenham, a seguir, a responsabilidade daquele que escolheu o enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, o locutor tente partilhar esta responsabilidade com o ouvinte, disfarçando o que diz sob a aparência de uma crença comum). Entregando, pois, a pesquisa dos pressupostos ao componente lingüístico - que trata do próprio enunciado, sem considerar suas condições de ocorrência enquanto os subentendidos seriam previstos por um componente re- tórico - que leva em conta as circunstâncias da enunciação - fa- zemos justiça a um certo sentimento ou, pelo menos, a uma certa pretensão dos falantes. Esta é uma segunda razão - que, aliás, seria bastante insuficiente, caso fosse considerada isoladamente - para distinguir estes dois componentes. Dissemos que o subentendido só toma seu valor particular ao opor-se a um sentido literal do qual ele mesmo se exclui. Como, nes- sas condições, julga-se que o ouvinte deva descobri-lo?. É preciso que isto ocorra através de um procedimento discursivo, isto é, através de uma espécie de raciocínio. Mas, a esse propósito, uma objeção poderá ser feita: sobre o que este raciocínio pode fundar-se?. Pois, se a ope· ração consiste em retirar do enunciado as conclusões nele implicadas, é difícil de compreender como o locutor poderia rejeitar a responsa- bilidade do subentendido: à medida que o subentendido fosse dedu- zido do sentido literal, não seria possível, ao mesmo tempo, reivin- dicar esse sentido literal e recusar as conseqüências que ele acarreta. Basta, aliás, por um mome11to, considerar os dois exemplos de su- bentendido que utilizamos para verificar que não decorrem, de forma alguma, do sentido literal dos enunciados que os veiculam. No caso de (1), seria mesmo necessário um erro muito grosseiro de raciocínio (a confusão entre um julgamento e sua recíproca) para deduzir do enunciado - o qual estabelece uma condição suficiente - seu suben- tendido habitual - que sugere uma condição necessária. E nada autoriza a considerar o ilogismo como um princípio explicativo dos fatos de língua. Na realidade, é possível colocar, na origem dos subentendidos, um procedimento discursivo perfeitamente compatível com as leis da 21 lógica (embora ela ofereça apenas uma verossimilhança e nenhuma certeza) e que permite, por outro lado, compreender que o locutor possa recusar-se a assumir sua responsabilidade. Para tanto, basta co- locar, na base deste procedimento, não apenas o próprio enunciado, mas sua enunciação, ou seja, o fato de que o enunciado é utilizado em um momento determinado em circunstâncias específicas. O racio- cínio do ouvinte poderia então explicitar-se por uma fórmula tipo: se alguém julga que é adequado dizer-me isso é, sem dúvida, porque pensa aquilo. Retomemos nossos exemplos, iniciando pelo enunciado (2): Jacques não despreza vinho. Embora possamos facilmente cons- tatar aqui um caso particular de litotes, não basta alegar a existência · dessa figura para obter ipso-jacto a explicação desejada, pois existem muitos enunciados que, praticamente, nunca subentendem sua própria ampliação. "Folheei este livro, "Algumas pessoas estavam lá", "Não me oponho a encontrar Pedro" subentendem apenas em casos excep- cionais que li o livro, que havia uma multidão ou que desejo encon- trar-me com Pedro. Na realidade, o ouvinte procura por uma litotes apenas quando a utilização de um enunciado mais forte apresentaria alguma coisa deslocada, inconveniente, repreensível. Se X e X' con- sistem em dois enunciados situados sobre uma mesma escala de sig- nificação 2 , se o segundo distingue-se do primeiro unicamente porque ele ocupa um grau superior desta escala, e se, por outro lado, uma regra de conveniência se opõe ou parece opor-se ao emprego de X', o ouvinte, ao ouvir X, tende a interpretá-lo como X'. No caso de (2), haveria certa maledicência ou, melhor, alguma brincadeira tradicio- nal estaria simulando uma certa maledicência no enunciado direto Jacques bebeu muito. É por essa razão que temos a tendência, ao ouvir (2), de tomá-lo como substituto de (2a). O raciocínio do ouvinte (raciocínio que pode, aliás, como no exemplo de que nos ocupamos, tornar-se quase automático e cristalizar-se em uma espécie de institui- ção) deve então ser reconstituído como segue: Meu interlocutor não .. tinha o direito de dizer (2a); assim, se ele disse (2), que representa o enunciado admissível que mais se aproxima de (2a), existem possi- bilidades de que tenha pensado (2a). Trata-se, de fato, de um racio- cínio, mas baseado, pelo menos, tanto sobre a enunciação quanto sobre o conteúdo enunciado. 2. Isso remete à suposição de que a língua comporta tais escalas, ou seja, que pelo menos alguns de seus paradigmas são graduados. 22 Chegar-se-ia a uma conclusão análoga, analisando o exemplo (1). Observe-se, inicialmente, que o ouvinte, em geral, tende a supor úteis todas as precisões contidas nas mensagens que lhe são dirigidas. Ele supõe,de alguma forma, que o locutor observa, na escolha de seu enunciado, uma espécie de lei de economia. Se é afirmado, a propó- sito de uma pessoa, que ela gosta de romances policiais, o ouvinte inclina-se a concluir, para justificar a precisão trazida pela palavra "policiais", que ela gosta pouco, ou menos, de outros romances. Pois, se gostasse igualmente de todos os romances, qual seria a utilidade em acrescentar essa determinação, considerando que seu interesse por romances policiais se deduziria, a título de- caso particular, de seu interesse geral pelos romances. Pela mesma razão, ao dizer que al- guém está de bom humor pela manhã, sugiro que o mesmo não lhe ocorre durante o resto do dia. Certo ou errado, o ouvinte procede como se o locutor lamentasse suas palavras. A partir desta constata- ção geral, é possível explicar sem muita dificuldade o subentendido de (1). Assinale-se, inicialmente, sem no entanto demonstrá-lo aqui, que o se em muitas línguas difere bastante da relação lógica de impli- cação: sua função primeira é de solicitar ao ouvinte que faça uma certa hipótese, que se coloque frente a uma certa eventualidade, no interior da qual, a seguir, uma certa afirmação é apresentada e ex- pressa na oração principal. Após essa explicitação podemos retornar a nosso exemplo. Para que (1) seja utilizado, anuncia-se a partida de Jacques somente após ter solicitado ao interlocutor que elabore a hipó- tese prévia da vinda de Pedro. No entanto, se Jacques devesse partir de qualquer forma ou, simplesmente, se ele devesse