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SOMOS INIMPUTÁVEIS! O PROBLEMA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL (Livro muito bom e ja no formato word)

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O PROBLEMA DA REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
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José Alberto Cavagnini
O PROBLEMA DA REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
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São Paulo 2014
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Copyright © 2014 by Editora Baraúna SE Ltda.
Capa
AF Capas
Revisão
Henrique de Sousa
Diagramação
Isaac Tiago
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Vedada a reprodução parcial ou total sem citação da fonte.
A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________
C363s
Cavagnini, José Alberto
Somos inimputáveis!: o problema da redução da maioridade penal no Brasil/ José Alberto Cavagnini. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2013.
ISBN 978-85-7923-993-9
1. Menores - Estatuto legal, leis, etc. 2. Responsabilidade penal. 3. Direito penal - Brasil. I. Título.
13-07867	CDU: 343.2(81)
________________________________________________________________
10/12/2013	12/12/2013
________________________________________________________________
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
Rua da Glória, 246 – 3º andar
CEP 01510-000 – Liberdade – São Paulo - SP
Tel.: 11 3167.4261
www.editorabarauna.com.br
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Dedico este trabalho:
Aos meus amados pais Waldemar (in memoriam) e Josefina, imensuravelmente maravilhosos, por sempre terem me proporcionado amor, carinho, educação e in-centivo e nunca me abandonado, possibilitando assim a realização de todos os meus sonhos.
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Saudade:
Pai, quanta falta me faz não poder ouvir a sua voz...
Sua sabedoria aliada à sua dignidade motivou-me a nun-
ca desistir. Sinto-me honrado por tê-lo como referencial,
e seus ensinamentos continuarão a nortear meus passos
nessa infinita jornada...
Max e Diana, meus fiéis e eternos amigos, quanta
saudade...
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Agradecimento:
Agradeço primeiramente a Deus, Absoluto, pela fideli-dade no cumprimento das Suas promessas em minha vida...
A todos os notáveis juristas e autores citados neste trabalho, pelo saber jurídico explanado, fonte de minha inspiração; também, a todos aqueles que de alguma for-ma contribuíram para a sua realização...
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Homenagem:
A minha família... Minha querida esposa Érica,
companheira presente nos momentos difíceis...
Meu querido filho Felipe; o nosso“Pilili”...
Sem eles, nada teria sentido!
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Sumário
INTRODUÇÃO . .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.15
CAPÍTULO I
BREVES CONCEITOS. .	.	.	.	.	.	.	.	.	. 17.	.	.	.
	1..
	Direito . . . . . . . . .
	. .
	. . . . .
	.
	.17
	2..
	Estado. . . . . . . . .
	. .
	. . . . .
	.
	.19
	3..
	Lei . . . . . . . .
	.
	. . . .
	.
	20. . . . .
	4..
	Pena . . . . . . .
	.
	. . . .
	.
	.22 . . . . .
	5..
	Justiça . . . . . . . . .
	. .
	. . . . .
	.
	.24
	6.. Equidade . . . . . .
	.
	. . . .
	.
	26. . . . .
	CAPÍTULO II
	
	
	
	
	REFERÊNCIA HISTÓRICA. . .
	.
	. . . .
	.
	30. . . .
1.. A gênese do direito penal. . . . . . .30 . . 2.. A legislação penal brasileira . . . . . . 32. .
3.. O menor infrator . .	.	.	.	.	.	.	.	36. .	.	.
	CAPÍTULO III
	
	
	SER PESSOA – TER CAPACIDADE E PERSONALIDADE. .
	.
	49
	CAPÍTULO IV
	
	
	CULPABILIDADE. . . . . . . . . . . . . . .
	53. . . . . .
	1.. Conceito . . . . . . . . . . .
	.
	53. . . . .
	2.. Teorias . . . . . . . . . . . .
	. 54. . . . .
	3.. Culpabilidade e crime . . . . . . .
	.
	56. . .
	4.. Culpabilidade e capacidade . . . . .
	. 59. .
	CAPÍTULO V
	
	
	INIMPUTABILIDADE . . . . . . . . . .
	. 62. . . .
1.. Critérios. .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	. 62.	.	.	.	.
Imputabilidade e responsabilidade. . . . 65.
Imputabilidade e inimputabilidade. . . . 66.
�
CAPÍTULO VI
MAIORIDADE PENAL . .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	. 71
CAPÍTULO VII
O JOVEM INFRATOR E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.. .. .. 74
CAPÍTULO VIII
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. .	. 77.
CAPÍTULO IX
A PROBLEMÁTICA DO JOVEM INFRATOR. .	.	.	.90 .
CAPÍTULO X
PROBLEMAS SOCIAIS QUE GERAM A CRIMINALIDADE. . 96
CAPÍTULO XI
NOVAS CONDIÇÕES SOCIAIS. .	.	.	.	.	.	.	100..	.	.
CAPÍTULO XII
INSTITUIÇÕES PARA A RECUPERAÇÃO DO JOVEM
INFRATOR .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	110. .	.	.	.	.
CAPÍTULO XIII
CRITÉRIO ETÁRIO DECORRE DE DECISÃO POLÍTICA. . 119
CAPÍTULO XIV
A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. .	.	.123.
CAPÍTULO XV
A REFORMA JURÍDICO-PENAL E O JOVEM INFRATOR. . 128
CAPÍTULO XVI
PROPOSTAS . .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.131.	.	.	.	.	.
CONCLUSÃO. .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.137. .	.	.	.	.
BIBLIOGRAFIA. .	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	.	. 139. .	.	.	.	.
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INTRODUÇÃO
Desde os primórdios, a história relata que a crimina-lidade esteve sempre presente no seio da sociedade.
Primitivamente, o homem exercitava a vingança. Durante séculos, prevaleceu o Talião, cujo tratamento era o mesmo para o opressor e a vítima: sangue por sangue, olho por olho, dente por dente, em que o homem resolvia suas diferenças com a força bruta, que variava de acordo com as suas conveniências.
A evolução social trouxe a consciência de que seria impraticável cada pessoa resolver seus interesses indivi-dualmente, crescendo, com isso, a necessidade de uma diretriz que ditasse as regras de forma ampla e irrestrita.
A sociedade cria o Estado para atender às suas neces-sidades. Nesse contexto, surge o Direito. Com ele, as leis norteadoras do comportar humano, que ditam como agir ou atuar. Desrespeitando as normas vigorantes, existem san-ções prescritas para o ato praticado, com o objetivo de punir e corrigir, trazendo o homem para junto da Lei e da Justiça.
Apesar de o Estado tentar solucionar os conflitos con-forme o bom Direito e a Justiça, o homem, muitas vezes, continua a desrespeitar seus mandamentos e se comportar de acordo com a sua vontade. Sabe-se que a criminalidade
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está longe de ser resolvida – homens assaltam, sequestram, matam, sem se preocuparem com os resultados e as conse-quências de suas atitudes geradas no meio social.
Entretanto, há um agir contrário às normas jurídicas que cresce e preocupa ainda mais a cada dia: a criminali-dade infanto-juvenil. De um lado, menores infratores com a personalidade em formação, carecedores de ajuda e pre-maturos para serem colocados e tratados como um crimi-noso adulto. De outro, jovens delinquentes, cada vez mais conscientes de seus atos e certos de sua “inimputabilidade” pelo simples déficit etário, que lhes encoraja, ainda mais, a ingressar e a permanecer na marginalidade juvenil.
O impasse está formado!
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CAPÍTULO I
BREVES CONCEITOS
O presente trabalho enfoca um tema polêmico e con-troverso. Portanto, tornam-se fundamentais a exposição e a compreensão de alguns conceitos básicos, essenciais para o Direito e citados com frequência no decorrer da explanação: Direito, Estado, Lei, Pena, Justiça, Equidade.
Ainda que apresentados de forma sucinta, fornece-rão ao leitor uma visão panorâmica, elucidativa do as-sunto, possibilitando-lhe, ao final, a formação do seu próprio juízo.1. Direito
Do latim directum, palavra que, na sua origem, de-signa o que é reto. Num sentido simbólico, passou a de-signar o que está de acordo com a Lei.
Direito é a faculdade natural ou legal de fazer ou de não fazer alguma coisa. Diversas são as causas que dificul-tam a sua conceituação. Dentre outras, pode-se salientar a existência de diversas escolas com teorias próprias sobre a sua origem e o seu papel na sociedade.
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Direito é o conjunto de regras de conduta coativa-mente impostas pelo Estado, ou princípios de conduta social, tendentes a realizar a Justiça.
Aos olhos do homem comum, o Direito é lei e or-dem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que ga-rantem a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros.1
A definição de Direito é questão ao âmbito da Filosofia Jurídica, esta constituindo um dos problemas fundamentais.
Pode-se repetir, na atualidade, o que foi dito por Kant, que “ainda continuam os juristas à procura do seu conceito de Direito”. Talvez a definição mais singela seja a de Radbruch: o conjunto das normas gerais e positivas, que regulam a vida social.2
O Direito tem o seu fundamento na própria natu-reza humana. Os homens, obrigados a viverem necessa-riamente uns ao lado dos outros, carecem de regras de proceder. Ao conjunto dessas normas, gerais e positivas, ditadas por um poder soberano e que disciplinam a vida social, indispensável se faz determinada ordem.
