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1 1 . Introdução O hemograma é o exame mais solicitado nas práticas clínica e cirúrgica diárias. A avaliação de qualquer doença sistêmica se inicia pela soli- citação de um hemograma. Normalmente, entende-se a avaliação do hemograma como de 3 séries diferentes: série vermelha, série branca e plaquetas. Entretanto, o exame das plaquetas não será discutido neste capítulo, mas no de avaliações da coagulação. Porém, a avaliação do hemograma envolve a aplicação de outros tipos de células, os reticu- lócitos, e pode ainda incluir índices hematoló- gicos. Ao ser solicitado um hemograma com- pleto, entende-se que será feito um exame de contagem de células vermelhas, contagem dos leucócitos (incluindo o diferencial) e de plaque- tas. O hemograma pode ser coletado de veias periféricas ou centrais, venosas ou arteriais. Esse exame deve ser coletado em um tubo que contenha EDTA, um anticoagulante (tubo roxo) que não requer jejum para a coleta. A realização do hemograma pode ser auto- mática ou manual. Atualmente, a avaliação é automática sempre, com o resultado de todas as séries em minutos. Após a avaliação auto- mática, a maioria dos exames passa por uma triagem humana, que detecta os exames com variação. Estes normalmente são submetidos a uma nova avaliação por um patologista clínico, que faz a contagem microscópica dos desvios para a liberação final. Dessa forma, os exames Hemograma 1 normais saem em minutos, e apenas aque- les com grandes desvios têm mais demora no resultado. Figura 1 - Tubo com EDTA, utilizado para a coleta de hemograma. O jejum não é necessário, mas a ausência de jejum e exercícios prévios leves pode levar a pequenas alterações em dosagens de hemoglobina, pouco importantes na prática clínica. O excesso de agitação do tubo pós-coleta pode promover a hemólise do exame e indicar a necessidade de nova coleta 2. Aval iação da série vermelha A avaliação da série vermelha é condição ini- cial para o entendimento de anemias em diver- sas situações. No exame inicial da série verme- lha, observam-se 3 tipos de células: A - Hemácias É a quantidade de células vermelhas exis- tentes na amostra de sangue, de acordo com a idade, o sexo e diversas outras variáveis. A quantidade de hemácias acompanha a hemo- globina, mas em algumas situações de anemias 2 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES hereditárias pode haver células disformes ou inaptas, o que indica possível celularidade ver- melha normal, mas incompetente, com anemia. Algumas condições, como a gestação, também podem alterar a quantidade de hemácias. B - Hemoglobina É a parte que carreia o oxigênio e está pre- sente nas hemácias. Normalmente acompanha o valor das hemácias em quedas. C - Hematócrito As hemácias ocupam espaço dentro do sangue, e a maneira de medir esse espaço é o hematócrito. Para ser definido, faz-se uma conta dividindo o número de hemácias pelo volume corpuscular médio (volume das hemá- cias). O cálculo também pode ser feito direta- mente pela centrifugação. D - Reticulócitos São os glóbulos vermelhos ainda não madu- ros e aumentam quando ocorre anemia, pois o organismo tenta aumentar a produção de hemácias para suprir a carência destas. Tabela 1 - Valores normais do hemograma Tipos de indivíduos Eritrócitos (multipli- car por 106/mm3) Hemo- globina (g/100mL) Hema- tócrito (%) Recém- nascidos (a termo) 4 a 5,6 13,5 a 19,6 44 a 62 Crianças (3 meses) 4,5 a 4,7 9,5 a 12,5 32 a 44 Crianças (1 ano) 4 a 4,7 11 a 13 36 a 44 Crianças (10 a 12 anos) 4,5 a 4,7 11,5 a 14,8 37 a 44 Mulheres (gestantes) 3,9 a 5,6 11,5 a 16 34 a 47 Mulheres 4 a 5,6 12 a 16,5 35 a 47 Homens 4,5 a 6,5 13,5 a 18 40 a 54 Dentro da avaliação da série vermelha, características do formato, tamanho, peso e concentração da hemácia podem ser avaliados e ajudam na concepção e no entendimento de alterações patológicas. Por isso, avaliam-se ainda no eritrograma outros exames: E - VCM (Volume Corpuscular Médio) Calculado por meio da divisão do hemató- crito pela quantidade de eritrócitos ou sim- plesmente pela centrifugação. A alteração no tamanho das hemácias é chamada anisocitose (valor em fentolitros – fL). A partir desse dado, classifica-se a anemia em: - Anemia microcítica: aquela em que o VCM está abaixo de 80fL. A hemácia está pequena; isso acontece em diversas situ- ações, como na anemia por deficiência de ferro (Tabela a seguir); - Anemia macrocítica: VCM acima de 96fL. O tamanho da hemácia está aumentado. Um exemplo é a anemia megaloblástica ou, ainda, a anemia pelo uso da zidovudina (AZT). F - HCM (Hemoglobina Corpuscular Média) É calculada pela divisão entre a hemoglo- bina e o número de eritrócitos. Corresponde ao peso da hemoglobina em média na amostra analisada. G - CHCM (Concentração da Hemoglobina Corpuscular Média) Corresponde à concentração da hemoglobina dentro da hemácia. O valor pode ser obtido pelo cálculo direto entre HCM pelo VMC ou dire- tamente pelo uso de laser. Quando se fala em CHCM, trata-se da cor da hemácia (de acordo com a concentração), por isso geralmente a refe- rência é de hipercromia ou de hipocromia. Tabela 2 - Avaliações de valores de CHCM de acordo com idade, gênero e outras condições Idade VCM (µ3) HCM (pg) CHCM (%) Crianças (3 meses) 83 a 110 24 a 34 27 a 34 Crianças (1 ano) 77 a 101 23 a 31 28 a 33 Crianças (10 a 12 anos) 77 a 95 24 a 30 30 a 33 Hemograma 3 Idade VCM (µ3) HCM (pg) CHCM (%) Mulheres 81 a 101 27 a 34 31,5 a 36 Homens 82 a 101 27 a 34 31,5 a 36 Por fim, existe a definição do grau de anisoci- tose da hemácia, que é o volume do eritrócito, chamado pelo termo em inglês RDW (red cell distribution width). Este indica a variação do volume dos eritrócitos. Quanto maior a varia- ção do volume, maior o valor de RDW. 3. Características específicas das hemácias As características específicas das hemácias incluem a avaliação da morfologia e de algumas outras alterações específicas, vistas no micros- cópico no momento da análise pelo patologista clínico. Essas características são descritas no hemo- grama como uma informação a mais, o que ajuda a definir algumas doenças específicas no sangue. - Poiquilocitose: significa que existe dife- rença no formato das hemácias, qualquer que seja a alteração; - Hemácias “em alvo”: recebem este nome porque a membrana fica pálida e o centro em destaque, lembrando um alvo. Pacien- tes com talassemia apresentam este tipo de hemácia. Também aparecem nas hemo- globinopatias E, C e S. Pode ocorrer em pa- cientes com hepatopatia crônica, confun- dindo com hepatopatias; Figura 2 - As hemácias “em alvo” são típicas e aparecem em situações mais frequentes que ape- nas na talassemia (vide texto) - Hemácias crenadas: indica que existem pontas nas hemácias. Isso acontece em al- gumas situações, como na uremia e na de- ficiência de piruvatoquinase, e quando há tratamento com heparina; Figura 3 - A seta mostra apenas uma das várias hemácias com pontas do corte, que são hemácias crenadas - Drepanócitos: significa forma de foice, apa- recendo na anemia falciforme (não ocorre no traço falciforme); Figura 4 - A seta mostra uma hemácia em forma de foice, também chamada de drepanócito - Esquizócitos: significa hemácias fragmenta- das por lesão mecânica. Ocorre quando há hemólise ou queimaduras; - Esferócitos: causam hemácias em forma de esfera, o que ocorre na esferocitose (em grande quantidade) e em algumas anemias hemolíticas; 4 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES - Hemácias “mordidas”: pela formação dos corpúsculos de Heinz, ocorre precipitação da hemoglobina nas hemácias, levando ao trauma destas quando passa pelo baço; Figura 5- A formação dos corpúsculos de Heinz nas hemácias é um tipo de hemoglobinopatia, fazendo que a forma da hemácia mude durante a passagem pelo baço, que interpreta a hemá- cia como doente e extrai o corpúsculo, dando a impressão de hemácia “mordida” - Eliptócitos: é a presença de hemácias em forma de charuto. Ocorre na anemia por eliptocitose; - Dacriócitos: hemácias na forma “de lá- grima”. Ocorre na mielofibrose; - Hemácias policromadas: acontecem nos ca- sos das anemias hemolíticas. É a cor azul dos reticulócitos, a forma imatura das hemácias; - Anel de Cabot: algumas anemias severas levam a quadros de formação de um as- pecto “de anel em 8” dentro da hemácia. É comum em anemias hemolíticas severas; - Corpúsculos de Howell-Jolly: vistos após esplenectomias ou em anemias hemolíti- cas. Caracterizam-se por fragmentos azul- -escuros na membrana da hemácia; Figura 6 - Corpúsculos de Howell-Jolly ocorrem por fragmentos de DNA que se mantêm em membranas de hemácias após esplenectomias, por exemplo - Hemácias “em rouleaux”: esta situação ocorre quando as hemácias ficam aglutina- das “em rolo”, como se uma estivesse em cima da outra. Isso ocorre no mieloma múl- tiplo e nas macroglobulinemias. Figura 7 - As hemácias “em rouleaux” são muito frequentes no mieloma múltiplo Ainda relacionado à morfologia da hemácia, as diferentes doenças podem causar alterações que são mais sensíveis de acordo com o resul- tado do RDW e do VCM, suficientes para ajudar na sua identificação. Tabela 3 - Resultados de exames e respectivas doenças Análise dos distúrbios de hemácias mais frequen- tes associando VCM e RDW RDW normal RDW alto (aci-ma de 14,5) VCM normal - Anemia de doen- ça crônica*; - Sangramentos agudos (hemor- ragia aguda); - Gestação (ocorre hemodiluição fisiológica)*; - Insuficiência renal crônica; - Hipotireoidis- mo*. - Anemia falci- forme*; - Síndrome mielodisplá- sica; - Esferocitose hereditária; - Anemia side- roblástica. VCM baixo (<80fL) - Anemia de doen- ça crônica; - Talassemia*. - Anemia ferro- priva*; - Microangio- patia; - Talassemia beta-S (S- -betatalasse- mia). Hemograma 5 RDW normal RDW alto (aci-ma de 14,5) VCM alto (>96fL) - Etilismo crôni- co*; - Hepatopatias*; - Hipotireoidismo; - Uso de me- dicamentos (zidovudina, por exemplo). - Anemia mega- loblástica*; - Hemólise*; - Síndrome mielodisplá- sica. * Mais frequentes e emblemáticos. 