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CENTRO UNIVERSITÁRIO LA SALLE DO RIO DE JANEIRO Unilasalle-RJ Direito A construção da cidade e a busca pela qualidade de vida através da mobilidade urbana Juliana Camarinha da Cunha Niterói 2016 CENTRO UNIVERSITÁRIO LASALLE DO RIO DE JANEIRO Unilasalle-RJ Direito A construção da cidade e a busca pela qualidade de vida através da mobilidade urbana Juliana Camarinha da Cunha Monografia apresentada ao Curso de Direito para obtenção do certificado de Bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves Patrão Niterói Junho 2016 Juliana Camarinha da Cunha A CONSTRUÇÃO DA CIDADE E A BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA ATRAVÉS DA MOBILIDADE URBANA Monografia apresentada ao Curso de Direito para obtenção do certificado de Bacharelado. Aprovada em: BANCA EXAMINADORA Prof. Orientador Dr. Benedicto de Vasconellos Luna Gonçalves Patrão Prof. Prof. Niterói 2016 À minha avó Glória! Seu amor foi uma das melhores coisas que já me aconteceu. (in memorian) AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, sempre, a Deus. Agradeço por me dar forças e me manter de pé mesmo nas horas mais difíceis. Por dar condições a minha mãe para pagar minha faculdade e por eu conseguir terminá-la. O meu mais sincero obrigado à minha família. A minha mãe pelo esforço em contribuir com o meu estudo, ao meu pai e irmão por todo apoio moral e as minhas avós, meus grandes amores, por estarem sempre comigo e dispostas a fazerem silêncio e um café quentinho quando eu mais precisava. Vocês sabem, mas é sempre bom lembrar que vocês são as melhores do mundo. À Sue, a melhor pessoa que eu conheci em anos. A que me apoia em todas as loucuras da vida, que me incentiva e me impulsiona a seguir meus sonhos e me acompanha na jornada. Você é a pessoa que ao mesmo tempo me dá amor e bronca, porque sabe que eu preciso dos dois. Que, da mesma forma que você me ajuda, eu seja capaz de fazer metade do que você faz por mim! Acredite em si da mesma forma que acredita em mim! Obrigada por me ajudar a descobrir que o amor pode sim vir acompanhado da mais pura amizade. Aos meus amigos. Sem a força de vocês e as fotos estudando e escrevendo a monografia, talvez eu não tivesse terminado a tempo, mas quem tem amigos tem tudo. Vocês são meus irmãos de alma e coração: Gabriela Monnerat, Mariana da Silva Castro, Virgínia Peixoto Moreira, Diego Alves, Gisele Soares, Laize Rodrigues, Lívia Scudiere e Giullia Maia. A amizade de cada um de vocês mostrou que algumas das coisas que achamos impossíveis são possíveis sim, se tivermos as pessoas certas com quem contar. Ao meu orientador. Palavras nunca serão suficientes para agradecer a aceitação e a ajuda nesses últimos meses. Toda ajuda, mesmo que de forma indireta, e todo carinho que você teve por mim foram essenciais para eu dar continuidade nesse tema que muitos amaram e outros nem tanto. Obrigada, por tudo! Já dizia Renato Russo “quem acredita, sempre alcança”. RESUMO A cidade, em sua forma mais bruta, vem a ser o habitat natural de uma sociedade egocêntrica que, com o passar dos anos, desde a sua formação indireta, começou a perder os espaços de convivência social, tornando-se uma vitima na luta travada quando o assunto é qualidade de vida e um ecossistema equilibrado. Diante da importância de se haver um meio ambiente saudável, cidades ao redor do mundo buscam a obtenção de meios mais sustentáveis para que, assim, consigam reduzir a emissão de gases, gerar mais qualidade de vida e preservar o ambiente natural que acabamos agredindo com os avanços industriais e tecnológicos ao longo dos anos. Será apresentado como a mobilidade urbana (implementação e incentivo ao uso de bicicletas como meio de transporte alternativo) auxilia nessa busca. É apresentando tais construções (da cidade e do seu objetivo, do conceito de sustentabilidade e sua implementação ao redor do globo e de que maneira a mobilidade urbana auxilia tal crescimento) que o trabalho em referência será desenvolvido. Palavras-chaves: Função social da cidade. Desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade. Cidades sustentáveis. Mobilidade urbana. Bicicleta. ABSTRACT The city, in its crudest form, becomes the natural habitat of an egocentric society that, over the years, from its indirect training, began to lose the spaces of social life, becoming a victim in the struggle waged when it comes to quality of life and a balanced ecosystem. Given the importance of having a healthy environment, cities around the world seek to achieve more sustainable means for thus able to reduce the emission of gases, generate more quality of life and preserve the natural environment we just beating with industrial and technological advances over the years. Will be presented as urban mobility (implementation and encourage the use of bicycles as an alternative means of transport) helps in this quest. It is presenting such buildings (the city and its objective, the concept of sustainability and its implementation around the globe and how urban mobility aids such growth) that work in reference will be developed. Keywords: Social function of the city. Sustainable development. Sustainability. Sustainable cities. Urban mobility. Bicycle. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 1 FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE 11 1.1 Direito Urbanístico 11 1.2 Princípios do Direito Urbanístico 15 1.3 Autonomia do Direito Urbanístico 19 1.4 Função social da cidade 20 2 SUSTENTABILIDADE E AS CIDADES SUSTENTÁVEIS 25 2.1 Desenvolvimento sustentável 25 2.2 Sustentabilidade 28 2.3 Cidades sustentáveis 31 2.4 Cidades sustentáveis ao redor do mundo 36 3 MOBILIDADE URBANA E O USO DA BICICLETA COMO MEIO DE TRANSPORTE ALTERNATIVO 43 3.1 Considerações iniciais 43 3.2 Uso da bicicleta e as vantagens para o trânsito 46 3.3 Integração do ciclismo no Rio de Janeiro e em São Paulo 51 3.4 Política nacional de mobilidade urbana e o uso da bicicleta no Brasil 51 CONCLUSÃO 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS55 9 INTRODUÇÃO Para Aristóteles, referir-se ao homem como um “animal político” é o mesmo que dizer que este é um homem livre. Contudo, não deixamos de ser um ser gregário, pois necessitamos da convivência com um semelhante para que possamos nos impulsionar e desenvolver as nossas relações. Com o tempo, fomos nos distanciando da vida in natura (do ambiente natural), para fazermos a construção do nosso próprio ambiente, mas usufruindo dos recursos exposto na natureza, sem termos um limite para tal uso ou considerar de que forma as futuras gerações irão sobreviver sem esses recursos naturais e as condições de vida que terão. A cidade, criação do homem, se tornou o resultado de todas as nossas transformações. A forma como foram organizadas e desenvolvidas em seus primórdios nos remetem a um ideal inexistente nos dias de hoje. Os centros urbanos crescem de forma desenfreadamente e juntamente com eles, aumentam os desequilíbrios ambientais e os conflitos sociais, que nos levam a crescente perda da qualidade de vida, ao aumento das dificuldades nas gestões das cidades e a degradação, cada vez maior, do meio ambiente. O presente trabalha, portanto, irá apresentar em seu primeiro capítulo o desenvolvimento da cidade, seus objetivos, a ciência jurídica que a ampara, os princípios que a regem e a formação dos seus mais diversos conceitos. Tendo como base a Carta Magna, esta irá nos expor a função social sendo a chave para entender os objetivos que as cidades possuem. Em seguida, será feita a analise do termo desenvolvimento sustentável, abordando as dificuldades na construção de seu conceito, direcionando para a