O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser conce-bido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a qualidade de ser social.3 O fim do Direito é precisamente determinar regras que permitam aos homens a vida em sociedade. Aí está a
1  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 1.
2  Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil, V. 1, p. 1.
3  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 2.
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razão por que o homem não pode furtar ou matar impu-nemente; se o arbítrio fosse sua lei exclusiva, fatal seria o perecimento da sociedade. Como mostra a imagem sim-bólica da balança, o Direito busca um equilíbrio.4
2. Estado
Do latim status, é o conjunto de poderes políticos de uma nação. É a organização da nação em uma unidade de poder, a fim de que a aplicação das sanções se verifique segundo uma proporção objetiva e transpessoal.
Embora se possa identificar o germe do Estado nas cidades-estados dos sumérios, egípcios e gregos, a palavra só passou a ser empregada tecnicamente como unidade de soberania após a publicação de O Príncipe (1513), de Nicolau Maquiavel.
A correlação Estado/Direito é uma embriogenia. O homem, quando passou a viver em sociedade, sentiu a necessidade de regras para a busca do bem comum. As-sim, a sociedade criou o Estado para servi-la.
Detém o poder quem produz a Lei, que é a regra ge-ral justa e permanente, que exprime a vontade imperativa do Estado. Para tal fim, este detém o monopólio da coação, no que se refere à distribuição da Justiça.
Como, porém, a coação é exercida pelos seus órgãos, em virtude da competência que lhes é atribuída, mais certo será dizer que o Estado, no seu todo, consoante ensina-
4  Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil, V. 1, p. 2.
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mento de Laband, tem “a competência da competência”.5 O Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas e os processos de execução coercitiva do Direito, a qual pode consistir na penhora de um bem, ser a própria prisão, ou seja, a perda de liberdade infligida ao infrator de uma lei penal, ou até a perda da própria vida, como
ocorre nos países que autorizam a pena de morte. Pode-se chegar ao extremo de tirar o bem supremo,
que é a vida, a fim de preservar a ordem jurídica.
3. Lei
Do latim lex, é regra obrigatória, necessária. É a norma geral e abstrata de conduta. Ato da autoridade so-berana, que rege, manda, permite ou proíbe. É o princípio justo e permanente, que manifesta o desejo autoritário do Estado, a que todos são submetidos. É o Direito formal.
É norma social e coativa que obedece ao sistema jurídico adotado no país, é a chamada Lei positiva, feita pelos legisladores, promulgada pelo poder competente e imposta à observância de todos – Lei escrita.
A Lei tem um fim geral e abrange uma série de fatos sociais, sem particularizá-los. É igual para todos e regula os direitos particulares dos cidadãos entre si. É levada ao conhecimento de todos por meio de sua publicação.
Após a sua publicação, ninguém pode se escusar de cumpri-la, alegando que não a conhece (artigo 3º, da LICC – Lei de Introdução ao Código Civil). A própria Lei
5  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 76.
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costuma indicar a data em que entrará em vigor, mas, se nada dispuser a respeito, entende-se que entrará em vigor no território nacional após 45 dias da sua publicação. Fora do país, o prazo será de 3 meses (artigo 1º, da LICC). O período compreendido entre a publicação da Lei e a sua entrada em vigor denomina-se vacatio legis (vacância da Lei), serve para que todos possam adaptar-se e pode variar de acordo com a complexidade da Lei expedida.
É importante ressalvar: “para que, porém, se pos-sa empregar, com rigor, o termo Lei, não basta que haja norma ou um sistema de normas escritas, pois escritas também são as normas dos Regulamentos, Decretos, Resoluções, Portarias, Avisos etc. Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é cons-titutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no siste-ma jurídico em vigor, disciplinando comportamentos in-dividuais ou atividades públicas. O nosso ordenamento jurídico se subordina, com efeito, a uma gradação decres-cente e prioritária de expressões de competência, a partir da Lei Constitucional, a qual fixa a estrutura e os feixes de competência de todo o sistema normativo. Nesse quadro, somente a Lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira ori-ginária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito”.6
Entende-se por Direito Penal Objetivo o conjunto de normas que regulam a ação estatal, definindo os crimes e cominando as respectivas sanções. “Somente o Estado,
6  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 163.
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na sua função de promover o bem comum e combater a criminalidade, tem o direito de estabelecer e aplicar essas sanções. É, pois, o único e exclusivo titular do jus pu-niendi (direito de punir) que constitui o que se denomi-na Direito Penal Subjetivo. O direito de punir é limitado pelo próprio Estado ao elaborar este às normas que cons-tituem o Direito Subjetivo de Liberdade, que é o de não ser punido senão de acordo com a Lei ditada pelo Estado. Só a Lei pode estabelecer o que é proibido penalmente e quais são as sanções aplicáveis aos autores dos fatos defi-nidos na legislação como infrações penais”.7
Todavia, a Lei, como criação humana, está sujeita a um princípio e um fim, isto é, a um começo de vigência e a um momento de cessação de eficácia, caso venha a perder o sentido da sua criação.
Assim, não se destinando à vigência temporária, a Lei terá vigor, até que outra a modifique ou a revogue (artigo 2º, da LICC), porém não ocorre revogação pelo simples desuso; esta só será possível através de outra Lei, de igual ou de superior hierarquia.
4. Pena
Do latim sanctis legis, é a retribuição do ato pratica-do, é a punição ou a cominação que o Estado (nação) im-põe a todo delinquente, objetivando a sua recuperação.8
7  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 23-24.
8  Dicionário Jurídico RG FENIX.
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A pena é concebida desde os tempos imemoriais,seja como forma de retribuição divina, social, moral e jurídica; dependendo do momento histórico, da variação das suas fontes de inspiração. Muitos são aqueles que não cometem crimes por temor à pena.
O que legitima o poder punitivo do Estado é o seu dever de garantir a segurança pública e privada. Isso se faz por meio da proteção de certos estados valiosos, que são os bens jurídicos, que o Estado busca preservar com a ameaça penal. Nessa perspectiva, o que justifica a imposição da pena é a defesa da ordem jurídica na consciência da coletividade. Na execução da pena, está a ressocialização do criminoso.9
Pune-se para que não se venha a cometer o mesmo erro. Para tanto, a pena deve ser certa, além de justa. Diz o artigo 5º, XLVIII, da Constituição Federal de 1988, que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. Não se pode negar à pena relevante função in-timidatória, com relação aos demais (erga omnes), ou seja, a pena exercita uma prevenção genérica, atua psicologica-mente, como um impulso negativo, dissuadindo muitos criminosos da prática delitiva.
Porém, questiona-se o princípio do fim ou da preven-ção da pena, com o entendimento de que a ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão, que sempre é convertida num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as contradições existentes no sistema social exterior.10
9  Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 54. 10  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p.
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A filosofia clássica de Direito Criminal susten-ta que a pena se baseia num postulado de harmonia entre merecimento de felicidade e felicidade; mereci-mento de pena e sofrimento de pena. No entanto, além do enfoque filosófico, a pena moderna deve assumir uma importante função social, garantindo ao apena-do todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, criando assim a possibilidade da sua reinte-gração no sistema social.
O Direito Penal do nosso tempo caracteriza-se pela crescente liberalização e pela humanização. A pena im-posta não pode servir para intimidar aos demais, devendo
ser adequada à culpabilidade e à personalidade do agente.11
5. Justiça
Do latim justitia, é a ação de reconhecer os direi-tos de alguém, de atender às suas fundadas reclama-ções – obter justiça. Virtude que faz que se dê a cada um o que lhe pertence. O bom Direito. A Justiça em si é a medida abstrata, suscetível de aplicação a todas as hipóteses a que se refere.
Justiça “é antes uma aspiração emocional, suscetí-vel de inclinar os homens segundo diversas direções, em função de contingências humanas de lugar e de tempo. Sendo impossível decidir-se por qualquer delas com base
30, apud: O objetivo ressocializador na visão da criminologia crítica, RT 662/247-256.
11  Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 54.
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em dados verificáveis, a Justiça é, do ponto de vista da Ciência, um pseudoproblema, o que não impede que, do ponto de vista da Moral, seja uma exigência de ordem prática, de natureza afetiva ou ideológica”.12
É, no âmbito da axiologia, um de seus temas capi-tais, que se situa, pois, a Teoria da Justiça.
Justiça é ideia, valor e ideal. Como ideia, é a re-presentação abstrata do estado de pleno equilíbrio da vida social; como valor, poder-se-ia dizer que as coisas não constituem bens em si mesmas, sendo preciso lhes atribuir um valor, que é a importância que se atribui a um bem. Mas a valoração dos bens varia no tempo e no espaço. Os valores sociais têm existência histórica, não são perpétuos. Ora, tendo como pressuposto um valor, a ideia de justiça varia constantemente: o que era justo no passado talvez não seja para nós, embora possa voltar a sê-lo no futuro.
Partindo-se da observação básica de que toda regra de Direito visa a um valor, reconhece-se que a pluralidade de valores é consubstancial à experiência jurídica.
