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1 Profa. Aline Araújo Passos Direito Ambiental Direito Processual Ambiental 2 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Henrique Duque de Miranda Chaves Filho Reitor PÓS GRADUAÇÃO EM GESTÃO DO MEIO AMBIENTE: Educação, Direito e Análise Ambiental Vicente Paulo dos Santos Pinto Coordenador geral Cézar Henrique Barra Rocha Coordenador Adjunto CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Déa Lúcia Campos Pernambuco Diretora Geral José Aravena Reyes Coordenador Geral Mauricio L. Aguilar Molina Coordenador Acadêmico Raquel von Randow Portes Chefe da Produção de Material Didático Mayanna Martins Santos Gestora de Produção Márcio Emilio dos Santos Designer Instrucional Ken Yamakoshi Designer Gráfico Rodrigo Lobão Liliane da Rocha Roteiro e Cinegrafia Livia Carolina Gouvêa de Faria Programação Paula Martins Costa Iolanda Cristina dos Santos Revisão textual Rogério Terra Junior Ilustração Raphaela Benetello Marques Bolsista de Treinamento Profissional 4 Gestão do Meio Ambiente: Educação, Direito e Análise Ambiental Coordenador Geral Prof. Dr. Vicente Paulo dos Santos Pinto Coordenador – Análise Ambiental Prof. Dr. Cézar Henrique Barra Rocha Coordenador – Direito Ambiental Prof. Dr. Frederico Augusto D’Ávila Riani 5 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DO CURSO 7 APRESENTAÇÃO DA PROFESSORA 8 PARTE I - ASPECTOS GERAIS DA TUTELA AMBIENTAL COLETIVA 9 1. Direito Ambiental: conceitos gerais 9 2. Bens ambientais na Constituição Federal de 1988 11 3. Os direitos metaindividuais 13 4. Jurisdição civil coletiva: aspectos gerais do processo coletivo 19 4.1. Considerações introdutórias sobre a importância do processo coletivo 19 4.2. Legitimidade de partes 22 4.3. Desistência e abandono da ação coletiva 31 4.4. Competência 32 4.5. Elementos da ação e litispendência 35 4.6. Elementos da ação: análise da conexão e continência 39 4.7. A prova no processo coletivo 41 4.8. Coisa julgada nas ações coletivas 45 4.9. Liquidação de sentença prolatada em processo coletivo 52 4.10. Execução de sentença em processo coletivo 56 PARTE II - AÇÕES CONSTITUCIONAIS PARA A DEFESA DO MEIO AMBIENTE 62 2.1 Noções introdutórias 62 2.2 Ação civil pública ambiental 63 2.3 Ação popular ambiental 70 2.4 Mandado de segurança coletivo ambiental 80 BIBLIOGRAFIA 93 6 7 APRESENTAÇÃO DO CURSO A disciplina, “Direito Processual Ambiental a Distância”, proposta para o Curso de Especialização em Gestão Ambiental, promovido pelo Núcleo de Ensino a Distância da Universidade Federal de Juiz de Fora, pretende apresentar aos alunos os caminhos para a proteção jurisdicional coletiva do meio ambiente, bem de extrema relevância para a sobrevivência das espécies, tutelado constitucionalmente. Para isso, precisaremos enfrentar os elementos da teoria geral do processo coletivo, estatuídos no microssistema processual coletivo integrado, notadamente, pela Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), pela Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e pela Constituição Federal de 1988. A partir da análise dos elementos e institutos básicos do processo coletivo que poderemos perceber a grandeza deste como instrumento garantidor do acesso à justiça e como verdadeira alternativa, em certos casos, para driblar a crise que assola o Judiciário, em razão do volume dos processos individuais em tramitação. Mostra-se, assim, de indiscutível importância que o operador do direito conheça as possibilidades do processo coletivo, especialmente em se tratando da proteção do meio ambiente, para que possa, com consciência e eficiência, lutar pela preservação das espécies e garantir a proteção de inúmeros direitos fundamentais. O conhecimento do processo coletivo com todas as possibilidades que ele oferece nos coloca em condições de buscar, por meio da intervenção do Poder Judiciário, a concessão de provimentos que venham a atingir um número considerável ou indeterminado de pessoas, o que demonstra o seu inegável apelo social. Pretendemos, assim, oferecer, aos nossos alunos e alunas, as ferramentas capazes de guiar a todos pelos novos caminhos do processo coletivo que permitam, enfim, a proteção jurisdicional adequada do meio ambiente ecologicamente equilibrado. 8 Apresentação da professora Aline Araújo Passos graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em janeiro de 1993. É Mestre em Direito das Relações Sociais - subárea de concentração Direito Processual Civil - pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), desde abril de 1997, e Doutora em Direito das Relações Sociais - subárea de concentração Direito Processual Civil - pela mesma instituição, desde novembro de 2005. Professora da Faculdade de Direito da UFJF (Adjunta I), desde 2000, onde leciona as disciplinas de “Direito Processual Civil” e “Direito Processual Constitucional” para o curso de graduação. É coordenadora do curso de graduação em Direito (Diurno) da Faculdade de Direito da UFJF, desde julho de 2010. Também coordena o curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual, desde fevereiro de 2010, promovido pela Faculdade de Direito da mesma universidade, do qual também é professora de “Direito Processual Civil e Coletivo”. Foi professora de “Direito Processual Civil” da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior, entre agosto de 1997 e janeiro de 2009. Nesta instituição, atuou como Coordenadora do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Direito, no período de fevereiro de 1999 a abril de 2001, assim também como professora auxiliar de seu Núcleo de Prática Jurídica, entre junho de 1997 e dezembro de 2000. Foi, ainda, professora assistente de “Direito Processual Civil e Direito Civil” da Universidade Federal de Viçosa (UFV), no período de setembro de 1996 a julho de 1997. Tem participado de bancas examinadoras de concursos públicos para a seleção de professores em Juiz de Fora e região, desde o ano 2000. É advogada autônoma na cidade de Juiz de Fora, desde março de 1996. 9 PARTE I ASPECTOS GERAIS DA TUTELA AMBIENTAL COLETIVA 1. Direito Ambiental: conceitos gerais O Direito Ambiental, tratado como ramo autônomo do Direito, é considerado uma disciplina recente, a despeito de os bens ambientais, há muito, serem objeto de proteção normativa. Observa-se que, no Brasil, o meio ambiente tinha uma proteção secundária, uma vez que as primeiras normas se voltavam à proteção dos bens em favor do ser humano – centro do universo, em absoluta relação de subserviência (antropocentrismo)1 . Esse período, que se volta à proteção dos bensambientais em função apenas de sua reconhecida importância econômica, se estende desde o descobrimento até a segunda metade do século XX. Em um segundo momento, ainda marcado pelo antropocentrismo e por uma ideologia egoística, a tutela do meio ambiente era buscada também para garantir alguma vantagem para o ser humano. Todavia, a legislação ambiental se voltou preponderantemente para a tutela da saúde do ser humano, embora ainda se percebesse a permanência do aspecto econômico-utilitário da proteção do bem ambiental. Nesse período, compreendido entre 1950 a 1980, merecem destaque os seguintes atos normativos: Lei nº 5.197/67 – Código de Caça; Lei nº 4.771/65 – Código Florestal; Decreto-lei nº 227/67 - Código de Mineração; Lei nº 6.453/77 – lei de responsabilidade civil por danos nucleares etc. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, segundo Marcelo Abelha Rodrigues, marca o início de uma terceira fase (biocentrismo) 2, de uma nova forma de se enxergar o meio ambiente, 1 O antropocentrismo, que tem origem nos filósofos gregos, considera o homem o centro do universo, de todas as relações, de maneira que o mais importante é assegurar o seu bem-estar, permitindo-lhe apropriar-se dos bens ambientais, considerados, nessa perspectiva, instrumentais para a sua satisfação. 2 No biocentrismo, o homem é considerado parte integrante da natureza e, como qualquer ser vivo, deve manter com os demais uma relação de interdependência, de simbiose, sem se colocar acima dos outros seres vivos. 10 primeiro, porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, de tutela autônoma (art. 3º, I). O conceito de meio ambiente adotado pelo legislador extirpa a noção antropocêntrica, deslocando para o eixo central de proteção do ambiente todas as formas de vida. Adota, pois, inegável concepção biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se todas as formas de vida.3 Nesse sentido, prevê o ato normativo em foco que o meio ambiente4 é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I). O conceito em tela é extremamente amplo, abrangendo os elementos bióticos (seres vivos) e abióticos (não vivos) que permitem, como foi destacado, a vida em todas as suas formas. Para o mencionado autor, só se poderia falar realmente em direito ambiental a partir do advento dessa lei. A Constituição Federal de 1988 recepcionou o dispositivo supra e disciplinou o meio ambiente em capítulo próprio (Título VIII, capítulo VI), conferindo-lhe tratamento amplo através de conteúdos normativos avançados. Estabelece o art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Importante destacar que, do texto constitucional, se infere que é “o meio ambiente um bem jurídico autônomo, de titularidade difusa, que não pertence ao domínio público ou privado. O Estado é somente um gestor do meio ambiente”5 . 