4. Leucograma O estudo dos glóbulos brancos (leucócitos) em exame periférico é de suma importância, tal qual o da série vermelha. No caso do leuco- grama, a avaliação é de variações que indiquem resposta inflamatória, infecciosa, alteração específica para cada tipo de agente etiológico (vírus, bactéria) e ainda condições que indi- quem imunodeficiência grave ou aumento por tumores sanguíneos, como leucemia aguda. Dessa forma, devem ser conhecidos os valores totais e diferenciais do exame. Valor do leucograma normal: 4.400 a 11.000 leucócitos/mm3 de sangue analisado (a variação pode ser entre 5.000 e 10.000 para alguns labo- ratórios). O diferencial indica muito sobre a contagem: - Neutrófilos segmentados: é a célula mais presente no leucograma. Corresponde a um tipo de célula com citoplasma róseo e núcleo com vários lóbulos. Esta célula au- menta na infecção bacteriana, sendo raro o seu aumento na infecção viral (apesar de eventualmente aumentar no início de algu- mas infecções virais). Figura 8 - Neutrófilos segmentados Dentro dos segmentados, podem ser vis- tas células jovens no exame de leucograma, o chamado “desvio à esquerda”. A razão para o aparecimento de células segmentadas jovens é, muito frequentemente, a infecção bacteriana. Entretanto, outras situações podem causar esse aumento. É o caso do uso de fator estimu- lador de colônias – GSF (Granulokine®) – em neutropênicos ou a simples recuperação da medula na mesma situação. O uso crônico de corticosteroides também pode levar a aumento de leucócitos, com predomínio de neutrófilos. Entretanto, não costuma levar ao aparecimento de células jovens, como no Granulokine®. Entre as células jovens, existe uma sequên- cia do desenvolvimento até a formação do neutrófilo segmentado. Por isso, quanto mais jovem a célula, maior o desvio. Figura 9 - Sequência de desenvolvimento das células jovens até a formação do segmentado maduro. Na avaliação do leucograma, quanto mais à esquerda no desenvolvimento, maior o desvio. Isso ajuda na identificação de problemas na medula ou de infecções por bactérias (pois há consumo importante, com produção de células jovens) - Mieloblasto: são as células mais jovens na cadeia do amadurecimento dos segmenta- dos. Quando em grande quantidade e sozi- nhos, existe grande chance de ser uma leu- cemia mieloide aguda (por isso se diz que a presença de blastos no hemograma simples fecha o diagnóstico de leucemia – a seguir, descrição de alterações nessas células); - Promielócito: células com grânulos primá- rios; podem ser encontradas em grandes desvios à esquerda; - Mielócito: já não são visualizados grânulos no citoplasma como no promielócito; - Metamielócito: núcleo em forma de feijão, quase sem grânulos; 6 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES - Bastonete: núcleo em forma de “S” ou de “C”. Considera-se um desvio à esquerda inicialmente pelo número de bastonetes, que deve ser acima de 700/UL para ser cha- mado de desvio do normal. Já foi definido como a presença de mais de 6% de bastões no número total de segmentados, mas essa conta não é mais utilizada, pois em grandes desvios pode haver confusão de valores; - Eosinófilos: este tipo de célula apresenta núcleo grande e citoplasma basofílico. Se houver aumento do tamanho e número dos eosinófilos, o quadro será chamado eosi- nofilia. Isso acontece em doenças alérgicas e ainda em verminoses. A verminose que mais eleva o valor de eosinófilos é o Toxo- cara canis, mas a estrongiloidíase (causada pelo Strongyloides stercoralis) também causa aumentos em grande quantidade; Figura 10 - Eosinófilo (diferente das demais células) - Basófilos: células com citoplasma cheio de grânulos de cor púrpura. Assim como os eosinófilos, aumentam com alergias. Os basófilos são pouco frequentes no hemo- grama. A soma dos basófilos, neutrófilos e segmentados é chamada polimorfonu- cleares (também chamados granulócitos). Isso vale não apenas para o hemograma, mas para qualquer líquido em avaliação no corpo humano (por exemplo, liquor, líquido pleural etc.); Figura 11 - O basófilo é fortemente corado com a cor purpúrica, normalmente visto isoladamente e em pouca quantidade no hemograma - Monócitos: célula grande, de citoplasma azulado. Aumenta em doenças virais, situa- ção conhecida como monocitose. Também ocorre aumento em leucemias linfocíticas; Figura 12 - O monócito, além da forte presença de cor púrpura no núcleo, tem aspecto em “C” ou lobulado - Linfócitos: estas células podem apresen- tar grânulos dentro de si e geralmente não mostram citoplasmas caso sejam peque- nas. São muito mais comuns em crianças do que em adultos, mas, quando presen- tes nestes, indicam infecção viral aguda. Da mesma forma que nos monócitos, os linfó- citos aumentam na leucemia linfocítica. A soma de linfócitos e monócitos é chamada de mononucleares. Figura 13 - Linfócito: observar o pequeno cito- plasma (área mais clara à direita) Hemograma 7 Tabela 4 - Valores de células mais comuns Células Valores normais Neutrófilos segmentados 1.600 a 6.600/mm3 Eosinófilos 0 a 400/mm3 Basófilos 0 a 100/mm3 Linfócitos 1.200 a 3.500/mm3 Monócitos 0 a 400/mm3 - Condições e células atípicas Algumas descrições de situaçõese células atípicas em um leucograma ajudam a definir quadros infecciosos, tumorais ou outros tipos de complicações. a) Blastos Além dos mieloblastos, já explicados nas definições das células jovens dos segmentados, existem outros tipos de blastos: - Linfoblastos: definem as leucemias e são subdivididos em tipos L1 (leucemia linfoide aguda tipo L1), L2 (leucemia linfoide aguda tipo L2) e L3 (linfoma de Burkitt); - Monoblastos: aparecem na leucemia mo- nocítica aguda ou mielomonocítica aguda. Figura 14 - Os blastos são células grandes, dis- formes em relação às hemácias, completamente preenchidos e de fácil identificação no simples hemograma. O patologista clínico deve estar atento a esse tipo de alteração, e a rapidez na identificação interfere diretamente no prognós- tico do paciente b) Linfócitos atípicos Aparecem em situações de infecções virais agudas, a mais frequente a mononucleose infec- ciosa. Qualquer infecção viral pode levar a atipia de linfócito, mas, além desta, a infecção por cito- megalovírus e a toxoplasmose frequentemente causam linfocitose com aspecto atípico. c) Granulações tóxicas A produção de granulócitos (segmentados) em grande quantidade leva ao aparecimento de células jovens em grande quantidade, cha- mados, de maneira geral, granulações tóxicas. d) Células l infomatosas Aparecem em linfomas, com células com núcleo dobrado/clivado. e) Reação leucemoide Indica uma resposta leucocitária tão grande que eleva a quantidade total de leucócitos em mais de 50.000. Isso ocorre no choque séptico com resposta celular exacerbada, devido a infecções bacterianas. f) Monocitose isolada Nesta situação, apenas os monócitos ficam aumentados em grandes quantidades. Isso acontece em diversos momentos. Avaliando apenas tumores, a histiocitose maligna, a leu- cemia mieloide aguda M4 (mielomonocítica) ou M5 (monocítica) são exemplos. Contudo, a monocitose ocorre também em situações reacionais, como recém-nascidos e gestantes. Também pode ocorrer em casos de infecções granulomatosas, como tuberculose, colageno- ses e doenças gerais (como sífilis e malária). g) Neutropenia A neutropenia é definida como a contagem geral de neutrófilos abaixo de 500 células/mm3. Entretanto, abaixo de 1.000 células neutrofíli- cas já se pode admitir neutropenia. A neutro- penia pode ocorrer por doenças neoplásicas, deficiências vitamínicas e aplasias medulares. O uso de quimioterápicos para tratamento de neoplasias frequentemente leva a depleção momentânea de neutrófilos. h) Linfopenia Situação definida como a queda de linfócitos abaixo de 1.000/mm3 em adultos (lembrando 8 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES que em crianças o valor de linfócitos é maior). A linfopenia pode acontecer devido a algumas infecções virais, entre elas o HIV, a varicela- -zóster, o sarampo, a influenza e a poliomielite. A deficiência de zinco e a desnutrição proteico- -calórica também podem ser causadoras. 9 Para a adequada avaliação de uma amostra de urina, é preciso estar preo- cupado com todos os passos do exame, desde o momento da coleta, o tempo de intervalo desde a última micção antes da coleta e o uso de medicamen- tos que eventualmente possam alterar o resultado do exame. Por este motivo, a aquisição do material é o ponto prin- cipal para evitar erros no diagnóstico; um exemplo simples disso é o intervalo entre a micção anterior e a realização da coleta. Como a urina fica armaze- nada na bexiga, uma amostra de sedi- mentação pode ser inadequada se for coletada com a bexiga vazia (menos de 2 horas depois da última micção). Neste capítulo, estão dispostos os tipos de coleta como parte importante do exame, pois podem alterar o seu resultado final. 