sustentabilidade e para a formação das cidades sustentáveis, citando os maiores exemplos em volta do globo, sem deixar de salientar seus desafios, intenções e motivações que levaram a transformar o ambiente que vivem em um espaço mais saudável. O último capítulo servirá para abordar a mobilidade urbana e o aumento no número de cidadãos que preferem as bicicletas como meio de transporte, e como as maiores cidades brasileiras (RJ e SP), auxiliam na integração deste 10 movimento que tem como intuito alcançar aquilo que todos sabem ser necessário obtermos: qualidade de vida. 11 1 FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE Através do crescente crescimento populacional das cidades acarretadas pelo aquecimento do comércio, passou a ser valorizado o espaço urbano por ser este o principal ambiente gerador das transformações no modo de pensar, além da preocupação com a vida e as coisas (CHAUNU, 1985, apud PATRÃO, 2010, p. 38). Tal conjuntura foi a mesma que alterou as formas de pensamento e planejamento do espaço urbano sendo expressas nos ambientes das cidades em várias dimensões. A cidade era vista como um centro irradiador de ideias que difundiriam o progresso e a civilização entre os povos (PATRÃO, 2010, p. 39). Partindo de tal pressuposto, passou a ser necessária a concretização de um objetivo centralizador das principais ideias da cidade, originando à sua função social. 1.1 Direito Urbanístico A cidade (“polis”) vem a ser a materialização mais complexa da coexistência cooperativa humana. Se Aristóteles estivesse correto ao afirmar que o homem é um “animal político”, seria mais correto ainda afirmar que a cidade é o seu habitat (do latim, "ele habita") natural (CABRAL, 2016, p.1). Nos distanciamos cada vez mais da natureza externa para construir o habitat respondendo a nossa natureza que irá nos conduzir de volta ao construto social como forma de remodelar os instintos biológicos que propiciaram a matilha, o bando, a tribo e o Estado (CABRAL, 2016, p.1).. Não deixamos de ser animais gregários por não querermos uma vida in natura, mas, de certa maneira, construímos a polis, a cidade, com a intenção de que ocorra mudanças na nossa distinção enquanto espécie para não nos esquecermos da condição de igualdade e alteridade simultânea (CABRAL, 2016, p.1).. Tanto é que a cidade é o resultado das transmutações da natureza pela cultura, sendo o Direito o ápice da expressão cultural do homem e do processo de civilização (FILHO, 2013, p. 6). 12 Há uma complementaridade entre estes termos, visto que se a cidade for à resposta cultural à afirmativa da natureza humana readaptada, o Direito será a resposta cultural à negação de impulsos primitivos que comprometeriam a indispensável coexistência cooperativa que tem permitido as comunidades à avançarem através do seu processo de civilização. Teremos, portanto, ambos sendo construídos culturalmente e significando a antropização da natureza, seja externa ou interna ao homem (FILHO, 2013, p. 6). O vínculo existente entre esses dois universos dispersos, mas paralelos, pelo lado do Direito, é o ramo do Direito Urbanístico, sendo uma dimensão especifica do Direito que, ao longo dos anos, vem firmando sua autonomia jurídica, ora no campo teórico (envolvendo objeto e princípios) ora no campo prático (institutos e leis) (FILHO, 2013, p. 6). Este ramo surge em resposta ao processo de intensa urbanização que ocorre no mundo e no Brasil. A concentração da população nas áreas urbanas tem origem no processo de desenvolvimento das sociedades humanas devido a uma atitude que pode ser detectada nas primeiras formações sedentariamente evoluídas e encontrando seu apogeu com as cidades gregas e romanas que apareceram subsequentemente (FILHO, 2013, p. 7). Teremos, então, o Direito Urbanístico sendo o ramo do direito que irá regular as relações voltadas para os aspectos fundamentais do bem-estar das pessoas em relação ao ambiente construído para sua moradia, alem de definir os responsáveis para sua criação e em quais condições (GARCIA, 2005, p. 8). José Afonso da Silva (2000, apud FILHO, 2013, p. 7) define tal ramo como direito positivo, consignando que “consiste no conjunto de normas que tem por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.” Contudo, como ciência, define-o como “o ramo do Direito Publico que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis”. É certo que quando o assunto é o Direito Urbanístico, deve-se levar em conta as normas de imposição como forma de coercibilidade para o comportamento dos indivíduos, e os preceitos de sistematização, estes sendo 13 destinados a fazer do Direito uma ciência com sistema e métodos próprios (FILHO, 2013, p. 8). Em um segundo patamar, Regina Helena Costa (1988, apud ROSA, 2005, p. 8) trás sua própria definição como sendo “o conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinados a ordenar os espaços habitáveis, o que equivale dizer: conjunto de normas reguladoras da atividade urbanística”. Ou seja, é uma atividade voltada para a população de uma cidade que expressa interesses coletivos distintos (ROSA, 2005, p. 8). Tal interesse coletivo que está revestido nas normas urbanísticas de ordenamento e ocupação do solo urbano são ressaltadas de forma clara e objetiva por Hely Lopes Meirelles (2004, apud ROSA, 2005, p.8), quando este afirma que “(...) como as demais imposições do Poder Público, as urbanísticas nascem revestidas de imperium, inerente a toda ordem estatal tornando-se obrigatórias não só para os particulares como para a própria Administração, visto que a submissão dos indivíduos e das autoridades às normas legais constitui peculiaridades dos Estados de Direito como o nosso(...) as limitações urbanísticas devem corresponder às justas exigências do interesse coletivo que as motiva.” Muito antigamente, as cidades não eram arejadas e se desenvolviam de forma desordenada, sem locais de recreação ou infraestrutura. Os rios que as cortavam recebia toda espécie de descargas, começando, assim, o seu processo de poluição. Nada que se distancie muito da realidade das periferias brasileiras e tantas outras em âmbito mundial. Contudo, tais exemplos, impôs a necessidade de ser criado um planejamento urbanístico moderno objetivando uma melhor ocupação do solo urbano que contemplasse as necessidades da sociedade (ROSA, 2005, p. 9). Tendo como base esta realidade, foram projetados loteamentos urbanos como forma de adaptar o instituto da propriedade à capacidade econômica da época. Nasceu desta maneira, uma grande preocupação em organizar o espaço urbano para o bem-estar coletivo conhecido como Urbanismo (ROSA, 2005, p.9). 14 A denominação “urbanismo” é derivada do latim urbs, todavia, no mundo antigo, não se considerava este termo como sinônimo para cidade. A cidade era o local que abrigava as aglomerações das famílias e tribos, a urbe (urbs) era o local sagrado de reunião (SÉGUN apud ROSA, 2005, p.9). Os romanos foram um dos primeiros a demonstrar uma certa preocupação sistemática com o urbanismo exigindo uma certa distancia entre as casas, regulando as alturas das construções e proibindo um aspecto de cidade deformadas (SÉGUN apud ROSA, 2005, p.9). Foi Louis Chevalier (apud, ROSA, 20015, p. 9) que afirmou que “a cidade é uma multidão e que muitos aspectos da existência urbana se explicam por aí” e, considerando tal afirmação, baseia-se no pressuposto que o alto índice de violência registrado na cidade de Paris, na primeira metade do século XIX, teve como causa as fortes densidades humanas ali registradas. De certa forma, os fluxos migratórios desorganizados e recorrentes, deslocaram as relações sociais do seu espaço ecológico dos pequenos agrupamentos rurais para um espaço mais urbano, limitador e, de certa maneira, determinista. É quando Bernard Lepetit assevera a coincidência existente entre o medo social e os comportamentos criminosos com a organização de um território urbano (SÉGUN apud ROSA, 2005, p.9). No decorrer das mudanças entre os séculos, houve uma preocupação em mostrar a influência da configuração espacial da cidade sobre a felicidade ou infelicidade das pessoas em sociedade. Por isso, deu-se uma maior importância à iluminação das ruas, ao espaçamento entre as edificações, a numeração das residências e a multiplicação dos mecanismos de controle social, tal como hospitais e prisões (ROSA, 2005, p. 10). Desvincula-se destas informações que o Urbanismo e seu desdobramento jurídico não podem ser definidos pura e simplesmente como resultantes do contexto contemporâneo. Afirma Parejo Alfonso, que contemporânea é a perspectiva deste fenômeno, sua extensão e complexidade, cuja evolução acaba forçando a adequação do direito (ROSA, 2005, p.10). 