partir mesmo que Pedro não viesse, por que subordinar o aviso de sua partida à lem- brança da chegada de Pedro?. Dito de outra forma: ou é inútil, para afirmar a partida de Jacques, vislumbrar a eventualidade apresentada na subordinada condicional ou, então, é preciso que esta eventuali- dade seja indispensável à afirmação colocada na principal. Se meu interlocutor insistiu em subordinar a enunciação da partida à enun- ciação da vinda e se, por outro lado, julga-se que ele não fala em vão, posso concluir, com certa verossimilhança, que para ele o evento da partida está subordinado ao da vinda. Tanto nesse exemplo, como no precedente, um raciocínio. - realizado sobre o ato da enunciação - pode ser considerado o responsável pelo subentendido. Contrariamente a certas aparências, o mesmo não ocorre com o pressuposto. A repartição do conteúdo de um enunciado em posto e 23 pressuposto possui efetivamente esta arbitrariedade característica dos fatos de língua, e não pode ser justificada por nenhum raciocínio. Cer- tamente, pautando-nos pelo bom senso, se afirmamos que Jacques deu a Pedro somente uma pequena quantidade de vinho, somos obrigados a pressupor que Jacques deu vinho. Mas, compare-se (4) a (4'): (4') Pedro deu um pouco de vinho a Jacques. Também neste novo enunciado afirma-se que uma certa quan- tidade foi oferecida e que esta quantidade é pequena. Mas, contra- riamente ao que ocorre com ( 4), aqui as duas indicações não são mais dissociáveis. Submetendo (4') às transformações negativa e interroga- tiva, ambas são negadas ou questionadas por· inteiro 3 • O destinatário do enunciado (4) não tem, assim, nenhum motivo (a não ser seu co- nhecimento da língua) para nele descobrir o pressuposto ( 4a), pois os mesmos motivos o levariam a descobrir este mesmo · pressuposto ·em (4'), onde ele não se encontra como tal. O mesmo poderia ser dito a propósito do exemplo (3). O bom senso, nesse caso, também sugere que, para afirmar que alguém conti- nua a fumar é preciso, logicamente, que já o fizesse anteriormente. Mas, assim como ocorreu em (4), a repartição do posto e do pressu- posto, ainda aqui, decorre da arbitrariedade lingüística. Para con- vencer-se, basta imaginar um verbo, de fato inexistente, em portu- guês, mas totalmente possível, que determinaria o que continuar pres- supõe, e inversamente. Chamemos esse verbo de pertinuar. Jacques pertinua a fumar pressuporia, então, que Jacques fuma atualmente e colocaria, a título de informação nova, que o faz há muito tempo. Jacques pertinua a fumar?. Manteria, como uma evidência, que Jac- ques fuma e indagaria se isso é um hábito ou uma novidade. Ou, ainda, Jacques não pertinua a fumar negaria o fato de que Jacques seja um fumante inveterado, ao mesmo tempo que reconheceria que ele fuma atualmente. A existência possível deste verbo imaginário, bem como a existência real de r:.m ·pouco, I!lOStra que a detecção de pressupostos não está ligada a uma reflexão individual dos falan- tes, mas está inscrita na língua. Esta é uma nova razão para conferir um estatuto radicalmente diferente ao subentendido e ao pressuposto. Esta diferença pode ser representada caso a descrição semântica seja dividida em dois componentes - o lingüístico e o retórico. Parece, I . com efeito, .razoável fazer do pressuposto, ligado ao próprio enun- 3. A propósito de peu (pouco) e de un peu (um pouco), ver Martin (1969). 24 ciado, bem como aos fenômenos sintáticos gerais, um produto do com- ponente lingüístico . O subentendido, ao contrário, resulta de uma reflexão do destinatário sobre as circunstâncias de enunciação da men- sagem e deve ser captado, através da descrição lingüística, ao final de um processo totalmente diferente, que leve em conta, ao mesmo tempo, o sentido do enunciado e suas condições de ocorrência e lhes aplique leis lógicas e psicológicas gerais. A ANTERIORIDADE DO PRESSUPOSTO Em nossa opinião, os argumentos que acabam de ser apresenta- dos justificam nossa decisão de átribuir a dois componentes diferen- tes da descrição semântica o cálculo dos pressupostos e dos subenten- didos. Mas o esquema 2 apresenta maiores implicações, pois sugere que a descoberta dos pressupostos, a cargo do componente lingüís- tico, é anterior àquela dos subentendidos. Para legitimá-lo totalmente, seria preciso, pois, mostrar ainda que o conhecimento dos ele~entos semânticos pressupostos é um pré-requisito necessário à pesqutsa dos subentendidos e que os pressupostos encontram-se entre os dados que devem ser fornecidos à entrada do componente retórico. Tomemos, como primeiro exemplo, o enunciado: (5) Se Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido. Na maior parte de suas ocorrências, ele veicula as três infor- mações que seguem: (5a) A vinda de Pedro implicava a partida de Jacques. (5b) Pedro não veio . (5c) Jacques não partiu. Por outro lado,. fica claro que os elementos semânticos (5a), (5b) e (5c) têm estatutos muito diferentes. Reconhecer-se-á, sem dificul- dade, em (5a) um conteúdo posto. Já no que diz respeito a (5b), ele possui todas as características que atribuímos aos p~essupostos. Veri- ficar-se-á, sobretudo, que resiste à interrogação e à negação. Em compensação, o mesmo não ocorre com (Se), que pode desaparecer com a interrogação. Assim, (5') Será que, se Pedro tivesse vindo, Jac- ques teria partido? - pode freqüentemente ser empregado em um contexto em que os dois interlocutores sabem que Jacques partiu. 25 Nesse caso, (S') toma aproximadamente o mesmo valor de Será que, mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido? - enunciado que afirma sempre (estaríamos tentados a dizer: pressupõe) a partida de Jacques. Trata-se, nesse caso, de uma diferença muito clara entre (S') e (S). Quando se acredita na partida de Jacques, não é possível empregar (S); conseqüentemente, esse último enunciado quase nunca é equivalente a "Mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria par- tido". O elemento semântico (Se), geralmente presente em (S), mas ausente em (S') - transformação interrogativa de (S) - não pode, pois, passar por um pressuposto. Da mesma forma, ele . não pode ser considerado como posto e colocado sobre o mesmo plano de (Sa) , pois não decorre do sentido literal de (5). Caso objetemos à pessoa que empregou (5)que Jacques partiu, ela poderá sempre defender-se, alegando que nunca disse o contrário. Este critério permite-nos reco- nhecer em (Se) um subentendido absolutamente clássico. Uma vez estabelecido