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1 Aspectos históricos e conceituais da psicologia social1 Tatiana de Lucena Torres O enfoque da psicologia social se relaciona com o estudo do comportamento de indivíduos quando este é influenciado socialmente, e isto inclui muitas coisas: as atividades dos indivíduos na presença de outros, os processos de interação social, as relações entre indivíduos e entre grupos aos quais pertencem. Mas, esta influência é construída considerando os contextos históricos, social e cultural; demarcada principalmente pela linguagem. As palavras, através do significado atribuído por um grupo social ou por uma cultura, influenciam as “visões de mundo”, os valores, ações, sentimentos e emoções dos participantes desse grupo social. Principalmente, a psicologia social estuda a interação do indivíduo com a sociedade, através de uma relação dialética, onde não há uma separação definida entre ambos. O indivíduo interfere, com toda sua subjetividade, na sociedade, mas também reflete a interferência que esta lhe apresenta, ambos, sociedade e indivíduo, se afetam e se constroem mutuamente. De acordo com Lane (1981) cabe à psicologia social explicar e compreender como o homem se insere na história, como ele transforma e é transformado pela sociedade. História da psicologia social A psicologia social apresenta marcos importantes que contribuíram para que hoje exista uma pluralidade de estudos realizados por essa área de conhecimento. Ainda no século XIX é possível identificar estudos realizados pela psicologia e pela sociologia na Europa, no entanto, foi a partir do século XX que a psicologia social se desenvolveu como uma área básica da psicologia. A seguir apresento alguns marcos importantes para o desenvolvimento da psicologia social desde o início do século XX até a década de 80, perpassando por países e momentos históricos diferentes (Michener, DeLamater & Myers, 2005; Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2007; Jacó-Vilela, Rocha & Mancebo, 2003). 1 Texto utilizado como recurso didático para as disciplinas de psicologia social. 2 1895 – Le Bon publica o estudo La Psychologie des Foules (A psicologia das multidões), que suscitou o estudo científico sobre os processos grupais e movimentos de massa. 1898 – Norman Triplett publica a primeira experiência psicológica social, The dinamogenic factors in peacemaking and competition (Os fatores dinamogênicos na pacificação e na competição). 1908 – McDougall e Ross publicam os primeiros livros intitulados Psicologia Social, o primeiro enfatizando o instinto (inato) e o segundo a cultura (meio, aprendizagem). 1924 – Allport publica o primeiro manual de psicologia social sob orientação psicológica. 1928 – Thurtone inicia seus estudos sobre a mensuração das atitudes. 1934 – George H. Mead, teórico da interação simbólica, publica seu trabalho sobre o “eu”. 1934 – Jacob Moreno desenvolve a sociometria, sistema para medir padrões de interação social baseado na escolha dos indivíduos. 1936 – Kurt Lewin dedica-se a aplicação de princípios teóricos na resolução de problemas sociais. 1936 – Muzafer Sherif demonstra situações sociais complexas no ambiente de laboratório. 1939 – Lewin, Lippit e White utilizando a teoria de campo, publicam resultados sobre a conduta de grupo que funciona em diferentes atmosferas de acordo com o tipo de liderança (autocrática, democrática ou liberal – laissez faire). 1943 – William White utiliza a técnica da observação participativa para estudar atividades de gangues de adolescentes de rua. 1946 – Solomon Asch demonstra que um conjunto de cognições pode influenciar as formações de impressões que as pessoas formam em relação às outras. 1946 – Heider publica Attitudes and Cognitive Organization (Atitudes e organização cognitiva) berço da teoria de consistência cognitiva. 1950 – Robert Bales desenvolve o modelo de categorias para observar sistematicamente a comunicação e diferenciação de papéis nos grupos. 1954 – Gordon Allport publica The Nature of Prejudice (A natureza do preconceito) importante para a análise do preconceito e estereótipos. 1957 – Leon Festinger propõe a teoria da dissonância cognitiva, uma abordagem para a mudança de atitudes. 3 1958 – Fritz Heider publica The Psychology of Interpersonal Relations (A psicologia das relações interpessoais). Dec. 50 – Estudos sobre atribuição de causalidade (Weiner, Kelley, Davis, Nisbett, Jones, Harvey). 