15 É, nesse sentido, que se expande a necessidade de fazer uso do direito para regular a produção do ambiente construído além do estabelecimento de regras sobre o parcelamento do solo, criando instrumentos normativos capazes de amparar a ação do Poder Público no domínio privado (ROSA, 2005, p.10). Como a noção de urbanismo implica na prática de medidas impositivas do Poder Público, não há como dispensar a edição de normas de conteúdo legislativo e administrativo como fim de perseguir a organização dos espaços habitáveis e dirimir as incontáveis controvérsias que emergem da multifária relação entre os habitantes e os usuários da cidade. Ou seja, há a necessidade de regular todas as situações de fato e de direito que se configuram como atividades urbanísticas (FILHO, 2013, p. 7). Em paralelo a isso, o Estado não pode abdicar do sistema urbanístico em si, ou seja, também lhe cabe editar normas positivas, adentrando nos estudos, métodos e na organização dos espaços habitáveis, derivando daquela analise de conteúdo cientifico, dotada de valores e tecnicismo especiais. Em outras palavras, significa dizer que, ao enfrentarmos o conjunto de medidas reguladoras das atividades urbanísticas, devemos fazê-lo considerando não apenas o ius positum – direito positivo – mas também o lineamento de ciência que norteia e inspira a instituição daquele (FILHO, 2013, p. 7). O objeto do Direito Urbanístico varia conforme a concepção que se lhe possa dispensar. Em se tratando do aspecto de direito positivo, que é o que traduz um interesse mais expressivo aos aplicadores e estudioso da lei, o objeto vem a ser a disciplina da atividade urbanística, considerando-se que esta é a que se origina das relações entre os indivíduos com o Poder Público. Como ciência, este ramo do direito não se propõe a regular qualquer relação social, até porque não tem cunho coercitivo, mas está voltado à exposição, interpretação e sistematização das normas e princípios que são os reguladores da atividade urbanística (FILHO, 2013, p. 8). 1.2 Princípios do Direito Urbanístico 16 Princípios são mandamentos de um sistema, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo o espírito e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 2001, p. 771). Para Miranda (2010, p. 13) o Direito irá fazer uso dos princípios com o objetivo de melhorar as regras jurídicas, adaptando-as à realidade social, ainda que estes não sejam expressos em normas. Não muito diferente, o Direito Urbanístico, mesmo que seja uma disciplina em formação, possui princípios ainda não totalmente consolidados. Considerando sua aproximação com o ramo do Direito Administrativo, pode-se afirmar que seus princípios são aplicáveis no ramo em tela (MIRANDA, 2010, p.13). Da Lei do Solo Espanhola de 1956, o professor Antonio Carceller Fernandez (RODRIGUES, 2007, apud COSTA, 2010) alguns princípios que tendem a reger o Direito Urbanístico em modo geral. Primeiramente, tem-se o principio de que o urbanismo é uma função pública, vigorando que tal direito como instrumento normativo através do qual o poder público ordena a realidade no interesse coletivo, atuando como condutor da atividade urbanística (SILVA, apud PEREIRA, 2015). Diz José Afonso da Silva (2008, apud PEREIRA, 2015), que o princípio de que o urbanismo é função pública “fornece ao Direito Urbanístico sua característica de instrumento normativo, pelo qual o poder público atua no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse coletivo, sem prejuízo do principio da legalidade.”. Dentre as normas constitucionais que trata do princípio de que o urbanismo é uma função pública, faz-se necessária a observância dos artigos 6º, que se refere ao direito social à moradia, artigo 21, inciso IX, afirmando ser de competência da União à elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, artigo 30, inciso VIII, dispondo sobre a competência dos municípios em promover o ordenamento territorial e os artigos 182 e 183, tratando da política urbana, sendo todos os citados da CRFB/88 (COSTA, 2010.). 17 Em nosso ordenamento, a função social da propriedade não é algo novo. Além do instituto da limitação da propriedade, a função social da propriedade foi elevada ao patamar de principio em 1988 com a vigência da Constituição Federal1 sendo fator importante da política urbana. De forma expressa, a Carta Magna estabeleceuo direito à propriedade e que este atenderá a função social (COSTA, 2010). Será esse princípio que permitirá a instrumentalização e a ordenação da cidade, possibilitando intervenção direita do Estado na propriedade particular, obedecendo, desta forma, ao principio da legalidade (caput do artigo 37 da CRFB/88), visando o interesse da coletividade em detrimento do particular, formando o principal meio para solucionar os problemas que assolam os grandes centros urbanos. A Constituição Federal de 882 menciona o Direito Urbanístico em seu inciso I do artigo 24 onde trata das competências concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal indicando, para certos doutrinadores, a autonomia que a matéria possui em seu contexto de ciência jurídica. O assunto no que diz respeito ao Direito Urbanístico encontra-se de forma relevante no artigo 182 da Carta Magna ao tratar da política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Publico Municipal, segundo as diretrizes fixada no texto legal, possuindo o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o bem-estar dos indivíduos que nela habitam. Posto isto, fica claro que o Principio da Função Social da Propriedade constitui o núcleo do Direito Urbanístico. Em um segundo plano, temos o principio da planificação urbana, “o qual se ressalta ser o planejamento urbanístico o instrumento normativo básico para a ordenação urbana, o mecanismo principal de realização das metas do urbanismo” (RODRIGUES, 2007,apud COSTA, 2010). Em complemento, José Afonso da Silva afirma (2008, apud COSTA, 2010) que “o planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado 1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasilia, DF, 5 de out. 988. Seção 1, p. 1. 2 Idem. 18 para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos.”