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1 REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL – OBRIGAÇÃO PROPTER REM, IMPRESCRITIBILIDADE DO PEDIDO E INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS Karla Virgínia Bezerra Caribé Procuradora Federal em exercício no Ibama. Pós-graduada em Direito Processo Civil e em Direito Público. RESUMO: A efetividade do direito difuso ao meio ambiente equilibrado só é garantida por meio da busca constante à reparação do dano ambiental praticado. Os princípios que regem a matéria possibilitam que a recuperação do prejuízo seja realizado a qualquer tempo pelo atual proprietário/responsável pela área degradada, independentemente de quem foi o real causador do dano, em virtude do regime de responsabilização objetiva vigente. As diretrizes aplicáveis, portanto, tornam imprescritível a ação de reparação e garantem o caráter propter rem à obrigação em análise. Em virtude de tais características, não há que se falar em situações jurídicas consolidadas quanto em conflito a necessária proteção ao meio ambiente. PALAVRAS-CHAVE: Reparação de dano ambiental. Regime jurídico aplicável. Obrigação propter rem. Ação imprescritível. SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Imprescritibilidade da pretensão reparatória; 2 Da responsabilidade objetiva e do dever de reparação do dano ambiental; 3 Do caráter propter rem da obrigação em análise; 4 Da inexistência de direito adquirido à degradação ambiental e do descabimento de aplicação do termo “situações jurídicas consolidadas” a questões ambientais; 5 Considerações finais; Referências. CONSIDERAÇÕES INICIAIS É sabido que um dos maiores problemas atuais enfrentados pela humanidade diz respeito ao meio ambiente, pois é cada vez mais comum a configuração de danos ambientais que causam tragédias, alterações climáticas significativas, tsunamis, furações, extinção de espécies da fauna e da flora, etc. O colapso ambiental que pode estar se aproximando exige da sociedade a adoção de medidas que, não só garantam a preservação dos recursos ambientais ainda existentes, mas também permitam efetivamente a recuperação ambiental dos danos já causados, que são inúmeros e estão por toda parte. Em face disso, torna-se premente a análise do sistema jurídico vigente e a interpretação doutrinária e jurisprudencial da normativa sobre o assunto, para garantir a efetividade da desejada reparação ambiental. Adiante, restarão analisados os principais princípios a serem aplicados nas ações reparatórias, com uma visão de quem tem verdadeira preocupação com a causa ambiental e defende, num eventual conflito de interesses, a proteção do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 1 IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO REPARATÓRIA Segundo o art. 225, § 3º, da Constituição Federal: 2 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. A obrigação de reparar o dano ambiental causado, que tem previsão constitucional, é dotada de uma séria de características especiais, em razão da relevância do bem jurídico tutelado. No que tange ao prazo legal para se buscar a reparação de dano em área degradada, já é pacífico o entendimento de que é imprescritível a ação de reparação/recuperação ambiental. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por diversas vezes, posicionou-se sobre o tema: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. 1.É da competência da Justiça Federal o processo e julgamento de Ação Civil Pública visando indenizar a comunidade indígena Ashaninka-Kampa do rio Amônia. 2. Segundo a jurisprudência do STJ e STF trata-se de competência territorial e funcional, eis que o dano ambiental não integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente espraiando-se por todo o território do Estado, dentro da esfera de competência do Juiz Federal. 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena. 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação. 3 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. 9. Quando o pedido é genérico, pode o magistrado determinar, desde já, o montante da reparação, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ. 10. Inviável, no presente recurso especial modificar o entendimento adotado pela instância ordinária, no que tange aos valores arbitrados a título de indenização, por incidência das Súmulas 284/STF e 7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. G.N. (REsp 1120117/AC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009). Outros Tribunais, de forma uníssona, afirmam que: AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO IRREGULARMENTE CONSTRUÍDA. DIREITO DE INDENIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA. É de ser afastada a prescrição quando se trata de bem de titularidade coletiva, pelo fato de pertencer a todos, não podem ter aplicação as regras típicas do Direito Civil, de caráter individualista, que buscam punir o titular do direito que, pela sua inércia no exercício da sua pretensão, passa a ser atingido pela prescrição. [...]G.N. (TRF/4ª Região, 3ª turma, AC nº 200372080088401, D.E 07/04/2010, Relator Nicolau Konkel Júnior). De fato, a prescrição é instituto destinado a privilegiar a pacificação das relações sociais, atuando