1986 – Pensamento atribucional em psicologia social desenvolvido por Bernard Weiner. 1960 – Expansão da psicologia social com vários estudos, desenvolvimento de laboratórios, grupos de pesquisa e publicações, especialmente em cognição social, emoções e o “eu”, linguagem e comunicação, relações interpessoais, desempenho e relações de grupos, preconceito e estereótipos. 1960 – Expansão da psicologia social na América Latina. México: A psicologia social neste país aproxima-se do modelo científico americano, voltando-se para os laboratórios e pesquisas experimentais. Argentina: Com tradição clínica, especialmente na psicanálise, a Argentina desenvolve através dos estudos de Pichón Riviére uma proposta de psicossociologia. Os estudos inspiram-se em Le Bon e buscam através dos grupos caracterizar uma mente coletiva e a identidade da nação. Cuba: Após a revolução a Escola de Psicologia da Universidade de Havana conferiu um papel bem social ao ensino da psicologia no país. Tinha de início, sido influenciada pela psicologia social americana, em especial pelas teorias sobre atitudes. Seus principais representantes são González-Rey e Martinez. A mudança ideológica propiciou a aproximação dos pesquisadores com a comunidade, mas também com a influência soviética, tanto através dos livros quanto politicamente e ideologicamente, o movimento se polarizou, onde outras formas de pensar não eram aceitas, a exemplo dos livros de Allport e as obras completas de Freud que foram queimados. Os departamentos de sociologia e filosofia foram dissolvidos na Universidade de Havana, e o materialismo histórico transforma-se em sociologia do marxismo. Com a inserção do departamento de psicologia na Faculdade de Ciências, houve uma propulsão da psicologia da educação, que também era mais central na URSS e também a psicologia da personalidade. Em Cuba, inicia-se o movimento de construção de uma psicologia social comunitária. Paraguai: Influenciados por Emille Durkheim e Le Bon desenvolveram estudos sobre os determinantes do comportamento coletivo e os estudos das massas. Desenvolvimento de uma psicologia do indígena e estudos sobre o caráter nacional do paraguaio. 4 Brasil: Repercussão dos estudos de Le Bon, mas também Wundt e McDougall, o primeiro europeu e os demais americanos. A psicologia foi incentivada pelo movimento dos educadores brasileiros. A psicologia dos povos (Volkerpsychologie – Wundt) interfere e influencia a psicologia nacional. Arthur Ramos, na Universidade do DF, tinha uma perspectiva culturalista e propunha a aproximação da psicologia social com a antropologia cultural. Carolina Bori da USP traduz o livro sobre a Teoria de Campo de Kurt Lewin para português e Moreira Leite desenvolve o estudo sobre estereótipos e ideologia de caráter brasileiro. Crise da Psicologia Social no Brasil e no Mundo A crise da psicologia social ocorreu na década de 60, na Europa e nos EUA, mas no Brasil ela ocorre apenas 10 anos depois, certamente influenciada pelo contexto histórico vivido pelo golpe militar de 1964 e pela ditadura no país. Na Europa e EUA, a reflexão focava principalmente a perspectiva ética e metodológica da psicologia social, de forma que havia questionamentos sobre o papel da psicologia social como área de construção de conhecimento, mastambém como ciência que deveria se aproximar da sociedade, uma psicologia social mais social como propunha alguns estudiosos europeus. No Brasil, além da auto-crítica relacionada aos aspectos éticos e metodológicos, os psicólogos sociais questionavam a ausência de uma prática da psicologia social e o distanciamento entre os achados de pesquisas nacionais em relação às replicações de estudos americanos e europeus. As principais polêmicas refletidas nos fóruns de discussão dos profissionais evidenciavam um caráter teórico, metodológico, e o anseio por um espaço de práticas políticas e ideológicas. Entre as ramificações da psicologia social no Brasil, destaca-se: teorias e práticas em psicologia comunitária, ecologia humana, e o surgimento da análise institucional (movimento institucionalista). Na década de 80, a discussão no âmbito das associações de classe, à exemplo da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) e Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), refletiam os conflitos existentes entre as diferentes abordagens teóricas e metodológicas, além do aumento das práticas psicossociais relacionadas às comunidades menos favorecidas e às instituições totais (prisões, hospitais, etc.). 