3 Processo civil ambiental. São Paulo: RT, 2008, p. 20. 4 O meio ambiente está relacionado a tudo aquilo que circunda os seres vivos, tendo o legislador optado por uma definição ampla, fundada em conceito jurídico indeterminado. 5 OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e coletivos: direito ambiental. Elementos do Direito, v. 15, São Paulo: RT, 2009, p. 27. 11 Há autores, como Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira, que sustentam, a partir da leitura dos documentos internacionais e da Constituição Federal, ser estes antropocêntricos, porém não na concepção tradicional, inserindo-se no que se denomina de “antropocentrismo alargado”. Isso significa analisar o fenômeno a partir de uma visão que conjuga a interação da espécie humana com os demais seres vivos, sem uma relação de superioridade, como no antropocentrismo clássico, e estabelece uma relação ética com os demais seres vivos, vez que somente com a proteção dos animais e das plantas é possível legar às gerações futuras um meio ambiente ecologicamente equilibrado 6. 2. Bens ambientais na Constituição Federal de 1988 De acordo com as lições de Paulo Affonso Leme Machado, poder-se-ia apontar como bens ambientais: 1) águas (art. 20, III, CF); 2) cavidades naturais subterrâneas (art. 20, X, CF); 3) energia (art. 22, CF); 4) espaços territoriais protegidos e seus componentes (art. 225, §1º, CF); 5) espaços relacionados com a proteção ambiental (art. 91, §1º, CF); 6) fauna (arts. 23, VII e 24, IV, CF); 7) flora (art. 23, VII, CF); 8) florestas (art. 23, VII, CF); 9) ilhas (art. 20, IV, CF); 10) mar territorial (art. 20, VI, CF); 11) praias fluviais (art. 20, III, CF); 12) praias marítimas (art. 20, IV, CF); 13) recursos naturais da plataforma continental (art. 20, V, CF); 14) recursos naturais da zona econômica exclusiva (art. 20, V, CF); 15) sítios arqueológicos e pré-históricos (art. 20, X, CF); 16) terrenos de marinha e seus acrescidos (art. 20, VII, CF) e 17) terrenos marginais (art. 20, III, CF)7 . A doutrina pátria, de um modo geral, ao tratar do tema em foco, costuma proceder à classificação do meio ambiente, nela enquadrando os bens acima referidos e outros a seguir expostos. Há, assim, o meio ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho. 6 Ob. cit., p. 17. 7 Direito ambiental brasileiro. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p. 48-61. 12 Segundo Celso Pacheco Fiorillo, o meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. (...) O meio ambiente artificial, por sua vez, é compreendido pelo espaço urbano, construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Este aspecto do meio ambiente está diretamente relacionado ao conceito de cidade. Para o mesmo autor, o meio ambiente cultural vem previsto no art. 216 da Constituição Federal e é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico: O bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil. Por fim, o meio ambiente do trabalho, que vem tutelado imediatamente no art. 200, VIII, da Constituição Federal, constitui: o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)8 . A proteção ao meio ambiente do trabalho, acima de tudo, se volta à proteção da saúde e à segurança do trabalhador onde desenvolve suas atividades. 8 Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 19-22. 13 3. Os direitos metaindividuais Os direitos metaindividuais são considerados direitos coletivos lato sensu, também denominados transindividuais, uma vez que ultrapassam os limites da esfera jurídica individual e abrangem, uma veztutelados, um número indeterminado ou considerável de pessoas. Pode-se afirmar que a evolução e o reconhecimento dos direitos metaindividuais coincidem com o aparecimento da sociedade de massa e, por conseguinte, com o surgimento dos conflitos de massa nesta sociedade. Tal fenômeno é percebido, notadamente, após o advento da Revolução Industrial ocorrido na Inglaterra, no século XVIII9. A partir daí, intensificaram-se os problemas que passaram a atingir um número indeterminado ou considerável de pessoas. Segundo Gregório Assagra de Almeida (2003), a preocupação com a tutela dos direitos de massa, porém vem realmente surgir com o movimento mundial para o acesso à justiça, a partir das décadas de 60 e 70, do século passado, naquilo que Mauro Cappelletti e Bryant Garth denominam segunda onda renovatória do acesso, que foi pautada pela representação dos interesses difusos 10. Nos dias de hoje, constata-se a existência de problemas de natureza consumerista, ambiental, relacionados à saúde, à educação, dentre outros, que atingem, muitas vezes, igualmente e ao mesmo tempo, parte considerável da sociedade de forma a reclamar a intervenção do Estado, em especial, através do Judiciário. Para a proteção desses novos direitos coletivos que surgem, revelam-se indispensáveis os instrumentos de proteção coletiva a serem enfrentados na segunda parte do estudo. É importante destacar que, especialmente, a partir do advento 9 Trata-se de um marco social na intensificação dos conflitos de massa, porém a origem do processo coletivo tem sido considerada mais remota, fazendo-se referência às ações populares do Direito Romano. 10 Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 42. 14 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, passou-se a fazer referência expressa no ordenamento jurídico à existência de três espécies de direitos metaindividuais, os quais vêm identificados no art. 81 do aludido diploma, da seguinte forma: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; I – Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Pelo que se infere da conceituação supra, o legislador utilizou- se de três elementos para identificar os direitos metaindividuais, quais sejam: (i) os sujeitos a serem beneficiados pela concessão da tutela jurisdicional; (ii) a relação havida entre eles ou com a parte contrária, no caso dos coletivos stricto sensu, além da (iii) análise do bem a ser tutelado, para se aferir se o mesmo seria divisível ou não. Segundo o Prof. José Carlos Barbosa Moreira11 , os direitos difusos e coletivos stricto sensu seriam essencialmente coletivos, enquanto os individuais homogêneos seriam acidentalmente coletivos. Tal assertiva decorre, notadamente, da análise do bem a ser objeto de proteção no processo coletivo, já que na primeira classificação mostra-se de fundamental relevância a indivisibilidade do bem. 11 “Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos”. Temas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1984, 3ª série, p. 195-197. 15 Assim, a proteção aos direitos difusos é capaz de atingir um número indeterminado de pessoas, ligadas, entre si, por circunstâncias fáticas comuns. Levando em conta a indivisibilidade do bem, pode- se afirmar que referida tutela atingiria igualmente a todos que dela se beneficiariam. Pode-se, inicialmente, analisar alguns exemplos que permitirão uma melhor compreensão da matéria. Quando ocorre divulgação de propaganda enganosa acerca de determinado produto, é possível que um número indeterminado de pessoas possa vir a ser beneficiado, através do julgamento procedente de pedido em ação coletiva, da qual se pretenda impedir a publicidade indevida (rádio, televisão, internet etc.). Da mesma forma, a propositura de ação coletiva para defesa/ conservação do patrimônio cultural e histórico, como, por exemplo, o museu aberto de Congonhas/MG, que reúne obras do Aleijadinho ou no Pelourinho, em Salvador/BA, permitirá a proteção de direito difuso, cuja tutela beneficiará um número indeterminado de pessoas. Já os direitos coletivos stricto sensu seriam aqueles cujos beneficiários são passíveis de determinação, já que ligados entre si ou com a parte contrária no processo, por uma relação jurídica base, que, ressalta-se, normalmente é anterior ao próprio surgimento do conflito. Além disso, também aqui se verifica a indivisibilidade do bem a ser protegido a partir de um provimento capaz de atingir igualmente os interessados. Destaca José Marcelo Menezes Vigliar12 que, em determinado momento, foi proposta ação civil pública com o objetivo de uniformizar a forma de realização de revista feita pelas indústrias têxteis em seus empregados, ao final de suas jornadas, quando se retiravam de seu estabelecimento industrial. Embora já tivesse sido reconhecido em juízo que a referida revista não afetava nenhuma garantia constitucional dos trabalhadores, o pedido deduzido na ação civil pública foi acolhido, determinando que a autorizada revista fosse feita com observância a um mínimo de critério, ou seja, em local reservado, com pessoas do mesmo sexo promovendo a revista, com a presença de uma testemunha dos empregados e outra do empregador etc. Chama atenção para o fato de 12 Ações coletivas para concursos públicos. 