Utilidade, tranquilidade, saúde, conforto, intimidade e infinitos outros valores fundam as normas jurídicas. Es-sas normas, por sua vez, pressupõem outros valores, como o da liberdade (sem o qual não haveria a possibilidade de escolher entre valores, nem a de se atualizar uma valoração in concreto) ou os da igualdade, da ordem e da segurança, sem os quais a liberdade redundaria em arbítrio.
A Justiça não se identifica com quaisquer desses va-lores, nem mesmo com aqueles que mais dignificam o
12  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 376.
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homem. Ela é, antes, condição primeira de todos eles, a condição transcendental de sua possibilidade como atuali-zação histórica.
Ela vale para que todos os valores valham. Não é uma realidade acabada nem um bem gratuito, mas é antes uma intenção radical vinculada às raízes do ser do homem, o único ente que, de maneira originária, é en-quanto deve ser. Ela é, pois, tentativa renovada e inces-sante de harmonia entre as experiências axiológicas ne-cessariamente plurais, distintas e complementares, sendo, ao mesmo tempo, a harmonia assim atingida.13
É, em última análise, uma expressão ética do princí-pio da igualdade. Se há a ideia de liberdade como uma das fundamentais do Direito, existe, também, completando--a, a de igualdade.14
6. Equidade
Do latim aequitate, é a Justiça natural, que pode não ser conforme as disposições da Lei. É a Justiça igual para todos. Pode ser enfocada sob diversos aspectos, pois en-volve considerações tão amplas como o próprio conheci-mento das ciências humanas. Porém, em todas as dedu-ções, obtém-se a ideia de equilíbrio, de igualdade.
Como a lei positiva tem um conteúdo geral e não abrange os casos excepcionais, pode ocorrer que, se for aplicada rigidamente, segundo um texto geral, em certos
13  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 377. 14  Ibid., p. 123.
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casos, conduzirá a injustiças que não se acham na inten-ção do legislador.
Em tais casos, é necessário interpretar ou emendar racionalmente a lei positiva conforme a intenção do le-gislador e as exigências da justiça natural, e essa correção do direito positivo pelo natural constitui a Equidade, ou direito equitativo.
Há casos em que é necessário abrandar o texto, ope-rando-se tal abrandamento por meio da Equidade, que é, portanto, a Justiça amoldada à especificidade de uma situação real.15
Para Aristóteles, vem a ser a norma que o legislador teria prescrito para um caso singular, pois há certos casos sobre os quais não se pode estatuir convenientemente por meio de disposições genéricas. E, assim, em todas as ques-tões a respeito das quais é absolutamente inevitável decidir de maneira puramente geral, sem que seja possível fazê-lo corretamente, a Lei se restringe aos casos mais ordinários, sem que dissimulem as lacunas que deixa. A Lei não deixa de ser, por isso, “menos boa” (pior), pois a falta não está nela, nem no legislador que a dita; está na própria natu-reza das coisas, porque esta é, precisamente, a condição de todas as coisas práticas. Portanto, quando a Lei dispõe de maneira genérica e nos casos particulares há algo excep-cional, então, vendo que o legislador não se manifesta ou tenha se enganado por ter falado em termos genéricos, é indispensável corrigi-la e suprir seu silêncio, falar em seu lugar, como ele mesmo o faria se estivesse presente, isto é, fazendo a lei como ele faria, se tivesse podido conhe-
15  Miguel REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 301.
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cer os casos particulares de que se trata. A característica da Equidade é, precisamente, restabelecer a Lei nos pontos em que esta se estagnou, em virtude da fórmula geral de que se serviu. Tratando-se de coisas indeterminadas, a Lei deve permanecer indeterminada como elas, como a régua de chumbo flexível utilizada pelos arquitetos de Lesbos, a qual se amoldava à forma da pedra que media.16
Se houver uma comparaçãoentre a Justiça formal e a Justiça real, a primeira será uma superfície plana e a se-gunda uma superfície acidentada; nesses termos, mede-se a primeira com uma régua indobrável, que é a Justiça geral, e a segunda com uma régua flexível, que é a Equidade.
Esta se funda na ideia de igualdade, aplicada para a consecução do justo, pois, como já diziam os juristas ro-manos, amparados em sua milenar sabedoria: “jus est ars boni et aequi” (o Direito é a arte do bom e do justo). O seu verdadeiro sentido é o de evitar a aplicação mecânica da Lei, sem que com isso o juiz propenda, para suas convic-ções pessoais, pois, se assim agisse, estaria sendo arbitrário.
Ocorre um misto de jurisdição legal e jurisdição de equidade, ou seja, o juiz aplica a norma contida na Lei, mas esta lhe permite levar em consideração as peculiari-dades do caso concreto. Um exemplo interessante na lei penal é o artigo 59 do Código Penal, que permite ao juiz fixar a pena nos limites máximo e mínimo nela previstos.
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, afirma que a Equidade se vincula diretamente à isonomia (igual-dade de tratamento perante a lei), pois se devem dar coi-
16  Coleção OS PENSADORES – ARISTÓTELES, “Ética a Nicômaco” – Abril Cultural, Livro V, Capítulo X, p. 336-337.
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sas iguais aos iguais e coisas desiguais aos desiguais; se as pessoas são desiguais, não se devem dar-lhes coisas iguais (...) o equitativo e o justo são a mesma coisa; e sendo ambos bons, a única diferença que existe entre eles é que o equitativo é melhor ainda. A dificuldade está em que o equitativo, sendo justo, não é o justo legal, mas uma ditosa retificação da Justiça rigorosamente legal (...) a ca-racterística do equitativo consiste precisamente em resta-belecer a Lei nos pontos em que se enganou, em virtude da fórmula geral de que se serviu.17
Portanto, a aplicação extremamente rigorosa de nor-mas inflexíveis e invariáveis, não temperadas pela Equi-dade, pode resultar em extrema injustiça social.
17  Coleção OS PENSADORES – ARISTÓTELES, “Ética a Nicômaco” – Abril Cultural, Livro V, Capítulo III, p. 325.
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CAPÍTULO II
REFERÊNCIA HISTÓRICA
1. A gênese do direito penal
A história do Direito Penal é a própria evolução da sociedade. O Direito surge das necessidades humanas de-correntes da opção pela vida em sociedade, garantindo as condições indispensáveis para tal.
Nas sociedades primitivas, as informações eram restritas, todos os fenômenos físicos e sociais passavam por uma explicação metafísica. A vingança era privada e estendia-se a todo o grupo social.
Durante toda a Idade Média, com o Talião, a vin-gança tinha a reação proporcional ao mal, o tratamento dispensado era igual entre o opressor e a vítima. É a in-dividualização da pena, passando a existir um equilíbrio entre a ação e a reação. A vingança deixa de ser exercida pelo agredido, e sim por toda a sociedade.
A vida em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleça as regras indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a compõem.
A sociedade cria o Estado para exercer a vingança
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(o Estado, indicando uma sociedade política, só apare-ce no século XVI). É a institucionalização da vingança; surge o compositio e com ele outros tipos de pena: a pri-são, a restrição de direitos de ir e vir, a pena de multa. Só o Estado pode punir.
O fato que contraria a norma de Direito denomina-se ilícito jurídico, que pode ter consequências meramente civis ou possibilitar a aplicação de sanções penais.
Porém, muitas vezes, as sanções civis são ineficazes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves, então o Estado volta-se contra os respectivos autores desses fa-tos, aplicando sanções rígidas por meio de normas jurí-dicas que constituam o Direito Penal. Como o Estado não pode aplicar as sanções penais arbitrariamente, na legislação penal são definidos esses fatos, que passam a ser ilícitos penais (crimes e contravenções).18
O Direito Penal é uma ciência cultural porque indica o dever ser, transpondo regras de conduta que devem ser observadas por todos os indivíduos. É também uma ciên-cia normativa, pois o seu objetivo é o estudo da Lei, da nor-ma, do Direito positivo, este a que se deve obedecer e cum-prir por todos os integrantes do grupo social, pois, prevê as consequências e sanções aos que violem seus preceitos.
O Direito Penal, além de ser sancionador, é valorativo e finalista. É valorativo porque tutela os valores mais elevados da sociedade, dispondo-os em uma escala hierárquica e va-lorando os fatos de acordo com a sua gravidade. É finalista, pois visa à proteção de bens e interesses jurídicos que só po-dem ser eficazmente protegidos pela ameaça legal de aplica-
18  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 20.
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ção de sanções de poder intimidativo maior, como a pena. Diante do exposto, pode-se definir Direito Penal como
sendo “o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza cri-minal e as medidas aplicáveis a quem os pratica”.19
2. A legislação penal brasileira
Na tentativa de sanar os embaraços resultantes da multiplicidade de leis que vigoravam em Portugal, orde-nou D. João I que se fizesse uma compilação dessas leis, dando-lhes forma clara e metódica.
Criaram-se as Ordenações. Assim ficou chamado esse
Código ou coleção sistematizada de leis, que tratavam da administração da Justiça, das leis relativas à jurisdição da Igreja, da forma do processo civil, das leis pertencentes ao Direito Civil, das leis penais etc.
De 1500 a 1830 vigoraram no Brasil as Ordenações do Reino. À época da descoberta, vigoraram as Ordena-ções Afonsinas (1446-1521) e, logo em seguida, as Orde-nações Manuelinas (1521-1603). Porém, somente a partir dos governos gerais é que se pode dizer que começou a ser aplicada no Brasil a legislação do reino.