como verdadeira penalidade no caso de inércia. A prescrição, se configurada, é capaz de extinguir a pretensão daquele que não a exerce durante um determinado período de tempo. Assim, na própria definição do termo, é possível concluir que a prescrição regula as relações de direito privado, notadamente relativa aos interesses de cunho individual e disponível. Seriailógico falar em extinção da pretensão pelo seu não exercício, por quem sequer detém a titularidade do direito material, ou dele não pode dispor. Nesse sentido, a prescrição é inaplicável em se tratando de direitos difusos. A doutrina também compartilha o entendimento de que, em relação à pretensão que visa à recuperação do meio ambiente degradado, é imprescritível o direito de ação coletiva. Sobre o assunto, impende transcrever a doutrina de Hugo Nigro Mazzilli: Tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat dos ser humano. Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente1. Válidos, ainda, são os ensinamentos de Édis Milaré: A doutrina tradicional repete, uníssona, que só a pretensão envolvendo direitos patrimoniais é que está sujeita à prescrição2. 1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 17. ed. São Paulo: Saraiva, p. 515. 2 João Luís Alves. Código Civil. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1935, p. 181; Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. São Paulo: Francisco Alves, 1959. v. 1, p. 355; Aldyr Dias Vianna. 4 “Como os direitos difusos não têm titular determinável, não seria correto transportar-se para o sistema da indenização dos danos causados ao meio ambiente o sistema individualístico do Código Civil3”, sob pena de sacrificar-se toda a coletividade, sua titular. [...] Em resumo, não estamos diante de direito patrimonial quando se fala de tutela do meio ambiente difusamente considerado. As pretensões veiculadas na ação civil pública se relacionam com a defesa de um direito fundamental, indisponível, do ser humano; logo, inatingível pela prescrição4. Assim, resta consolidado o entendimento de que a reparação de dano ambiental não se sujeita a prazo prescricional. Ademais, é preciso reconhecer neles a característica de continuidade, fato que, inequivocamente, afasta a hipótese de fluência de quaisquer prazos prescricionais. Também nesse sentido, já se manifestou o STJ: CIVIL. PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO CONTINUADA. INOCORRÊNCIA. A continuada violação do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de poluição praticados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do último ato praticado. Recurso não conhecido. (RESP 20645/SC, DJ DATA: 07/10/2002, Relator Min. BARROS MONTEIRO (1089) Relator p/Acórdão Min. CESAR ASFOR ROCHA). 2 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E DO DEVER DE REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL É responsável pela reparação ambiental aquele que, direta ou indiretamente, por meio de sua conduta (ação ou omissão) alterou adversamente as características do meio ambiente. Nos termos do art. 3º da Lei Federal nº 6.938/1981: Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; Da prescrição no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 40; Paulo Tomrnn Borges. Decadência e prescrição. São Paulo: Pró-Livro, 1980, p. 48. 3 NERY, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecológico e ação civil pública. Justitia, São Paulo: Ministério Público de São Paulo, v. 126, 1984, p. 186. 4 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1457/1458. 5 IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) Uma vez configurado juridicamente o dano ambiental, o poluidor deve ser civilmente responsabilizado. Por imperativo legal específico do artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, tem-se que, em matéria de meio ambiente, a responsabilidade civil do causador do dano é objetiva e, portanto, independente da prova de culpa. Confira-se: Art 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...] § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Ao se tratar de dano ecológico, não se pode pensar em outra forma de responsabilidade objetiva que não seja a do risco integral, pois é aquela que permite a mais eficiente responsabilização de prejuízos ambientais. Sobre o assunto, vale conferir entendimento do STJ: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA - DANO AMBIENTAL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA - REPOSIÇÃO NATURAL: OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO - CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 3. A condenação do poluidor em obrigação de fazer, com o intuito de recuperar a área degradada pode não ser suficiente para eximi-lo de também pagar uma indenização, se não for suficiente a reposição natural para compor o dano ambiental. 4. Sem descartar a possibilidade de haver concomitantemente na recomposição do dano ambiental a imposição de uma obrigação de fazer e também a complementação com uma obrigação de pagar uma indenização, descarta-se a tese de que a reposição natural exige sempre e sempre uma complementação. 5. As instâncias ordinárias pautaram-se no laudo pericial que considerou suficiente a reposição mediante o reflorestamento, obrigação de fazer. 