2 ed. Salvador: Podivm, 2009, p. 35. 16 que tal decisão favorece apenas aqueles que pertencem ao mesmo grupo, categoria ou classe de pessoas, in casu, todos os funcionários das indústrias têxteis. Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são individuais, de que são titulares pessoas indeterminadas, ligadas entre si por circunstâncias fáticas comuns. As afinidades ou semelhanças que podem surgir em diversos lugares ou momentos permitem que os mesmos possam ser tutelados coletivamente. Na medida em que são, na sua essência, direitos individuais, o bem objeto da proteção mostra-se divisível, diferentemente dos difusos e coletivos que têm em comum a indivisibilidade do bem a ser tutelado em sede de ação coletiva. Cumpre destacar que, quando da prolação do provimento final nesta ação, a tutela se apresenta como única, o que, num primeiro momento, dá a falsa impressão de que atingirá a todos igualmente. Porém, de um modo geral, ter-se-á um provimento genérico que dependerá da iniciativa de cada um dos atingidos para buscar individualmente, em juízo, num segundo momento, a liquidação da decisão, de acordo com as peculiaridades de cada qual, para, em seguida, promover-se a execução e realização dos direitos. Assim, até o momento da liquidação e execução, os direitos individuais homogêneos apresentam-se, em juízo, do mesmo modo que os difusos e os coletivos, como se indivisíveis fossem. A respeito de tais direitos, existe uma polêmica sobre sua natureza, pois há autores que os identificam como direitos individuais a serem tutelados coletivamente e outros que os identificam como direitos coletivos.Prevalece, entre os doutrinadores pátrios, o primeiro entendimento, de maneira a se reconhecer que os direitos em tela são, na sua essência, individuais, mas que, dada a semelhança das circunstâncias de fato ocorridas, ou seja, em razão de sua homogeneidade, podem ser tutelados coletivamente. A respeito deles, destacam-se as lições de Teori Albino Zavascki13: Não se trata, já se viu, de um novo direito material, mas simplesmente de uma nova expressão para classificar certos direitos subjetivos individuais, aqueles mesmos aos quais se refere o CPC no art. 46, ou seja, direitos que 13 Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: RT, 2006, p. 156. 17 ‘derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito’ (inciso II) ou que tenham, entre si, relação de afinidade ‘por um ponto comum de fato ou de direito’ (inciso IV). A homogeneidade não é uma característica individual e intrínseca desses direitos subjetivos, mas sim uma qualidade que decorre da relação de cada um deles com os demais direitos oriundos da mesma causa fática ou jurídica. Em outras palavras, a homogeneidade não altera nem compromete a essência do direito, sob seu aspecto material, que, independentemente dela, continua sendo um direito subjetivo individual. A homogeneidade decorre de uma visão do conjunto desses direitos materiais, identificando pontos de afinidade e de semelhanças entre eles e conferindo-lhes um agregado formal próprio, que permite e recomenda a defesa conjunta de todos eles. Os direitos homogêneos, repita-se o que escreveu Benjamin, “são, por esta via exclusivamente pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da organização ou existência de uma relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas, por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais” (...). Há alguns anos, foi proposta, em São Paulo, ação civil pública por um dos legitimados coletivos, objetivando, dentre outras coisas, a reparação dos danos causados às consumidoras que fizeram uso de “pílulas de farinha” (anticoncepcional sem o princípio ativo) e acabaram engravidando. As vítimas, em lugares diversos e em momentos distintos, consumiram o mesmo produto viciado e ficaram grávidas, cada qual com sua realidade e seus problemas. Desta forma, ao ser acolhido o pedido no âmbito da ação coletiva proposta (também) para a defesa de direitos individuais homogêneos, foi o laboratório condenado a ressarcir as vítimas, que, oportunamente, levando em conta as circunstâncias dos casos concretos, promoveram a liquidação individual da sentença condenatória genérica para demonstrar o nexo de causalidade e os prejuízos sofridos, a fim de, em seguida, promoverem a execução da obrigação de pagar. A propósito, segundo Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, “uma ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos não significa a simples soma das ações individuais. Às avessas, caracteriza- se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente 18 porque a pretensão do legitimado concentra-se no acolhimento de uma tese jurídica geral, referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas. O que é completamente diferente de apresentarem- se inúmeras pretensões singularizadas, especificamente verificadas em relação a cada um dos respectivos titulares do direito” 14. (grifamos) Os direitos metaindividuais são novas categorias criadas para melhor permitir a tutela de direitos coletivos (difusos e coletivos stricto sensu) e a tutela coletiva de direitos (direitos individuais homogêneos – DIH), objetivando garantir com mais eficiência o acesso à ordem jurídica justa. Para Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “são conceitos interativos de direito material e processual, voltados para a instrumentalidade, para a adequação ao direito material da realidade hodierna e, dessa forma, para sua proteção pelo Poder Judiciário”15 . Para os autores, o Código de Defesa do Consumidor teria conceituado os direitos metaindividuais dentro da perspectiva processual, com vistas a ampliar sua efetivação. A atitude mais correta seria, então, promover a fusão entre o direito subjetivo (afirmado) e a tutela pretendida, para identificar na demanda instaurada de qual direito se está a tratar, ou seja, indispensável é o exame acerca da causa de pedir e do pedido. Com isso, sustenta-se que os direitos coletivos lato sensu são direitos a meio do caminho, que possuem um alto grau de interatividade entre o direito processual e o direito material. Quando se pensa na defesa judicial do meio ambiente, em geral, pensa-se numa ação coletiva proposta para defesa de direito difuso, levando em conta os elementos antes descritos. Ocorre que dada a abrangência do conceito e da classificação de meio ambiente, não é possível defini-lo previamente como um direito difuso, pois é preciso verificar, a partir da hipótese enfrentada, ou seja, do direito invocado e da tutela reclamada, de qual direito metaindividual estamos a tratar. 14 Ações coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 114. 15 Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, volume 4. Salvador: Edições Podivm, 2007, p. 81. 19 4. Jurisdição civil coletiva: aspectos gerais do processo coletivo 4.1. Considerações introdutórias sobre a importância do processo coletivo No estudo do acesso à justiça, o processo coletivo há muito vem ganhando especial destaque, tendo sido apontada a implementação da tutela dos direitos difusos como a segunda onda renovatória do acesso à justiça, na clássica obra Acesso à Justiça de Mauro Cappelletti e Brian Garth. Prestigia-se esta alternativa por, sem dúvida, representar um caminho mais eficiente para resolução de questões de grande alcance social, econômico, político, etc. Através do processo coletivo, possibilita- se a concessão de um único provimento que venha a repercutir favoravelmente na esfera jurídica de muitas pessoas, sejam elas indeterminadas ou determináveis. Com isso, ter-se-á a possibilidade de ver a efetiva realização do princípio do acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, com a concessão de uma decisão, pelo menos do ponto de vista processual, mais célere e, portanto, capaz de melhor atender aos fins a que se destina o processo, ou seja, de ser útil e efetivo do ponto de vista do direito material. Aqui no Brasil, pode-se afirmar que a primeira ação coletiva a ganhar destaque foi a ação popular, prevista inicialmente na Constituição de 1934 e regulamentada em 1965, com o advento da Lei 4.717. Como se sabe, nesta época, vivíamos um momento extremamente delicado do ponto de vista político e de absoluto desrespeito aos direitos fundamentais, portanto, não havia qualquer possibilidade de o cidadão se