. No que concerne ao instrumento de planejamento urbano, destaca-se o Plano Diretor (art. 182, §1º da Constituição Federal) como o instituto necessário que estabelece as exigências fundamentais de ordenação da cidade, sendo positivado na legislação brasileira como instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana (COSTA, 2010). O Principio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios constitucionais que conferem a este ramo do direito autonomia e relevância material. Está disposto na CRFB/88 em seu artigo 1º, inciso III, revestindo-se do entendimento atual de que o ser humano deverá ser respeitado por ser, pura e simplesmente, um ser humano (COSTA, 2010). De certa forma, considerando o respeito pelas virtudes e qualidades humana, o Direito Urbanístico, uma vez que é voltado para o desenvolvimento de técnicas de ordenação dos territórios e utilização social da propriedade, apresenta-se como uma ciência relevante para a concretização do direito que o individuo tem à uma vida digna (COSTA, 2010). Não há, portanto, como falar de dignidade sem moradia, condições saudáveis de habitação, sem os necessários instrumentos urbanos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho. Em um patamar semelhante, o Direito Urbanístico também encontra base principiológica no Principio da Igualdade consagrado, em igual poder, na Constituição Federal do Brasil no caput do artigo 5º, pois, este, além de principio, é um direito fundamental do cidadão brasileiro. Vincula-se à Administração Pública tendo em vista que será esta quem irá traduzir, na elaboração e aprovação dos planos, o estabelecimento de regras que respeitarão à ocupação, o uso e a transformação do solo, tanto urbano quanto rural. A todo cidadão é garantido, de forma igual, o acesso à cidade (COSTA, 2010). Mas será com a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que o “Estatuto da Cidade” consolidada a “Ordem Urbanística”, isto é, um conjunto de normas deste ramo autônomo do direito (COSTA, 2010). 19 Observamos de forma clara o aumento das normas que visam o uso e a propriedade do solo. Tal fato se justifica pela extrema necessidade e situação de risco que se apresenta as cidades brasileiras mais populosas. A escassez do solo, tal como a escassez de todo e qualquer recurso natural, justifica-se pela concentração populacional em certos lugares. A busca pela qualidade de vida é justificativa clara para que se ditem medidas limitadoras da densidade máxima de edificações por áreas, volume por superfície, entre outras (COSTA, 2010). A proteção que há com o meio ambiente representa um forte argumento para a regulamentação do solo. Feito isso, não são só os habitantes atuais, mas as gerações futuras também deverão ser protegidas de um meio ambiente degradado com o seu mal uso (COSTA, 2010). Tais justificativas integram-se aos princípios constitucionais de reafirmam a vontade do legislador. É exatamente isso que se depreende do artigo 24 que conferiu, de forma expressa, à União competência legislativa para editar normas de Direito Urbanístico, aos Estados, competência suplementar (§2º, artigo 24) e aos municípios competência para editar normas de direito urbanístico de interesse local (inciso II, artigo 30) (COSTA, 2010). O Direito Urbanístico também cumprirá à definição de implementação da política de desenvolvimento urbano que possui como finalidade ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (artigo 182, caput) (COSTA, 2010). 1.3 Autonomia do Direito Urbanístico No que concerne à autonomia do Direito Urbanístico, não há um consenso entre os doutrinadores. Uns defendem a tese de sua autonomia plena como ramo próprio da ciência jurídica, informada por princípios e postulados específicos. Outros o situam como ramo do Direito Administrativo (NETO, apud FILHO, 2003, p. 8) A particularidade existente neste ramo da ciência jurídica consiste em seu conteúdo multidisciplinar, marcado pela presença de normas que vão 20 desde o Direito Constitucional, Administrativo, Civil e até o Penal onde trata dos crimes cometidos contra a ordem urbanística, tipificados por diferentes condutas (FILHO, 2013). Da maneira que não existe um código sistematizado para suas normas, não é raro a identificação e aplicação delas, demandando acendrado esperito de hermenêutica e sistema, com vistas à composição de um quadro coerente sob o aspecto lógico-jurídico (FILHO, 2013, p. 8). De fato, embora sejam reconhecidas regras singulares para o Direito Urbanístico, não há a prevalência de uma corrente autonomista. Apenas um ou outro doutrinador aduz quanto essa tese, mas ainda assim, sem muita incisividade. Contudo, ainda parece muito limitada a ideia de que tal ramo faça parte do Direito Administrativo, mesmo que muitos autores desta disciplina discorram sobre o tema em suas obras (FILHO, 2013, p. 8). No entanto, um fato que há relevância e que parece induvidoso é que o Direito Urbanístico não se pode furtar a manter a intrínseca relação com os direitos fundamentais da liberdade e o da propriedade, pois, quanto ao primeiro, é certo que o ramo do direito rende ensejo a algumas restrições ao direito de ir e vir e de circular pelas artérias da cidade, notadamente quando o estado exerce seu poder de policia. Já quanto ao segundo, há a visível interferência do Direito Urbanístico sobre ele, inclusive quando se trata do exercício do direito de construir, das limitações administrativas à propriedade, aos gabaritos, recursos e etc (FILHO, 2013, p. 9).1.4 Função social da cidade Mesmo que depois de tanta modernização, ainda há, nos dias atuais, uma grande parte da população mundial vivendo em povoados, vilas e, às vezes, cidades sem acesso aos bens e serviços disponíveis ao uso do espaço público, tal como, um ambiente saudável, condições de moradia dignas e infraestrutura adequada (RODRIGUES, 2004, p. 9-25). 21 Introduzida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 19883, o Município passou a ser reconhecido como ente da federação, deslocando o principio da função social da propriedade para o Título II – Dos Direitos e Garantias Individuais, especificamente para o Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais, em seu artigo 5º, nos incisos XXII e XXIII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social Para firmar ainda mais esse novo entendimento e se fazer cumprir a função social expressa no Capítulo que trata da Política Urbana, temos o artigo 182 que irá moldar a função social da cidade como base para sua construção, contudo, direcionará seus planos diretores municipais para as próprias cidades aplicarem os preceitos constitucionais. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Será através do Plano Diretor4 que o planejamento, que já era um importante meio para direcionar os rumos que a cidade passaria a ter, passou 3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 de out. 988. Seção 1, p. 1. 4 Plano diretor é o instrumento básico de um processo de planejamento municipal para a implantação das políticas de desenvolvimento urbano, direcionando as ações dos agentes 22 a ser indispensável nas grandes cidades, fortalecido com a definição de que o cumprimento de sua função social da propriedade se dará com o atendimento das condições expressas em seu texto legal (RODRIGUES, 2004). Em analise ao artigo supracitado, extrai-se do caput a definição de política de desenvolvimento urbano, tendo o Poder Público Municipal como agente executor, estabelecendo as diretrizes gerais através da lei, a atribuição de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem estar dos cidadãos. Em sequência, nos dois primeiros parágrafos do artigo 182 da CRFB/88, retiramos como referência necessária o plano diretor, sendo este o instrumento básico de desenvolvimento e expansão urbana tendo a propriedade urbana cumprindo sua função social através do atendimento das exigências fundamentais das cidades, às expressas em seu Plano Diretor. Dessa maneira, teremos o conceito de bem estar social com a identificação do Plano Diretor, este sendo o instrumento legal especifico. De acordo com a Carta Magna, a Lei Federal definirá as diretrizes gerais para a política de