Com os governos gerais, a competência em matéria criminal estendia-se até a morte natural, não poupando aqueles que professavam a religião pagã, feiticeiros, sol-dados e até os homens livres.
Todavia, o Direito Penal aplicado no Brasil durante
19  Ibid., p. 21.
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o período colonial foi o das Ordenações Filipinas (1603-1867), que refletia o Direito Penal dos tempos medievais. Para os portugueses, o fim básico da pena estava na re-tribuição do mal. A legislação penal contida no Livro V, como toda a legislação penal da época, produziu resulta-dos funestos, pois a morte era a pena comum e se aplicava com requintes de crueldade a grande número de delitos.
Previa-se a pena de morte natural (através de enfor-camento no pelourinho, seguindo-se de sepultamento); morte natural cruelmente (esta dependia da imaginação do executor e do arbítrio dos juízes); morte natural pelo fogo (queima do réu vivo, passando primeiro pelo garro-te); morte natural para sempre (através de enforcamento, deixando o cadáver pendente até o estado de putrefação).
Previam-se ainda penas como mutilações, difamação, confisco de bens e degredo, penas que dependiam da con-dição dos réus, e o sentido geral dessa legislação era o da in-timidação feroz. Empregava-se amplamente a tortura, sem haver proporção entre as penas e os delitos, confundindo--se os interesses do Estado com os da religião.
As Ordenações reproduziram o estado da Justiça Pe-nal que vigorava ao surgimento do movimento huma-nitário, à época do Iluminismo, e persistiram em vigor no Brasil, mesmo após a Independência, até o advento do Código Criminal do Império, sancionado em 16 de dezembro de 1830.
O Código Criminal “constituiu obra notável. Foi o primeiro Código Penal autônomo da América Latina, este sofreu a influência das ideias que então dominavam a Europa, ou seja, dos princípios liberais do Iluminismo e
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do Utilitarismoe, sobretudo, da obra de Bentham, cujas ideias repercutem em várias soluções do Código”.20
Entre suas características mais interessantes, existem a previsão da circunstância atenuante da menoridade, desconhecida até então, e o arbítrio judicial no julgamen-to dos menores de 14 a 17 anos (artigo 18, § 10).21
Com a proclamação da República, foi instituído, em 11 de outubro de 1890, o novo estatuto básico, agora com a denominação de Código Penal. Foi “ela-borado às pressas, antes do advento da primeira Cons-tituição Federal republicana, sem considerar os notáveis avanços doutrinários que então já se faziam sentir, em consequência do movimento positivista, bem como o exemplo dos códigos estrangeiros mais recentes, espe-cialmente o Código Zanardelli, o Código Penal de 1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atra-sado em relação à ciência de seu tempo”.22
Apesar de ser alvo de inúmeras críticas, com este se aboliu a pena de morte e instalou-se o regime penitenciá-rio de caráter correcional, o que constituiu um avanço na legislação penal. Entretanto, por ser mal sistematizado, teve de ser modificado por inúmeras leis, até que, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais, surgiu a Consolidação das Leis Penais, pelo Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932.
Em 1º de janeiro de 1942, entrou em vigor o Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7.12.1940), que ainda é nossa
20  Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 59. 21  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 41. 22  Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 60.
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legislação penal fundamental. Elaborado por renomados ju-ristas, “é uma legislação eclética, em que se aceitam postulados das escolas Clássica e Positiva, aproveitando-se, regra geral, o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço”.23
Por fim, “tentou-se a substituição do Código pelo Decreto-lei nº 1.004, de 21.10.69. As críticas a esse novo estatuto, porém, foram tão acentuadas que ele foi modificado substancialmente pela Lei nº 6.016, de 31.12.73. Mesmo assim, após vários adia-mentos da data em que passaria a viger, foi revogado pela Lei nº 6.578, de 11.10.78”.24
Após o insucesso da tentativa da reforma do Código Penal, o chefe do Executivo, pela Portaria nº 1.043, de 27.11.1980, instituiu uma comissão para a elaboração de um anteprojeto de lei de reforma da Parte Geral do Có-digo Penal de 1940.
A comissão apresentou seu trabalho apoiado no princípio de nullum crimen sine culpa (não há crime sem culpa). O projeto foi encaminhado ao Congresso, trans-formando-se na Lei nº 7.209, de 11.7.1984, para viger seis meses após a data da publicação. Resultado de uma mentalidade humanista, a nova Lei procurou criar novas medidas penais para os crimes de pequena relevância, evi-tando o encarceramento dos seus autores por curto lapso de tempo. Procurou-se respeitar a dignidade do homem que delinquiu, enfatizando-se a culpabilidade como in-dispensável à responsabilidade penal. Contudo, a nova
23  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 41. 24  Ibid., p. 41.
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Lei apenas possibilitou ao juiz a aplicação de penas mais elevadas nos crimes continuados praticados com violên-cia ou ameaça, não assegurando a conciliação da defesa dos interesses sociais com a preservação dos direitos e garantias individuais, proposta inicial da reforma.
Em contrapartida, na tentativa de sanar a omissão do legislador, é sancionada a Lei nº 8.072, de 25.7.1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal.25 Entretanto, sente-se, ainda, a necessidade de alteração da legislação penal vigente, no tocante à Parte Especial do Código Pe-nal e às leis penais especiais.
3. O menor infrator
Já à época do Direito Romano, mais precisamente com a Lei das XII Tábuas, admitia-se, implicitamente, um tratamento diferenciado ao menor impúbere que cometesse atos infracionais. Delitos que, praticados por adultos, levavam-nos à morte, quando realizados por impúberes eram castigados de forma diversa, fi-cando a correção por arbítrio do pretor com a devida reparação do dano causado.
A puberdade era definida conforme a capacidade de procriar, ficando, assim, taxado como impúbere o menor de 14 anos do sexo masculino e, do sexo feminino, a me-nor de 12 anos de idade.
O legislador romano subdividiu os impúberes em in-
25  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 43.
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fantes, próximos da infância e próximos da puberdade, todos recebendo tratamento especial. Os primeiros compreen-diam o período que ia desde o nascimento até os sete anos de idade. Eram considerados impuníveis, uma vez que, segundo o entendimento da época, não podiam cometer crimes. Os próximos da infância eram aqueles de sete e 10 anos e meio para os homens e de sete a 9 anos e meio para as mulheres: também eram tidos como irresponsáveis penalmente, não cometendo crime. Mais tarde, essas duas subclasses incorporaram-se na classe dos impúberes.
Por fim, a última subclasse, os próximos da puberdade, que para as mulheres ia dos nove e meio até os 12 anos de idade e, para os homens, dos 12 aos 14 anos. Estes, homem ou mulher, estavam sujeitos a repressões. Apesar de, no início, mesmo os menores de 25 anos, considerados relativamente incapazes, sofrerem diminuição de pena em decorrência da idade, posteriormente advieram penas mais rigorosas que equipararam os próximos da puberdade aos adultos, subme-tidos, consequentemente, às penas destes últimos.
Já no direito dos bárbaros, a capacidade do indiví-duo estava diretamente relacionada à dependência deste ao grupo familiar, afastando-se, portanto, a idade como fator determinante para a qualificação do menor.
A Idade Média, por sua vez, sofreu influências tanto do direito romano como do direito bárbaro, ora consa-grando a irresponsabilidade penal do menor, ora prescre-vendo uma atenuação da repressão e das normas proces-suais costumeiras, mas sempre menos drásticas do que aquelas aplicadas aos maiores.
Contudo, “apesar da severidade do tratamento do
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menor delinquente na Idade Média, não se pode deixar de considerar o espírito da Lei que, como em Roma, pro-cura distingui-los através de uma prática penal, sem dúvi-da severa, mas não tanto quanto aquela exercida em face dos maiores. Aliás, o que tinham em vista os penalistas medievais era a aplicação aos jovens infratores de sanções suscetíveis, na opinião da época, de infundir-lhes um te-mor sacro e um arrependimento sincero”.26
Essa situação perdurou por vários séculos, sofrendo, entretanto, no século XIX maior atenção à questão do menor delinquente pelos legisladores, visto que o mundo sofria grandes transformações com o advento da ciência, ocorrendo mudança social e econômica, resultando no aumento da criminalidade praticada pelo menor.
Nesse contexto, o crime passou a ser analisado como um fenômeno sociológico, considerando-se, para tanto, as condições individuais do agente e as do meio físico e social em que este vive e atua. Assim, os jovens infratores passaram a ser estudados em razão do quadro psicológico peculiar à idade, levando em conta seu desenvolvimento e alcance diante da infração cometida.
Por fim, “a seguinte etapa desse processo de abertura das ciências penais se revelaria no final do século XIX e no começo do século XX, com o movimento legislativo desenvolvido visando à instituição da liberdade vigiada. A iniciativa representava um saldo positivo em favor dos es-tudos e pesquisas até aí realizados e conduziria ao estabele-
26  Ana Valderez A. N. de ALENCAR, Os menores delinqüentes na legislação brasileira, Revista de Informações Legislativas, jan./ mar. 1975, p. 138.