insurgir livremente contra os atos do poder público, sem correr sérios riscos de sofrer represálias. Dessa forma, há uma longa lacuna desde o advento da referida lei até que o processo coletivo fosse incorporado realmente à jurisdição contemporânea, como forma de atuação desta na defesa dos direitos fundamentais. E isto ocorre nos anos 80, notadamente, com a Lei da 20 Ação Civil Pública – Lei 7.347 –, em 198516 . É preciso destacar que, também nos anos 80, antes da publicação desta lei, outra a precedeu, também de fundamental importância para o sistema de proteção coletiva, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente– Lei 6.938/1981. Foi com o advento desta lei que passou o Ministério Público a ter legitimidade para ajuizar ação civil de reparação de danos causados ao meio ambiente. Ainda nesse período, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, nossa carta cidadã, que se revela extremamente generosa na ampliação dos direitos fundamentais, consagrando, em especial, os instrumentos de proteção aos direitos metaindividuais. Através da Constituição, foram criados novos mecanismos como o mandado de segurança coletivo (art. 5º, inciso LXX) e o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXII), que também pode ser coletivo, além de ter sido a ação civil pública e o inquérito civil alçados a nível constitucional (art. 129, inciso III, da CF). Cerca de dois anos depois, foi publicada a Lei 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, diploma extremamente rico na previsão de regras pertinentes ao processo coletivo, em especial as que constam do título III de tal ato normativo. Ainda hoje não temos um Código de Processo Coletivo, ou 16 Segundo destaca Marcelo Abelha Rodrigues, “a lei de ação civil pública é de autoria mista. Trata-se da mescla de dois projetos de lei que tramitavam sob diversa numeração. Um deles, o original (Projeto Bierrembach) é de autoria de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Waldemar Mariz de Oliveira, e tinha por objetivo criar uma lei processual para a defesa do direito ao meio ambiente, tendo por base a ação de responsabilidade mencionada no art. 14, § 1º da Lei 6.938/81. O outro projeto, que, embora tenha surgido depois, alcançou primeiramente o status de lei, é de autoria do Ministério Público de São Paulo (Nelson Nery Júnior, Edis Milaré e Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz). Neste projeto, que aproveitou as bases do anterior, houve sensível ampliação da legitimidade ativa; do objeto de proteção que não mais se limitaria à proteção do meio ambiente; da competência local do dano; do inquérito civil; a tipificação da conduta lesiva ao meio ambiente como crime etc. O remédio, embora não seja pioneiro na defesa dos interesses difusos, é, sem dúvida, o mais completo. Tem inspiração nas ações de classe norte-americana. Na verdade, trata-se de uma lei processual coletiva, que acompanhava o fenômeno de massificação da sociedade, especialmente voltada para a tutela processual dos conflitos de massa (supra-individuais) que não eram satisfatoriamente resolvidos pelo sistema exclusivista e individualista do CPC, bem como pelo tímido aparato da ação popular”. (Ação Civil Pública, 2ª edição. Rio de Janeiro: 2004, p. 17, nota de número 10) 21 uma lei que estabeleça regras gerais para o mesmo, porém reconhece a doutrina pátria que existe no nosso ordenamento jurídico um microssistema processual coletivo integrado basicamente pela LACP (Lei 7.347/85), a Constituição Federal de 1988 (sempre) e o CDC (Lei 8.078/90, notadamente, título III). Juntos, permitem a compreensão dos princípios e das regras que regem os institutos processuais coletivos. Evidentemente, existem muitos outros atos normativos de capital importância para os processos coletivos, mas que serão aplicados em casos particulares, como normas especiais somadas àquelas tidas por gerais. Assim ocorre em relação à lei de ação popular, lei de improbidade administrativa, ao estatuto da criança e do adolescente, ao estatuto do idoso, etc. Destaca Marcelo Abelha Rodrigues que: “tratando-se de tutela jurisdicional do meio ambiente, o conjunto de técnicas processuais (provimentos, processos e procedimentos) oferecidas pelo legislador como sendo aptas para debelar as crises ambientais – como também as crises envolvendo interesses difusos tout court – encontra-se, precipuamente, sedimentado no que se convencionou chamar de “jurisdição civil coletiva” ou microssistema processual coletivo ou ainda sistema processual coletivo. Trata-se, na verdade, de um conjunto de regras e princípios de direito processual coletivo, ou seja, técnicas processuais que foram criadas para serem usadas para debelar as crises de interesses coletivos (lato sensu), dentre as quais situa-se a tutela do equilíbrio ecológico” 17. Depois de alguns anteprojetos elaborados para a possível criação de um Código de Processo Coletivo, por diversos estudiosos no âmbito dos cursos de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) e das Universidades do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Estácio de Sá (UNESA), veio a ser criado um Anteprojeto, com inspiração nestes primeiros, pela Comissão Especial nomeada pelo Ministro da Justiça, através da Portaria 2.481, no ano de 2008. Este anteprojeto gerou o Projeto de Lei nº 5139, que daria novos contornos à disciplina dos processos coletivos e provocaria a revogação da Lei 7.347/85 e parte das regras constantes da Lei 8.078/90 (arts. 81 a 84, 87, 90 a 95, 97 a 100, 103 e 104), além de tantos outros atos normativos. 17 Processo civil ambiental. São Paulo: RT, 2008, p. 65. 22 Vale salientar que, em março de 2010, foi inesperadamente rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sob o incompreensível argumento de que a sociedade não teria participado de sua elaboração. Embora ainda haja recurso pendente contra tal rejeição, a comunidade jurídica crê que tal projeto, por ora, encontra-se praticamente sepultado. Por fim, é importante ressaltar, especialmente a partir das lições de Gregório Assagra de Almeida, que o Direito Processual Coletivo (no qual se insere a análise da tutela jurisdicional do meio ambiente) vem se apresentando como ramo autônomo do direito, “que possui natureza de direito processual-constitucional-social, cujo conjunto de normas e princípios a ele pertinente visa disciplinar a ação coletiva, o processo coletivo, a jurisdição coletiva, a defesa no processo coletivo e a coisa julgada coletiva, de forma a tutelar, no plano abstrato, a congruência do ordenamento jurídico em relação à Constituição e, no plano concreto, pretensões coletivas em sentido lato, decorrentes dos conflitos coletivos ocorridos no dia-a-dia da conflituosidade social” 18. 4.2. Legitimidade de partes O conceito de partes, geralmente, é construído a partir de critérios processuais, considerando-se autor aquele que figura no pólo ativo da relação jurídica processual e réu o que figura no pólo passivo desta. No âmbito da jurisdição contenciosa, trabalha-se, normalmente, com uma relação jurídica processual triangular composta por autor, juiz e réu, figurando o segundo no vértice superior da referida relação, por estar entre as partes e representando, na qualidade de agente estatal, o Estado. A legitimidade de partes ou legitimidade ad causam é considerada uma das condições da ação, ao lado do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido, segundo concepção original de Enrico Tullio Liebman adotada no Brasil. Inspirados nesta teoria, considera- se o direito de ação abstrato, uma vez que notoriamente independe da existência do direito material afirmado em juízo, porém vinculado a certas condições para que se possa exigir legitimamente o provimento 18 Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 22. 23 jurisdicional19 . As condições da ação, nesse sentido, são verdadeiros elos de ligação entre o direito material e o direito processual, já que o seu exame requer a investigação, ainda que superficial, de questões ligadas ao direito material reclamado. Para se aferir, por exemplo, a legitimidade é preciso analisar os fatos e fundamentos jurídicos constantes da inicial (causa de pedir), assim como o pedido,além dos documentos que a instruem, para se saber se, de alguma forma, a ligação das partes surgiu anteriormente à instauração do processo e justifica a formação da relação jurídica processual, pois legitimado ativo, em princípio, é o que se diz titular do direito subjetivo material afirmado na inicial a reclamar proteção, e o legitimado passivo, o titular da obrigação correspondente. A legitimidade só pode ser aferida na análise do caso concreto, possuindo nitidamente caráter relacional. No processo civil, regulado pelo Código de Processo Civil, de índole individualista, impera a legitimidade ordinária, de modo que o autor, em geral, é aquele que vai a juízo em nome próprio, defendendo direito próprio, e o réu, da mesma forma, é aquele citado no processo para, em nome próprio, defender seus supostos direitos. Excepcionalmente, o Código de Processo Civil prevê, em seu art. 6º, a atuação do legitimado extraordinário, permitindo que alguém, autorizado por lei, vá a juízo em nome próprio para defender direitos alheios. É o que acontece, por exemplo, quando o Ministério Público propõe ação de investigação de paternidade, em favor de menor, nos termos do art. 2º, § 4, da Lei 8.560/1992; o autor é o Ministério Público, que atua como legitimado extraordinário, em defesa dos direitos do menor, ora substituído. No âmbito do processo coletivo, verifica-se que os legitimados para a defesa dos direitos metaindividuais estão previstos em lei. Á luz do microssistema processual coletivo, em especial das regras do art. 5º da Lei 7.347/85 e do art. 82 da Lei 8.078/90, que dispõem sobre legitimidade, o rol de legitimados é relativamente extenso, senão vejamos. 