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O que eu sei e o que não sei sobre as manifestações pelo passe livre @ Luiz Eduardo Soares

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01/09/13 O que eu sei e o que não sei sobre as manifestações pelo passe livre @ Luiz Eduardo Soares
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O que eu sei e o que não sei sobre as
manifestações pelo passe livre
 
Luiz Eduardo Soares
Diante de um fenômeno que rompe a rotina e surpreende a expectativa de estabilidade, as reações
individuais são as mais variadas. Entretanto, de um modo geral, o primeiro impulso é defensivo e visa a auto-
conservação. Qualquer mudança nos ameaça porque traz consigo a fantasia de que nosso mundo pessoal tão
precário e incerto está em risco e pode ruir a qualquer momento. Essa fantasia provém da radical
insegurança que nos é constitutiva, seres mortais que somos. Não apenas a vida humana é frágil como aquilo
que chamamos “realidade” é débil e movediço. Para sustentar-se, nossa “realidade” precisa dos outros, do
olhar alheio, de seu reconhecimento, de sua confiança, da reiteração de manifestações de amor, amizade e
respeito. A “realidade” depende das redes sociais que tecem afetos, valores, símbolos e ideias, tudo isso
embrulhado em narrativas cotidianas verossímeis para o conjunto dos interlocutores.
Por isso, a ruptura do movimento contínuo e previsível da vida –que só é contínuo e previsível em nossa
fabulação amedrontada, insegura e defensiva—suscita em nós respostas que negam ou exorcizam a
mudança. Nesse sentido, há um complô conservador em cada um de nós –e entre nós– contra a mudança,
ocorra ela em nós, nos outros ou na sociedade –como escrevi em um capítulo conhecido do Cabeça de
Porco.
O que significam, nesse contexto, negar e exorcizar? Negar não significa recusar-se a admitir a existência de
fatos, mas sua novidade, sua diferença. Exorcizar quer dizer livrar-se do embaraço que assusta e ameaça
nossas crenças, nossa estabilidade, interior e exterior. Qual a melhor maneira de fazer ao mesmo tempo as
duas coisas, negar e exorcizar? Explicando. Sobretudo, explicando com as categorias já conhecidas,
disponíveis em nosso repertório de crenças e teorias. Quando eu explico um fenômeno novo, o teor de
novidade deixa de perturbar meus esquemas cognitivos e valorativos, e as ideias que me ligam aos outros e
àquilo que considero a realidade. Minha sanidade, a solidez de minhas verdades, principalmente a solidez de
mim mesmo como sujeito, tudo isso salva-se com a explicação, quando, insisto, e apenas quando ela não
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coloca em dúvida seus próprios pressupostos ou métodos, seu próprio estoque de ideias prontas. O evento,
em sua novidade, infiltra um excedente em nossa sensibilidade, em nossas ideias, em nossas emoções e
percepções. Por outro lado, prestando um serviço a nosso aparato de autodefesa, a explicação domestica a
diferença, circunscreve seu potencial subversivo e sua força questionadora. Meu argumento é simples: se um
evento coloca um problema para meus esquemas mentais e práticos, deixa de fazê-lo quando estes últimos
demonstram a capacidade de descrevê-lo (e integrá-lo) sem que haja resíduos, sem que seja necessária a
invenção de novas estratégias descritivas e práticas, novas categorias e procedimentos. Na verdade, em vez
de conhecimento, estaria em jogo apenas a confirmação de meu repertório prático, moral, ideológico e
cognitivo.
Estas reflexões não pretendem ser o elogio à ignorância ou a crítica obscurantista ao conhecimento. Pelo
contrário, visam distinguir a tarefa do conhecimento do comodismo classificatório reassegurador, que nos
impede de olhar com os olhos de ver, de escutar para ouvir, projetando menos o que já sabemos ou
supomos fazer, e nos abrindo à positividade desafiadora do evento em sua contingência: ação,
protagonismos reconfigurando arenas e relações. O ponto a destacar é o seguinte: explicações que
funcionam como meras consagrações do que já se sabe –ou se supõe saber—não produzem conhecimento.