6. Recurso especial improvido. G.N 6 (STJ. REsp 1165281/MG. Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010). A caracterização da responsabilidade civil do agente exige tão-somentea configuração do evento danoso e do nexo causal, dispensando-se a avaliação do elemento moral, ou seja, da culpa. Nesse sentido, vale transcrever o disposto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil (Lei nº 10.406/2001), que reforça a adoção pelo ordenamento jurídico pátrio da responsabilidade objetiva por danos causados a interesses difusos, como é o caso do meio ambiente: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Impõe-se, assim, o afastamento da responsabilidade subjetiva, aplicável tão- somente em caso de conflitos intersubjetivos, em que a intenção do agente é fator relevante. Tratando-se de dano ambiental, não se deve perquirir, portanto, acerca da subjetividade da conduta, mas apenas da ocorrência de prejuízos ao meio ambiente, bem difuso pertencente a toda coletividade. Sobre o assunto, MANCUSO5 esclarece que não devem ser aceitas as clássicas causas de exclusão de responsabilidade (caso fortuito, força maior, proveito de terceiro, licitude da atividade e culpa exclusiva da vítima). Na medida em que a apreciação de lesão a interesses meta individuais exclui a aplicação de esquemas tradicionais, fundados na culpa ou na intenção do agente, de modo a evitar “brechas” no sistema protetivo capazes de impedir a tutela do relevantíssimo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, mesmo nos casos em que haja certa dúvida sobre a ação do agente, não estaria afastado o seu dever de recuperar a área degradada, levando-se em conta o sistema de responsabilidade objetiva em danos ambientais. A restauração do dano, conforme o sistema legislativo vigente, configura-se verdadeira obrigação imposta ao proprietário ou possuidor da área degradada. Os atuais proprietários, portanto, têm responsabilidade direta sobre as atividades desenvolvidas na área, como edificação, por exemplo, e pelos danos ambientais que se configuraram ou tiveram continuação, por sua ação ou mesmo omissão. Não há fundamento válido para excluir a sua responsabilidade civil reparatória. A doutrina compartilha desse mesmo entendimento: Não é raro o autuado afirmar que já comprou o imóvel construído, ou que detém apenas a posse e não o domínio. Em verdade, a construção irregular é do imóvel, e a infração acompanha a quem detém a propriedade, inexistindo direito adquirido de quem o comprou em mantê-lo em situação irregular6. [...] A tese da responsabilidade objetiva em Direito Ambiental também é aceita, de forma pacífica, pelo Poder Judiciário, conforme faz prova a decisão que se traz à baila: PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO 5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 342-343. 6 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente, 3. ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 106. 7 – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMETAÇÃO: SÚMULA 284/STF – INADMISSIBILIDADE. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade do adquirente do imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). [...] (STJ, 2ª Turma, Recurso Especial nº 1056540, DJE 14/09/2009, Rel. Min. Eliana Calmon). Vê-se, portanto, que em razão da responsabilidade objetiva aqui tratada a jurisprudência pátria firmou o entendimento no sentido de que o dever de proteção ao meio ambiente, bem como as responsabilidades decorrentes deste, devem se transferir, de forma automática, com a alteração do domínio do bem lesado, o que significa que sua reparação poderá também ser exigida do novo proprietário. 3 DO CARÁTER PROPTER REM DA OBRIGAÇÃO EM ANÁLISE Em razão das razões acima apontadas no que tange ao cometimento de danos ambientais e ao dever de repará-los, tem-se que a obrigação decorrente de eventuais prejuízos ou interferências negativas ao meio ambiente são propter rem, possuindo caráter acessório à atividade ou propriedade em que ocorreu a poluição ou degradação. E, por isso, tal responsabilidade seguirá a atividade ou a propriedade, mesmo após transmitidas a terceiros. Assim, resta pacífico que o adquirente é responsável pelo passivo ambiental do imóvel adquirido. Caso contrário, a degradação ambiental dificilmente seria reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infração e desfazer-se do bem lesado para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer ônus reparatório. Da necessidade de se evitar esse tipo de burla, tem-se que a obrigação de reparação é propter rem, ou seja, segue a coisa, independentemente do atual titular do domínio/posse. Em face disso, se determinada atividade poluidora ou propriedade que esteja em desacordo com as leis ambientais tiver seu domínio transferido a terceiro, será este solidariamente responsável pela sua regularização, assim como pela recuperação dos danos causados. Com isso, evitar-se-á que o novo responsável deixe de adotar as providências necessárias a permitir o retorno do equilíbrio ambiental, sob o argumento inválido de não ter sido o causador do dano ou de não o ter iniciado. Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo proprietário/possuidor se omitir no que tange à necessária regularização ambiental é mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ação ou omissão, além de não garantir a desejada reparação, permitirá a continuidade do dano ambiental iniciado por outrem. Daí, ser inegável sua responsabilidade civil. Válido, sobre o assunto, é o entendimento esposado pela advogada Laila Abud, segundo a qual: Assim, a título exemplificativo, se determinada construção foi realizada em área de preservação permanente ou certo imóvel rural 8 esteja irregular quanto à identificação e registro da reserva legal, não basta ao novo proprietário – que adquiriu a propriedade já naquele estado – promover, respectivamente, a demolição da construção ou averbação da área nos termos da Lei. Imperioso que também adote as medidas adequadas para recuperar ou compensar o dano causado, promovendo a recuperação de áreas degradadas, o replantio de espécies raras, o reflorestamento de determinada área etc7 O STJ também já apreciou a questão, responsabilizando o adquirente de área degradada: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ. 1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003. 2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002. 3. Consoante bem pontuado pelo Ministro Herman Benjamin, no REsp nº 650728/SC, 2ª Turma, unânime: "[...] 11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado . 12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.[...]". DJ 02/12/2009. 4. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental 7 ABUD Leila. A responsabilidade ambiental como obrigação propter rem. Disponível em: <http://www. edgardliete.com.br/Noticia.aspx?id=457>. Acesso em: 03/08/2011. 9 Brasileiro, ressalta que "[...] A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações[...]" in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327. 5. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" 6. A adoção do princípio tempus regit actum, impõe obediência à lei em vigor quando da ocorrência do fato. 7. In casu, os fatos apurados como infração ambiental ocorreram no ano de 1997, momento em que já se encontrava em vigor o Código Florestal Lei nº 4.771/65, não havendo que se perquirir quanto à aplicação do Decreto nº 23.793/94, que inclusive foi revogado por aquela lei. 8. O Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ. 9. In casu, a verificação da comprovação de que a propriedade não atinge o mínimo de 20% de área coberta por reserva legal, bem como a exploração de florestas por parte do proprietário, implicaria 10 o revolvimento de matéria fática-probatória, o que é interditado a esta Corte Superior. 10. Deveras, o Tribunal a quo à luz de ampla cognição acerca de aspectos fático-probatórios concluiu que: A escusa dos requeridos de que não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental a particular que adquiriu a terra já desmatada ou que a averbação não pode ultrapassar o remanescente de mata nativa existente na área não convence; como bem exposto pelo Procurador de Justiça a fls. 313/314: 'não se pretende que a averbação seja feita anteriormente à entrada em vigor da Lei 7.803/89 que alterou disposições da Lei 4.771/65. Ocorre que, a partir da vigência daquela primeira lei em nosso ordenamento jurídico, os antigos proprietários (Sr. Renato Junqueira de Andrade e Sra. Yolanda Junqueira de Andrade - fls. 77) tinham desde então a obrigação de ter averbado a reserva legal, sendo que a Ré, ao comprar uma propriedade sem observar os preceitos da lei, assumiu a obrigação dos proprietários anteriores ficando ressalvada, todavia, eventual ação regressiva. (fls. 335) 11. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC, tanto mais que, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 12. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. G.N. (STJ, Resp 1090968/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Data do julgamento: 15/06/2010). ADMINISTRATIVO - DANO AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAÇÃO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE. 1. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio- ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei6.938/81). 2. Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei. 4. Recursos especiais providos em parte. (REsp 327.254/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2002, DJ 19/12/2002 p. 355) 4 DA INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E DO DESCABIMENTO DE APLICAÇÃO DO TERMO “SITUAÇÕES JURÍDICAS CONSOLIDADAS” A QUESTÕES AMBIENTAIS Não se pode permitir a perpetuação da lesão ao meio-ambiente, sob o simples fundamento de que o dano ambiental é antigo e a situação fática já foi consolidada. Inexiste argumento válido no sentido de que só será civilmente responsável pela reparação o causador originário do dano, pois quem perpetua a lesão anterior, também comete o ilícito ambiental e deve reparar o dano causado. Este é o posicionamento pacífico no Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 282 DO STF. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA 11 PROPRIEDADE E DA POSSE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. BRIGAÇÃO PROPTER REM. DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR. 1. A falta de prequestionamento da matéria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo- conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. G.N. (STJ. Resp nº 948.921-SP, 2ª Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Data do julgamento 23/10/2007). No que tange ao desmatamento, mais comum dos danos ambientais, o legislador ordinário, ao criar a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), não se limitou a caracterizar como indevida apenas a conduta de destruir ou danificar vegetação. O legislador foi adiante: caracterizou como ilícita, também, a conduta de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (artigo 48), em uma clara tentativa de punir não só aqueles que suprimem a vegetação, mas também os que a impedem de se regenerar. Além de constituírem crime ambiental, as duas condutas também configuram infração administrativa ambiental, sujeitando os infratores à responsabilidade civil e administrativa, além de penal. É que o Decreto nº 6.514/2008 também tipificou como infração os atos de destruir, desmatar, danificar vegetação, e impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas, etc. (arts. 43 em diante). 12 Assim, aquele que impedir, de alguma forma, a regeneração natural de uma área protegida, ainda que não tenha sido o causador direto da supressão da vegetação, fica obrigado a reparar o dano causado. Não pode prosperar qualquer argumento no sentido de que o dano ambiental já se configurou, no passado, sendo totalmente incabível a expressão “situação consolidada” quando em discussão questões ligadas ao meio ambiente. Pela natureza do bem protegido (direito difuso), o particular não pode pôr em risco as funções ambientais. Estas vão sempre prevalecer em relação à atividade econômica, em oposição. Mas, não se trata de escolha entre o público e o privado, nem decidindo pela supremacia do individualismo, ignorando o impacto social de cada intervenção, nem desconsiderando um bem particular em nome de um suposto bem coletivo. Trata- se apenas de estabelecer entre as partes uma relação saudável, sustentável, em que as ações de cada um sejam voltadas para o benefício próprio e coletivo, de acordo com o determina o art. 225 da Constituição da República. E nessa linha de raciocínio, buscando-se o maior benefício possível para o indivíduo e para a coletividade, deve-se desenvolver o Direito Ambiental. É com esse objetivo de se proteger o equilíbrio ambiental para as presentes e as futuras gerações, que se impõe a necessidade maior de reparação dos danos causados, em detrimento de outros direitos e/ou objetivos de cunho patrimonial e econômico. Assim, inexiste direito adquirido à exploração de bem ou atividade, causadoras de dano ambiental ou mesmo impeditivas de recuperação/regeneração da área degradada. A natureza foi constituída em milhares de séculos, de forma que qualquer dano causado a ela, por menor que possa parecer, é imensurável, e o ser humano não pode aferir, com precisão, as suas conseqüências. É por essa razão que o direito ambiental é pautado, sobretudo, pelos princípios da precaução e da prevenção. Não se pode negar que a função social da propriedade só é observada se utilizada de forma racional, com a preservação do meio ambiente, e se atendidos os objetivos previstos na legislação para cada tipo de área protegida. Área de preservação permanente - APP, por exemplo, “tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas8”. Desrespeitar uma área definida como de Preservação Permanente, construindo-se, por exemplo, um imóvel no local protegido, significa descumprir sua função ambiental, o que é suficiente para caracterizar o dano ao meio ambiente. Tal prejuízo só pode ser reparado com a destruição do imóvel erguido em local indevido, o que possibilitará a regeneração natural da vegetação originariamente existente e garantirá o retorno da função sócio-ambiental daquela propriedade. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto sabiamente esclarece: As florestas de preservação permanente possuem antecedentes no Decreto nº 23.793, de 23.01.34 (art. 4º), sendo ali denominadas de florestas protetoras. O termo preservação permanente impõe um caráter de rigorosa proteção, acentuando a maior relevância dessas florestas para o equilíbrio ecológico do sistema. Tal função ambiental projeta-se no campo da higidez dos recursos hídricos, da preservação das paisagens naturais, da proteção da biodiversidade, da preservação da estabilidade geológica, da garantia do fluxo gênico dafauna e da flora, da proteção do solo e da promoção do bem-estar da coletividade. É oportuno enfatizar que o regime de 8 RESOLUÇÃO CONAMA nº 302/2002, art. 2º, inciso II. 13 preservação permanente referido na Lei nº 4.771/65 (Código Florestal) alcança não apenas formações florestais, mas também outras formas de vegetação natural, consoante os critérios ali apontados. Vale observar, também, que esse regime pode gravar florestas localizadas tanto em áreas públicas como particulares, funcionando, em relação a estas, como uma limitação interna ao direito de propriedade. As áreas de preservação permanente constituem, com efeito, limites intrínsecos ao direito de propriedade, operando seus reflexos no próprio