19 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo, 15ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 251 a 258. 24 Art. 5º. Tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente, a) esteja constituída há pelos menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público; II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código; IV – as associações legalmente constituídas há pelos menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear. § 1º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas no art. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Em razão da reciprocidade dos dois diplomas legais, qualquer dos legitimados acima elencados poderá, em tese, propor ação coletiva. Há certas ações coletivas, porém, que possuem regras próprias sobre legitimidade e não se guiarão pelas regras gerais ora expostas, como 25 ocorre com a ação popular, cujo autor é exclusivamente o cidadão (art. 5º, inciso LXXIII, da CF), e o mandado de segurança coletivo, que apresenta um rol mais limitado (art. 5º, inciso LXX, da CF). A doutrina pátria tem sustentado que a legitimidade ativa, nos processos coletivos, é exclusiva, concorrente e disjuntiva, o que significa dizer que (i) estão legitimados a agir apenas aqueles autorizados pelo legislador, os quais, em tese, (ii) estão igualmente autorizados a fazê- lo, (iii) sem que seja necessária a concordância do outro para propor a respectiva ação. Para explicar a natureza da legitimação, foram utilizadas três teses distintas. A primeira busca explicar a natureza da legitimação como sendo ordinária, a segunda sustenta ser a mesma extraordinária e a terceira, de maneira alternativa, propõe a superação da dicotomia legitimidade ordinária x extraordinária, própria do processo civil individualista, buscando compreender tal fenômeno com base na teoria da legitimação autônoma para a condução do processo. Para uma minoria, que abraça a tese da legitimação ordinária, como Kazuo Watanabe 20, o ente coletivo, quando atua no processo coletivo, pretende notadamente defender direitos próprios, inerentes á própria instituição, segundo seus fins estatutários ou legais. A maior parte da doutrina e jurisprudência pátrias, na esteira de José Carlos Barbosa Moreira 21, defende que a legitimação é extraordinária, pois os entes coletivos atuam em juízo em nome próprio na defesa de direitos alheios. O que de fato marca a atuação dos legitimados é a busca do provimento favorável que venha a beneficiar um número indeterminado ou considerável de pessoas, ou seja, o que se destaca na atuação dos legitimados autorizados por lei é o propósito de garantir a proteção de direitos alheios e não simplesmente a realização de seus fins institucionais. Esta teoria, de qualquer modo, é pacificamente aceita quando se trata de ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, 20 “Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir” in A tutela dos interesses difusos. Ada Pellegrini Grinover (coord.). São Paulo: Max Limonad, 1984, p. 90 e ss.. 21 “A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos” in Temas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 111. 26 pois, neste caso, concordam os autores que os legitimados agem em juízo, em nome próprio, na defesa dos direitos individuais divisíveis, que abrangem diversas pessoas ligadas entre si por circunstâncias fáticas comuns. A terceira tese, sustentada notadamente por Nelson Nery Júnior22, propugna a adoção de um caminho novo e o abandono da dicotomia legitimidade ordinária x extraordinária, própria do processo civil individualista. Para os autores, in casu, a legitimação é autônoma para a condução do processo, o que significa dizer que os legitimados estão autorizados, por lei, a propor ação coletiva e que tal autorização é suficiente para justificar o exercício do direito de ação, independente da análise da titularidade do direito material, o que, em certos casos, aliás, não seria possível dada a inexistência desses titulares, como ocorre com os direitos difusos. Esta teoria é criticada entre nós pelo fato de desvincular a análise da legitimidade dos aspectos do direito subjetivo material na sua construção. Como a legitimidade é condição da ação e, por conseguinte, um elo de ligação entre o direito material e o direito processual, é preciso averiguar, no caso concreto, se o legitimado, que atua no processo, pode em juízo defender os direitos metaindividuais reclamados. Em suma, o nosso sistema não é exclusivamente ope legis, pois não basta para se propor ação coletiva autorização legal, é preciso, outrossim, ser um representante adequado para defender tais direitos, o que é indiscutivelmente demonstrado pelas decisões que integram a jurisprudência nacional. Ao contrário do que defendem os autores da terceirateoria, ora comentada, a experiência tem demonstrado que, na análise do caso concreto, os juízes não consideram suficiente a atuação judicial em razão de mera autorização legal, exigindo, em qualquer caso, que o legitimado coletivo seja alguém cuja razão de existir, cujos fins institucionais e legais demonstram tratar-se de um representante adequado, dada a compatibilidade de sua atuação com a defesa dos direitos metaindividuais. Esta realidade é facilmente depreendida da previsão legal acerca das associações civis, pelo disposto nos arts. 5º, inciso V, da Lei 7.347/85 e 22 Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 7ª edição. São Paulo: RT, 2003, p. 1.885. 27 82, inciso IV, do CDC. Aqui no Brasil, a representação adequada tem sido aferida a partir da análise da pertinência temática, que exige a afinidade entre os propósitos da atuação do legitimado, a partir de suas finalidades institucionais e/ou legais, e os direitos que se pretende tutelar em juízo. Nesse sentido, pode-se dizer que o Ibama, autarquia federal, é um legitimado coletivo que pode atuar, em juízo, como representante adequado dos direitos metaindividuais decorrentes da defesa do meio ambiente, o qual, provavelmente, não seria assim considerado em relação à defesa de direitos dos consumidores, dos segurados da Previdência Social, dos deficientes físicos, dentre outros, por falta de pertinência temática. Pensamos, enfim, que a legitimação dos entes coletivos é extraordinária e deve ser compreendida a partir da conjugação do critério legal (ope legis), que autoriza a propositura da ação, com o exame, in concreto, pelo juiz, da representação adequada, atualmente aferida pela análise da pertinência temática (ope judicis). Na hipótese de ser o ente coletivo considerado parte ilegítima para figurar no pólo ativo da relação processual, e isto provavelmente ocorrerá em razão da falta de representação adequada para o caso, tem defendido a doutrina pátria que, ao invés de simplesmente julgar o autor carecedor de ação, por falta de legitimidade (condição da ação) e extinguir o processo, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC, deverá o magistrado promover a intimação do Ministério Público (quando não figurar como autor) e de outros legitimados coletivos para, querendo, darem prosseguimento ao feito. Com isso, permitir-se-á a ampla defesa dos direitos metaindividuais, aproveitando-se o processo já instaurado. Em resumo, o controle da ilegitimidade de partes no processo coletivo não deverá gerar os mesmos efeitos do processo individual23 . 