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cimento das jurisdições especializadas para os menores”.27 Modernamente, o menor infrator é vistode forma mais ou menos rígida, variando conforme o desenvolvi-mento cultural de cada país. Especificamente no tocante à evolução histórica brasileira, pode-se dizer, em essen-cial, que durante três séculos o Brasil foi regido pelas leis portuguesas, sofrendo, por conseguinte, a influência do
direito germânico e romano.
Com o advento da independência política, a Assem-bleia Constituinte determinou, em 27 de setembro de 1823, que se mantivessem as disposições do Livro V, das Ordenações do Reino, enquanto não organizado um Có-digo específico. As Ordenações dividiam os menores em menores de 17 anos – estes não poderiam em caso algum ser punidos com pena capital, embora sujeitos a outras pe-nas; e em menores entre 17 e 21 anos – divididos em dois grupos: aqueles que revelassem grande malícia, apurada pela forma como o delito foi cometido e a própria pessoa, e podiam até ser condenados à morte; e aqueles que reve-lassem pouca malícia e podiam ter a pena reduzida.28
Assim, o Brasil passa a elaborar suas próprias leis, sendo, em 1830, promulgado o Código Criminal do Império. “De índole liberal, o Código Criminal (único diploma penal que vigorou no Brasil por iniciativa do Po-der Legislativo e elaborado pelo Parlamento), fixava um
27  Ana Valderez A. N. de ALENCAR, Os menores delinqüentes na legislação brasileira, Revista de Informações Legislativas, jan./ mar. 1975, p. 179.
28  Carlos Eduardo PACCHI, A prática de infrações penais por menores de dezoito anos, Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC., V. 5, nov. 1998, p. 177.
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esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos”.29
O Código Criminal do Império do Brasil (de 16 de dezembro de 1830), em seu artigo 10, afirmava que “não se julgarão criminosos” os menores de 14 anos. Por outro lado, o artigo 13 estabelecia que, “se provar que os meno-res de quatorze anos que tiverem cometido crimes obra-ram com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda a idade de dezessete anos”.
Portanto, abaixo de 14 anos, provar o “discernimen-to” poderia ser imputável. Acima de 14 anos, porém, era sempre imputável. Dos 14 aos 21 anos, a idade influía uma punição, mais branda. Dos 14 aos 17 anos, poderia ser aplicada a pena de cumplicidade ou tentativa.
O Código Penal da República (de 11 de outubro de 1890) estabelecia, em seu artigo 27, que “não serão criminosos: os menores de nove anos completos; os maiores de nove anos e menores de quatorze que obrarem com discernimento”.30
Na República, o Código Penal de 1890 não trou-xe modificações substanciais frente ao proposto. Neste, consideravam-se os limites de nove e 14 anos. Até os nove anos era incontestável a irresponsabilidade do menor in-frator. Entre os nove e os 14 anos, deveria o juiz verifi-car, a propósito de acusação de crime, se o menor havia
29  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 41.
30  Carlos Eduardo PACCHI, A prática de infrações penais por menores de dezoito anos, Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC., V. 5, nov. 1998, p. 178.
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procedido com discernimento, ou seja, sua aptidão para distinguir o bem do mal.31
Entre 14 e 17 anos, aplicava-se a pena de cumplici-dade. Entre os 17 e 21 anos, aplicava-se a pena atenuada.
Um exemplo notável – e controverso – de simbiose entre o Direito e o enfoque sociológico foi a “invenção” da delinquência juvenil: em 1889, o primeiro Tribu-nal de Menores foi criado em Cook, Illinois, Estados Unidos; a partir dessa data, iniciou-se a prática de não submeter menores infratores aos mesmos procedimen-tos restitutivos e punitivos impostos aos adultos. “Lá se criaram os mais interessantes tipos de institutos destina-dos a sanar os males do abandono e da criminalidade na infância e na juventude”.32
Todavia, apesar de o Código Penal brasileiro tratar do assunto em questão àquela época, crescia a necessi-dade de elaborar uma lei especial direcionada exclusiva-mente ao menor, tirando do âmbito do Direito Penal as questões referentes àquelas.
Assim, foi nessa linha de pensamento adotada por nomes de notório saber que se criou, em 12 de outubro de 1927, o Código de Menores, trazendo em seu conteúdo os princípios mais avançados que vigoravam pelo mundo.
O primeiro Código de Menores, o chamado Código Mello Mattos, aborda não só os ditos delinquentes como também os abandonados, pois estes poderão se tornar aqueles.
Pela primeira vez se fala em assistência do Estado e, também, na desvinculação às normas de Direito Penal.
31  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 338. 32  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 338.
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No Código de Menores, “consignavam-se três limites de idade: 14, 16 e 18 anos. Até os 14 anos o menor era irresponsável, não podendo ficar sujeito a medida alguma de natureza penal. Entre 14 e 16 anos, no caso de infração à lei penal, o menor era ainda irresponsável, mas se orga-nizava um processo para apurar o fato – em consequência do qual se poderiam impor medidas de assistência, por ve-zes acarretando cerceamento à liberdade. Nunca, porém, se aplicariam penas propriamente ditas. Entre os 16 e 18 anos, o menor poderia ser considerado responsável, sofren-do, então, penas previstas no Código Penal, com a redução de um terço na duração das privativas de liberdade cabíveis ao adulto. A prisão seria cumprida em estabelecimento es-pecial ou em seção especial de presídio comum, devendo o menor ficar separado dos delinquentes de maior idade”.33
Contudo, o novo dispositivo de lei, ao versar sobre o jovem infrator, contrariando a tendência da época, insti-tuiu “um verdadeiro sistema penal próprio, isto é, aplicação de sanção penal relativamente indeterminada, correspon-dente à prática do delito e a ser cumprida em reformatório ou estabelecimento anexo à penitenciária de adulto”.34
Ulteriormente, o Código Penal de 1940 (Decreto-lei nº 2.848, de 7.12.1940) exclui, expressamente, em seu artigo 23 (“Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”), o menor de 18 anos da área do Di-reito Penal, não podendo, até o limite da idade prevista,
33  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 339.
34  Adolfo Eric de TOLEDO, Menor, um problema posto em questão, Revista de Informações Legislativas, abr./jun. 1968, p. 230.
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ser processado ou condenado nos termos da lei comum, estando, portanto, sujeito aos preceitos da lei especial.
Necessárias se fizeram algumas alterações no Código de Menores, até então vigente. Com o advento do dispo-sitivo do artigo 23 do Código Penal, tornou-se inadiável o reajustamento da legislação. Uma comissão de juristas antecipou as medidas de maior necessidade, elaborando o anteprojeto de uma lei de emergência – o Decreto-lei nº 6.026, de 24 de novembro de 1943. Este, além de abranger os jovens infratores e abandonados, estabeleceu regras para viagens, carteira de trabalho, multas às infra-ções das leis, de proteção e assistência.
Pelo Decreto-lei nº 6.026, de 24.11.43, os menores infratores até 18 anos se agruparam em duas categorias, ou seja, menores de 14 anos e menores entre 14 e 18 anos (perigosos e não perigosos); tratando-se de menor até 14 anos, o juiz tomaria as medidas de assistência e proteção indicada pelos motivos e circunstâncias do fato e pelas condições do menor. Os últimos, tidos como não perigosos, poderia o juiz deixá-los com o pai ou o respon-sável; confiá-los a tutor ou dá-los em guarda; interná-los em estabelecimento para reeducação ou profissionaliza-ção. Aos perigosos, poderia ocorrer a internação em esta-belecimento adequado até cessação da periculosidadeou mesmo em seção especial de estabelecimento destinado a maiores. Completados os 21 anos e não cessada a peri-culosidade, iriam a estabelecimento agrícola ou instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional. Fi-cavam, então, à disposição do Juiz Criminal e sujeitos às normas do Código Penal.
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Relativamente “aos menores compreendidos entre os limites de 14 e 18 anos, a Lei manda que, praticada uma infração, se examine se há ou não periculosidade do infrator, por meio do conhecimento das circunstân-cias da ocorrência e das condições pessoais do menor. O Decreto-lei nº 6.026 prevê ainda a hipótese excepcional de ser conveniente a internação do menor de 18 anos em seção especial de estabelecimento reservado a adultos, quando aconselhe a sua periculosidade”.35
O Decreto-lei nº 6.026/43 prescreveu as palavras – crime, delito – dizendo sempre – infração. Assim, o menor jamais seria delinquente, mas infrator.
Diante das exigências materiais do referido Decreto--lei e das campanhas de redução da idade penal, surgiu a Lei Federal nº 5.258/67, de 10.4.1967, que estabeleceu divisões entre as infrações penais, normas para trabalho, multas e procedimentos para aplicação das medidas. Aos menores de 14 anos, as medidas de proteção e assistência. Aos menores entre 14 e 18 anos, a entrega aos responsá-veis ou internação em estabelecimento apropriado para reeducação (fato não apenado com reclusão) ou interna-ção (fato apenado com reclusão).
A Lei Federal nº 5.439/68, de 22.5.1968, substituiu a anterior, assim devolvendo ao juiz o direito de aplicar a medida em função da personalidade do menor e não do crime que praticou.