desenvolvimento urbano a ser executada pelo Poder Público Municipal com vistas a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem estar de sua população. Neste âmbito municipal, o Plano Diretor, indicará a função social da propriedade urbana, cabendo ao planejamento urbano, identificar o uso socialmente adequado para as regiões, áreas e imóveis nelas localizados (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). Desta maneira, assim, a propriedade urbana cumpriria sua função social ao ser edificada para fins habitacionais, comerciais, industriais e etc, em áreas para tal identificadas, como cumpre a função social com a preservação de bens ambientais indicados para tal. Contudo antes de a função social ser uma limitação ao uso da propriedade, ela é um elemento que faz parte da política urbana e da criação da cidade (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). Neste mesmo artigo, o parágrafo 4º apresenta ao administrador municipal um instrumento de indução ao cumprimento da função social, a qual públicos e privados. Disponível em http://urbanidades.arq.br/2008/06/o-que-e-plano-diretor/ Acesso em 24 de maio de 2016. 23 traduz como “adequado aproveitamento” do imóvel, o uso adequado às normas previstas no plano diretor (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. O artigo 183 da CRFB/88 ainda no que concerne quanto ao atendimento da função social da propriedade como condição para a garantia do direito à propriedade, apresente a usucapião constitucional: Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. De maneira clara, fica evidente em todo o texto constitucional, a intenção de viabilizar os seus princípios, não se limitando a apresentá-los, mas indicando os responsáveis pela sua implementação e apresentando os instrumentos necessários para tal, sendo verídico que aguardavam a edição da lei federal para sua concretização de forma mais ampla envolvendo todo o território nacional (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). A sua própria maneira, o Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem publica e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (cap. I, art. 1º, par. Único) (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). 24 Essa citação tem repercussão no tratamento do direito de propriedade e tem o condão de salientar a regulação do direito de propriedade no direito público de forma que o interesse social se sobreponha ao interesse particular quando em conflito, consagrando o Principio da Função Social propriedade como condição de suagarantia (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). Em seguida, estabelece de forma expressa, em seu artigo 2º, caput, que o objetivo da Política Urbana vem a ser ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, tendo elencados nos incisos as diretrizes que envolvem o planejamento urbano e a gestão municipal. A partir dessa orientação, caberá ao administrador municipal direcionar o planejamento urbano, sendo que qualquer política urbana que não busque o cumprimento da função social estará em desacordo com a norma federal e, assim, não encontra suporte jurídico (GUIMARAENS, 2008, p. 2-9). 25 2 SUSTENTABILIDADE E AS CIDADES SUSTENTÁVEIS Sustentabilidade possui relação com a continuidade e preservação de aspectos sociais, culturais, econômicos e ambientais da sociedade humana. Tem a proposta de ser um meio de configurar a civilização de forma que seus membros e a economia possam ser capazes de expressar o seu potencial, ao mesmo tempo que preservam os ecossistemas naturais, planejando e agindo de forma a atingir um equilíbrio com estes visando o futuro (ZANINA, 2012, p. 18) . Para que uma cidade promova uma política de sustentabilidade, é necessário um planejamento que procure fazer uso de sistemas com maior eficiência de transporte permitindo-nos a fazer um balanceamento ao uso das vias, favorecendo, não só os pedestres, mas a população em geral (ZANINA, 2012). 2.1 Desenvolvimento sustentável Foi em meado dos anos 70 que as questões sobre o meio ambiente começaram a fazer parte das discussões em âmbito mundial. A reflexão mais aprofundada sobre um futuro mais sustentável se apresentou de maneira incorreta, pois encampou mais do que um pensamento filosófico, destacando, de uma certa maneira, mudanças nas áreas sociais e políticas, levando-nos a questionar a participação do homem no que envolve o cuidado pelo lugar onde vive (GARCIA, 2005, p. 132). Tal discussão se fez necessária, pois se passou a perceber que nossas fontes naturais podem não durar tanto quanto se imaginava e que os seres que deveriam de alguma forma preservá-los não o faz. Ao contrario, fazem o uso inconsciente dos recursos naturais com o pensamento de que tais não possuem fim (GARCIA, 2005, p. 132). Desta maneira, observa Carla Canepa que a crise ambiental “reflete a irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e de consumo e demarca os limites do crescimento econômico”. 26 Já foi comprovado que quanto mais a economia cresce, mais aumenta a degradação ambiental a ponto de levantar um questionamento quanto à racionalidade do sistema social. O Brasil, como exemplo, está associado à uma imagem de poluição, violência, tráfego intenso, corrupção e outros males vergonhosos que se pode haver voltados para um país tão grande e repleto de recursos provenientes da natureza (CANEPA, 2005, p. 132). Neste sentido, o contexto urbano é de extrema importância, pois é nele que vive a maior parte da população desenvolvida. Ainda no século XX, a consolidação da expressão “cidades sustentáveis” se deu nos anos de 1992 e 1996, na Conferência da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD ou Rio 92) e na 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Assentamento Urbano (Habitat II), realizada na Turquia (CANEPA, 2005, p. 132.). Na Rio 92 foi aprovada a Agenda 21, assinada pelos 179 países participantes, onde, estes, acordaram e assinaram o documento que serviria como um programa de ação para um novo padrão de desenvolvimento, o “desenvolvimento sustentável”. Isto é, aprovou-se um instrumento de planejamento para a construção das sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas que concilia métodos de proteção ambiental, eficiência econômica e justiça social para o novo século (CANEPA, 2005, p. 132.). Foi sinalizado, nesta mesma conferência, a intenção em redefinir o modelo de desenvolvimento que passaria a fundamentar o conceito de sustentabilidade ambiental e social de acordo com as vantagens e desvantagens de recursos que o país sede possui (CANEPA, 2005, p. 132). Embora tenhamos a definição de “desenvolvimento sustentável” estabelecido na Agenda 21 e tendo-a se estabelecido em diversas agendas mundiais de direitos humanos e desenvolvimento, segundo muitos doutrinadores da área, tal conceito ainda se encontra em fase de formação (CANEPA, 2005, p. 133). Portanto, é inevitável que o tema em referência seja alvo de disputas teóricas-politica por parte dos personagens envolvidos em tal construção. Tais disputas se dão por se tratar de um assunto que faz parte de um processo 27 social nos quais governos nacionais, internacionais, agências não- governamentais, ambientalistas e estudiosos do gênero seguem por um mesmo caminho, mas em direções opostas, sem perceber que objetivam o mesmo resultado, a longo prazo: um planeta mais saudável com seu ecossistema preservado (CANEPA, 2005, p. 133). A caracterização do desenvolvimento sustentável, consagrado no relatório “Nosso Futuro Comum”5 de 1987, é daquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades” (CANEPA, 2005, p. 133). Formula-se como um processo de mudança da qual se concorda