23 Vale destacar que o mencionado Projeto de Lei 5139 possui regra expressa nesse sentido. Prevê o art. 9º que “não haverá extinção do processo coletivo, por ausência das condições da ação ou pressupostos processuais, sem que seja dada oportunidade de correção do vício em qualquer tempo ou grau de jurisdição ordinária ou extraordinária, inclusive com a substituição do autor 28 Quanto ao legitimado passivo, é preciso inicialmente considerar que qualquer um - pessoa física, jurídica, ente formal - pode figurar no pólo passivo da relação jurídica processual, não havendo regra geral que discipline esta questão. Ademais, em matéria ambiental, a partir do entendimento de que a responsabilidade ambiental é solidária, têm entendido os tribunais pátrios que, em caso de serem vários os responsáveis pela ação ou omissão lesiva, será facultativa a formação do litisconsórcio, salvo na hipótese de ação popular, na qual a formação deste se mostra obrigatória24. A inserção do Poder Público no pólo passivo da lide, em qualquer caso, pode se dar em decorrência da omissão no exercício de sua função fiscalizadora estabelecida em lei 25. coletivo, quando serão intimados pessoalmente o Ministério Público e, quando for o caso, a Defensoria Pública, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social, podendo qualquer legitimado adotar as providências cabíveis, em prazo razoável, a ser fixado pelo juiz”. 24 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EDIFICAÇÃO DE CASA DE VERANEIO. AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. 1. A ação civil pública ou coletiva por danos ambientais pode ser proposta contra poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º, IV, da Lei 6.898⁄91), co-obrigados solidariamente à indenização, mediante a formação litisconsórcio facultativo, por isso que a sua ausência não tem o condão de acarretar a nulidade do processo. Precedentes da Corte: REsp 604.725⁄PR, DJ 22.08.2005; Resp 21.376⁄SP, DJ 15.04.1996 e REsp 37.354⁄SP, DJ 18.09.1995. 2. Recurso especial provido para determinar que o Tribunal local proceda ao exame de mérito do recurso de apelação. (STJ. REsp. 884150/MT, Rel. Min. Luiz Fux, in DJe de 07/08/2008). 25 PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO 29 É preciso, porém, ainda que em breves linhas, fazer referência à possibilidade de haver ação coletiva passiva ou ação duplamente coletiva. No primeiro caso, seria a ação coletiva passiva, em razão de o legitimado coletivo atuar no pólo passivo da lide, defendendo direitos metaindividuais; no segundo caso, haveria ação duplamente coletiva, pois teríamos tanto no pólo ativo, quanto no passivo, entes coletivos defendendo direitos metaindividuais, como ocorre tradicionalmente com os dissídios coletivos na Justiça do Trabalho. Também aqui a doutrina pátria se divide, pois há doutrinadores que afirmam que o nosso sistema só autoriza a atuação do legitimado coletivo se for no pólo ativo, não sendo possível figurar no pólo passivo na defesa dos direitos metaindividuais 26. FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83⁄STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. 1. Não existe ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de modo claro e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, é cediço nesta Corte que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos listados pelas partes se ofertou a prestação jurisdicional de forma fundamentada. 2. A decisão de primeiro grau, que foi objeto de agravo de instrumento, afastou a preliminar de ilegitimidade passiva porque entendeu que as entidades de direito público (in casu, Município de Juquitiba e Estado de São Paulo) podem ser arrostadas ao pólo passivo de ação civil pública, quando da instituição de loteamentos irregulares em áreas ambientalmente protegidas ou de proteção aos mananciais, seja por ação, quando a Prefeitura expede alvará de autorização do loteamento sem antes obter autorização dos órgãos competentes de proteção ambiental, ou, como na espécie, por omissão na fiscalização e vigilância quanto à implantação dos loteamentos. 3. A conclusão exarada pelo Tribunal a quo alinha-se à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, orientada no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para figurar em ação que pretende a responsabilização por danos causados ao meio ambiente em decorrência de sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Igualmente, coaduna-se com o texto constitucional, que dispõe, em seu art. 23, VI, a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. E, ainda, o art. 225, caput, também da CF, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamenteequilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 4. A competência do Município em matéria ambiental, como em tudo mais, fica limitada às atividades e obras de “interesse local” e cujos impactos na biota sejam também estritamente locais. A autoridade municipal que avoca a si o poder de licenciar, com exclusividade, aquilo que, pelo texto constitucional, é obrigação também do Estado e até da União, atrai contra si a responsabilidade civil, penal, bem como por improbidade administrativa pelos excessos que pratica. 5. Incidência da Súmula 83⁄STJ. 6. Agravo regimental não- provido (STJ. REsp. 973577/SP, Rel. Min. Mauro Campbell, in DJe de 19/12/2008). 26 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e meio ambiente. Rio de 30 Os argumentos normalmente utilizados passam pela ausência de previsão legal, pela dificuldade de identificação do representante adequado para atuar no pólo passivo, uma vez que o legislador não fornece elementos para sua aferição, e pelas dificuldades de aplicação do sistema da coisa julgada previsto no art. 103 do CDC para o caso. Há, porém, quem sustente a possibilidade de o legitimado defender os direitos coletivos lato sensu também no pólo passivo da lide, seja porque a autorização para agir não é vedada em lei, ao contrário, pode ser extraída do sistema, seja porque a aferição da representação adequada deverá ser objeto de controle judicial, na análise do caso concreto, independentemente de o legislador ter estabelecido critérios prévios para sua verificação 27. Ademais, a existência de ações incidentais, como os embargos à execução e a ação declaratória incidental, bem como de ações autônomas de impugnação, como a ação rescisória e o mandado de segurança, revelam a necessidade de o legitimado coletivo figurar no pólo passivo da relação processual, defendendo direitos metaindividuais. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “negar a possibilidade de ação coletiva passiva é fechar os olhos para a realidade: os conflitos de interesses podem envolver particular-particular, particular- grupo e grupo-grupo. Na sociedade de massas, há conflitos de massa e conflitos entre massas”28 . Inadmitir as ações coletivas passivas contraria a realidade e restringe o acesso à justiça, na medida em que se autoriza o legitimado a exercer o direito de ação, mas não o direito de exceção, que se encontra intrinsecamente vinculado ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. 4.3. Desistência e abandono da ação coletiva Janeiro: Forense Universitária, 2004, pp. 70 e 71. DINAMARCO, Pedro. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 269. 27 DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, volume 4. Salvador: Edições Podivm, 2007, pp. 201 a 205. GRINOVER, Ada Pellegrini, “Ações coletivas ibero-americanas: novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2002, nº 361, pp. 7-9. 28 Ob. cit., p. 204. 31 Tanto a desistência quanto o abandono têm sido tratados de forma semelhante pela doutrina pátria, uma vez que verificada qualquer das hipóteses mencionadas deverá ser autorizado o prosseguimento do feito por outro legitimado coletivo, ao invés de simplesmente ser extinto o processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, incisos III e VIII, do CPC. Para que tal prosseguimento seja viabilizado, é preciso promover a intimação do Ministério Público (quando não figurar como autor da ação) ou de outro legitimado para que possam dar seguimento ao feito em curso. Atualmente, o microssistema processual coletivo, no art. 5º, §3º, da Lei 7.347/85, trata do tema em debate, porém apenas o faz em relação à associação civil, afirmando que, “em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa”. Tal regra, contudo, deverá ser estendida a qualquer outro legitimado, com vistas a garantir a preservação do processo coletivo e a efetiva proteção dos direitos metaindividuais que se pretende tutelar29 . 4.4. Competência Prevê o art. 2º da Lei 7.347/85 que a ação civil pública deverá ser proposta no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência 29 O Projeto de Lei 5139 também disciplina esta questão, prevendo no art. 8º que: “ocorrendo desistência infundada, abandono da ação coletiva ou não interposição do recurso de apelação, no caso de sentença de extinção do processo ou de improcedência do pedido, serão intimados pessoalmente o Ministério Público e, quando for o caso, a Defensoria Pública, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social, podendo qualquer legitimado assumir a titularidade, no prazo de quinze dias”. 