1 . Aquisição do material (coleta de urina tipo I) O exame de urina tipo I é o exame de urina mais frequentemente solici- tado, e pode definir diversas altera- ções no organismo além de uma sim- ples cistite. Os tipos de coleta são: A - Urina de jato médio É o tipo de coleta mais frequente, utilizada em adultos normalmente sem déficit de cognição e sem dificuldades Análise de exames de urina 2 para micção. Esta deve ser feita após a limpeza inicial periuretral (peniana ou vulvar). O 1º jato é desprezado e o do fim da diurese também. Devem ser coletados entre 20 e 50mL de urina de jato médio para devida análise. B - Coleta por sonda vesical de al ívio Reservada apenas para casos sem possibilidade de jato médio, como pacientes com baixa cognição, que apresentam urostomias (nefrostomia, cistectomia), ou, ainda, aqueles com bexiga neurogênica ou qualquer dis- túrbio que impeça o controle do esfíncter da micção. Pode haver fatores que atrapalham o exame, como traumas no momento da passagem da sonda ou resquícios de muco em pacientes oligoanúricos. Há, ainda, o risco de conta- minação no momento da coleta. Por isso, a assepsia rigo- rosa no momento da coleta é essencial, com luva estéril e utilizando degermante e desinfetante para limpeza antes da coleta. A limpeza deve ser feita com degermante ini- cialmente, para retirada da sujeira, e posteriormente com solução desinfetante (PVPI aquoso ou clorexidina aquosa, para mucosas), para retirada da flora bacteriana próxima à saída da uretra. Deve ainda ser feito o afastamento do prepúcio no caso de homens e dos lábios vulvares no caso da mulher, para evitar contaminação da pele. Figura 1 - Técnica para passagem de sonda vesical de alívio para coleta de material urinário. A assepsia rigorosa é essencial para a coleta adequada com sonda vesical de alívio (vide texto) 10 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES C - Coleta através de saco coletor Trata-se de um método largamente usado em crianças com menos de 3 anos, pela difi- culdade de coleta orientada por jato médio. Esta coleta deve ser sempre evitada, já que as alterações urinárias, principalmente na cultura, ocorrem com frequência. A contaminação por bactérias presentes na pele onde o saco cole- tor fica fixado é o principal motivo dos erros do exame coletado desta maneira. Para infec- ções do trato urinário, esse tipo de coleta tem melhor valor preditivo se negativo, já que se positivo pode ser contaminante na urocultura. Figura 2 - Saco coletor de urina em bebês e crian- ças pequenas. Note que parte da pele ficará em contato com a urina, o que leva a falso positivo na quantidade de leucócitos urinários e na cultura, pois pega a flora bacteriana da pele D - Punção suprapúbica Utilizada em recém-nascidos e crianças quando se necessita de uma coleta o mais asséptica possível. Também pode ser feita em pacientes com obstrução de trato uriná- rio inferior ou quando não se quer coletar de sonda vesical de demora e não se pode trocar a sonda. É feita uma punção com agulha fina exa- tamente acima do pube, na região da bexiga, após limpeza rigorosa da pele. É um procedi- mento de pequena complexidade, mas não é isento de riscos. Apresenta o menor risco de contaminação do material, desde que seja feita com a técnica correta. Figura 3 - Punção suprapúbica para coleta de urina: procedimento de baixa complexidade, ape- sar de não estar isento de riscos E - Sonda vesical de demora Não se deve fazer coleta de cultura da sonda vesical de demora. Nem do saco coletor, nem do local onde há a 3ª via para coletar. Esse tipo deve ser reservado para situações sem a pos- sibilidade de retirada da sonda (por exemplo, paciente intubado). Entretanto, mesmo nes- sas circunstâncias, existe indicação de troca da sonda e coleta da 1ª urina após a troca. Em casos em que a sonda não pode ser trocada (hiperplasia prostática grave, por exemplo), deve ser discutido o valor de um resultado des- tes, pelo grande risco de contaminação devido ao biofilme. 2. Característicasfísicas e dos componentes do exame de uri- na tipo I O exame de urina tipo I libera diversas infor- mações físico-químicas da constituição daquela amostra de urina que podem ajudar em diver- sos diagnósticos. Análise de exames de urina 11 Tabela 1 - Principais informações do exame de urina tipo I Características Padrões normais Significados se fora do padrão Características físicas Cor Amarelo citrino Indica liberação de medicamentos ingeridos, concentração sanguínea e presença de san- gue, por exemplo. Aspecto Límpido Pode indicar infecção se turvo, ou cristaliza- ção de sais. Densidade 1.005 a 1.030 Indica concentração, má filtração, presença de drogas. pH 5,5 a 7,5 Indica presença de medicamentos ou drogas que alcalinizem ou acidifiquem a urina. Insufi- ciência renal também pode acidificar o pH. Elementos Glicose Ausente Indica filtração inadequada ou excesso de glico- se no sangue (no diabético, por exemplo). Proteínas Ausentes Indica filtração inadequada, glomerulonefrites e outras nefropatias perdedoras de proteínas. Cetonas Ausentes Indica hiperglicemias intensas, como no coma hiperosmolar. Bilirrubina Ausente Indica hiperbilirrubinemia (sangue), associada ou não a nefropatia. Urobilinogênio Ausente Se presente, indica alteração hepática ou ane- mia hemolítica. Também pode estar aumenta- do em infecções graves e no uso de sulfonami- das ou acetazolamida. Hemoglobina Ausente Indica hematúria, ou seja, há algum escape de sangue para via urinária. Leucócitos Ausentes Indica reação inflamatória/infecciosa. Nitrito Ausente Resultado da conversão do nitrato para nitrito pelas bactérias, em uma infecção de urina; é indicativo de infecção. Sedimentações Células epiteliais Algumas/raras Resultantes da descamação do endotélio das vias urinárias. Se em grande quantidade, indi- ca coleta com trauma (mal feita) ou presença de neoplasias. Leucócitos Até 5 por campo ou até 10.000 leucócitos Indicativo de colonização bacteriana ou infec- ção. Tanto biofilme quanto infecção podem levar a leucocitúria. Hemácias Até 5 por campo ou até 10.000 hemácias Indica hematúria, por diversos motivos. Muco Ausente Sua presença indica processo inflamatório importante (não necessariamente infeccioso). Bactérias Ausentes Indica colonização/contaminação na coleta ou infecção na urina. Cristais Ausentes Indica eliminação em excesso, podendo estar relacionado à produção de cálculos renais. Cilindros Ausentes Cilindrúria indica injúria glomerular. 12 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES Desta forma, ao analisar o exame de urina tipo I, deve-se aprender a observar todas as informações que este fornece, inclusive rela- cionadas a elementos normalmente ausentes (listados como ausentes), mas que aparecem habitualmente. O 1º sinal de uma insuficiência renal, por exemplo, pode ser proteinúria ou leu- cocitúria sem qualquer outro sinal de infecção que pode não ser realmente uma infecção. Da mesma maneira, a presença de urina vermelha pode ser indicativa de uso de medi- camentos (rifampicina ou piridoxina) ou de ali- mentos extremamente coloríficos (como beter- raba), motivos outros além de hematúria. 3. Infecção do trato urinário A - Características gerais cl ínicas A Infecção do Trato Urinário (ITU) é a 2ª mais frequente no ser humano. É mais frequente na mulher que no homem, sendo causa comum de falta ao trabalho no sexo feminino. As principais causas da maior frequência da infecção no sexo feminino são (Tabela 2): Tabela 2 - Causas principais de prevalência de ITU no sexo feminino - Uretra curta, facilitando ascensão de bactérias do orifício de entrada (próximo à vagina); - Proximidade anal-vaginal; - Uso de espermicida, mudando o pH da vagina e facilitando colonização por bactérias presentes; - Higiene precária; - Gestação. As ITUs no sexo masculino são raras, exata- mente pela uretra extensa. Entretanto, quando aparecem, pelo menos 1 dos fatores a seguir deve estar incluso: Tabela 3 - Motivos que facilitam ITU em homens - Cateterismo vesical (sonda vesical de demora >sonda vesical de alívio); - Hiperplasia benigna de próstata; - Relação sexual anal; - Prepúcio intacto (pelo acúmulo de restos uriná- rios com bactérias). B - Classificação A ITU pode ainda ser classificada conforme o perfil da infecção: - Cistite: infecção do trato urinário baixo. Não há febre, sem repercussão sistêmica, apre- sentando sintomas apenas locais (disúria, polaciúria, dor miccional). Boa resposta com terapias curtas de antibióticos (3 dias); - Pielonefrite: infecção do trato urinário alta. Há repercussão sistêmica, febre, ne- cessidade de internação com tratamento intravenoso de antimicrobianos. A diferenciação entre pielonefrite e cistite é, muitas vezes, clínica, mas alguns fatores podem ser utilizados para a diferenciação. Tabela 4 - Diferenciação entre cistite e pielonefrite Cistite - Urgência miccional; - Polaciúria; - Nictúria; - Dor suprapúbica; - Urina turva; - Presença ou não de sangue. Pielonefrite - Febre; - Calafrios; - Dor lombar: irradiação para região inguinal suge- re cálculo; - História prévia de cistites. A classificação pode ainda ser pelo ambiente em que a ITU foi adquirida: - Comunitária: adquirida no ambiente co- munitário, na maioria das vezes com bac- térias sensíveis à maioria dos antibióticos, desde que o paciente não tenha infecções de repetição; - Hospitalar: infecção adquirida no ambiente hospitalar, considerada infecção após 72 horas da internação. Necessário guiar por cultura e possibilidade maior de resistên- cia bacteriana aos antimicrobianos basica- mente utilizados. Lembrar que a principal causadora da ITU