5 Perspectivas teóricas da Psicologia Social Existem três perspectivas centrais na psicologia social: (a) psicologia social de visão sociológica ou psicologia social européia, (b) psicologia social de visão psicológica ou psicologia social americana e (c) psicologia sócio-histórica. A primeira perspectiva se destaca através da Teoria dos Papéis Sociais, que foi desenvolvida na área da sociologia, a partir dos estudos de representações coletivas de Durkheim e na estrutura burocrática de Weber. O conceito central desta teoria se relaciona com as posições sociais e as expectativas de comportamento desenvolvidas pela sociedade em relação a um determinado papel. Os papéis sociais são padrões de comportamento atribuídos às posições sociais, são as contribuições de cada indivíduo para a manutenção do equilíbrio e desenvolvimento do sistema social que servem como referências para a nossa percepção do outro. A segunda perspectiva apresenta influências da psicologia da Gestalt (Forma) e se destaca pala Teoria da Cognição Social que se propunha a entender o lugar que o indivíduo estabelecia nessa relação indivíduo-sociedade. A cognição é uma estrutura coerente que organiza as informações recebidas do meio social, formando um todo estruturado e com significados. A Teoria da Cognição Social busca leis gerais que expliquem o comportamento humano na presença de outras pessoas. O foco se dá no indivíduo e sua cognição. O cognitivismo contribuiu para o estudo da percepção social, atitudes, comportamento de grupos, preconceito, influência social. Tanto a primeira quanto a segunda perspectiva são criticadas pela terceira perspectiva da psicologia social que afirma que ambas não consideram a historicidade humana e que por isso caracterizam a relação indivíduo-sociedade como uma relação de variáveis cognitivas e sociais. A psicologia sócio-histórica ou psicologia social crítica representa como o exposto anteriormente, as produções teórico-práticas latino- americanas. Nessa perspectiva, não basta reconhecer que as produções humanas são sociais e históricas, como fazem as duas primeiras perspectivas, é necessário investigá- las com recursos adequados para captar o contexto social e o movimento histórico. O objetivo desta perspectiva era construir um conhecimento que fosse instrumento de transformação social. O materialismo histórico-dialético se apresenta como uma nova possibilidade metodológica na compreensão indivíduo-sociedade, indicando a relevância da influência marxista nessa perspectiva da psicologia social. A perspectiva social crítica pretende compreender o desenvolvimento da consciência, os mecanismos 6 que impedem ou favorecem sua integração, as condições da consciência e a prática, os processos de alienação e participação, a articulação entre consciência e emoção. Estudam ainda o antagonismo de classes, questões ideológicas e o processo de alienação social. Considerações finais A psicologia social embora seja uma área científica de construção de conhecimento inserida na área de saber da psicologia, certamente não se enquadra numa área de estudos hegemônica e nem mesmo consensual. Refletindo a complexidade dos estudos que envolvem o ser humano, e nesse caso, a relação desse ser humano com a sociedade, os estudos em psicologia social perpassam desde uma perspectiva menos coletiva, como os estudos sobre atitudes e as atmosferas grupais, tão desenvolvidos pelos pesquisadores americanos, até reflexões sobre a construção do conhecimento do senso comum, através da teoria das representações sociais, que corroboram com estudos sobre comunicação, identidade social, mas também relações intergrupais, preconceito, e também a constituição do sujeito, memória social, exclusão social, entre outros. Referências Bock, A. M. B., Furtado, O. T. L. T. & Teixeira, M.L.T. (2003). Psicologias: Uma introdução ao estudo da psicologia. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva. Lane, S. T.M. (1981) O que é Psicologia Social? São Paulo: Brasiliense. Coleção Primeiros Passos. Jacó-Vilela, A.M., Rocha, M.L., Mancebo, D. (2003). Psicologia social: relatos na América Latina. São Paulo. Michener, H.A., Delamater, J.D. & Myers, D.J. (2005). Psicologia Social. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. Rodrigues, A., Assmar, E.M.L. & Jablonski, B. (2007). Psicologia social. 25ª. Ed. Petrópolis/RJ: Vozes.
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