núcleo definidor do mesmo. Esse direito não pode dissociar-se de seu conteúdo funcional, ditado por vontade expressa da Constituição. Atuando internamente como um atributo ambiental da propriedade, as áreas de preservação permanente penetram na substância do domínio, para estabelecer, na expressão de Flávio Dino, uma idéia de “propriedade intrinsecamente limitada9. (grifei) Destarte, não há que se falar em direito adquirido quando em jogo o advento de uma norma de ordem pública, de aplicação geral e imediata, emanada do interesse coletivo em detrimento do particular: Não se cogita da invocação de „direito adquirido‟ pelo loteador ou adquirente para poder edificar, ainda que tenha havido aprovação do parcelamento em data anterior. Prevalece o interesse público e não há „direito adquirido de desmatar‟. (TJSP, 4ª Câmara, ApCiv 147.488-1/2, julg. 12/09/1991, relator Des. Lobo Júnior) A Constituição Federal Brasileira estabelece que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, inciso XXIII). Outrossim, o Código Civil (Lei nº 10.406/02) assinala que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” (artigo 1.228, § 1º). É fato, portanto, que o direito de propriedade pode ter o seu conteúdo econômico esvaziado ou limitado por restrições de ordem ambiental, e que não se permite o uso indiscriminado da propriedade. Ademais, não podem prevalecer direitos que vão de encontro ao interesse público, de forma que, no caso de conflito de interesses, deve prevalecer aquela que defende a preservação do meio ambiente para toda a coletividade. Assim, nem mesmo um fato consumado pode ser considerado excludente da responsabilização ambiental. Entendimento nesse sentido seria um incentivo à clandestinidade e à intervenção degradadora, eis que, após consumado o dano, nada mais restaria a ser feito, e o direito difuso ao meio ambiente equilibrado restaria prejudicado. Essa tese não se coaduna com as regras de responsabilização vigentes no ordenamento pátrio, sobretudo em se tratando de matéria ambiental. Por fim, para eliminar qualquer argumento contrário ao meio ambiente, impende transcrever as valiosas palavras do Procurador da República Pedro Nicolau Moura Sacco sobre o assunto: Não resta dúvida que a proteção ao meio ambiente deve ser conciliada com outros valores de igual estatura. Nesse sentido, aliás, a própria delimitação de áreas de proteção ambiental (aqui empregada a palavra em sentido amplo, abrangendo todas as modalidades de unidades de conservação, áreas de proteção permanente e demais formas de proteção existente) veio a conjugar 9 COSTA NETO. Nicolao Dino de Castro e. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 203/204. 14 os valores de proteção ao meio ambiente, direito à propriedade, livre iniciativa e desenvolvimento econômico. De forma alguma se busca aqui a anulação do direito à propriedade, mas sim que ele seja usufruído com respeito aos demais direitos constitucionais. A partir do momento em que se permite a degradação em área de preservação permanente, em prol do direito à propriedade, está-se anulando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Realizar a ponderação é permitir a construção em áreas que não afetem o meio ambiente, ou seja, buscar-se o desenvolvimento sustentável. Do contrário, ter-se-á apenas o desenvolvimento, sem a sustentabilidade10. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da necessidade premente de se garantir o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve-se insistir na obtenção da efetiva recuperação ambiental, como medida imprescindível para salvaguardar a proteção da diversidade biológica e de todos os recursos naturais que o meio ambiente sadio oferece. Nessa luta do Século XXI, o Direito Ambiental se mostra favorável, na medida em que garante uma séria de medidas jurídicas válidas, que podem permitir o alcance de tão importante objetivo. Nesse sentido, a responsabilização objetiva que surge a partir da configuração de um dano ambiental, a característica propter rem e imprescritível do dever reparatório e o reconhecimento da sociedade de que inexistem situações consolidadas que afetem o meio ambiente tornam-se primordiais e decisivas para essa conquista. REFERÊNCIAS ABUD Leila. A responsabilidade ambiental como obrigação propter rem. Disponével em: <http://www.edgardliete.com.br/Noticia.aspx?id=457>. Acesso em: 03/08/2011; COSTA NETO. Nicolao Dino de Castro e. Proteção Jurídica do Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 203/204; FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente, 3. ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 106; NERY, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecológico e ação civil pública. Justitia, São Paulo: Ministério Público de São Paulo, v. 126, 1984, p. 186; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 342/343; MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 17. ed. São Paulo: Saraiva, p. 515; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 1457/1458, 2011. 10 Manifestação esposada em Recurso de Apelação apresentado pelo Ministério Público Federal, no processo nº 2008.72.08.003883-3, em trâmite no Estado de Santa Catarina.
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