com o gerenciamento de investimentos, exploração de recursos, orientação de desenvolvimentos tecnológicos e as mudanças institucionais do presente com o futuro. A partir desta formulação, ensina a autora Cristiane Derani “uma norma de conduta: modificar a natureza através de sua apropriação ou através de emissões somente quando for para a manutenção da vida humana ou para proteção de outro valor básico, ou quando for justificado a capacidade de se apropriar dos meios sem danificar a sua reprodução” (CANEPA, 2005, p. 133). Segundo a citada autora, o desenvolvimento sustentável encerra o ideal de desenvolvimento harmônico entre a economia e a ecologia que deverão ser ajustadas em uma correlação de valores tendo o máximo econômico refletindo de maneira similar o máximo ecológico (CANEPA, 2005, p. 134). De forma mais ampla, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa a harmonização entre os seres humanos, a natureza e a humanidade, sendo que para serem alcançados se faz necessário a existência de alguns sistemas como ensina Carla Canepa: 5 Nosso Futuro Comum (Our Common Future) é um documento que foi publicado em 1987. Também conhecido como Relatório Brundtland. O Relatório foi elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, faz parte de uma série de iniciativas, anteriores à Agenda 21, as quais reafirmam uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressaltam os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O relatório aponta para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland> Acesso em 07 de junho de 2016. 28 um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório; um sistema econômico capaz de gerar excedentes e know-how técnico em bases confiáveis e constantes; um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado; um sistema de produção que respeite a obrigação de preservara base ecológica do desenvolvimento; um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções; um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comercio e financiamento e um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir- se. Abrangendo tais sistemas, existe mais uma disputa teórico política em que se avalia os divergentes pesos das variáveis que estão em jogo e as características para sua implementação, assim como a responsabilidade dos envolvidos em tais processos. Tal disputa se sobrepõe mais nos fins e objetivo do que nos meios, levando-nos a crer que, atualmente, no setor coberto pelo desenvolvimento sustentável, existem ainda diversas esferas permeadas de valores éticos e sociais de difícil aproximação (CANEPA, 2005, p. 135). Para maior divulgação da proposta, esta seria de ser implementada, testada e divulgada de maneiras a conseguir mudar os processos econômicos, sem que destruam os sistemas ecológicos e sociais que garantem a vida e sua qualidade. Tais ações necessárias para alcançar estes objetivos ainda não estão inteiramente definidas. Não se sabe, ainda, se serão atingidos, mas sabe-se que há um consenso cada vez maior de que o desenvolvimento sustentável poderá ser adotado em nível regional, uma vez que seja estabelecido em nível global (CANEPA, 2005, p. 135). O desafio que virá será quanto à distribuição, de forma justa e igualitária, dos benefícios advindos de tal desenvolvimento e, ainda, a manutenção por um elevado período de tempo para que todos dos grupos sociais possam usufruir. De tal maneira, previnirar-se-á degradação dos ecossistemas e o desperdício dos recursos naturais (CANEPA, 2005, p. 135). 2.2 Sustentabilidade 29 Lester Brown, no inicio da década de 80 no Worldwach Institute6 que “uma sociedade sustentável é aquela capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras” (PORTES, 2013, p. 20-23). Tal conceito é fruto de um movimento histórico novo. O problema a ser enfrentado diz respeito a existência de uma proposição central no discurso da sustentabilidade, sendo esta a busca de eficiência na utilização dos recursos do planeta, refletindo que, se houver a limitação do crescimento econômico global, emergirão questões relativas à desigualdade internacional de níveis de vida e renda, tal como a pressão inter-regional diferenciada sobre os recursos espalhados pelo globo terrestre. Nesse panorama, o pesquisador Henri Acselrad7, afirma que a produção da sustentabilidade é articulada de forma subordinada à explicação de padrões éticos relativos a valores de bem e de mal justificando o estabelecimento da equidade como um princípio da sustentabilidade (PORTES, 2013, p. 20-23). Após a Rio 92 surgiram duas noção de extrema relevância, referindo-se tanto à Agenda 21 como as cidades sustentáveis: a noção de sustentabilidade ampliada e a de sustentabilidade progressiva (PORTES, 2013, p. 20-23). A denominada sustentabilidade ampliada transita entre as dimensões ambiental, social e econômica do desenvolvimento. Realiza o encontro político entre a Agenda ambiental e a Agenda social, enunciando a indissociabilidade entre fatores sociais e ambientais e sua necessidade de que a degradação do 6 WWI-Worldwatch Institute tem sede em Washington, nos EUA, destacando-se como um importante instrumento na promoção de uma sociedade ambientalmente sustentável, onde as necessidades humanas são atendidas sem ameaças ao ecossistema natural. Através de pesquisas, busca atingir seus objetivos montando cenários sobre questões emergentes e difundindo seus resultados através de publicações em vários idiomas, com o intuito de que estas rodem o mundo. Disponível em <http://www.wbcsd.org/web/projects/mobility/english_full_report.pdf>. Acesso em: 15 de maio de 2016. 7 Doutor em Planejamento, Econonia Pública e Organização do Território pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), Doutor em Economia pela Universidade de Paris I (Panthéon Sorbonne) França,1980. Professor Adjunto do IPPUR/UFRJ e pesquisador 1B do CNPq. Co- coordenador do GT Conflito Social e Meio Ambiente da ANPOCS 2005-2006, do GT Meio Ambiente, Estado e Territorialidade do XII Congresso Brasileiro de Sociologia, 2005, do GT Justiça ambiental da ANPPAS, 2004-2006 e do Track Sustainability and environmental justice do World Congress of Planning Schools, Mexico, 2006. 30 meio ambiente seja enfrentada juntamente com a pobreza (PORTES, 2013, p. 20-23). Em contra partida, a noção que há de sustentabilidade progressiva vai fazer uso da sustentabilidade como um processo pragmático de desenvolvimento sustentável. Reduzindo a degradação do meio ambiente e também a pobreza e as desigualdades (PORTES, 2013, p. 20-23). Em 1996, criou-se a Carta do Novo Urbanismo, documento referencial do Congresso do Novo Urbanismo, formado por profissionais cujo objetivo foi o de formalizar um maior enfoque para o urbanismo, explorando as reais possibilidades do desenvolvimento de cidades norte-americanas (MACEDO, 2007 apud PORTES, 2013, p. 22). Tal movimento surge como uma resposta ao crescimento dos subúrbios nos Estados Unidos, espécie de grandes urbanizações que não conseguem definir caráter próprio entre tais extremos que dão sentido de lugar. Os subúrbios norte-americanos, o que também ocorre nas cidades satélites, carecem de uma adequação de função que permita a um novo grupo de seus habitantes trabalhar e desenvolver outras atividades sociais em sua própria vizinhança. As pessoas viram dependentes de seus veículos, pois o transporte publico, quando há, não é suficiente ou não é de fácil acesso. Os projetistas do Novo Urbanismo ou Urbanismo Sustentável são a favor de comunidades menores e mais densas que os subúrbios tradicionais, com limites definidos, existindo uma mescla de funções que incorporem espaços de recreação, comercialização, instituições e de serviço em estreita vinculação com residências diversas. Tais habitações seriam acessíveis a vários grupos socioeconômicos e seriam apropriados de maneira que propiciem a diversidade em termos de idade, cor e sexo. As distancias de um lugar a outro poderiam ser percorridas a pé e seriam bem menores do que são, conectando os espaços e reduzindo a dependência do carro e a contaminação e o consumo de energia que esta gera. Essas características propiciariam o caráter único do lugar e a sensação de pertencimento ao grupo de habitantes que residem ali (IRAZÁBAL, 2001 apud PORTES, 2013, p.22). 