o estatuto dos três elementos semânticos geralmente veiculados por (5), resta-nos mostrar como o subenten- dido (Se) é produzido a partir dos dois outros, o que justificaria o fato de confiarmos ao componente lingüístico a descrição de (Sa) e (Sb) e, ao componente retórico, que leva em consideração os resul- tados oriundos do componente lingüístico, apenas a descrição do su- bentendido (Se). Para fazê-lo, necessitaremos inicialmente, desta lei de economia que já foi empregada anteriormente para explicar o subentendido de (1). Já que o locutor entendeu só poder falar na partida de Jacques, considerando a hipótese da vinda de Pedro, o ouvinte tem algum motivo para concluir que aquela partida está su- bordinada a essa vinda. É exatamente o mesmo raciocínio que havía- PlOS considerado como responsável pelo subentendido de (1) . O fato novo no presente caso é que (5) pressupõe (Sb): "Pedro não veio". Se este pressuposto for combinado com a idéia de que a vinda de Pedro é necessária à partida de<~Jacques, é natural concluir que Jac- ques não partiu, o que constitui exatamente o subentendido, cuja ex- plicação buscávamos. Se, por um lado, o exemplo que precede mostra bem que a de- terminação dos subentendidos leva em conta um conhecimento pré- vio dos pressupostos, por outro lado, ele ainda não salienta que estes pressupostos devem ser reconhecidos como tal e distinguidos dos ele- mentos postos, antes que o componente retórico possa dar conta dos 26 subentendidos. Uma última análise - que tomamos emprestada, mo- dificando-a ligeiramente, a um estudo sobre pouco e um pouco [peu e un peu] * - buscará ressaltar essa necessidade. Seja o enunciado: (6) Tivemos pouca sorte. Em um certo número de situações, o ouvinte perceberá nele o seguinte subentendido: (6a) Não tivemos absolutamente nenhuma sorte. (6) será, então, considerado um simples substituto, educado e fleugmático, de (6a). Este efeito de sentido não parece, inicialmente, colocar nenhuma dificuldade. Basta reconhecer aí o produto de uma litotes muito banal, que leva a ler em um enunciado fraco um enun- ciado mais forte, ao qual se oporiam certas coerções sociais. Da mes- ma forma, poder-se-á explicar, generalizando, que pouco, seguido de um adjetivo, serve muito freqüentemente para disfarçar uma negação (cf. "pouco trabalhador", "pouco interessante", etc) . Contudo, a situação revela-se mais complicada quando um pa- ralelo entre (6) e (7) é estabelecido: (7) Tivemos um pouco de sorte. Novamente, e em numerosos casos, aparece um subentendido do tipo: (7a) Tivemos muita sorte. Como no caso precedente, é natural recorrer a uma litotes para explicar este novo efeito de sentido . Da mesma forma, não será difí- cil compreender que um pouco, seguido de um adjetivo, serve fre- qüentemente para dissimular uma afirmação embaraçosa (cL, "um pouco preguiçoso", "um pouco enfadonho", etc). Fica, no entanto, por explicar que o efeito de litotes é diametralmente oposto no caso de pouco e no de um pouco, pois ela conduz a primeira expressão em direção à negação, levando a segunda a reforçar a afirmação. Dispo- mos, assim, de duas expressões que marcam uma quantidade fraca, ocorrendo, no entanto, que esta mesma quantidade torna-se, por ve- zes, o signo de uma ausência e, em outras, ao contrário, mostra-se o signo de uma quantidade mais importante. * Este estudo, de 1970, foi retomado em Ducrot (1972, Cap. Vll). 27 Se lembrarmos o que foi dito mais acima a propósito de pouco e de um pouco, uma solução mostra-se possível. Dissemos que o enun- ciado (4) -Pedro deu pouco vinho a Jacques- veicula, como pres- suposto, que Pedro deu vinho e, como posto, indica que uma pe- quena quantidade de vinho foi oferecida. Em troca, (4') -Pedro deu um pouco de vinho a Jacques - tem como posto a existência desta niesma quantidade, que é apenas presstfposta em (4). Resta-nos, pre- sentemente, para obter a explicação desejada, reformular a lei de litotes de tal forma que ela se refira unicamente aos conteúdos pos- tos, excluindo-se os pressupostos. Ela estipularia que, para exprimir de {orma atenuada a significação de uma frase A, pode-se utilizar uma frase B, cujo conteúdo posto (e não o conteúdo pressuposto) é menos forte do que o de A. Se assim é, a expressão um pouco de, que tem como posto a existência de uma certa quantidade (fraca), tende a insinuar a existência de uma quantidade mais forte. Em sentido contrário, a expressão pouco cujo posto é a limitação, deverá, quando interpretada como litotes, sugerir uma ausência total. Uma formulação um pouco diversa deste mesmo resultado levaria a afir- mar, considerando-se unicamente os conteúdos postos, que, na língua, pouco e um pouco não pertencem à mesma categoria semântica: uma decorre da categoria da restrição, enquanto a outra, da categoria da afirmação: Categoria da Restrição Muita sorte Sorte Um pouco de sorte Categoria da Afirmação Absolutamente nenhuma sorte Nenhuma sorte Pouca sorte Tal como a apresentamos levaq,do em conta a diferença entre posto e pressuposto - a lei de litotes aplica-se apenas no interior de cada uma destas duas categorias e conduz um termo a subentender um termo superior da mesma categoria. Conseqüentemente, as ex- pressões pouca sorte e um pouco de sorte, embora sendo dotadas globahnente de conteúdos semânticos equivalentes, não repartem o posto e o pressuposto da mesma forma, o mesmo ocorrendo com a lei de litotes que, aplicada a estas expressões, produzirá subentendi- . dos diametralmente diferentes. 28 Desta longa anális~,_ reteremos que as leis "psicológicas", cons- titutivas, juntamente com outras, do componente retórico, serão de- terminadas ma,is facilmente se o conteúdo dos enunciados apresenta- dos nesse componente já tiver sido anteriormente analisado ·em ele- mentos semânticos postos e pressupostos. Em lugar de propor duas leis diferentes de litotes para dar conta dos efeitos de sentido opostos produzidos por (6) e (7), um dirigindo-se para a afirm,aç~o e ~ outro para a negação, poderemos contentar-nos com uma umca let - o que não só é mais económico, mas parece mais nat.u:_al ~: Entreta~to, para isso, é preciso que o fenômeno da pressupos1çao Ja te~a stdo desvelado a partir dos dados lingüísticos submetidos a esta le1. É uma razão. a mais para pensar que a determinação dos pressupostos de- corre de uma análise não apenas diversa daquela que descobre os subentendidos, mas que também a precede. PRESSUPOSTOS E INTERSUBJETIVIDADE Permitam-nos, para