O Código Penal de 1969 (Decreto-lei nº 1.004, de 21.10.1969), que não chegou a entrar em vigor, timi-damente acolhia as exigências mais importantes de um
35  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 339.
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Direito Penal moderno.36 Este, em seu artigo 33, abraçou o critério biopsicológico ao regulamentar a menoridade. Houve uma tendência moderna em rebaixar o limite de idade para submeter os menores à disciplina dos adultos. Possibilitava-se a imposição de pena entre 16 e 18 anos, se revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para en-tender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acor-do com esse entendimento.37
Desse modo, “o menor entre 16 e 18 anos, que reve-lasse suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento, responderia penalmente pelo crime praticado. O Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001, de 21.10.1969), que entrou em vigor, fixou a imputabili-dade do menor aos 16 anos nas mesmas condições do Có-digo de 1969 (Decreto-lei nº 1.004, de 21.10.1969)”.38
Dizia o artigo 50 do Código Penal Militar (Decreto--lei nº 1.001, de 21.10.1969): “O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar de acordo com este entendimento. Neste caso a pena aplicável é di-minuída de um terço até a metade”.
Pela Lei nº 6.016, de 12.12.1973, porém, na vaca-tio legis do novo Estatuto que não chegou a viger no país, o legislador novamente elevou o limite para 18 anos,
36  Heleno Cláudio FRAGOSO, Lições de Direito Penal, p. 54. 37  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 215.
38  Paulo José da COSTA JR., Comentários ao Direito Penal, V. 1, p. 215.
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sensível às ponderações da magistratura de menores e de significativa parcela de estudiosos que destacaram as graves dificuldades para aferir a capacidade de culpa na faixa de 16 a 18 anos, mediante perícia sofisticada e de difícil praticabilidade.39
Por fim, surgiu a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, denominada novo Código de Menores, que revogou a legislação precedente, passando a regulamentar toda a problemática do menor. O Código de Menores reafirmou o limite da responsabilidade penal em 18 anos, criando a figura do chamado “menor em situação irregular”. Nesta categoria se enquadravam não só os autores de infração penal, como aqueles com desvio de conduta, vítimas de maus-tratos, privados das condições de vida etc. E as me-didas aplicáveis iam desde a advertência até a internação, passando pela colocação em lar substituto (delegação do pátrio poder, guarda, tutela, adoção – simples e plena), li-berdade assistida e entrega aos pais ou responsáveis. Previa, também, as medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis (advertência, perda ou suspensão do pátrio poder etc.).
Alheio às garantias constitucionais, o novo Código de Menores dava ao juiz enorme poder no início e na condução do processo, sem garantias processuais aos me-nores, que não foram divididos em faixas etárias.
Logo, entende-se que as medidas dos antigos Có-digos, em relação ao jovem infrator, rotuladas de prote-tivas, objetivamente não passavam de penas disfarçadas, impostas sem os critérios da retributividade, da proporcio-nalidade e principalmente da legalidade.
39  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 215.
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Penas indeterminadas e medidas de segurança sem os pressupostos da certeza da autoria, por fatos geralmente atípicos, repetiam-se no “superior interesse do menor”, que precisava ser “protegido” dos “condicionamentos negativos da rua”. Com tal falácia, crianças e adolescentes pobres eram internados, isto é, presos em estabelecimentos penais rotula-dos de Centros de Recuperação, de Terapia e, até, de Proteção, quando não reclusos em cadeias de celas de adultos.
Sob o pretexto de proteger, o Estado pôde segregar jovens “indesejáveis”, sem que tivesse de se submeter aos “difíceis caminhos” da estrita legalidade, das garantias constitucionais e dos limites do Direito Penal.
O Código Penal sofreu uma adaptação em sua Parte Geral, culminando na Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, sendo a questão do menor exposta no artigo 27 (“Os menores de dezoito anos são penalmente inimputá-veis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”), passando-se para menores de 18 anos penal-mente inimputáveis e não irresponsáveis como outrora.
Portanto, “ao estabelecer o Código que os menores de 18 anos são inimputáveis, adotou uma presunção abso-luta de inimputabilidade. Basta que o menor tenha menos de 18 anos para ser considerado inimputável, com base num critério meramente biológico, a menoridade”.40
O texto que compõe a nova Parte Geral supera am-plamente o conteúdo da frustrada reforma de 1969, pois apresenta uma nova linha de política criminal, muito mais em conformidade com os Direitos Humanos.
40  Paulo José da COSTA JR., Comentários ao Direito Penal, V.1, p. 215.
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A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 prevê também expressamente a inimputabilidade dos menores de 18 anos, sujeitando-os apenas à legislação es-pecial em seu artigo 228: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, repetindo, dessa forma, o artigo 27 do Código Penal de 1940. “Assim o artigo 50 do Código Penal Mili-tar (Decreto-lei nº 1.001, de 21.10.1969), que estabele-cia a imputabilidade do menor de 16 anos desde que re-velasse suficiente desenvolvimento psíquico, foi revogado pela norma Constitucional”.41
Atualmente, os menores de 18 anos são regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ficando sujeitos aos seus manda-mentos, uma vez que o atual Código Penal brasileiro reza ser inimputável o menor de 18 anos.
Para a Legislação Especial, “são crianças as pessoas com até 12 anos de idade incompletos e adolescentes aqueles entre 12 e 18 anos”.42
41  Julio Fabbrini MIRABETE, Manual de Direito Penal, V. 1, p. 215. 42  Ney Moura TELES, Direito Penal, V. 1, p. 264-265.
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CAPÍTULO III
SER PESSOA– TER CAPACIDA-
DE E PERSONALIDADE
Numa concepção subjetiva, o Direito consiste na facilidade de poder ou agir conferido a um sujeito ou titular. Portanto, a existência do Direito está diretamente relacionada a um sujeito ou pessoa, por serem estes seus respectivos titulares.
Adotando a visão jurídica, “pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações” (ressaltan-do-se que, modernamente, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico).
Entretanto, capacidade e personalidade estão direta-mente relacionadas ao conceito jurídico de pessoa. Con-forme já disse o ilustre civilista Washington de Barros Monteiro, “capacidade é aptidão para adquirir direitos, por si ou por outrem, atos da vida civil. O conjunto des-ses poderes constitui a personalidade, que, localizando-se ou concretizando-se num ente, forma a pessoa”.43
O indivíduo adquire a personalidade com o nascimen-to com vida, sendo a capacidade de direito também adqui-
43  Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil, V. 1, p. 57.
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rida nesse instante, visto que ela é inerente ao ser humano, onde a pessoa normalmente tem essa capacidade.
Todavia, a capacidade de fato, ou seja, a aptidão para exercitar direitos com a real consciência e vontade, está subordinada a certos requisitos objetivos, como a idade e o estado de saúde. A idade é o ponto de partida para se chegar a certas definições, como menor e maior; menori-dade e maioridade; ser absoluta e relativamente incapaz.
Por menor, no sentido técnico-jurídico, entende-se a pessoa que não tenha ainda atingido a maioridade, ou seja, aquela que não tem a idade completa, exigida por lei, para que seja considerada capaz, maior.
Desse entendimento, extrai-se a definição de menori-dade e de maioridade. Aquela é empregada para designar o período em que o indivíduo, por não ter atingido a idade legal para a maioridade, é considerado incapaz para dirigir sua pessoa e administrar seus bens; enquanto esta consiste no estado da pessoa que completou a idade em que a Lei lhe outorga capacidade plena para todos os atos da vida civil. Segundo nossa antiga legislação pátria, regida pelo Código Civil de 1º de janeiro de 1916 (Lei nº 3.071/16), em seu artigo 9º,44 a maioridade civil se consumava aos 21 anos, considerando-se, é claro, o critério idade.
Com o advento do novo Código Civil, Lei nº 10.406 – sancionado em 10 de janeiro de 2002 –, que passou a vigorar em 11 de janeiro de 2003, a nova legis-lação brasileira trouxe alterações, consagrando, assim, no
44  “Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.”
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artigo 5º,45 tendências já aceitas por muitos, em que a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pes-soa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Entendem-se por absolutamente incapazes os menores de 16 anos, ou seja, a pessoa que, por não ter atingido a idade limite exigida por lei, não pode praticar sabidamente atos jurídicos. Esse instituto não sofreu alteração na nova legislação. Quanto aos relativamente incapazes, aqueles que, por terem alcançado determinada idade, já são autorizados a praticar certos atos de relevância jurídica, houve alteração. O antigo Código Civil (Lei nº 3.071/16) compreendia, como relativamente incapazes, os maiores de 16 anos até 21 anos; já o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) os compreen-de como os maiores de 16 anos até 18 anos.
Por último, a emancipação consiste num meio capaz de remover a incapacidade decorrente da menoridade. De Plácido e Silva leciona: “na realidade, a emancipação não extingue a menoridade, pois que esta, a rigor, deter-mina uma fase da vida, limitada pela idade, que é fato natural, embora determinado por lei. A emancipação anula os efeitos da menoridade, tornando capaz o menor, equiparando-se ao maior”.46
Pelo antigo Código Civil, o menor, para ser emanci-pado, deveria ter 18 anos completos (artigo 9º, § 1º, I, da Lei nº 3.071/16)47; já pela nova legislação, para receber esse benefício, deve ter 16 anos completos, conforme o
45  “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pes-soa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.”