Se o propósito é conhecer, devemos buscar a compreensão autorreflexiva, a desnaturalização das imagens já
constituídas e das descrições correntes. Até porque, nesse campo, todo esforço de entendimento, toda
interpretação é também intervenção, é também ação social, uma vez que os intérpretes participamos da
atribuição de significado aos fatos. Portanto, a atitude amiga do conhecimento deve exercitar os limites do
saber e, onde há limites, há pelo menos dois espaços, ou seja, para abordar o que ignoro, devo afirmar o
que sei, ou julgo saber.
Contemplemos o objeto que nos interroga, tanto quanto o interrogamos: os eventos em que milhares ocupam
as ruas de várias cidades brasileiras, protestando contra o aumento de tarifa do transporte coletivo. O que
ousaria dizer que sei a seu respeito? O que não sei?, ou melhor, que boas perguntas posso formular para as
quais não disponho de respostas?
I. Sobre o universo temático das manifestações:
Sei que o aumento de tarifas afeta a maioria e que atinge o bolso dos trabalhadores em um momento
marcado pelo aumento da inflação. Sei que o poder executivo, nas três esferas (municipal, estadual e
federal), adotou mecanismos de proteção aos interesses populares, postergando uma medida que dificilmente
seria evitável. Esse fato tornou a elevação dessas tarifas um fato raro, especial, destacado, descolando-o da
expectativa internalizada relativa à dinâmica geral dos preços de alimentos e serviços. Sei que o valor do
transporte é apenas a cabeça de um imenso iceberg, formado por sua qualidade e pelo verdadeiro drama
em que se converteu a mobilidade urbana –e não só em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sei, portanto, que a
cadeia metonímica no imaginário individual e coletivo transporta os significados do preço da tarifa às
jornadas desumanas a que os trabalhadores têm sido submetidos, estendendo-se daí a outros aspectos
negativos da experiência popular nas cidades: a precariedade do emprego ou do trabalho, as condições
desiguais de moradia, saúde, educação, segurança e acesso à Justiça.
Os elos de contiguidade simbólica e política conectam problemas entre si, acentuando sua marca
permanente: a desigualdade. E o fazem em um contexto normativo e institucional, o Estado democrático de
direito, no qual o princípio cantado em prosa e verso é a equidade. Por isso, os significados negativos se
agravam, acentuando a intensidade emocional em que são apreendidos e comunicados: eles se destacam
porque remetem à desigualdade, a qual contrasta fortemento com as expectativas geradas pelo pacto
constitucional. Afinal, a conversa sobre cidadania é ou não para valer?
Há ainda cinco tópicos conectados na teia metonímica: (a) os chamados grandes eventos esportivos, e um
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religioso, que dominam o calendário oficial e governam as agendas dos governos, sinalizando prosperidade e
abundância, uma vez que bilhões são investidos, em descompasso com demandas por equidade e qualidade
de vida. (b) O modelo econômico parece ter feito o desenvolvimento refém da indústria automobilística, na
contramão do que seria racional para reduzir o caos urbano, que obstrui a mobilidade, afetando os interesses
de todos, em especial dos que dispõem de menos recursos e alternativas. (c) A reputação dos políticos
permanece negativa e o ceticismo popular esvazia a legitimidade do instituto da representação, sem que as
lideranças dêem mostras de compreender a magnitude do abismo que se abriu –e aprofunda-se,
celeremente– entre a institucionalidade política e a opinião da maioria. As denúncias de corrupçãose
sucedem, endossando a visão negativa que, injustamente, mas compreensivelmente, generaliza-se. (d) O
executivo prestigiado, em contexto de dinamismo econômico, pleno emprego e redução de desigualdades,
sob a aura carismática de Lula, freiou o desgaste do Estado, já avançado em sua face parlamentar. Quando
o modelo começa a dar sinais de que está claudicando, a corrosão contamina a legitimidade (a credibilidade)
de todas as áreas do Estado. (e) Tocqueville nos ensinou que os grupos sociais mais dispostos a agir e reagir
não são os mais pobres e impotentes, mas aqueles que têm o que perder. Isso significa que os avanços
sociais das últimas duas décadas ampliaram a faixa da população potencialmente disposta a resistir ante o
risco de perda. Aqueles que ascenderam não entregarão sem luta suas conquistas.