terminar, indicar uma das conseqüências, em uma teoria lingüística geral, da distinção do pressuposto (fato de lín- gua) e do subentendido (fato de fala). Costuma-se pensar, e isto pode parecer natural, que a confrontação dos indivíd~os através da lin~~ gem - da qual a polêmica é um exemplo. partlcular e, talvez, pnvt- legiado - é antes de mais nada um fato de discurso~ um e~unciad?, enquanto tal, (isto é, independentemente de seu emprego) nao estana investiâo de nenhuma função polêmica, ou, mais geralmente, inter- subjetiva, específica. É unicamente a enunciação do enunciado, sua escolha em uma situação particular, que lhe conferiria tal valor. A es.ta concepção pode-se objetar facilmente a existência, na língua, de todo um vocabulário polêmico: as palavras injuri~sas o.u simplesmente pejorativas não podem ser descritas sem fazer . m.ter_vlt uma espécie de "função erística ", que constitui seu traço distl~tivo em relação às palavras "neutras" correspondentes. Mas trata-se, {mal- mente, de um fenômeno localizado que, se o desejarmos, podemos con- siderar marginal e secundário.Uma objeção muito mais impol;'tante é sugerida pela existência do sistema dos pronomes, cujas implicações * Atualmente teria enormes restrições em justüicar um modelo . porque ele representa ~s fatos de forma "natural" ou "intuitiva". A intuiçã~ pode serv~ p~a apreender os dados, mas não lhe compete julgar a relaçao entre tats dados e a teoria . 29 intersubjetivas foram sublinhadas por Benveniste, e que acaba por projetar as relações do discurso no próprio interior dos paradigmas da língua. E a uma conclusão semelhante 'que deveria conduzir a distinção entre pressuposto e subentendido, pois a repartição do conteúdo dos enunciados em elementos semânticos postos - cuja responsabilidade é endossada pelo locutor - e em elementos semânticos pressupostos - cuja responsabilidade o locutor partilha com o ouvinte - detém, antes de mais nada, uma função polêmica. Quando se tenta definir a pressuposição que, conforme procuramos mostrar, não responde a nenhuma necessidade lógica, é-se levado a considerar que ela possi- bilita aprisionar o ouvinte em um universo intelectual que ele não escolheu, mas que lhe é apresentado como coextensivo ao próprio diálogo. Esse universo não pode mais ser negado nem questionado sem que o referido diálogo seja rejeitado em sua totalidade. Agora, se o pressuposto, diferentemente do subentendido, não é um fato de retó- rica ligado à enunciação, mas inscreve-se na própria língua, é pre- ciso concluir que a língua, independentemente das utilizações que dela podem ser feitas, apresenta-se, fundamentalmente, como o lugar do debate e da confrontação das subjetividades. (Tradução: Freda Indursty) 30 Capítulo II PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS (REEXAME) * Gostaria de apresentar aqui uma espécie de autocrítica (ou, para empregar uma expressão academicamente melhor vista, um reexame), explicando por que abandonei, ou melhor, desloquei a oposição que eu estabelecia, a partir de um artigo publicado com esse título em 1969, entre "pressupostos" e "subentendidos"**. Espero, ainda assim, introduzir aqui e ali, nesta confissão, algumas palavras de lingüística. Não posso partir de uma definição do pressuposto e do suben- tendido, pois isto seria supor resolvido o problema que é o meu aqui: é justamente a uma definição que eu quero chegar. Tudo que posso fazer, inicialmente, é dar um exemplo que servirá de xeferência a seguir. Para maior facilidade, tomarei um exemplo muito conhecido. Imaginemos um enunciado da frase Pedro parou de fumar. Diremos que este enunciado **1': a) Põe que Pedro não fuma atualmente. b) Pressupõe que ele fumava anteriormente. Por outro lado, se esse enunciado é destinado a relembrar a um fumante inveterado sua covardia, pode ser que ele veicule subenten- didos como "Com um pouco de coragem, pode-se chegar lá" , "Pedro tem mais força de vontade que você" . . . etc. * Este capítulo retoma, com ligeiras modificações, o texto de uma confe- rência feita em Lyon, em maio de 1977, texto publicado em Estratégias discursivas, Presses Universitaires de Lyon, 1978, p. 33-43. ** Artigo retomado no Cap. I. *** As palavras "frase" e "enunciado" têm aqui a acepção exposta detalhada- mente no Cap. VIII § 3-6. A frase é uma entidade gramatical abstrata, e o enunciado é uma realização particular da frase. O sentido é o valor semântico do enunciado, a significação, o valor semântico da frase. 31 Suporei que meu exemplo foi suficiente- para lembrar que tipo de fenômeno remete ao pressuposto e qual ao subentendido. Mediante essa suposição, posso abandonar as pr~li~nares e <:>meçar a expor 0 que eu chamarei de "concepção antiga das r~laçoes pressuposto- subentendido, quer dizer, aquela que vou reexammar. A idéia central era que os pressupostos suscitados por um enun- ciado estão determinados, e determinados unicamente,. t:ela frase da qual este enunciado é a realização. Essa tese se subdivide em duas proposições: 1 . A significação da frase pode implicar a existência, no se~ti~o de seus enunciados, deste ou daquele pressuposto (esta proposiÇao, eu a mantenho - com algumas reservas). 2. Todos os pressupostos que aparecem no sentido do enunciado estão já previstos na própria significação da frase (é esta segunda proposição, sobretudo, que discuto). Em resumo, o pressuposto, de acordo com a "concepção antiga", se transmite sempre da significação para o sentido. Poder-se-ia mes- mo dizer que ele está escrito na significação se não se d~vesse levar em consideração certas especificações que estão necessanamente au- sentes da frase (cf., no meu exemplo, a especificação do tempo no qual se situa o fato pressuposto: é passado, mas em relação a qual presente?). Inversamente, o subentendido ' se caracteriza pelo ~ato d: que, sendo observável em certos enunciados ?e uma fr~se, nao esta marcado na frase. Essa situação do subentendido se exphca pelo pro- cesso interpretativo do qual ele provém. Para mim, com efeito, ele é sempre gerado como resposta a perguntas do tipo: "Por que o locutor disse o que disse?", "O que tornou possível sua fal~?" .. ~m outras palavras, uma condição necessária (mas, certamente, msuficiente) pa- ra que um enunciado E subentenda X, é que X apareça cor.?o .uma explícação de sua enunciaçã.p. Se, no meu exemplo de referencia, o enunciad~ "Pedro parou de fumar" subentende ")! possível parar", é na medida em que admite que uma das razões