46  Vocabulário Jurídico DE PLÁCIDO E SILVA.
47  “I – Por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por senten-ça do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos;”
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artigo 5º, § único, I, da Lei nº 10.406/2002.48
As demais circunstâncias que cessam a incapacidade para os menores não foram alteradas pela nova legislação, permanecendo intactos os incisos: II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público e efetivo; IV - pela colação de grau científico em curso de ensino superior. Apenas o inciso V - pelo estabelecimento civil ou comer-cial, com economia própria - teve uma complementação em sua redação original.49
No mesmo sentido, “na maioridade a capacidade é adquirida por um fato natural, a idade. Na emancipa-ção, ou é adquirida por uma concessão legal ou por uma concessão paterna ou materna, mesmo sem que se tenha atingido a maioridade”.50
48  “I – Pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologa-ção judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;”
49  “V – Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”
50  Adolfo Eric de TOLEDO, Menor, um problema posto em questão, Revista de Informações Legislativas, jul./dez. 1967, p. 169.
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CAPÍTULO IV
CULPABILIDADE
1. Conceito
A evitabilidade dos fatos humanos é a ideia básica central sobre a qual vai ser construída a noção de culpabi-lidade. Só o homem, porque conhece as leis da natureza e porque é livre para agir, pode prever as consequências dos atos que praticar, e, prevendo-as, desejar que elas se realizem ou não ocorram, evitando-as.
Da mesma ideia de evitabilidade surge o conceito de previsibilidade, que é a possibilidade de ser antevisto um resultado lesivo, uma consequência do comportamento humano. E, com base nessas duas noções básicas, constrói--se outro conceito fundamental, o de voluntariedade, a von-tade que o homem tem de alcançar determinado objetivo.
Tem início a elaboração do conceito de culpabilida-de, que só existia se o resultado fosse evitável, se houvesse previsibilidade, se o homem pudesse prevê-lo. Prevendo-o, poderia ter evitado, e, tendo vontade de que ele aconteces-se, era, por isso, culpado. Era o dolo. Não prevendo o que deveria ter previsto, o homem terá agido indevidamente,
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não evitando o errado porque não agiu como deveria ter agido. Deveria ter previsto o previsível, evitado o evitável. Era, por isso, culpado. Eis a culpa, em sentido estrito.
Essas observações acerca do comportamento inter-no do sujeito constituem a subjetividade que se passou a exigir para a aplicação da pena criminal. Surgiu um novo Direito Penal, o da responsabilidade subjetiva, o Direito Penal da culpabilidade.
2. Teorias
A ação humana, para ser punível, deve ser culpável. O dolo e a culpa pressupõem indispensáveis condições psí-quicas. “Para proceder dolosa ou culposamente, o agen-te deve possuir certo grau de desenvolvimento mental e encontrar-se em suficiente saúde de espírito, de modo a se lhe reconhecer, com o uso da razão, o da inteligência e da vontade. Não há culpabilidade sem poder o agente dispor de vontade consciente”.51
O conceito de culpabilidade foi se modificando através dos tempos, destacando-se três teorias: a Teoria Psicológica, a Teoria Psicológico-Normativa e a Teoria Nor-mativa Pura ou Teoria da Culpabilidade.
Para a Teoria Psicológica, culpabilidade é a ligaçãopsíquica entre o agente e o fato, tendo em sentido estrito o dolo e a culpa, com base nas duas ideias-básicas primi-
51  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 325-326.
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tivamente construídas: previsibilidade e voluntariedade.52
No entanto, afirma que o dolo e a culpa, stricto sen-su, são espécies de culpabilidade. De consequência, duas noções opostas, antagônicas, seriam espécies de um mesmo denominador comum, o que é, no mínimo, incoerente.53
A Teoria Psicológico-Normativa acrescenta um novo caráter normativo, que é o juízo de valor de reprovação, que se faz sobre a conduta do agente, pelo fato praticado, quando presente a exigibilidade de conduta diversa.
No início do século XX, o jurista alemão Frank per-cebeu que a culpabilidade não era apenas um liame psi-cológico entre o agente e o fato, mas a reprobabilidade do agente, pelo fato que ele realizou, com dolo ou culpa, em sentido estrito. Essa reprobabilidade só poderia ser feita quando se pudesse exigir do agente a conduta diferente da realizada. Frank introduziu, no conceito de culpabili-dade, uma exigência de caráter normativo: a exigibilidade de conduta diversa. O dolo e a culpa, em sentido estrito, não são espécies de culpabilidade, mas seus elementos.
Em síntese, presentes o pressuposto – imputabili-dade – e os elementos da culpabilidade, o agente teria sobre seu comportamento o juízo de censura, de repro-vação; por isso, seria culpado, devendo, de consequência, receber a sanção penal.54
Para a Teoria Normativa Pura ou Teoria da Culpabi-lidade, culpável, portanto, é o fato praticado por um su-jeito imputável que tinha possibilidade de saber que seu
52  Ney Moura TELES, Direito Penal, V. 1, p. 257. 53  Ibid., p. 258.
54  Ney Moura TELES, Direito Penal, V. 1, p. 258-259.
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comportamento era proibido pelo ordenamento jurídico, e que, nas circunstâncias em que agiu, poderia ter agido de modo diferente, conforme o Direito. É o finalismo que esclarece esse conceito.
Hans Welzel, quando formulou a Teoria Finalista da ação, apresentou nova concepção sobre a culpabilidade, fulminando a Teoria Psicológico-Normativa e construindo uma nova estrutura do crime. Primeiramente demons-trou que o dolo e a culpa, em sentido estrito, não são elementos da culpabilidade, porque se situam no inte-rior dos dois tipos legais de crime, e, de consequência, integram a própria conduta e o fato típico. Todos os tipos são dolosos ou culposos. Toda conduta humana é final, di-rigida a determinada finalidade.
Welzel demonstrou que não se pode exigir consciên-cia real, atual, mas apenas a consciência potencial, a pos-sibilidade de conhecer a ilicitude. Culpabilidade para o finalismo é um puro juízo de valor, normativo, de repro-vação da conduta do agente imputável, com consciência potencial da ilicitude, que poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo.55
Assim, se o fato for culpável, ter-se-á aperfeiçoado o crime, e deverá haver como consequência uma pena. Daí o nome Teoria Normativa Pura ou Teoria da Culpabilidade.
3. Culpabilidade e crime
Na evolução da teoria jurídica do crime, encontra-
55  Ney Moura TELES, Direito Penal, V. 1, p. 260-261.
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-se a expressão culpabilidade, que sofreu, no decorrer dos tempos, grandes transformações conceituais, sendo hoje entendida, segundo a doutrina mais moderna, como pres-suposto de pena e não requisito ou elemento do crime, como se acreditava.
Na exegese do Código Penal brasileiro, entende-se como crime o fato típico e antijurídico, excluindo-se, as-sim, a culpabilidade como um de seus requisitos. Hoje, esta é tratada, repita-se, como pressuposto de pena, ligando o agente à punibilidade, ou seja, o agente só é apenado se for culpável. Assim, a punibilidade encontra-se direta-mente relacionada com a culpabilidade, visto que só será punível quem for culpável, podendo ocorrer, portanto, um crime não punível, não culpável.
Todavia, em tempos primitivos o homem era consi-derado culpável e, consequentemente, responsável pelo resultado causado, independentemente de sua intenção, distanciando-se, assim, do fato causado. Era a chamada res-ponsabilidade objetiva, predominante entre os povos bárba-ros, como os germanos e no Direito Romano. Já no Direito Romano Clássico se desenvolve a ideia da culpabilidade, que vai ser mantida e enriquecida no Direito Canônico.
Hoje, a responsabilidade objetiva é totalmente su-perada e combatida pelo direito pátrio. É oportuno res-saltar que se entende, atualmente, por responsabilidade, a “obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato; ela depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as consequências do fato criminoso (ser responsável) senão o que tem a consciência
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da sua antijuricidade e quer executá-lo (ser imputável)”.56 A superação da responsabilidade objetiva deu-se em virtude de toda uma evolução do pensar e do agir. Des-pontando, na linguagem jurídica, expressões como evita-bilidade, previsibilidade, voluntariedade, responsáveis pela construção de uma nova noção de culpabilidade, dando
início a uma nova era do ponto de vista penalístico. Numa linguagem mais técnica, pode-se definir cul-
pabilidade, de acordo com a Teoria Finalista da ação, como “o poder concreto de agir conforme a norma, pró-prio de sujeito imputável que realiza, sem justificação, o tipo de um crime, conhecendo (ou podendo conhecer) a antijuricidade da ação típica em situação de exigibilidade de comportamento diverso”.57
Imputar, na língua portuguesa, significa atribuir a alguém ou a alguma coisa a responsabilidade de. Ou seja, significa dizer que certa pessoa foi a causadora de determinado fato, sendo ela responsável pelo ato co-metido. Nesse sentido, vislumbra-se em primeiro plano o fato, e não o agente. Abordando este, compreende ap-tidão para ser culpável. Em outras palavras, capacidade para ser responsável penalmente.
Diz-se, ainda, inimputável, o agente que não tem capacidade para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme o entendimento, afastando-se, assim, a culpabilidade.