Outro aspecto que me parece decisivo é o acesso à internet, a participação em redes e a fixação de um
modelo globalizado de tomada dos espaços públicos como método de democracia direta ou de ação política
não mediada por instituições, partidos e representantes. Evidentemente, o modelo remete à ideia clássica da
democracia direta como tipo ideal, sem cumpri-lo inteiramente, uma vez que as mediações nunca deixam de
atuar, conectando diferentes procedimentos à energia da massa nas praças. O que conta, neste cenário
dramatúrgico, são a memória idealizada e a linguagem comum, como se os eventos se citassem mutuamente,
construindo uma constelação virtual de hiperlinks. Nesse contexto, tornam-se possíveis o orgulho, a
vaidade, a máscara do heroi cívico, a política vivida em grupo como entretenimento cult antipolítico (mas
também risco iminente de morte), a experiência gregária fraterna (ante um inimigo tão abstrato e fantasmático
quanto óbvio e imediato, com o rosto policial e o sentido da tragédia), experiência que enche o coração de
júbilo, exaltando os sentimentos e os elevando a uma escala quase espiritual, a convicção de que se pode
prescindir de propostas e metas, ou da negociação de métodos para inscrever o curso da prática na vida da
cidade, não só no chão das ruas.
II. Sobre os manifestantes:
São muitos e diversos, e seus propósitos são múltiplos. São grupos semi-organizados que debatem as
opções nas redes sociais, são aqueles atraídos para a praça por solidariedade, a qual se fortalece não
porque o tema principal, o preço da tarifa, mobilize intensamente, mas porque a brutalidade policial, isto é, a
violência do Estado suscita a coesão dos que a repudiam –e, de novo, nesse repúdio estende-se toda a
cadeia metonímica referida. Há, é claro, como é natural e inevitável, militantes políticos que percebem a
oportunidade de enfraquecer os adversários que estão no poder, considerando-se a visibilidade do país e
dos governos estaduais e municipais, na conjuntura em que transcorrem os grandes eventos esportivos e
religioso. Há o cidadão comum, revoltado com a tarifa, a (i)mobilidade urbana, a qualidade dos serviços
públicos e o rosários de problemas já elencados. Haverá sempre alguns provocadores, animados pelas mais
variadas motivações, em um ambiente caracterizado pela falta de lideranças claramente reconhecidas ou
consensuais e pela falta de experiência ou de expertise nessa modalidade de ação coletiva, o que favorece a
ação daqueles dispostos a ações violentas, obviamente minoritários e deslocados. Neste ponto, sublinhe-se a
falta que faz o PT na oposição, ou a falta que faz qualquer partido popular não cooptado. Por mais que
sejamos críticos da forma partido, é indiscutível sua importância na transmissão de experiências acumuladas e
na formação da militância. Até a linguagem das massas nas ruas tem sua gramática. A espontaneidade é a
energia, mas a organização a potencializa e canaliza.