32 funcional para processar e julgar a causa. O critério utilizado preponderantemente pelo legislador para distribuição interna da competência nestas ações foi o critério territorial, de modo que a ação civil pública deverá ser ajuizada no lugar onde ocorreu ou deva ocorrer a lesão ou ameaça a direito, que servirá de fundamento à ação coletiva em tela. Trata-se, com efeito, de critério territorial, excepcionalmente de competência absoluta, a ser rigorosamente observado, sob pena de nulidade, não podendo, por óbvio, as partes promover voluntariamente a sua modificação. Pecou o legislador ao associar tal critério a outro, o funcional, uma vez que, segundo a melhor doutrina pátria, este não deve ser aferido a partir de fixação originária e sim como critério de competência derivada, como ocorre quando se estabelece a competência dos tribunais para o julgamento de recursos ou de juízos diversos para fases distintas do processo. É claro que a opção do legislador pautou-se por critérios de facilitação do acesso à justiça e garantia da efetividade dos provimentos judiciais. Assevera Marcelo Abelha Rodrigues, em referência ao direito ambiental, que: “No direito ambiental, mais do que a existência de varas especializadas na questão ambiental, que demanda conhecimento jurídico específico do órgão julgador, é preciso que a competência seja fixada de forma que o órgão jurisdicional seja aquele que esteja mais próximo da situação tutelanda, ou seja, é preciso que o juízo e respectivo juiz da causa situem-se em local em que seja possível o maior rendimento do princípio da oralidade, bem como a efetividade das decisões por ele proferidas”30 . Evidentemente que a partir de outros critérios de competência, que levam em conta a matéria em litígio ou as pessoas envolvidas na relação processual, poderemos definir se a causa deve ser submetida à Justiça Estadual ou Federal. Se a causa tiver que ser submetida à Justiça Federal e o local 30 Processo Civil Ambiental. São Paulo: RT, 2008, p. 92. 33 da ocorrência do dano não for sede desta, pode-se admitir, pelo art. 2º da Lei 7.347/85, a delegação de competência para a Justiça Estadual, nos moldes do previsto no art. 108, § 3º, da CF/88? Não tem sido esta possibilidade admitida pela jurisprudência, em especial, pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu não existir autorização legal expressa neste sentido. Assim, diante da omissão do legislador, deverá a ação ser proposta na Seção ou Subseção Judiciária que abrange o local da ocorrência do dano, mitigando, pois, em certa medida, o rigor do caput do art. 2º da Lei 7.347/85. A propósito, cumpre destacar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acabou sendo adotado pelos demais tribunais pátrios, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, queacabou cancelando sua antiga Súmula 183, que dispunha: “Compete ao Juiz estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo”31 . Quando os efeitos do dano, contudo, não se restringirem a uma única Comarca, a fixação da competência deverá observar as regras da prevenção, pois serão igualmente competentes os juízos dos locais atingidos. Assim, o juízo perante o qual ocorreu a primeira distribuição da ação coletiva, pelo que se infere do parágrafo único do art. 2º da Lei da ação civil pública, é o prevento para processar e julgar ações idênticas o conexas, que tenham sido propostas na mesma Comarca ou em locais distintos, versando sobre as mesmas questões litigiosas 32. Caso, porém, o dano seja considerado regional ou nacional, 31 A Seção do STJ cancelou a referida súmula no julgamento dos embargos de declaração interpostos no CC 27.676-BA, cuja decisão foi publicada no DJ de 27.11.2000, em virtude do julgamento do recurso extraordinário 228.955-9, proferido pelo Plenário do STF e publicado em 10.02.2000. 32 Mais à frente, teremos a oportunidade de verificar que a despeito de a competência ser absoluta, é possível ocorrer a reunião de processos coletivos, por força de conexão ou continência. Além disso, verificaremos que nem sempre a litispendência provocará a extinção pura e simples do processo instaurado posteriormente. 34 estabelece o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor que ação coletiva deverá ser proposta na Capital de um dos Estados envolvidos ou no Distrito Federal, que possuem, como se vê, competência concorrente para o processamento destas ações. O legislador, contudo, não nos oferece critérios objetivos para que se possa identificar quando um dano seria regional ou nacional, motivo pelo qual teremos que buscar orientação da doutrina e da jurisprudência para tanto. Nesse sentido, vale destacar o julgamento ocorrido no Superior Tribunal de Justiça, em razão do Recurso Especial nº 1018214, que restou noticiado no dia 20 de julho de 2009, no site do STJ, senão vejamos. “Ações que envolvem a criação de parque nacional abrangendo áreas de dois estados ou mais devem ser processadas e julgadas nas capitais dos estados envolvidos ou no Distrito Federal. A decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a incompetência da Subseção Judiciária de Umuarama (PR) sobre ação civil pública contra a criação do Parque Nacional da Ilha Grande. O decreto atacado pelo Ministério Público criou o parque abrangendo nove cidades dos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná, sem plano de manejo e afetando atividades econômicas como a pesca. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) havia mantido a decisão do juízo de Umuarama, mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recorreu, sendo atendido pelo STJ. O relator, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que as questões resultantes da criação de parque nacional abrangendo áreas de dois estados membros terá caráter nacional, conforme dispõe a Lei n. 7.347/85 – que disciplina a ação civil pública de responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e turístico – e o Código de Defesa do Consumidor, que determina o foro para ações de caráter nacional ou regional. A decisão foi unânime”. 4.5. Elementos da ação e litispendência 35 De acordo com as lições básicas do processo civil individualista, a ação possui três elementos que a identificam, quais sejam, as partes, a causa de pedir e o pedido. Quando entre duas ações coletivas há similaridade de elementos, pode-se afirmar que há litispendência entre elas, assim como ocorre no processo individual. Todavia, no âmbito do processo coletivo tal exame requer a análise de outros aspectos como a seguir se verá. As partes – autor e réu – são aquelas que figuram num dos pólos da relação jurídica processual, o que demonstra que o critério atualmente adotado, entre os juristas nacionais, é notadamente processual. Daí se infere que a definição do terceiro no processo é encontrada por negação, pois terceiro é aquele que não é parte, que não figura no processo na qualidade de autor ou réu. Vale destacar, de acordo com as lições antes formuladas a respeito de legitimidade, que as partes devem ser legítimas para que possam figurar validamente na relação jurídica processual. Ocorre que no processo individual, regra geral, a legitimidade é ordinária, ou seja, o autor é quem supostamente sofreu lesão ou ameaça a direito e o réu aquele que aparentemente deu causa à lesão ou ameaça, de modo que ambos atuam em juízo em nome próprio na defesa de direito próprio. A legitimidade extraordinária é exceção. Assim, só poderão agir em juízo, em nome próprio na defesa de direitos alheios, os que estiverem autorizados por lei, nos termos do art. 6º do CPC. Diferentemente e a despeito do intenso debate doutrinário, viu- se que nos processos coletivos prepondera a adoção da legitimidade extraordinária como regra. Logo, o autor é aquele que, estando autorizado por lei (arts. 5º da Lei 7.347/85 e 82 da Lei 8078/90) e sendo o representante adequado dos direitos metaindividuais, vai a juízo, em nome próprio, para a defesa de direitos alheios. No processo coletivo, para fins de identidade de partes, é preciso examinar não quem figura no processo como autor da ação, mas em favor 36 de quem o legitimado atua, quem são possivelmente os beneficiários da tutela jurisdicional, quem são os substituídos, ainda que indeterminados. Para esta análise, não é preciso que as ações em confronto sejam igualmente nominadas ou adotem o mesmo procedimento, pois estas questões não interferem na análise do fenômeno. É possível, assim, haver litispendência entre uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público para a defesa do meio ambiente e uma ação popular proposta pelo cidadão, para o mesmo fim, desde que haja identidade da causa de pedir e do pedido. Com relação à causa de pedir e o pedido – elementos substanciais da petição inicial, cuja ausência ou vício gera a inépcia da inicial (art. 295, parágrafo único, do CPC), suas explicações não apresentam novidades em relação