Analisando-se o menor infrator em conformidade com a Doutrina Clássica, conclui-se que não comete cri-
56  Edgard Magalhães NORONHA, Direito Penal, V. 1, p. 161. 57  João MESTIERI, Teoria Elementar do Direito Criminal, p. 200.
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me, uma vez que, de acordo com essa corrente, a cul-pabilidade é elemento do crime ao lado do fato típico e da antijuricidade. Por sua vez, a culpabilidade tem por elemento a imputabilidade, juntamente com o dolo e a culpa e a exigibilidade de conduta diversa. Portanto, o menor, por ser inimputável, não comete crime quando pratica um ilícito penal, já que não é culpável.
Por outro lado, adotando-se a doutrina que tem por fundamento a Teoria Finalista da ação, entende-se que o menor infrator, apesar de não ser culpável, por ser inimputá-vel, comete crime, visto que este, de acordo com essa corren-te, tem apenas como elementos o fato típico e antijurídico, estando a culpabilidade como pressuposto da pena.
Assim, mesmo que o menor não possa ser punido pelo fato praticado, sua conduta continua a ser típica e antijurídica.
O legislador penal brasileiro adotou o entendimen-to da Teoria Finalista da ação, reconhecendo como crime a conduta do menor infrator, apesar de ser este inimputável.
4. Culpabilidade e capacidade
Na Teoria da Culpabilidade, encontra-se a imputa-bilidade como um de seus elementos e presente em toda a sua evolução, estando, por isso, a imputabilidade, na história jurídica, sempre vinculada à culpabilidade.
Hoje, na linguagem usual, entende-se por imputa-bilidade o ato de se atribuir a alguém a responsabilidade de. Entretanto, numa abordagem jurídica, essa atribui-
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ção pressupõe capacidade de reprovação. Foi o finalismoque trouxe o traço marcante da imputabilidade para o mundo do Direito.
Partindo-se da ação do agente para a análise do crime, e a compreendendo não como um singelo movi-mento causal, mas como uma vontade humana finalisti-camente manifestada, exige-se do agente criminoso, num momento anterior à prática do delito, “capacidade” para presumir o resultado e os efeitos provenientes de sua ação e, ainda, a real consciência dos meios necessários para a obtenção desse resultado.
Portanto, a capacidade, dentro da Teoria Finalista, é ponto marcante para o entendimento da imputabilidade. Contudo, essa capacidade intelectiva e volitiva refere-se a um puro juízo de valoração, não exigindo do agente uma percepção concreta do caráter ilícito de sua conduta.
Tecnicamente, entende-se por imputabilidade a ca-pacidade de culpabilidade do agente delituoso, servindo--se de condição para esta. Não se trata, como se vê, de pressuposto de pena, mas sim de culpabilidade.
É oportuno esclarecer que parte da doutrina entende a imputabilidade não como um simples elemento da culpabilidade, mas como o seu pressuposto, ao argumento de que um indivíduo só será imputável se for responsável, ou seja, aquele que deu causa ao resultado e que deve responsabilizar-se pelo fato cometido; por sua vez, se for responsável, deverá responder pelo fato--crime na medida de sua culpabilidade de acordo com as sanções penais previstas em lei.
Daí se afirma que o conceito de culpabilidade assen-
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ta-se no princípio da responsabilidade penal, e este, por sua vez, apoia-se na imputabilidade do indivíduo.
Modernamente, a imputabilidade é entendida como a capacidade de entender e querer do indivíduo. Portan-to, “imputável é o sujeito são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os manda-mentos da ordem jurídica”.58
Com efeito, do conceito de imputabilidade, extrai--se a definição de inimputabilidade, que pode ser enten-dida como incapacidade para entender o caráter ilícito do fato ou de comportar-se conforme esse entendimento, afastando, com isso, a culpabilidade.
Destaca-se, ainda, que entre a imputabilidade e a inimputabilidade encontra-se a imputabilidade diminuí-da ou os semi-imputáveis. São aqueles que não têm a “ple-nitude” da capacidade intelectiva e volitiva. Diante desses casos, o Código Penal manda se fazer a redução de pena.
Por fim, resta esclarecer que há casos em que o indi-víduo se coloca em estado de inimputabilidade para a práti-ca do delito, que se denomina “actio libera in causa” (ação livre na sua causa).59
Trata-se de assunto delicado e controvertido. Entretan-to, segundo o melhor entendimento, deve-se observar nessas situações se o agente se colocou voluntariamente em estado de inimputabilidade e, ainda, se está presente na conduta do indivíduo o dolo ou a culpa ligado ao resultado obtido, para que assim o sujeito possa responder pelo crime.
58  Damásio E. de JESUS, Direito Penal, V. 1, p. 410.
59  Maximilianus Cláudio Américo FÜHRER & Maxilimilano Roberto Ernesto FÜHRER, Resumo de Direito Penal, V. 5, p. 80.
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CAPÍTULO V
INIMPUTABILIDADE
1. Critérios
Inimputável é o agente a quem, por motivo particular ou legal, não se pode atribuir responsabilidade criminal de certa infração. Quando a imputabilidade está ausente, ou se mostra imperfeita, com ela se exclui ou se atenua a cul-pabilidade e, portanto, a responsabilidade penal.
Esses estados de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída são definidos nas legislações segundo três cri-térios – o biológico ou psiquiátrico, o psicológico ou o misto ou biopsicológico.60
O critério biológico julga certos estados da patologia mental, de desenvolvimento mental deficiente ou trans-tornos mentais transitórios, patológicos ou não. “Presen-te a enfermidade mental, se dá a inimputabilidade, sem se indagar se as mórbidas condições de espírito do agente é que suscitaram a sua conduta criminosa”.61
Existindo um desses estados, associa-se a ausência da
60  Aníbal BRUNO, Direito Penal, V. 1, T. II, p. 129.
61  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 339.
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imputabilidade. Sob esse critério, não importa saber se realmente faltam ao agente os elementos psíquicos que o tornariam imputável, mas, apenas, se existe um daqueles estados anormais do espírito, que geralmente determi-nam a diminuição ou exclusão daqueles elementos.
O critério biológico é deficiente, pois não basta a existência de determinado estado anômalo mental para fazer concluir pela exclusão dos elementos psíquicos da imputabilidade. Em geral, depende da natureza, do grau ou do momento da evolução da perturbação mental. Se-guem esse critério os códigos brasileiro, francês, espanhol, belga, austríaco, chileno, japonês e grego.
Pelo critério psicológico, a Lei enumera os aspectos da atividade psíquica cuja deficiência torna o indivíduo inimputável – falta de inteligência ou vontade normais, ou fatores equivalentes – sem referência às causas patológicas que as determinam, deixando-o muito impreciso e capaz de ser estendido abusivamente a condições que o legisla-dor não entendeu incluir na hipótese, como ocorreu no Código Penal anterior (1890), com referência a completa privação, alterada depois para completa perturbação, dos sentidos e da inteligência.
Por esse critério, “faz-se abstração da existência da enfermidade, dispensa-se mesmo a sua positivação, para atentar à perturbação psíquica do sujeito ativo, a qual pode não ter causa patológica”.62
As legislações modernas recorreram ao terceiro crité-rio, o biopsicológico ou misto, que se refere a determinados
62  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. I, p. 328-329.
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estados anormais do espírito, com a exigência de certas consequências psicológicas, porém não consequências psicológicas puras, mas relacionadas com a norma de comportamento social.
Assim, “faz-se a fusão dos dois métodos e tem-se em consideração, conjugadas para autorizar o reconhe-cimento da inimputabilidade, a enfermidade ou defici-ência mental e a perturbação consequente, que precisa abolir, no autor do fato, o entendimento ético-jurídico e a faculdade de livre determinação da vontade”.63
A presença dos estados de perturbação mental determina apenas uma presunção de inimputabili-dade, ou uma inimputabilidade condicionada, que só será julgada efetiva quando verificada realmente a ausência daqueles atributos psíquicos que compõem a imputabilidade.64
Adotaram esse critério os códigos alemão, italiano, suíço, argentino e uruguaio.
Do exposto, conclui-se que o legislador nacional adotou o critério biológico para demarcar a esfera da inimputabilidade, visto que levou em conta, exclusiva-mente, o fator idade, não considerando, para tanto, o caráter psicológico do indivíduo, ou seja, o menor de 18 anos será sempre inimputável, por absoluta presunção legal, mesmo que tenha discernimento sobre a conduta ilícita praticada.
63  Basileu GARCIA, Instituições de Direito Penal, V. 1, T. II, p. 328-329.
64  Aníbal BRUNO, Direito Penal, V. 1, T. II, p. 130-131.
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2. Imputabilidade e responsabilidade
Partindo do princípio de que imputabilidade é o con-junto de circunstâncias especiais que demonstram nexo cau-sal entre o ilícito penal e o seu suposto autor, não se confunde com a responsabilidade penal, que corresponde às conse-quências jurídicas oriundas da prática de uma infração.
Imputabilidade “é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a capacidade genérica de entender e querer, ou de autogoverno, que tem o maior de 18 anos”.65
Responsabilidade, ensinava Magalhães Noronha, “é a obrigação de que alguém tem de arcar com as consequên-cias jurídicas do crime.

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