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III. Sobre o Estado, em suas diversas instâncias, em especial, as polícias:
Sei que as polícias militares agiram, sobretudo em São Paulo, com brutalidade criminosa e,
desafortunadamente, como é de praxe, seu comportamento foi defendido pelo governador, reproduzindo a
postura que tem promovido a impunidade dos policiais que cometem execuções extra-judiciais. Sei também
que a polícia militar organizada como exército está condenada a inviabilizar-se como instrumento a serviço da
cidadania e da garantia de direitos. Sei que é injusto acusar os policiais, individualmente, ainda que cada
indivíduo deva ser responsabilizado por seus atos. Seus atos exprimem a orientação que recebem e a
educação corporativa, o que amplia o espectro da responsabilidade por ações criminosas, incluindo as
instituições policiais e os governos.
IV. O que não sei:
Este é o tópico decisivo. Não sei o que há a mais nas manifestações (mas sei que há), além do que pude ver,
apoiado no que o meu esquema cognitivo me permite ver. Ou seja, não sei o que esse movimento, em sua
heterogeneidade, está inventando e nos está dizendo, e está dizendo a si mesmo, ao constituir-se. Não sei
que narrativa nova produzirá, ou melhor, já produziu. E aqui estão as perguntas que me parecem chave: por
que, no marasmo gerado pelo ceticismo político, tantos vão às ruas, apaixonando-se pela ação coletiva,
correndo risco de ferir-se, ou mesmo morrer, ou de ser preso? Qual o novo sentido de um grupo que se
forja nas redes e nas ruas, tecendo sua unidade na diferença, caminhando lado a lado, experimentando uma
solidariedade de outro tipo, uma fraternidade sem bandeiras, a despeito da (e por causa da) multiplicidade
de desejos provavelmente muito diferentes e objetivos difusos?
A força da multidão foi reencontrada pelos jovens e pelos cidadãos que passam perto e se deixam atrair pelo
magnetismo de um pertencimento precário, provisório, sem rosto, mas com alma. Que alma tem o
movimento? Sim, intuo, suponho, sinto que ele tem alma, isto é, uma unidade toda sua –não verbalizada– e
uma personalidade. Intuo que esta alma não seja aquela que se derivaria –como o negativo ou o avesso– de
uma comparação com o que sabemos: não sendo, o movimento, organizado ao modo antigo, deduzir-se-ia
que seria inorgânico; não tendo uma plataforma clara e uma visão compartilhada que incorporasse as
mediações, deduzir-se-ia que seria irracional, despolitizado, quando não selvagem. As visões negativas
correspondem ao preenchimento das lacunas de nossa ignorância com as figuras do que já sabemos. Creio
que nos conviria optar pela humildade, em vez de precipitarmo-nos em julgamentos e análises. Não me
parece razoável dizer o que o movimento não é, tomando as gerações passadas por molde e vendo como
irrealização e incompletude aquilo que é simplesmente diferente e ainda não conseguimos compreender. Há
no movimento magnetismo, há conexão metonímica com questões centrais para o Brasil e o mundo, há um
diálogo tácito, consciente e inconsciente, com a humanidade em escala planetária, com nossa memória social
e com a tradição de nossa cultura política. Há coragem de perder o medo e de renunciar à apatia. Há, nesses
eventos, no movimento pelo passe livre, ou dê-se a ele o nome que se queira, a disposição de aprender,
fazendo. Há coragem para criar e, portanto, para errar. De nossa parte, os anciãos e os governantes,
autorreferidos e inseguros, ameaçados em nossos esquemas cognitivos e práticos, caberia escutar,
acompanhar, respeitar, repelir a violência policial (e qualquer outra), admitir nossa ignorância, e considerar a
hipótese de que algo novo esteja surgindo e essa novidade talvez seja virtuosa e republicana, quem sabe a
reivenção da política democrática. Talvez a melhor forma de escutar seja tentar unir-se ao coro, na rua. Para
(re)aprender a falar.
 
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ficou interessante: http://t.co/xJQdABq9P5 about 2 months ago
A grande tradição popular do repente nordestino transplantado e recriado por meninos do Rio:
http://t.co/inpdCBFoAG about 3 months ago
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