que levaram ~ pro- duzir esse enunciado era o desejo de comunicar essa observaçao ao destinatário. Então, se o subentendido é resposta a uma pergunta so- bre as condições de possibilidade da enunciação, é bem evidente que só pode aparecer no momento dessa enunciação, e que. conseqüente- mente depende do próprio enunciado: pertence ao sentido sem estar antecipado ou prefigurado na significação. Assim - pelo menos essa 32 é a tese que eu vou reexaminar - a oposição pressuposto-subentendi- do reproduziria a distinção dos dois níveis semânticos, o da signifi- cação (frase) e o do sentido (enunciado): pressuposto e subentendido se opõem pelo fato de não terem sua origem no mesmo momento de interpretação. Essa tese é explicável - senão justificável - por diversas ra- zões. Em primeiro lugar, é necessário lembrar por que o pressuposto, na literatura filosófica, é geralmente descrito como uma condição de emprego. Em outras palavras, toma-se como característica fundamen- tal do pressuposto a seguinte observação. Se o enunciado E contém o pressuposto X e, se, na situação na qual E aparece, não se verifica X, tem-se a impressão, não propriamente de uma falsidade, mas de uma anomalia, de um emprego fora de propósito. Então é bem evi- dente que as condições de emprego só podem caracterizar a frase: referem-se às circunstâncias, que possibilitam ou impossibilitam que a frase se transforme em enunciado. Não haveria nenhum sentido em falar das condições de emprego do enunciado, já que o próprio enun- ciado é um emprego. Resulta disso que o pressuposto pertence antes de tudo à frase: ele é transmitido da frase ao enunciado na medida em que esse deixa entender que estão satisfeitas as condições de emprego da frase do qual ele é a realização. De minha parte, tendo seguidamente criticado a definição do pressuposto como condição de emprego, deveria ser pouco sensível a esse tipo de motivações; mas, de fato, mesmo criticando esta definição, não era fácil livrar-se de todas as implicações que ela comporta e nas quais a noção de pres- suposição estava, por assim dizer, envolta (por vezes é complicado comer o bombom sem o papel). Um segundo tipo de considerações levaria à tese que eu quero colocar em questão. Trata-se dos critérios utilizados classicamente para deduzir o fenômeno da pressuposição. Sabe-se que se tratam, an- tes de tudo, da negação e da interrogação. Os pressupostos de umaasserção são conservados quando essa asserção é transformada em negação ou em interrogação (dizendo-se "Pedro deixou de fumar", mantém-se que ele fumava anteriormente). Deverá ter sido notado que acabo de empregar a expressão "os pressupostos de uma asser- ção". Trata-se de uma hipocrisia ou, em termos lingüísticos, de uma neutralização, para evitar ter que escolher entre as expressões "frase assertiva" e "enunciado assertivo". Se agora deixo de lado essa hipo- crisia, a expressão que devo escolher é incontestavelmente "frase". 33 Não faz nenhum sentido falar de transformações negativas ou inter- rogativas feitas a partir da realidade instantânea que é o enunciado. Essas transformações só podem afetar o ser abstrato atemporal, infi- nitamente reprodutível, que é a frase: uma formulação cuidadosa dos critérios clássicos seria: pfira que a frase P pressuponha X, é necessário que todos os enunciados de P veiculem X e que X esteja contido também em todos os enunciados das frases interrogativas e negativas construídas a partir de P. Eu pude me livrar facilmente mais acima do argumento inferido, em favor da "teoria antiga", a partir de uma definição da pressuposição como condição de emprego - já que rejeito essa definição. Será muito difícil livrar-me do argu- mento inferido da negação e da interrogação, pois se trata aqui de fatos incontestáveis que constituem uma das mais sólidas motivações para a noção de pressuposição. Antes de tomar posição sobre esse ponto, passo a um terceiro tipo de considerações, relacionado à noção de ato ilocucional. Por di- ferentes razões, fui levado (e isso, ao menos, não lamento) a descre- ver a pressuposição como um ato de fala , mais precisamente como um ato ilocutório, análogo ao de interrogação, de ordem, de asserção, etc. Ora, por ouro lado, eu estava, na época, inclinado a caracterizar o ilocutório, por oposição ao perlocutório, por sua inerência à frase. Partia de uma definição do ilocutório - que não tenho nenhuma intenção de abandonar - de acordo com a qual realizar um ato ilo- cutório é apresentar suas próprias palavras como induzindo, imedia- tamente, a uma transformação jurídica da situação: apresentá-las, por exemplo, como criadoras de obrigação para o destinatário (no caso da ordem ou da interrogação), ou para o locutor (no caso da pro- messa). Não se pode interrogar se não se atribui ao que se diz o poder imediato, pelo fato mesmo de ser dito, de fazer cair em falta o desti- natário no caso em que ele não efetue uma das condutas catalogadas como respostas. Insisto nas três palavras imediato, jurídico e apre-. sentar, utilizadas anteriormente.. são essenciais para distinguir o ilo- cutório do perlocutório. Se realizo um ato perlocutório, como o de consolar, o efeito que espero neste caso para minha fala pode ser um efeito muito indireto, ligado a um encadeamento causal muito complexo (consolo X de seus males, contando-lhe os de seu amigo Y, que são ainda maiores). O efeito perlocutório não é, pois, neces- sariamente imediato. Por outro lado, o perlocutório pode não ter nenhum aspecto jurídico; posso consolar X sem pretender por isso que ele deva, utilizando esse verbo em sentido muito amplo, deixar-se 34 consolar. Enfim, não tenho necessidade, para atingir um objetivo per- locutório, de me apresentar como pretendendo esse fim; posso con- solar sem apresentar minhas palavras como consoladoras, enquanto não posso interrogar sem dar a entender ao mesmo tempo que inter- rogo. Parece-me, então, incontestável que há, no perlocutório, uma relação privilegiada entre o ato e a fala: é constitutivo do ato ilocutó- rio atribuir à fala um poder intrínseco. Mas esse fato, que não discutirei, levou-me a tirar uma conclusão bastante discutível, a introduzir a idéia de que o agente de um ato ilocutório atribui à própria frase que pronuncia o poder que· reivin- dica somente, em realidade, para sua enunciação dessa frase: passei, em outras palavras, da idéia de que o ilocutório reivindica uma efi- cácia enquanto fala, para a idéia de que ele se apóia numa eficácia própria