hospitalar é a presença Análise de exames de urina 13 de sonda vesical de demora. Após 4 dias de sonda, 100% dos pacientes apresentam co- lonização e após 30 dias, 100% apresentam algum tipo de infecção. C - Causas Os principais causadores das ITUs são as enterobactérias, a descrever, Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. A E. coli sozinha é res- ponsável por quase 90% de todas as ITUs de comunidade. Entretanto, esse perfil muda de acordo com o tipo de paciente (se homem ou mulher, se sondado ou não) e do tipo de ITU (se hospitalar ou comunitária). Tabela 5 - Principais causadores de ITU Característica da ITU Agente etiológico Comunitária - E. coli: até 90% das ITU; - Staphylococcus saprophyticus; - Proteus, Klebsiella, Enterococ- cus faecalis. Hospitalar - Enterobactérias: E. coli ainda é a mais frequente, mas aqui apresenta diminuição; - Pseudomonas, Acinetobacter; - Fungos: Candida spp. Crianças - E. coli; - Klebsiella pneumoniae. Crianças do sexo masculino Proteus mirabilis (pelo excesso de prepúcio) Adolescentes com atividade sexual (13 a 16 anos) Staphylococcus saprophyticus As colonizações por Candida sp. são muito frequentes em pacientes com sondagem vesical de demora por mais de 1 semana. Em pacientes internados em unidades de terapia intensiva este fungo é frequente causador de ITU e por consequência de sepse, a partir de foco uriná- rio. Colonizações fúngicas na pele periuretral do prepúcio ou da vulva também facilitam este tipo de infecção em pacientes internados e com múltiplas invasões (sondas, drenos, cateteres). O uso prolongado de antimicrobianos também facilita a infecção urinária por Candida sp. 4. Diagnóstico laboratorial Nos casos em que a suspeita clínica é forte, faz-se o uso de dados para completar o diagnós- tico laboratorial da ITU. O exame de amostra de sedimentação (urina tipo I) será útil nessa fase, e pela facilidade de realização, é amplamente utilizado. A urina tipo I deuma ITU, rotineiramente, apresenta: - Piúria: vista pela leucocitúria. Vale lembrar que uma ITU com 1.000.000 de leucócitos não é “mais forte” que uma com 100.000 leucócitos. A leucocitúria só indica a evo- lução da resposta inflamatória/infecciosa, não a extensão da infecção; - Hematúria: pode estar presente ou não; - Bacteriúria: avaliada normalmente por nú- mero de cruzes (+++); - Nitrito positivo: resultante da decomposi- ção do nitrato pelas bactérias. Altamente sugestivo de ITU se associado a piúria. Após a avaliação inicial da queixa clínica e do exame de urina tipo I, podem-se classificar as alterações urinárias em ITU ou bacteriúria assintomática. De acordo com o CDC (Centers for Disease Control – Estados Unidos), essa clas- sificação define o perfil da alteração e a con- duta poderá ser de tratamento ou observação. No entanto, para se conhecer melhor essa clas- sificação é necessário falar sobre urocultura, que será abordada em seguida. A - Urocultura A cultura de urina é uma ferramenta espe- cial para identificar possíveis causadores de ITU. Entretanto, deve ficar claro que não é essencial para o diagnóstico de todas as infecções do trato urinário. Apesar de ser recomendada pelo CDC para diagnóstico diferencial entre bacteri- úria assintomática e ITU, é dispensada no caso de cistites, consideradas infecções do trato uri- nário simples e sem maiores riscos de compli- cações. A maior desvantagem da urocultura é o tempo para ficar pronta. Considerando todas as técnicas corretas para semeadura da amos- 14 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES tra e crescimento adequado, uma urocultura leva de 3 a 4 dias para ficar pronta. Se 3 dias são suficientes para tratar uma cistite, o tratamento terminaria antes do resultado da cultura. Desta maneira, a urocultura é reservada para casos onde há: - Infecções urinárias de repetição; - Infecções complicadas: pacientes sonda- dos, com hiperplasia prostática, em acama- dos e institucionalizados; - Infecções hospitalares; - Pielonefrites. Abordando de maneira direta o agente etio- lógico da ITU, a urocultura identifica e caracte- riza-o, com número de Unidades Formadoras de Colônia (UFC). É importante a descrição quantitativa do crescimento, pois aqueles com menos de 1.000UFC raramente são infectantes e devem ser considerados como contaminação/ colonização de amostra. Ainda dentro do exame de urocultura, soli- cita-se o antibiograma associado, que identifica o perfil de resistência de uma bactéria aos anti- bióticos, e consequentemente o risco de falha de tratamento dependendo do padrão de resis- tência. Ao liberar o antibiograma, é liberada a MIC (concentração inibitória mínima), que é o menor valor suficiente para matar a bactéria. A MIC é, no final das contas, o que determinará o perfil de resistência, pois valores altos inviabi- lizam o uso de alguns antimicrobianos. Alguns tópicos na urocultura devem ser lembrados: - Crescimento de mais de 2 bactérias na mesma urina é sugestivo de contaminação e justifica a repetição da coleta; - Coleta de sonda vesical de demora deve ser evitada, para não haver risco de conta- minantes. Se não houver possibilidade de retirar a sonda, realizar troca com assepsia adequada e coletar urocultura da 1ª urina da nova sonda; - A urocultura deve ser coletada e encami- nhada imediatamente para avaliação a fim de evitar contaminações por demora na se- meadura do material. Figura 4 - A semeadura da urina na placa influen- cia diretamente a rapidez do crescimento e a identificação do microrganismo causador. Con- taminações por demora na entrega da amostra aumentam o crescimento de outras bactérias não patogênicas e dificultam a identificação da causa- dora da ITU, sendo necessárias novas semeaduras para identificação Tabela 6 - Exemplo de urocultura Material: urina de jato médio Método: manual e/ou automatizado (MIC) Microrganismo: Klebsiella pneumoniae spp. Número de colônias: >100.000UFC/mL Observações gerais: cepa produtora de betalacta- mase de espectro estendido – ESBL Antibiograma Categoria MIC (µg/mL) Ácido nalidíxico Resistente ≥32 Amicacina Sensível ≤2 Amoxicilina Resistente -- Ampicilina Resistente ≥32 Cefalotina Resistente ≥64 Cefepima Resistente ≥64 Ceftazidima Resistente ≥64 Ceftriaxona Resistente -- Ciprofloxacino Resistente ≥4 Gentamicina Sensível ≤1 Imipeném Sensível -- Nitrofurantoína Resistente 256 Sulfametoxazol/ trimetoprima Sensível 40 Esse exemplo identifica uma bactéria (Kleb- siella) com mais de 104UFC. Note que existem outras informações no antibiograma úteis, tais Análise de exames de urina 15 como a produção de betalactamase (ESBL) e a MIC, que facilitam a escolha do melhor antimi- crobiano (nesse caso, deve ser um carbapenê- mico pela ESBL). Explicadas as condições da cultura de urina, é possível voltar na definição de ITU, utilizando critérios do CDC para os valores encontrados em UFC. A classificação então é subdividida em 2 tipos: a) Bacteriúria assintomática Significa que, apesar da alteração no exame de urina tipo I, não se pode considerá-la ITU. É definida como: - Presença de pelo menos 105 colônias/mL bactérias em 2 amostras de urina diferen- tes, sem queixa clínica; - Coleta de jato médio, em condição assép- tica. Na bacteriúria assintomática, não é necessá- rio fazer tratamento, exceto em situações em que haverá a necessidade de esterilidade de urina, para evitar problemas associados. Por- tanto, recorre-se ao tratamento de bacteriúria assintomática nas seguintes situações: - Gestantes; - Pacientes que se submeterão a procedi- mentos invasivos urinários (cistostomia, ureteroscopia etc.); - Pacientes em programação de quimioterapia. b) Infecção do trato urinário Associada às seguintes alterações no exame de urina: - Crescimento de pelo menos 105 colônias/ mL em uma amostra de urina associado a clínica; - Situações especiais: 104 colônias/mL são consideradas ITU em idoso, infecção crô- nica, uso prévio de antibióticos. Após a identificação do agente e seu trata- mento, não é necessário que seja feita nova cultura de urina para identificação da cura. A cultura e a urina tipo I novas são indicadas nas seguintes situações: - Manutenção de queixa/clínica; - Procedimentos invasivos urinários; - Gestação; - Procedimentos quimioterápicos. B - Urina de 24 horas O exame de urina de 24 horas é utilizado para determinar alterações que eventualmente não poderiam ser detectadas no exame de urina tipo I, pois na urina I a amostra é escolhida aleato- riamente e em pequena quantidade. Na amos- tra de 24 horas, esse valor é feito com chance de observar, em maior quantidade, alterações não vistas em uma pequena amostra. Atualmente, muitas críticas têm sido feitas ao exame de 24 horas, já que também pode falsear resultados, além da dificuldade para coleta. De qualquer forma, o exame analisa os seguintes dados: a) Clearance de creatinina As fórmulas de cálculo da creatinina anali- sam erroneamente apenas o valor atual da cre- atinina. Ao se fazer a análise do clearance de creatinina das últimas 24 horas, o valor se apro- xima da depuração real, o que é muito impor- tante ao se definir como está realmente a taxa de filtração glomerular. b) Proteinúria de 24 horas Nesse perfil de exame, observa-se a existên- cia de proteínas liberadas na urina. Normal- mente, não podem ser eliminadas proteínas. Entretanto, em algumas lesões glomerulares (nefrites e síndrome nefrótica) pode ocorrer esta liberação, com aparecimento na urina de 24 horas (às vezes com urina tipo I normal). c) Dosagem de eletrólitos na urina Todos os eletrólitos que