ao processo individual. A causa de pedir se constitui no fato ou conjunto de fatos a que o autor atribui a produção de certos efeitos jurídicos. No Brasil, adota-se a teoria da substanciação, de modo que a causa de pedir é complexa, composta dos fatos (causa de pedir remota) e dos fundamentos jurídicos (causa de pedir próxima). Ressalte-se que os fundamentos jurídicos não são apresentados na forma de artigo de lei ou de citações doutrinárias ou jurisprudenciais. Estas referências, sem dúvida, enriquecem o texto da peça inicial, mas não representam os fundamentos jurídicos da demanda (direito), pois, como se disse, os fundamentos se traduzem nas conseqüências operadas na esfera jurídica do autor, ou dos substituídos, pelos fatos ilícitos praticados pelo réu, as quais, amparados pelo Direito, levam à propositura da ação. O pedido, por sua vez, é o núcleo da petição inicial, que traduz o mérito da causa. É através do pedido que o autor fixa os limites da lide, devendo o magistrado ao prolatar suas decisões restringir-se ao mesmo, na medida em que lhe é vedado o julgamento citra, extra ou ultra petita. O autor, ao propor a ação, geralmente formula um pedido imediato, representado pelo requerimento de reconhecimento do direito afirmado em juízo, ou seja, pede ao juizque lhe dê a tutela jurisdicional, com o proferimento de sentença favorável. Requer, ainda, em sua inicial, o acolhimento do pedido mediato, ou seja, a concessão de provimento 37 que permita, em última análise, a obtenção do bem da vida pretendido. O pedido deve ser certo e determinado, ou seja, formulado expressamente e delimitado quanto ao seu objeto, podendo, porém, em certos casos estabelecidos em lei, ser formulado de forma genérica, quando, por algum motivo, não se tem dados para estabelecer, desde logo, qual é o montante devido ou o bem a ser entregue. Na análise da litispendência, é preciso verificar a identidade dos elementos da ação antes referidos, com as particularidades relativas às partes, próprias do processo coletivo. É cediço que entre ação coletiva e ações individuais, não há litispendência, pois efetivamente não coincidem seus elementos, podendo haver, quando muito, conexão, com a identidade da causa de pedir (mais provável) ou do pedido. No entanto, é perfeitamente possível haver litispendência entre ações coletivas, ainda que não sejam os mesmos os autores (diferentes legitimados coletivos) e ainda que as ações não recebam o mesmo nome ou tenham o mesmo procedimento, como antes exposto. Nesse caso, ao contrário do que ocorre nos processos individuais, não se deve pura e simplesmente extinguir o segundo processo instaurado, pois tal solução revela-se por demais simplista na esfera coletiva. Imagine, por exemplo, uma ação popular proposta por um cidadão visando à anulação de ato administrativo que tenha autorizado o lançamento e construção de empreendimento imobiliário em área de reserva ambiental, a qual teria sido proposta desprovida de elementos probatórios suficientes e de fundamentação consistente. Em seguida, ocorre a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público para o mesmo fim e com base nos mesmos fundamentos, utilizando-se de amplo material probatório colhido em inquérito civil e de teses mais solidamente construídas. Seria justo, levando em conta os direitos a serem protegidos, extinguir o processo coletivo instaurado em segundo lugar, levando em conta apenas o critério cronológico? Seria justo, outrossim, dar ao juiz a opção de escolher qual seria a “melhor” ação e extinguir aquela que reputasse ser a “pior”? 38 Ademais, é preciso levar em consideração que o cidadão não tem legitimidade para propor ação civil pública, nem para ingressar como assistente litisconsorcial do autor, ao passo que o Ministério Público, por sua vez, não tem legitimidade para propor ação popular. Assim, a extinção de qualquer das ações poderia representar uma grave ofensa ao direito de acesso à justiça assegurado constitucionalmente. Na busca da melhor alternativa para a defesa dos direitos metaindividuais, destaca-se a opção de conferir à litispendência entre ações coletivas a mesma solução adotada para a conexão, que provoca a reunião dos processos para processamento e julgamento conjunto, evitando o natural destino da extinção do processo instaurado a posteriori. Excepcionalmente, quando não se vislumbrar a ocorrência de prejuízos à tutela dos direitos transindividuais, nem à garantia do acesso à justiça, poderá o juiz, a partir da identificação da litispendência, extinguir o derradeiro processo. A despeito de o microssistema processual coletivo em vigor não solucionar a questão, esse é o caminho proposto pelo já referido Projeto de Lei 5139, que prevê no art. 5º, §§ 2º e 3º: “na hipótese de litispendência, conexão ou continência entre ações coletivas que digam respeito ao mesmo bem jurídico, a reunião dos processos poderá ocorrer até o julgamento em primeiro grau” e “iniciada a instrução, a reunião dos processos somente poderá ser determinada se não houver prejuízo para a duração razoável do processo”. 4.6. Elementos da ação: análise da conexão e continência A conexão entre ações se dá quando entre elas há identidade da causa de pedir ou do pedido (art. 103, do CPC). A continência é uma espécie de conexão e é verificada quando entre duas ou mais ações há identidade de partes, de causa de pedir e o pedido de uma delas é mais abrangente que o da outra (art. 104, do CPC). 39 A identificação de um ou de outro fenômeno tem gerado, de um modo geral, a reunião dos processos para julgamento conjunto, no intuito de evitar decisões contraditórias e de garantir maior economia processual. No âmbito do processo individual, são identificadas como formas legais de alteração da competência relativa. Embora as regras de competência nos processos coletivos sejam de aplicação cogente e de natureza absoluta, é perfeitamente possível a aplicação de tais institutos nestes processos, o que pode provocar a reunião das ações conexas para julgamento conjunto. Ainda que identificada a conexão entre ação coletiva e outras individuais, não se tem, na prática forense, observado a reunião dos processos, até porque tal saída, em certos casos, acaba por inviabilizar a celeridade e economia processuais. É possível, porém, com base no art. 104 do CDC, ocorrer a suspensão do processo individual, a pedido do autor da ação, quando pretender se beneficiar do resultado favorável que poderá advir do julgamento do processo coletivo, no qual se discute a mesma questão litigiosa. Assim, sendo comunicada nos autos do processo individual a propositura de ação coletiva para defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, poderá o autor da ação individual requerer, no prazo de 30 (trinta) dias contado de tal comunicação, a suspensão de seu processo até que seja julgada a lide coletiva (right to opt out or in). Trata-se de uma faculdade do autor individual, cujo objetivo é poder aproveitar, em seu benefício, o resultado favorável do processo coletivo. Definida, pois, a responsabilidade do agente causador do ato ilícito, não mais será a mesma questionada no processo individual, no âmbito do qual passar-se-á, imediatamente, à liquidação e execução individuais, objetivando-se definir o nexo de causalidade e os prejuízos sofridos para que possam ser reparados. O que o microssistema processual coletivo não define é a quem incumbe a comunicação acima exposta e qual é a conseqüência gerada ante a sua ausência. 40 Mais uma vez, encontramos respostas na doutrina pátria que aponta, em geral, o réu como o responsável pela notícia em destaque, uma vez que, normalmente, figura como réu do processo coletivo e do processo individual. Na hipótese de a comunicação não ser realizada, o mais brevemente possível, terá o autor da ação individual o direito de, a qualquer tempo, requerer a suspensão de seu processo ou de valer-se do resultado favorável do processo coletivo (coisa julgada in utilibus), independentemente dela. O Projeto de Lei 5.139, nesse sentido, prevê no art. 37, §2º, que cabe ao réu, na ação individual, informar o juízo sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico. Vale destacar que o autor da ação individual, ainda que tenha requerido a suspensão de sua causa, não será prejudicado na hipótese de não se alcançar resultado favorável no processo coletivo. Neste caso, dará prosseguimento ao feito individual, podendo, inclusive, vir a obter tutela favorável. Os reflexos do processo coletivo, enfim, são sentidos nos processos individuais, de acordo com a legislação em vigor, quando produzidos em benefício de todos, observados os requisitos legais. Quando os institutos em estudo são percebidos entre ações coletivas, deve-se, na medida do possível, promover a sua reunião, seja
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