das palavras, quer dizer, do material utilizado na fala . O que leva a concluir que o ilocutório está, por definição, inscrito na fra- se. Se se lembrar que apresento a pressuposição como um ato ilo- cutório, vê-se como a concepção do ilocutório, da qual acabo de falar, constitui uma terceira via que conduz à conclusão que gostaria de colocar em questão aqui. Foi-se levado a colocar o poder pressuposi- cional na frase, e a pensar que ele é transmitido da frase ao enun- ciado. Em oposição, os subentendidos seriam colocados no mesmo plano que o perlocutório e ligados às circunstâncias da enunciação. Isso traz conseqüências um pouco paradoxais. Suponhamos que eu utilize, para pedir-lhe que feche a janela, a frase interrogativa "Pode fechar a janela?". Fica claro que o pedido não está, nesse caso, ins- crito na frase. Ele só pode ser um subentendido produzido por um mecanismo interpretativo do tipo: "Ele me pede para dizer se sou capaz de fechar a janela. Ora, ele sabe bem que sim. Então, quer, dessa forma, me lembrar que eu sou capaz disso. A única razão que pode tê-lo levado a fazer o que fez é o desejo que eu utilize essa ca- pacidade". Donde concluiu-se finalmente que a pergunta, sendo ma- nifestação de um desejo, deve ser compreendida como um pedido. Já que é produzido como subentendido, este pedido deverá, na lógica da concepção da qual falo, ser descrito como perlocutório. Chega-se assim a dizer - coisa que agora creio totalmente inaceitável - que um mesmo tipo de ato pode ser realizado tanto de forma ilocutória como perlocutória (de acordo com a frase utilizada para realizá-la). 35 Resta agora avaliar as motivações que acabo de desenvolver em favor da "concepção antiga" (ainda assim as duas últimas, pois a primeira foi eliminada no próprio momento de sua apresent~ç3o). ~o meço pelo argumento inferido das relações entre pressupos1çao e llo- cutório. Na verdade, formulei-o de um modo que já deixava ver as dificuldades que ele suscita. Inicialmente, ele repousa sobre um des- lizamento de sentido entre duas proposições. Uma, que me parece indiscutível, seria: "Fazer um ato ilocutório é apresentar sua enun- ciação como eficaz". A outra proposição, bem mais discutível, se enuncia: "Fazer um ato ilocutório é utilizar palavras providas de efi- cácia intrínseca". Esse é o deslizamento inerente à expressão "o po- der das palavras" . Tratam-se de palavras consideradas como entidades abstraías, elementos do léxico (em inglês, type), ou de suas ocorrên- cias (em inglês, token), elementos do discurso?. Não nego que exis- tak sistemas sociais, sistemas jurídicos, sistemas de crenças que sa- cralizam, por assim dizer, a palavra (considerada como "type") e lhe atribuem um poder próprio. Mas não há nenhuma razão para que essa forma particular do ilocutório seja o protótipo, o modelo. Aliás, compreende-se facilmente como se produz esse desliz.amento. Supo- nhamos que a realização de uma frase P dê ao locut9r L um certo poder sobre uma situação S. Tudo que mudou entre o· momento no qual L não tinha esse poder e o momento no qual ele tem, é que ele empregou P. Tende-se a concluir que o poder está localizado em P. De fato, obedece à realização de P na situação S. Mas como S ~á está lá e não depende do locutor enquanto tal, tende-se a esquecê-la. Uma segunda razão leva a duvidar dessa concepção de ilocutó- rio, razão que se liga a uma conseqüência assinalada ainda agora: com uma tal concepção, um mesmo tipo de ato, um pedido por exem- plo, pode ser realizado de modo ilocutório ou perlocutório (se ele foi produzido de modo indireto, por subentendido). Mas isso é ina- ceitável se se admite a definição que propus para ilocutório, e em virtude da qual qualquer pedidg é ilocutório: ela se apresenta crian- dodesde sua aparição, por sua aparição, uma certa forma de obri- gação para o destinatário. Se lhe é retirada essa característica, o pedido não é mais um pedido, mas um esforço para fazer agir alguém de um certo modo. Chego então à conclusão de que o valor ilocutório de um enunciado pode não estar marcado na frase que serve para realizar o ato. De fato, não há mesmo nenhum tipo de ato ilocutório que não seja, ao menos alguma vez, realizado dessa forma indireta. 36 A aplicação ao problema da pressupos1çao é imediato. Se esta é um ato ilocutório como os outros, seria bastante surpreendente que fosse o único a ser ligado à frase. E necessário, então, admitir que pode aparecer ao nível mesmo do enunciado e até mesmo sob forma de subentendido. Haveria pressuposições subentendidas, como há pe- didos subentendidos . Volto ao meu exemplo de partida. Disse que se pode enunciar "Pedro deixou de fumar", a fim de fazer notar ao interlocutor que Pedro tem mais força de vontade que ele. " Pedro tem mais força de vontade que você" é, então, um subentendido que numerarei (1) . Mas há, nesse caso, um outro subentendido que numerarei (2), e que é "Parar de fumar é prova de força de vontade", sendo o subenten- dido (2) necessário para a aparição do subentendido ( 1). Suponhamos agora uma interpretação do enunciado que lhe dê por objeto decla- rado fazer ao interlocutor essa espécie de reprimenda que constitui o subentendido (1). Nessa interpretação, o subentendido (2) funciona como um pressuposto. Por um lado, é dado como impossível de ser colocado em dúvida, pois sua contestação impediria até que se pu- desse ler no enunciado do subentendido (1), do qual supus que sua comunicação é sustentada pelo objeto do enunciado. Mas, por outro lado, o subentendido (2), sendo um elemento essencial do sentido do enunciado, não aparece como seu objeto: o locutor não se coloca como tendo procurado comunicar uma apreciação geral sobre os fu- mantes. Veja-se a idéia que quero ilustrar: a noção de subentendido não designa um ato de fala particular. Ela envia a um processo par- ticular de codificação ou decodificação, no fim do qual aparecem todas as formas de atos ilocutórios, notadamente a pressuposição. Passo agora a uma outra motivação sobre a qual disse há pouco que estava na origem da "concepção antiga". Tratava-se do fato de que o pressuposto era descoberto pelos critérios de negação e inter- rogação, e que esses critérios só podem afetar as frases e não os enun- ciados. Ora, resulta que fui, cada vez mais, levado, não a recusar os critérios, mas a constatar que têm uma aplicabilidade relativamen- te restrita (poucas frases podem ser negadas ou interrogadas). Em compensação, um outro critério, cada