são dosados no san- gue também podem ser dosados na urina. Eles indicam aperda excessiva que pode ocorrer em alguns tipos de nefrites, eliminação por medi- camentos ou perda excessiva por alteração no sistema nervoso central. Os principais eletróli- tos dosados na urina de 24 horas são: 16 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES - Sódio; - Potássio; - Cálcio; - Magnésio; - Fósforo. d) Microalbuminúria Trata-se do 1º sinal de alteração da função renal, mais precoce que a perda urinária. Pode ser utilizada como avaliador inicial da perda da função renal. e) Sais A dosagem de cristais e uratos indica a elimi- nação excessiva de medicamentos, a presença de cálculos renais ou de hiperuricemia (indica alterações no sangue). C - Uti l idades da urina de 24 horas: que doenças podem ser diagnosticadas? A utilidade da urina de 24 horas é conhecer e identificar algumas doenças que dificilmente seriam descobertas em estágio inicial. Também pode ajudar a confirmar algumas doenças. Alguns exemplos são citados a seguir: a) Hipertensão arterial A hipertensão é uma doença silenciosa que causa dano glomerular e de reabsorção. Habi- tualmente se encontram liberação de eletró- litos em excesso (como potássio e cálcio, por exemplo), além de proteínas. b) Diabetes mell itus Uma das principais utilizações da urina de 24 horas; no diabetes, há liberação de grande quantidade de glicose, além da proteinúria, já que não haverá sintomatologia frequente. Con- tudo, a perda renal é importante, iniciando-se com microalbuminúria até grandes perdas pro- teicas. c) Síndrome nefrótica Outra condição confirmada pela urina de 24 horas, com perda proteica alta (acima de 3g em 24 horas). Caracterização pela urina de 24 horas é essencial. d) Síndrome de secreção inapropriada do ADH (hor- mônio antidiurético) Além da grande quantidade de urina pro- duzida, a espoliação do sódio sérico na urina é notável, o que facilita o diagnóstico. e) Síndrome nefrítica Mesmo sem haver grande perda proteica como na síndrome nefrótica, a perda é exa- cerbada, associada a outros fatores, como o aumento da pressão arterial em crianças. f) Glomerulonefrites O diagnóstico das inúmeras glomerulonefri- tes raramente é feito apenas com a urina de 24 horas, mas a descrição de perdas de eletrólitos, hemácias e cilindros é notória nas glomerulo- patias e a urina de 24 horas pode ser uma das ferramentas no caminho diagnóstico. 17 1 . Informações do exame A gasometria arterial é um exame específico para a determinação das trocas gasosas cen- trais e, desta maneira, observar possíveis alte- rações orgânicas descritas como distúrbios do equilíbrio acidobásico. Além do equilíbrio aci- dobásico, ela avalia as trocas de oxigênio e gás carbônico, com medidas centrais. Isso significa que, mesmo que um paciente apresente satu- ração periférica de 80% avaliada em ponta de dedo com oxímetro, a saturação central pode estar normal (porque a periférica pode ser interferida por vários fatores, como má perfu- são ou uso de esmaltes, por exemplo). O exame de gasometria arterial deve ser cole- tado de uma artéria, pois apenas o sangue arte- rial consegue avaliar adequadamente as trocas relacionadas ao oxigênio. No caso de avaliação específica do bicarbonato, a gasometria venosa pode ser feita, mas o parâmetro do oxigênio se perde, pois o predomínio será de sangue venoso. A - Coleta A coleta da gasometria deve ser realizada por profissional adequado, enfermeiro ou médico. Auxiliares e técnicos de enfermagem não são autorizados a coletar o exame, dado o risco de lesão permanente em artérias caso não haja o devido conhecimento anatômico e de coleta. Qualquer artéria é passível de coleta, entre- tanto alguns pontos são os de escolha: artéria radial (no punho), sendo a mais frequente loca- lização para coleta; artéria braquial (na face interna do encontro entre braço e antebraço); Gasometria arterial e venosa 3 e artéria femoral (reservada para quantidades maiores de sangue e a pacientes com difícil coleta em outros pontos). A seguir, será des- crita a técnica de coleta para estas regiões: Figura 1 - Coleta da gasometria em artéria radial a) Coleta de gasometria arterial na artéria radial Na Figura 1, a agulha fina (de preferência as utilizadas para aplicação de insulina ou de um escalpe) deve ser inserida com uma mão, em ângulo de cerca de 15 a 30°, enquanto a outra sente o pulso para localizar o melhor local para punção. Deve-se evitar mudar a posição da agu- lha quando já introduzida na pele do paciente, para não lesionar a artéria. O sangue fluirá sem sucção; com aspecto bem avermelhado. b) Coleta de gasometria arterial na artéria braquial Neste caso, a artéria é mais profunda, e uma agulha um pouco mais grossa pode ser utilizada 18 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES (cinza ou 13x3,5). Com o braço levemente fle- tido, a agulha deve ser introduzida a partir da sensação de batimentos com a outra mão, em um ângulo de cerca de 30 a 45°, sem mudar de posição ao adentrar a pele. Figura 2 - A palpação da artéria braquial pode ser feita em outras regiões, mas, no caso da coleta da gasometria, o ponto onde esta se encontra mais superficial é a fossa cubital, motivo da escolha deste local para introdução da agulha c) Coleta de gasometria arterial da artéria femoral Esta escolha é reservada a casos de acesso difícil nas outras 2 situações e quando há neces- sidade de coleta de quantidade maior de san- gue. Deve ser evitada a coleta da artéria femoral em pacientes com distúrbio de coagulação, pois o risco de sangramentos sem controle é maior. Nesta coleta, a agulha (pelo menos cinza) deve ser inserida em um ângulo de 90° com a pele, sentindo com a outra mão o pulso. Como a veia femoral passa ao lado, é frequente a coleta equi- vocadamente de sangue venoso neste ponto. Figura 3 - Desenho anatômico mostrando a locali- zação da veia femoral. Note que a disposição ana- tômica clássica é NAV (Nervo–Artéria–Veia). O local mais fácil para a punção é o triângulo ingui- nal, onde o pulso será sentido mais facilmente. Fonte: adaptado de Medscape. Após a coleta da gasometria, o sangue deve ser rapidamente enviado até o labo- ratório para leitura. A seringa com a qual a gasometria será coletada deve ter sido lavada com heparina para evitar a coagulação do sangue, mas não deve apresentar restos visí- veis da substância, para não alterar o pH san- guíneo. Não pode haver ar no êmbolo para não falsear o exame de dosagem de oxigênio. O transporte da amostra deve ser feito em cuba ou em outro local seguro, e de preferên- cia a agulha deve ser descartada no momento da coleta e colocada tampa adequada na seringa. Figura 4 - A rapidez entre o momento da coleta da gasometria e a análise faz diferença no valor do resultado. Quanto menor o intervalo entre coleta e análise, maior a fidelidade com os dados reais do paciente. B - Entenda o que se pede na gasometria Os aspectos avaliados no exame de gasome- tria são o pH, a paO 2 (pressão arterial de oxigê- nio dita como parcial, pois avalia apenas aquela amostra), a paCO 2 (pressão arterial parcial de gás carbônico), o bicarbonato, a saturação de oxigênio e o valor de excesso de base (Base Excess ou BE). Vamos às explicações: a) pH É o parâmetro inicial da análise, que deter- mina se existe acidose ou alcalose. Os valores normais do pH ficam entre 7,35 e 7,45. Isso implica dizer que qualquer valor >7,45 é consi- Gasometria arterial e venosa 19 derado alcalose, e valores <7,35 são considera- dos acidose. b) paO 2 Neste caso, fala-se em pressão parcial, mas o valor que se quer medir é a pressão de oxi- gênio real, a pO 2 , sendo o seu valor ideal, para um paciente jovem, de 96mmHg. Entretanto, para cada ano de vida, estima-se umaperda de 0,4 ponto neste valor. Desta forma, uma pO 2 de 80mmHg pode ser normal, dependendo da idade do paciente. c) paCO 2 Neste caso, a avaliação do valor de CO 2 sanguíneo é uma das medidas diretas de ava- liação do equilíbrio acidobásico. Assim, queda de CO 2 pode representar hiperventilação, para compensar acidose metabólica. O valor normal de paCO 2 é de 40mmHg (com mais ou menos 5mmHg). d) Bicarbonato É o principal sistema utilizado pelo corpo para a manutenção do equilíbrio entre os áci- dos e as bases. O bicarbonato faz parte dos ânions do corpo, cujos representantes prin- cipais são ele mesmo e o cloro. Sempre que houver desequilíbrio entre cátions e ânions haverá aumento ou diminuição do cloro ou do bicarbonato (mais frequentemente do bicarbonato). A soma de todos os cátions deve ser igual à soma de todos os ânions do corpo, mantendo o equilíbrio (sistema tam- pão do corpo). Entre os cátions, os 2 em maior quantidade são o sódio e o potássio. Existe um cálculo que pode ser feito por meio da gasometria, que é do ânion-gap. A definição de ânion-gap é a diferença entre os principais íons dosados (sódio, bicarbonato e cloro) e é dado pela fórmula: Ânion-gap: Na - (cloro + bicarbonato) Desta maneira, o valor normal do bicarbo- nato é de 24mEq/mL (com variação de 2 pon- tos para cima ou para baixo), e o ânion-gap tem valor normal de 12mEq/mL. O potássio é exclu- ído da conta porque sua concentração no meio extracelular é irrisória. e) Base excess O BE é a quantidade de base necessária para neutralizar o ácido no sangue (ou base) neces- sária para manter o pH em 7,4, considerando uma pCO 2 de 40mmHg. Isso quer dizer que o BE normal deveria ser zero (com variação entre 2,5 para cima ou baixo). O que implica dizer que, se o excesso de base estiver em +6, por exemplo, haverá acidez no sangue necessária para neu- tralizar o ácido neste. f) Saturação de oxigênio A saturação de oxigênio apresenta valor dife- rente da pressão de oxigênio parcial, pois mede o valor em porcentagem. O valor normal desta avaliação é acima de 96%, e em uma pessoa com perfusão periférica boa deve coincidir com o valor avaliado pelo oxímetro de dedo. Tabela 1 - Valores normais que devem ser procu- rados em uma gasometria Itens Valores pH 7,4 ± 0,05 pO 2 96 - 0,4 x idade pCO 2 40 ± 5mmHg HCO3 24 ± 2mEq/L BE 0 ± 2,5 Saturação de O 2 ≥94% 2. Análise dos principais distúr- bios do equil íbrio acidobásico Existem diversas maneiras de avaliar as alte- rações no tampão de íons do corpo humano. Uma delas utiliza uma fórmula que criou isó- baras para avaliar os parâmetros da gasome- tria e tentou correlacionar todos os valores com os índices apresentados. Neste caso, a facilidade da colocação de um valor na curva facilita o trabalho, mas não explica distúrbios mistos, o que prejudica a análise em algumas situações. 20 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES Figura 5 - Distúrbios do equilíbrio acidobásico. Para distúrbios não mistos, a simples colocação dos valores da gasometria de pH e bicarbonato na fórmula conseguiria traduzir qual é o distúrbio. Isto não vale para os distúrbios mistos Entretanto, a melhor maneira de avaliar esse tipo de distúrbio é tentar montar uma sequên- cia para concluir o diagnóstico. A melhor seria: A - Aval iação cl ínica É o 1º passo. Observe os sintomas e sinais clínicos possíveis e o diagnóstico da doença em tratamento. Observe também os parâmetros de frequência respiratória, saturação periférica e sinais externos de desequilíbrio do tampão acidobásico. Algumas doenças classicamente levam a distúrbios específicos. Tabela 2 - Doenças que levam a distúrbios espe- cíficos Doenças Tipos de alterações Sepse - Alcalose respiratória (iní- cio); - Acidose metabólica (em seguida). Insuficiência renal Acidose metabólica Quadros diarreicos ou vômitos Alcalose metabólica Doença pulmonar obs- trutiva crônica Acidose respiratória Gestação Alcalose respiratória Cirrose Alcalose respiratória Diuréticos Alcalose metabólica B - Definição (acidose ou alcalose) Para tanto, o 1º passo é sempre verificar o pH: Se alcalose, o pH estará >7,45. Se acidose, o pH estará <7,35. Valores entre 7,35 e 7,45 são normais e indi- cam que houve compensação entre acidose ou alcalose (porque o valor é normal ou porque há um distúrbio e sua resposta causada pelo orga- nismo está compensando este distúrbio). Por exemplo, pode ocorrer acidose metabólica e sua compensação por alcalose respiratória. C - Aval iação (alteração metabólica ou respiratória) Para este fim, observe o bicarbonato e a paCO 2 . Se for distúrbio metabólico, o bicarbo- nato alterará (<22 ou >26mEq/L). Se for um dis- túrbio respiratório, haverá mudança na paCO 2 , <35 ou >45mmHg. a) Distúrbios metabólicos O distúrbio mais estudado é a acidose meta- bólica. Para a compreensão das acidoses meta- bólicas, dividem-se estas em 2 tipos, de acordo com o cálculo da fórmula do ânion-gap (vide anteriormente). A classificação das acidoses metabólicas considera: - Com ânion-gap normal: por perda de bi- carbonato ou por acúmulo de cloro pelo sistema gastrintestinal; valor entre 8 e 12; - Com ânion-gap aumentado: por acúmulo de ácidos não medidos, como lactatos, sul- fatos ou corpos cetônicos; valor >12. b) Distúrbios respiratórios Neste caso a divisão é diferente, entre agudo e crônico. Se for acidose respiratória ocorrerá acúmulo de paCO 2 , e se for alcalose respiratória o distúrbio será com paCO 2 baixo. - Agudo: neste caso, as variações de paCO 2 implicam variações maiores de pH. Em mé- dia, cada 10mmHg na paCO 2 implica 0,08 ponto no pH; Gasometria arterial e venosa 21 - Crônico: neste caso, as variações na paCO 2 implicam valores menores de alterações de pH, pois este distúrbio é mais lento. Portanto, cada 10mmHg de variação na paCO 2 implica média em 0,02 ponto no pH. Tabela 3 - Avaliação dos distúrbios nos sistemas de tampão do organismo Tipos de alteração pH Bicarbonato pCO2 Acidose metabólica Baixo Baixo Baixa Acidose respiratória Baixo Alto Alta Alcalose metabólica Alto Alto Alta Alcalose respiratória Alto Baixo Baixa D - Distúrbios mistos Os distúrbios raramente são únicos, pois o próprio organismo cria mecanismos para con- trabalancear a acidose ou a alcalose. Portanto, em várias oportunidades, quando analisamos alterações do sistema tampão, o que vemos é uma tentativa de compensação a todo custo. Fora os mecanismos de compensação, qual- quer pessoa pode apresentar mais de um distúrbio ao mesmo tempo. Por isso, a avalia- ção envolve diversas outras fórmulas, como a variação do ânion-gap e a variação do bicar- bonato. Figura 6 - Algoritmos envolvidos nas avaliações dos distúrbios a) Acidose metabólica Na acidose metabólica, conforme já dito anteriormente, o ânion-gap pode estar normal ou aumentado. Apenas lembrando: se é meta- bólico, o bicarbonato deve estar baixo (menor do que 22mEq/L). Tabela 4 - Causas de acidose metabólica por tipo de alteração de ânion-gap Ânion-gap normal Ânion-gap aumentado Acidose tubular renal (por drogas ou não) Sepse Como resposta a alcalose respiratória Insuficiência cardíaca congestiva Diarreia com perda de bicarbonato Cetoacidose diabética Alteração da função renal com perda de HCO3 Uremia Uso de acetazolamida (para hipertensão intracra- niana) Abstinência alcoólica Ureterossigmoidostomia Intoxicação por salici-latos Síndrome do intestino curto Intoxicação etílica Derivação pancreática externa Insuficiência renal No caso do ânion-gap normal, pode ser feita ainda uma avaliação entre causas renais(muito frequentes) ou extrarrenais. Para determinar se essa alteração é renal ou não, pode ser medido o ânion-gap urinário, com a seguinte fórmula: Ânion-gap urinário: Na + K - Cl Figura 7 - Quadros de acidose b) Alcalose metabólica Nesta alteração ocorre aumento do bicarbo- nato associado a compensação por hipoventila- ção e queda na pCO 2 . Tabela 5 - Causas de alcalose metabólica - Uso de diuréticos; - Uso prolongado de mineralocorticoides; - Hipocalemia; 22 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES - Ingestão de bicarbonato em grande quantidade; - Diurese em excesso; - Vômitos em excesso; - Sonda nasogástrica aberta com drenagem de grande quantidade de líquidos; - Síndromes perdedoras de potássio (exemplo, sín- drome de Bartter); - Transfusão maciça de sangue; - Hipercapnia crônica. Como pode ser observado pelas causas mais comuns, o 1º passo do roteiro de avaliação já é suficiente para fazer o diagnóstico, pois a inves- tigação dos sinais e dos sintomas clínicos já é capaz de definir a provável causa. c) Acidose respiratória Neste caso, ocorre queda do pH com aumento da pCO 2 (hipercapnia). O distúrbio, entretanto, é relacionado ao aumento da pCO 2 , independente do valor do pH. A con- sequência é o aumento do bicarbonato para compensar a acidose. As causas podem ser agudas ou crônicas, e as principais são descri- tas na Tabela 6. Tabela 6 - Principais causas do aumento de bicar- bonato para compensar a acidose respiratória Causas – maioria de cunho respiratório Agudas - Drogas: opioides, anestésicos e sedativos; - Oxigênio em pacientes com hipercapnia crônica; - Barotrauma; - Pneumotórax; - Parada cardíaca; - Apneia obstrutiva do sono; - Crise miastênica; - Paralisia periódica; - Aminoglicosídeos; - Síndrome de Guillain-Barré; - Hipocalemia ou hipofosfatemia graves; - Aspiração de corpo estranho ou vômitos; - Apneia obstrutiva do sono; - Laringoespasmo; - Exacerbação de doença pulmonar de base; sín- drome da angústia respiratória do adulto; edema agudo pulmonar cardiogênico; asma grave, pneu- monia; pneumotórax e hemotórax. Crônicas - Obesidade mórbida (síndrome de Pickwick); - Lesões do sistema nervoso central (raro); - Alcalose metabólica; - Fraqueza muscular: poliomielite, esclerose lateral amiotrófica, mixedema; - Cifoescoliose; - Obesidade mórbida; - Doença pulmonar obstrutiva: enfisema, bronquite. Em geral, as alterações relacionadas à aci- dose respiratória são graves e necessitam de ventilação invasiva, além do tratamento com medicações. d) Alcalose respiratória Neste caso, a definição de alcalose respirató- ria envolve necessariamente a pCO 2 baixa, inde- pendente do valor do pH. Entretanto, este cos- tuma ser alto. Podem ser crônicos ou agudos. Nos casos agudos, ocorre redução de 2mEq/L para cada 10mmHg no valor da pCO 2 . Nas alca- loses respiratórias crônicas, ocorre redução de 4mEq/L no valor do bicarbonato para cada 10mmHg no valor da pCO 2 . Em geral, qualquer doença ou condição que leve a hiperventilação causa essas alterações. Tabela 7 - Principais causas da alcalose respira- tória Aguda - Ansiedade extrema levando a hiperventilação; - Dor levando a hiperventilação; - Sepse, especialmente por Gram negativos; - Febre; - Insuficiência hepática; - Pneumonia; - Ventilação mecânica. Crônica - Fibrose intestinal; - Insuficiência cardíaca congestiva; - Altitude elevada; - Gestação; - Anemia grave; - Uso por longos períodos de salicilatos. 