vez mais importante, surgiu, o do encadeamento. Se uma frase pressupõe X, e um enunciado dessa frase é utilizado em um encadeamento discursivo, por exemplo, quan- do se argumenta a partir dele, encadeia-se com o que é posto e não com o que é pressuposto. Esta formulação, que deveria ser refinada 37 e matizada, é suficiente para fazer aparecer o traço que, no meu ponto de vista atual, é o mais importante. Esse critério que pode, como os "critérios clássicos" ser empregado para frases, diferente- mente daqueles, segue tendo sentido, quando se trata de enunciados (é necessário, nesse caso, modificar um pouco sua formulação). Quan- do não se pode transformar, negativamente ou interrogativamente, um enunciado, pode-se encadear a partir dele. Pode-se, então, per- guntar, levando em conta uma série de enunciados, "a partir de que se faz o encadeamento?". E chamarei "pressupostos" de um enun- ciado às indicações que ele traz, mas . a partir das quais o enunciador não quer (quer dizer, faz como se não quisesse) fazer recair o enca- deamento. Trata-se de indicações que se dão, mas que se dão à mar- gem da linha argumentativa do discurso. Se se admite essa concepção, é possível reconhecer como pressupostos, ao nível do enunciado, ele- mentos semânticos que, nas teorias clássicas, não teriam direito a esse rótulo - pois não é possível descobri-los, ao nível de frases por meio de critérios tradicionais. Um exemplo. Consideremos a frase: Fui à Alemanha com Pedro. f, impossível, aplicando os critérios aplicáveis às frases, atribuir- lhe pressupostos do tipo "Fui à Alemanha" ou "Viajei com Pedro" . Pois nenhum desses elementos se mantém necessariamente pela nega- ção ou interrogação. Isso aparece facilmente no caso do critério da negação. Pois a frase Não fui à Alemanha com Pedro pode ser utili- zada tanto em contextos nos quais o locutor anuncia que não foi à Alemanha (enquanto que Pedro foi) , quanto em contextos nos quais anuncia que, quando foi à Alemanha, não viajou com Pedro. (Encon- trar-se-ia uma situação semelhante para um grande número de frases assertivas, cujo conteúdo informativo é múltiplo) . Parece-me, entre- tanto, conveniente dizer que os enunciados da frase tomada como exemplo pressupõem, tanto um como o outro, os dois elementos que distingui; é conveniente na medida em que esses dois elementos, em um enunciado dado, jamais se apresentam da mesma forma, com o mesmo peso, com a mesma função. Ora, é possível dizer isso, se se utiliza a noção de encadeamento. Quando o tipo de continuação que persigo para meu enunciado diz respeito ao comportamento de Pedro na Alemanha, ou à possibilidade que ele teve de realizar essa viagem, o que está posto é que levei Pedro e o que está pressuposto é minha viagem à Alemanha. Inversamente, se pretendo continuar sobre mi- nha possibilidade de ter ido à Alemanha, sobre o que lá fiz ou vi, 38 o que se põe é que acompanhei Pedro, e o que está pressuposto é sua viagem. Graças a essa extensão da noção de pressuposição, e utilizando um critério relativo aos enunciados, é possível suprimir um paradoxo freqüentemente assinalado a propósito da "teoria antiga": quando se aplicava a discursos, portanto a enunciados, obrigava a recusar o título de "pressuposto" a elementos que, de fato, compor- tavam-se exatamente como os pressupostos reconhecidos através dos critérios tradicionais e marcados na frase . N.B. Uma tal definição de pressuposição permite melhor situar as pesquisas que desenvolvemos, Jean-Claude Anscombre e eu, sobre a argumentação. Consideram-se pressupostos, em um enunciado, o que é trazido pelo enunciado, mas não de forma argumentativa, en- tendendo por isso que não se apresenta como devendo orientar a continuação do discurso (insisto sobre a palavra apresentar, essencial, para mim, na teoria da argumentação ou da pressuposição, como também o é, já o disse anteriormente, na definição do ilocutório) . Dizendo Você está quase atrasado, pressuponho que você não esteja atrasado: isso significa que o reconheço, mas a continuação que proponho a nosso discurso não diz respeito ao fato de que você não está atrasado; diz respeito ao fato de que você estava na iminência de atrasar-se. Tendo admitido, pelo que precede, qu~ há dois modos de defi- nir a pressuposição, seja a nível do enunciado, seja a nível da frase, é necessário perguntar-se que relação pode existir entre essas defini- ções. Elas são mesmo compatíveis?. Não vou desenvolver esse ponto. Indicarei, ainda assim, para subentender que refleti sobre o proble- ma, que tipo de solução imagino. A idéia central é a seguinte. Se uma frase, em virtude dos critérios clássicos, pressupõe X, todos os enunciados também o pressupõem, quando lhes é aplicado o critério novo, o do encadeamento. Isso não implica, evidentemente, que, se um enunciado, em virtude desse critério, pressupõe X, a frase, da qual ele é a realização, pressupõe igualmente X a partir dos critérios clássicos. Essa situação nada tem de surpreendente se a pressuposi- ção for considerada como um ato ilocutório. Pois é o que se passa com todos os outrosatos ilocutórios. Tomemos o caso da interroga- ção. Há critérios sintáticos, aplicáveis às frases, que permitem definir algumas como interrogativas (cf. "Que fez Pedro esta manhã?") . Por outro lado, se se define a interrogação ao nível do enunciado pela obrigação de responder que pretende impor ao destinatário, é-se 39 levado a considerar como interrogativos enunciados que realizam fra- ses que não o são (assim, certos enunciados de "Gostaria muito de saber o que Pedro fez esta manhã", são interrogações). E basta, para assegurar a compatibilidade das duas definições, que os enunciados de uma frase interrogativa sejam todos interrogações. É exatamente isso o que ocorre com a pressuposição. Pode-se levar ainda mais longe a analogia entre a pressuposição e os a tos ilocutórios "clássicos". Já que exagerei ao dizer que todos os enunciados de uma frase interrogativa são interrogações, que pre- tendem criar para o destinatário uma obrigação de responder. De fato, existem vários usos da frase interrogativa em que sua função não é perguntar. Para que seja justificado, apesar disso, que se continue a chamar a frase de "interrogativa", basta que esses usos se expli- quem a partir de um valor interrogativo primitivo (o que se faz facil- mente no caso das interrogações ditas "retóricas", cujo valor de obrigação se deve justamente ao fato de que elas pretendem obrigar o