23 1 . Introdução O líquido cerebrospinal (LCE) é também conhecido como liquor, tendo como função principal a proteção de todo o Sistema Nervoso Central (SNC), principalmente contra trauma cranioencefálico. O cérebro fica “mergulhado” em substância que amortece os impactos externos. Se não houvesse essa proteção líquida, um movimento brusco realizado já poderia causar hemorragias subaracnói- deas ou hematomas subdurais frequentes. O termo “líquido cefalorraquidiano”, na abreviatura “LCR”, é nomenclatura antiga e não deve ser atualmente utilizado. Já a palavra “liquor” não é correta para ser citada literariamente, apesar de ser amplamente utilizada na linguagem coloquial médica. Além da função citada, o LCE apresenta diversas outras, relacionadas principalmente à circula- ção no SNC e à eliminação de substâncias ou microrganismos nocivos ao organismo. O LCE é produzido no plexo coroide, que fica próximo ao corpo caloso, no centro do encéfalo. A partir desse ponto, enche diversas cisternas pelo cérebro e envolve toda a região do encéfalo, descendo pela coluna até o final desta. Por fim, o material é reabsorvido na região das granulações aracnóideas, áreas na aracnoide em que apenas a fina meninge separa o LCE do contato com vasos sanguíneos, facilitando a reabsorção e a eliminação de substâncias. Figura 1 - A circulação do LCE é importante não apenas para promover a proteção contra choques do SNC, mas também para eliminar substâncias. O local de produção é o plexo coroide e é excretado nas granula- ções aracnóideas Líquido cerebrospinal – l iquor 4 24 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES Figura 2 - A circulação do LCE por uma grande área faz com que este líquido nobre possa ser avaliado em diferentes áreas, mostrando infor- mações de todo o SNC O LCE é um líquido estéril, com bioquímica estável e pouco variável. Isso indica que a aná- lise do LCE passa a ser importante para fornecer informações sobre o que acontece com todo o SNC. Esta, inclusive, é uma desvantagem da cir- culação tão difusa. Quando ocorre infecção ou tumoração em uma parte do sistema nervoso, se esta infecção ou tumoração cair no LCE, logo várias partes estarão com infecção ou dissemi- nação neoplásica. Em situações em que há diminuição do espaço para a circulação do LCE, a pressão liquórica aumenta, e o líquido passa a funcionar como um fator de risco a mais, pois a pressão elevada aumenta a ameaça de sangramentos e pode promover herniações em coleta de LCE desavisadas, uma vez que a diferença de pres- são será grande. O aumento da pressão do LCE também pode ocorrer por aumento da produção (como no caso da neurocriptococose) ou deficiência na absorção do liquor, devido a processos patoló- gicos dos plexos coroides ou dos seios da dura- -máter e granulações aracnóideas. Tabela 1 - Valores normais Características Valores Pressão inicial (punção lombar, decúbito lateral) 5 a 20cmH2O Características físicas Límpido e incolor (“água de rocha”) Celularidade (leucó- citos) Até 4 células Diferencial celulari- dade - 50 a 70% linfócitos; - 30 a 50% neutrófilos (poli- morfonucleares). Proteínas (variável com idade e localiza- ção da punção) - <7 dias vida: até 120mg/dL; - Da 2ª a 4ª semanas de vida: até 80mg/dL; - 2º mês de vida: até 60mg/dL; - 3º mês de vida: até 50mg/dL; - 4º mês de vida: até 40mg/dL; - A partir do 5º mês (inclui adultos): · Lombar até 40mg/dL; · Suboccipital até 30mg/dL; · Ventricular até 25mg/dL. Glicose 2/3 da glicemia (o que im- plica dizer: sempre solicitar glicemia capilar periférica no momento que coletar o liquor) Cloretos 580 a 750mEq/L Ureia Até 40mg/dL Lactato Até 35UI/mL Adenosina deamina- se (ADA) Até 4,5UI/mL 2. Punção l iquórica O procedimento de coleta de LCE envolve uma parte mística e alguns perigos reais. Entre- tanto, desde que seja feito por profissional qua- lificado e respeitando normas anatômicas e de condições clínicas do paciente examinado, não haverá maiores problemas. Como o exame de coleta de LCE não é um procedimento isento de complicações, existem indicações diretas para sugerir a coleta de tal material. Líquido cerebrospinal – l iquor25 Tabela 2 - Indicações para coleta de LCE - Infecção do SNC (ao menos suspeita), com ou sem foco; - Alterações granulomatosas do SNC (infecciosas ou não); - Processos desmielinizantes; - Hemorragia subaracnóidea – neste caso para diagnóstico; - Leucemias e linfomas para tratamento ou diagnós- tico; - Investigação de imunodeficiências. Para o manejo clínico de pacientes que venham a ter necessidade de coleta de LCE, algumas questões devem ser respondidas: a) Existe necessidade de realizar tomografia com- putadorizada de crânio antes da coleta do LCE? A resposta simples é não. O motivo justifi- cado da tomografia em pacientes com neces- sidade de coleta de LCE é que haveria impedi- mento desta se houvesse edema do SNC com desvio de linha média. Isso faria com que uma coleta de LCE neste perfil fizesse uma grande mudança de pressão no canal medular, com consequente edema de parte do cérebro no forame da base do crânio, herniando o bulbo e promovendo parada respiratória com óbito. Se houver coleta de pequena quantidade de LCE (para adultos em geral até 3mL), sem aspi- ração (o que, aliás, é errado), não há grandes alterações de pressão e o risco de complicações como herniação seria desprezível. b) O exame cl ínico bem feito dispensa a tomografia computadorizada para coleta de LCE? A resposta a esta pergunta é sim. O exame de fundo de olho observa papiledema, que só acon- teceria em condições finais do edema cerebral, quando o risco seria maior para coleta liquórica. Isso significa que essa avaliação poderia ajudar muito na definição da coleta ou não. Ainda com papiledema, o LCE pode ser discutido em algumas situações, e o risco–benefício pode ser avaliado. c) Qual é a função da tomografia computadorizada prévia ao LCE? A tomografia é uma ótima ferramenta para avaliar lesões que a princípio podem dispen- sar a coleta do LCE. Por exemplo, em um paciente com rebaixamento do nível de cons- ciência, cuja tomografia mostre sangramento por acidente vascular cerebral hemorrágico, a coleta pode ser dispensada na maior parte das vezes. d) Então deve ou não ser feita a tomografia compu- tadorizada de crânio antes da coleta de LCE? A mensagem que deve ficar é que, sempre que disponível, a tomografia seja a ferramenta que auxilia muito o diagnóstico da alteração no SNC. Pode e deve ser usada em pacien- tes com alterações suspeitas no SNC. O que não pode ser aceito é que um diagnóstico de meningite não seja feito, ou pior, que o trata- mento não seja iniciado pela falta da tomo- grafia. Por isso, a ausência da disponibilidade da tomografia de crânio não deve impedir a coleta do LCE, respeitando o paciente e a clí- nica apresentada. 3. Locais de coleta A punção pode ser feita, atualmente, em 2 locais: lombar ou suboccipital. A coleta liquó- rica pode ser alcançada de qualquer local onde haja drenagem de liquor (por exemplo, de uma drenagem ventricular peritoneal ou de uma drenagem ventricular externa). A punção para- vertebral na região cervical já foi utilizada, mas atualmente não apresenta uso, pelos altos ris- cos do procedimento. A Associação Brasileira de Neurologia indica algumas recomendações para coleta de LCE: - A via lombar é a preferencial de coleta de LCE; - As agulhas calibre 22G (preferencialmente) ou 21G devem ser as de escolha; - Nos pacientes com risco mais elevado de cefaleia pós-punção, deve ser considerada a possibilidade de utilizar as agulhas “em ponta de lápis” (são mais custosas, con- tudo causam menos trauma); - Todas as medidas que possam diminuir o risco de cefaleia pós-punção no pré-exame, durante e após, devem ser utilizadas. 26 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES A - Punção lombar É o tipo de punção mais frequentemente uti- lizado. Também é o mais indicado, dada a baixa prevalência de complicações. Deve ser feita na região da coluna lombar abaixo de onde há ape- nas a cauda equina, e não haverá risco de lesão da medula. Este nível é alcançado a partir do espaço de L3-L4. Pode ser feita então no L3-L4, L4-L5 ou L5-S1. As principais vantagens da coleta lombar são: - Não há risco de lesão de vasos sanguíneos que seja grave; - Doenças que atinjam locais abaixo da cis- terna (por exemplo, coluna) têm maior chance de serem visualizadas nesta punção, enquanto na suboccipital podem não ser identificadas, principalmente pelo efeito da gravidade, que impede a circulação de alterações maiores liquóricas que estejam baixas; - A maior concentração proteica aumenta a chance de diagnóstico de doenças desmie- linizantes e outras que necessitem de ava- liação de diferencial de proteínas; - Maior chance de positividade de testes imunológicos, padronizados para punções lombares. A principal complicação da punção lombar é, sem dúvida, a cefaleia pós-punção, que ocorre em cerca de 30% dos pacientes. Esta cefaleia ocorre por 2 motivos: baixa pressão do LCE no momento da punção e pequenos sangramen- tos por lesão de vasos aracnoides. O perfil de quem tem cefaleia pós-punção é determinado: mulheres, entre 15 e 40 anos, magras e que já tenham histórico de enxaqueca ou cefaleia crô- nica. Algumas atitudes durante a coleta diminuem o risco da cefaleia pós-punção: uso de agulha não traumática (sem bisel fino demais), não aspiração, colocação do manguito de volta na agulha antes da retirada deste do espaço lom- bar. A hidratação prévia ao exame e o repouso pós-punção em decúbito dorsal são fatores que diminuem o risco dessa complicação, mas não a impedem. Figura 3 - O principal empecilho mecânico para a coleta do LCE na região lombar são os osteófitos, que podem estar presentes nas pontas das vérte- bras. Além deles, desvios importantes de coluna e malformações completam os motivos para não ser possível coletar LCE nesta região. Nestes