destinatário a responder, apesar de a resposta ser evidente; igual- mente, tentei, antes, derivar certos pedidos a partir de um valor inter- rogativo fundamental da frase que os veicula). Ora, ocorre exatamen- te o mesmo com a pressuposição. Uma frase marcada para pressupor X pode muito bem ser empregada, retoricamente, em um enunciado que não a pressupõe, mas, por exemplo, a expressa. (B . de Cornulier apontou numerosos exemplos desse fenômeno: diz-se "Lamento não poder publicar seu artigo" para expressar que não se pode publicá-lo, enquanto que, de acordo com a estrutura da frase, dever-se-ia pres- supô-lo, pois lamentar, assim como saber, alegrar-se, etc. são verbos "factivos", que pressupõem que sua subordinada é verdadeira). Aqui ainda as relações entre os pressupostos da frase e os do enunciado confirmam a qualificação da pressuposição como ato ilocutório. Suponhamos, agora, que se pergunte para que servem nesta rees- truturação da teoria pressuposici~nal, os critérios "clássicos" (a nega- ção, a interrogação e o encadeamento quando ele é definido a pro- pósito de frases). Direi que eles indicam quais frases são, por assim dizer, pressuposicionalmente marcadas (como há aquelas que são mar- cadas pela interrogação). Vê-se, assim, a conseqüência dessa hipó- tese para uma teoria geral da atividade lingüística. Tal como a carac- terizei, no nível do enunciado, a pressuposição aparece como uma tática argumentativa dos interlocutores; ela é relativa à maneira pela qual eles se provocam, e pretendem impor-se uns aos outros, um certo 40 modo de continuar o discurso. Que ela possa ser marcada a partir do nível da frase confirma, então, no que tange à língua, no sentido ~ais tradicional do termo, a idéia de que a utilização polêmica da hnguagem não se acrescenta à língua - em virtude de alguma lei de discurso ligada à natureza humana. Isso confirma a idéia de que a pragmática não é um suplemento da semântica, isso confirma, pois, a concepção segundo a qual a língua seria um instrumento intrinseca- mente polêmico. Eis por que, aliás, tenho podido ter tão pouco pudor na confissão que acabo de fazer. Só se confessam voluntariamente pe- cados que se consideram veniais. Ora, a autocrítica que apresentei me parece deixar intacta e, mesmo em realidade, confirma a idéia, essencial para mim, de uma língua consagrada à interacão dos indi- víduos. ' Falta-me mostrar como se articulam as noções de subentendido e de pressuposto na concepção que acaba de ser defendida. Dois pon- tos me parecem claros, caso se admita o que precede. Inicialmente, que essas noções devem ser distinguidas. A pressuposição é um ato. Pois o que se pressupõe é o que os filósofos da linguagem, como Searle, chamam de uma "proposição" (poder-se-ia também falar de , t 'd ") o b con eu o . que se su entende, ao contrário, é um ato. Subenten- de-se que se afirma, coloca em questão, pergunta, ou mesmo pressu- põe este ou aquele conteúdo. Mas essa distinção não pode ser con- siderada como uma oposição. As noções, com efeito, não estão situa- das no mesmo nível. Para mim, a pressuposição é parte integrante do sentido dos enunciados . O/ subentendido, por sua vez, diz respeito à maneira pela qual esse sentido deve ser decifrado pelo destinatário. Suponhamos que você admite - por consideração a mim - que o sentido de um enunciado é a maneira pela qual o enunciador apre- senta seu ato de enunciação, a imagem que pretende impor ao desti- natário de sua enunciação *, a imagem que pretende impor ao des- tinatário de sua fala (o sentido de um enunciado é, por exemplo, a pretensão manifesta de obrigar o destinatário, no momento mesmo da enunciação, a fazer esta ou aquela coisa, a crer nesta ou naquela proposição, a continuar o diálogo nesta ou naquela direção - ou, * A diferen?a entre a concepção do sentido trabalhada aqui e aquela do Cap. VITI, destmada a abrigar a noção de polifonia, refere-se a que, no presente artigo, a enunciação, antes mesmo de ser descrita no sentido do enunciado é definida como um ato, e é a natureza desse ato que. o sentido especificaria: No Cap. VIII, ela é somente definida como acontecimento: sua eventual descrição como ato do locutor decorre do sentido. 41 :;;; : ,,, " i o que vem a ser o mesmo, a não continuá-lo nesta ou_ naquela outra). A pressuposição é, então, um elemento do sentido - se se considera o sentido como acabo de propor, como uma espécie de retrato da enunciação. Dizer que pressuponho X, é dizer que pretendo obrigar o destinatário, por minha fala, a admitir X, sem por isso dar-lhe o direito de prosseguir o diálogo a propósito de X. O subentendido, ao contrário, diz respeito à maneira pela qual esse sentido é manifesta- do, o processo, ao término do qual deve-se descobrir a imagem que pretendo lhe dar de minha fala . Dito isso, a distinção das duas noções não impede que haja um ponto comum ao pressuposto e ao subentendido (é esse ponto comum que tento ressaltar, na "teoria antiga", construindo dois modos de implícito). Deve-se à possibilidade dada ao locutor, nos dois casos, de se retirar, por assim dizer, da fala. Na pressuposição, essa retirada se deve ao fato de que a informação pressuposta é colocada à mar- gem do discurso. O locutor não pode ser atacado por isso, já que o diálogo posterior não deve referir-se a ela (quando falo do diálogo posterior, falo daquele que é projetado pelo enunciado que contém o pressuposto, isto é, do diálogo "ideal", oferecido por si mesmo, e não, evidentemente, do diálogo que o continua efetivamente na realidade). Ora, chega-se a um resultado análogo, por um caminho total- mente diferente, mediante o subentendido. Disse que o subentendido é construído como resposta à pergunta "Por que ele falou desse mo- do?" . Em outras palavras, o locutor apresenta sua fala como um enig- ma que o destinatário deve resolver. O sentido, que é sempre, para mim, um retrato da enunciação, é então um retrato cuja responsa- bilidade o locutor deixa ao destinatário, processo quase explícito na expressão "Eu não o obrigo a dizer" (o locutor parece aceitar, sem lhes dar origem, os subentendidos decifrados pelo destinatário). Per- guntar-me-ão como é possível aceitar a interpretação do outro, a ima- gem que ele constrói do ato de enunciação, sem assumir a sua res- ponsabilidade - o que é necessário para que se possa falar de sen- tido subentendido. Tudo o que posso dizer é que a linguagem ofe- rece exemplos
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