casos, a coleta por via suboccipital é a escolha B - Punção suboccipital Este termo, abreviado como SOD, não é mais que a coleta cisternal. As principais vantagens desta punção são: - Eliminar o risco de cefaleia pós-punção; - Facilitar a coleta em pacientes com grandes desvios de coluna. Mesmo pacientes com alterações estruturais na coluna (como es- colioses importantes) não costumam ter grandes problemas para coleta SOD; - Pessoas obesas ou idosas (cheias de oste- ófitos), que teriam grandes dificuldades na coleta lombar, não apresentam tais altera- ções na SOD; - Como a pressão na punção do LCE é menor quanto mais alta, o risco de herniação na região do únculo é desprezível. Em contrapartida, o maior risco desse tipo de punção são lesões de artérias, principalmente de ramos da cerebral média, com complicações que levam a óbito caso ocorram. Entretanto, desde que a coleta seja feita por profissionais experientes, estes riscos diminuem bastante. Líquido cerebrospinal – l iquor 27 Figura 4 - A coleta SOD exige experiência do pro- fissional coletor, mas é mais fácil que a coleta lombar. Com a flexão do paciente, o espaço logo no fim da região occipital se amplia, e a inserção da agulha pode ser feita. A coleta chega até a região da cisterna da cerebral média, logo abaixo do cerebelo 4. Análise diferencial em doen- ças infecciosas Ao avaliar um paciente com suspeita de infecção no SNC, o LCE é peça fundamental para identificação do agente etiológico. Antes, porém, a clínica indica muito sobre o agente causador. As meningites bacterianas são causas de grande mortalidade em todas as idades, e têm evolução muito rápida em algumas situações, onde o diagnóstico precoce muda os índices de mortalidade. Há diversas maneiras de se suspeitar da infecção em uma meninge, mas a coleta do LCE ainda é a maneira mais eficaz para o diagnóstico final. As meningites virais são de evoluçãomais prolongada e com menos efeitos de gravidade, apesar de poder deixar sequelas importantes se causadas por herpes e em algumas idades (idosos principalmente). A meningite por tuberculose tem evolução crônica e não é perceptível facilmente, pois assim como na meningite fúngica, a mudança de comportamento e a cefaleia ocasionais podem ser os únicos sintomas. Na meningite fúngica, deve haver causa maior de imunossu- pressão para que ela ocorra. A diferenciação entre meningite bacteriana, por tuberculose viral ou fúngica, apresenta detalhes clínicos não pertinentes a este capí- tulo, mas a diferenciação liquórica é essencial, conforme representado na Tabela 3. Tabela 3 - Diferença entre tipos de meningites Meningite Liquor Tipos Células Tipos de células Proteína Glicose Viral 5 a 500 Linfócitos Normal ou aumen-tada Normal Bacteriana Milhares Neutrófilos Aumentada Baixa Tuberculosa Centenas Linfócitos Aumentada Muito baixa Fungos 1 a 100 Linfócitos Aumentada Normal ou baixa Cisticercose 1 a 100 Linfócitos/eosi- nófilos Aumentada Normal Meningoencefalite herpética 5 a 500 Linfócitos Normal ou aumen-tada Normal Meningoencefalite por toxoplasmose Normal ou discreta- mente alterado Linfócitos Normal Normal Valores normais – punção lombar Até 4 -- <40 2/3 da glicemia 28 INTERPRETAÇÃO DE EXAMES Tabela 4 - Exames importantes na diferenciação das meningites solicitados no liquor Bacterioscopia Auxilia muito no diferencial de uma meningite bacteriana, principalmente porque já indica se há bacilos, cocos, ou Gram negativo ou positivo. Baciloscopia Apesar de rara, a presença de Bacilos Álcool-Ácido-Resistentes (BAAR) no LCE, caso positiva, ajuda a fechar o diagnóstico de tuberculose de SNC. Látex É uma reação de aglutinação de antígeno-anticorpo, que fica pronta em minutos e faz diagnóstico específico de bactérias e fungos. Tem como inconveniente a possi- bilidade de falso negativo se tratamento prévio e o custo elevado (já que deve ser feita prova de látex para cada bactéria pesquisada). Contraimunoeletro- forese Muito utilizado no passado, ajudava a identificar anticorpos contra bactérias mes- mo em situações onde as culturas e os demais exames de identificação não foram efetivos. Com a popularização do PCR, caiu em desuso. PCR (reação de cadeia de polimerase) Pode ser feita para qualquer tipo de agente etiológico, seja ele vírus, bactéria ou micobactéria. Com a melhora nos kits chamados “real time”, o teste tem melhora- do a sensibilidade. Ainda apresenta alto custo, mas tem sido popularizado o uso em grandes laboratórios. Culturas Tradicionalmente, devem sempre ser pedidas. Identificam a bactéria, se meningite bacteriana, com a sensibilidade inclusive. Identificam a micobactéria na tuberculo- se (que raramente é vista na pesquisa direta do BAAR no LCE). Também deve ser pedida a cultura para fungos, pois a pesquisa direta do fungo (tinta da China) pode ser negativa e o crescimento acontecer apenas em cultura. Tinta da China Este exame utiliza a tinta nanquim, que só não consegue corar o criptococo, facili- tando o diagnóstico de criptococose. Apesar de depender do examinador, é barato e apresenta sensibilidade de até 85%. ADA (adenosina dea- minase) Ajuda no diagnóstico de tuberculose, mas não é patognomônico. Pode estar au- mentado em abscessos e tumores, além da tuberculose do SNC. VDRL e FTA-ABS Sempre solicitar em pacientes HIV positivo e naqueles com suspeita de sífilis no SNC. Como a sífilis terciária é rara, dificilmente o VDRL terá valores altos, e muitas vezes apenas o FTA-ABS será positivo. A presença do VDRL indica infecção por sífilis em SNC. 5. Exames adicionais na coleta Os exames citados são os mais solicitados na coleta de um exame de LCE. Entretanto, diversas são as doenças que podem ser diagnosticadas através do exame e, por este motivo, a função aqui é lembrar algumas delas. A dificuldade na coleta do LCE obriga o médico a conhecer todo o arsenal disponível para utili- zar nos diversos diagnósticos. O rótulo criado por muitos médicos, de que quando se pede o LCE é simplesmente solicitada uma “análise liquórica”, deve ser desestimulada, pois a disposição de mecanismos mais adequados para cada tipo de diagnóstico pode facilitar muito o tratamento de um paciente. Tabela 5 - Exames adicionais no LCE Exames Valores normais Funções Imunoglobulinas - IgA: 0,03 a 3mg/dL; - IgG: 0,3 a 3mg/dL; - IgM: 0,01 a 0,1mg/ dL. - IgG predomina na neuropatia pelo HIV e neurossífilis. Aumenta na esclerose múltipla; - IgM predomina em linfoma não Hodgkin e doença de Lyme; - IgA predomina em neurotuberculose e abscesso cerebral. Líquido cerebrospinal – l iquor 29 Exames Valores normais Funções Marcadores tumo- rais Variável por kit - Alfafetoproteína; - Tumores de células germinativas e tumores da pineal; - Beta-2-microglobulina; - Linfomas; - CEA (antígeno carcinoembrionário); - Vários carcinomas (não específico para tumor de cólon); - Anticorpo anticélula de Purkinje; - Carcinomas ginecológicos ou de mama; - Gonadotrofina coriônica; - Carcinomas de testículos ou tumores germinativos extragonadais, teratomas; - CD27. - LLA e LNH. Eletroforese de proteínas Pesquisa de bandas oligoclonais no LCE - Diagnóstico de esclerose múltipla; - Algumas doenças infecciosas: sífilis do SNC, panencefalite pós-sarampo. HTLV 1 Variável (acima de 1,4 se ELISA é positivo) Identifica a paraparesia espástica tropical, sendo essencial a pesquisa no sangue também. Pesquisa de proteí- na 14-3-3 e pesquisa de enolase Se positivas, não patognomônicas (mas são indicativas) Compreende doença priônica de Creutzfeldt-Jakob. Enzima conversora de angiotensina Níveis negativos ou baixos Estão aumentados na sarcoidose de SNC, diagnóstico de exclusão com meningites virais crônicas. TAU (proteína) Níveis desprezíveis O aumento é comum na demência por Alzheimer. Pesquisa de células neoplásicas Negativo Útil se positivo, mas a sensibilidade é baixa. Nem todo tumor de SNC leva a aumento de células no LCE. Pesquisa de vírus JC Negativo Feita por PCR, auxilia no diagnóstico da leucoencefalopatia multifocal progressiva, em pacientes HIV positivo. Imunofenotipagem Sem alterações imuno- fenotípicas - Identifica alterações na imunofenotipagem, mesmo em LCE com baixa quantidade de células; - Pelos marcadores tumorais, auxilia no diagnóstico específi- co de tumores. 30 1 . Introdução O espaço pleural é a região entre a caixa torácica e a camada serosa que envolve o pulmão, chamada pleura. Esse espaço é virtual, pois não é ocupado por ar nem líquidos, existindo apenas vácuo para expansão pulmonar durante o ato da respiração. Em várias situações anô- malas, pode ocorrer drena- gem de líquidos para essa região, formando o que se chama de derrame pleural. Podem-se acumular líqui- dos intersticiais, purulentos, sangue ou quilo (líquido pro- veniente da drenagem linfá- tica). Quando ocorre o der- rame pleural, o acúmulo de líquido provoca dificuldade de expansão pulmonar e, com isso, dor ao respirar, o sintoma inicial. A dor é des- crita como pontada, no ato da inspiração. Em grandes volumes de líquidos, a insu- ficiência respiratória pode se instalar, sendo necessária ventilação mecânica para o tratamento. Líquido pleural 5 Figura 1 - Derrame pleural à direita. Note uma área sem qualquer sinal de aeração na base direita, com escorrimento do líquido para a base (o paciente está em pé no momento do exame). Muitas vezes o diagnóstico acontece por acaso, já que a dor é confundida com dor na coluna ou na musculatura Figura 2 - Em algumas situações o derrame é loculado, e, mesmo com o
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