31 A Carta do Novo Urbanismo estabeleceu princípios associados à formação do espaço regional, das cidades e dos bairros, com a intenção de se organizar os sistemas regionais, articulando áreas urbanizadas com as cidades menores em setores bem delimitados do território, evitando a ocupação dispersa, valorização a acessibilidade do transporte coletivo, favorecimento a superposição de uso do solo com a intenção de reduzir percursos e criar comunidades compactas, estimulando o processo de participação da comunidade e a retomada dos tipo do urbanismo tradicional relativos ao arranjo das quadras. Com atenção para a articulação dos sistemas de transportes para conceitos de compacidade do espaço urbano e do projeto de paisagem, o Novo Urbanismo, então, depende de um planejamento urbano e regional, da qualidade dos projetos locais e do desenvolvimento das comunidades. O Urbanismo Sustentável passou a ser compreendido como algo que expressa a vontade do povo por um ambiente mais limpo (PORTES, 2013, p. 21). 2.3 Cidades sustentáveis Asustentabilidade urbana possui ênfase nas esferas sociais e de comunidade, já que os principais problemas urbanos tem sua origem nas relações humanas. Em contra partida, a expansão urbana nega os limites naturais impostos aos recursos finitos do planeta, colocando em conflito o sistema econômico vigente. O urbanismo atual das cidades é disperso e gera diversos problemas ambientais. Tal dispersão urbana exige intenso uso de veículos para transporte de mercadorias e pessoas que acarretam a poluição do ar através da emissão de fases provenientes de combustíveis fósseis nos diversos meios e redes de transporte, bem como da impermeabilização do solo decorrente da pavimentação excessiva que irá exercer sérios danos ao ciclo hidrológico, bem como impacta o clima urbano de forma considerável. A noção que temos de “cidades sustentáveis” nasceu em razão da conjugação da questão econômica, alem de social, ambiental e, sim, política. Assim, o ambiente construído das cidades, definido pelos espaços edificados e 32 pelos espaços livres, oferece as diferentes opções de desenvolvimento urbano que serão adotadas (CANEPA, 2005, p. 145). Com o surgimento nos organismos internacionais, o modelo das “cidade sustentáveis” vem a ser a extensão da operacionalização da noção de “desenvolvimento sustentável ” (CANEPA, 2005, p. 145). Henri Laborit (s.d., apud CANEPA, 2005) aduiz que a cidade é “uma produção humana”, sendo somente um “meio” para realizar sua finalidade: conservar a estrutura social, representando um dos meios utilizados por um organismo social para controlar e conservar sua própria estrutura. Nesse sentido, “o poder da cidade não tem outra razão senão a de proteger o cidadão de qualquer opressão, venha ela de fora ou de dentro”. E, ainda afirma que, a cidade possui uma transcendência que vem de ser uma comunidade de cidadãos submetidos a uma lei igual para todos, local das relações entre os homens (AKOUN, s.d., apud CANEPA, 2005, p. 145). Seguindo esse mesmo pensamento, a constatação da necessidade de “ambientalizar” as políticas urbanas e de construir cidades com estratégias ecológicas tem sido postuladas pelos estudiosos que, ao constatar que as cidades estavam se tornando usinas de consumo de energia e de produção de resíduos tóxicos, entenderam que urge uma redução drástica dessas externalidades negativas. A alternativa seria fazer com que a sustentabilidade pudesse ser afirmada como um paradigma dando um suporte a formulação da possibilidade de sustentabilidade urbana e que permitirá considerar possível que o desenvolvimento urbano possa ocorrer em bases sustentáveis (CANEPA, 2005, p. 146). A doutrinadora cita Julio Cesar de Sá da Rocha no sentido de que, ao tentar fixar um conceito de cidade, diz “ela pode ser compreendida como centro populacional permanente, altamente organizado com funções urbanas e políticas próprias: espaço geográfico transformado pelo homem pela realização de um conjunto de construções com caráter de continuidade e contiguidade. Espaço ocupado por uma população relativamente grande, permanente e socialmente heterogênea, no qual existem atividades residenciais, de governo, 33 industrial e comercial, com um grau de equipamento e de serviços que assegure as condições da vida humana.”. É certo de que a cidade não pode ser definida por uma compreensão isolada já que existem fatores correlacionados ao conceito demográfico, econômico e jurídico, alem de uma estreita correlação entre o microssistema ambiental e urbanístico a serem considerados, no que tange á proteção e defesa da qualidade de vida e do bem estar de seus habitantes (CANEPA, 2005, p. 146). Relevante faz-se mencionar que, na defesa ambiental e na ordenação dos espaços urbanos, o que se objetiva é a concretização de um comando constitucional que é o da função social da cidade. Tal será alcançado com uma política constitucional urbana e uma defesa ambiental dos espaços habitáveis, alcançando todas as variáveis da vida humana, tal como saúde, educação, lazer e segurança, visando uma melhor qualidade de vida, conforme o disposto no artigo 225 da CRFB/88 (texto legal referente ao meio ambiente) (CANEPA, 2005, p. 146). O legislador, ao definir uma cidade sustentável, adiciona vários elementos no artigo 2°, inciso I do Estatuto da Cidade (direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao lazer), e merece um comentário a respeito da parte final da diretriz quando estabelece “de modo a beneficiar as presentes e futuras gerações”, o que significa que esta infraestrutura deverá ser realizada de imediato, de forma planejada, com visão para o futuro, modificando as consequências da política que as administrações públicas adotam há muito tempo em nossas cidades(CANEPA, 2005, p. 146). Podemos então dizer que o desenvolvimento urbano sustentável será alcançado por meio de uma (re)ordenação do espaço urbano a partir de princípios básicos sustentados no direito à cidadania, na administração democrática das cidades e na função social destas e da propriedade, juntamente com a adoção de mecanismos que incluam no mínimo a manutenção dos atuais estoques de recursos para as gerações futuras (CANEPA, 2005, p. 146). 34 De forma mais concreta, a função urbanística e ambiental é exercida a nível municipal. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o plano diretor assume a função de instrumento básico da política urbana do Município, que tem como finalidade ordenar o pleno desenvolvimento das funções da cidade e garantir o bem estar da comunidade local (artigo 182). Houve a chamada conscientização no sentido de que as cidades podem e devem ser transformadas para melhor, através da abordagem da sustentabilidade ocorrida depois da Conferência do Rio e da Habitat II8. Contudo, seria preciso um equacionamento dos problemas das cidades para, posteriormente fixar critérios e estratégias que possam enfrentar esse desafio, associando-se à estratégias ecológicas e sociais (CANEPA, 2005, p. 147). São muitas as estratégias que surgiram desde então nos vários encontros realizados visando alcançar Cidades Sustentáveis, dentre eles as que resultaram em um workshop realizado na cidade do Rio de Janeiro e um Seminário Nacional, em Brasília, no ano de 1999. O que surgiu esses encontros foi um documento introduzindo a dimensão ambiental nas políticas urbanas vigentes ou que as venham a ser adotadas respeitando as competências constitucionais nas esferas governamentais. Isto posto e partindo da analise da construção do conceito de desenvolvimento sustentável, tendo por base as noções de sustentabilidade, tal documento, indica as premissas que norteiam a realização do trabalho, in verbis9: “a) crescer sem destruir (...) b) indissociabilidade da problemática ambiental (...) c) diálogo entre a Agenda 21 brasileira e as atuais opções de desenvolvimento (...) d) especificidade da Agenda Marrom (...) 8 A Conferência Habitat II, 1996, ocorreu na cidade de Istambul e foi organizada pela agencia UN-HABITAT que faz parte das Nações Unidas, sendo responsável pela implementação das atividades da ONU na área de assentamentos humanos. Suas ações são regidas por mandato da Assembleia Geral da ONU com o objetivo de promover povoamentos e cidades social, com ambientes sustentáveis, assegurando o direito a uma moradia adequada para todos. Disponível em: http://unhabitat.org/about-us/history-mandate-role-in-the-un-system/. Acesso em 06.06.2016 9 Cidades sustentáveis: subsídiosà elaboração da Agenda 21 brasileira, pp.3-4 35 e) inovação e disseminação das boas práticas (...) f) fortalecimento da democracia g) gestão integrada e participativa h) foco na ação local (...) i) mudança do enfoque das políticas de desenvolvimento e preservação ambiental j) informação para a tomada de decisão (...)” A escolha de tais pressupostos e premissas baseou-se numa visão integrada e sistêmica dos problemas, tanto no caráter otimizador e mobilizador como nos meios dos recursos já existentes. Mais importante ainda é salientar a necessidade de uma viabilidade econômica e institucional, associada a coerência e eficácia para que se alcancem os macroobjetivos do desenvolvimentos sustentável (CANEPA, 2005, p. 148). A autora Carla Canepa em sua obra cita Rose Compans, pois esta argumenta no sentido de ter que se trabalhar com uma concepção mais ampliada de desenvolvimento sustentável, formando uma tríade entre crescimento econômico, qualidade de vida e reprodutibilidade, unindo competitividade e sustentabilidade em uma mesma estratégia que não vem a ser a de uma “cidade global” nem de uma “cidade sustentável”, mas a de uma “cidade global sustentável” 10. Quando há a propositura de mecanismos de desenvolvimento dentro da lógica de sustentabilidade, a ideia é manter um constante e crescente estoque de recursos naturais que consigam suprir, da melhor maneira, o objetivo do desenvolvimento em favor da igualdade entre as gerações, ainda em prol dos desfavorecidos da sociedade. Diz Carla Canepa (2005, p. 151) “a igualdade entre gerações deve ser entendida como o ponto crucial do tema desenvolvimento sustentável por supor que a geração seguinte tem o direito de ter acesso no mínimo à mesma base de recursos que a geração anterior.” 10 A expressão “cidade global”, em oposição à megacidade (aglomerado urbano que habita mais de dez milhões de habitantes), foi introduzida por Saskia Sassen, em referência Londres, Nova Iorque e Tóquio, em sua obra de 1991 "A Cidade Global" com o intuito de designar os pontos nodais dos fluxos financeiros, a partir dos qual obtém-se um controle global dos mercados financeiros e sítios de produção dispersos. É considerada uma cidade que começou a ser um lugar importante no sistema econômico em âmbito mundial. (CANEPA, 2005, p. 148) 36 Significa dizer que através de uma ética transgeracional, entre gerações, seja concedido igual direito de acesso, participação, uso e utilização, gestão, exploração, proteção, conservação e repartição dos benefícios nas decisões sobre o patrimônio comum (CANEPA, 2005, p. 152). A ordenação do espaço urbano partindo dos princípios básicos sustentados no direito à cidadania, função social das cidades e na administração democrática destas, emerge de maneira substancial e como uma alternativa executável a partir dos mecanismos em ponderação apresentados. 2.4 Cidades sustentáveis ao redor do mundo O planejamento e desenho urbano, tendo como base a ótica do urbanismo sustentável, têm três eixos que são fundamentais: à habitação, a infraestrutura e a paisagem. Esta tríade faz parte de um sistema integrado onde tudo é interligado e reaproveitado, tal um ciclo. Tudo que sai do sistema de produção deve ser reaproveitado, através de um sistema circular de água, esgoto, energia e alimentos, reduzindo o impacto sobre o meio ambiente e aumentando o rendimento geral da comunidade. Segundo Roseland (1998), a sustentabilidade somente consegue ser alcançada através de um planejamento que necessita de monitoramento através de diagnósticos constantes, sendo capaz de informar a atual situação e o percurso que está sendo seguido, uma forma de verificação e relato descritivo do que está ocorrendo (FURTADO, 2002). Tal planejamento pode ser percebido através de procedimentos necessários para uma operacionalização da sustentabilidade urbana. O que se observa constantemente é a relação entre sustentabilidade e desenvolvimento. Uma cidade desenvolvida será mais sustentável que uma cidade subdesenvolvida. A ecologia11 é essencial para o desenvolvimento 11 Ecologia é uma ciência do ramo da Biologia que estuda os seres vivos e suas interações com o meio ambiente. Derivada do grego, “oikos” significa casa e “logos” estudo. Tal palavra foi criada pelo biólogo e naturalista alemão Ernst Heinrich Haeckel, em 1866, vindo a ser uma das ciências mais necessárias, pois os resultados de seus estudos irá fornecer dados reveleando 37 sustentável e o papel que essas cidades exercem é necessário para que exista equilíbrio entre os sistemas e, para que haja tal equilíbrio, é necessário que ocorra a preservação. Usualmente, saem listas e descrições de cidades mais sustentáveis em âmbito mundial o que nos remete a analise de desenvolvimento e equilíbrio natural entre as ações humanas e o ecossistema. São cidades que planejam a longo prazo, tal como Reykjavík12, na Islândia que vem a ser a considerada a cidade mais sustentável no mundo. Mesmo que pareçam perfeitas, essas cidades enfrentam problemas reais como qualquer outra. O que ocorre é que possuem soluções mais inovadoras podendo servir de exemplo para outras metrópoles ao redor do globo. Reykjavik é em disparada a ser a cidade mais sustentável do mundo, uma das mais limpas, também, em emissões de dióxido de carbono (CO2). A capital é geologicamente privilegiada, possuindo cerca de 200 mil habitantes, tendo o maior sistema de aquecimento geotérmico13 do planeta, utilizando água quente e natural para o fornecimento de calor aos edifícios e casas desde 1930, como observa os pesquisadores da Plataforma de Cidades Sustentáveis14. O preço da eletricidade que a própria cidade produz através das usinas instaladas ali é metade do valor cobrado no Reino Unido, o que fez com que as se os animais e os ecossistemas estão em perfeita harmonia. (SUA PESQUISA. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/o_que_e/ecologia.htm>. Aceso em: 07 de junho de 2016. 12 No ano de 2011, a capital da Islândia recebeu da Comissão Europeia o premio da capital mais verde da Europa. Reykjavik significa “baía fumegante” em referencia ao vapor que brota da terra e alimenta as cinco únicas geotérmicas instaladas na cidade. Estas produzem mais de um quarto de toda a eletricidade que seus habitantes consomem, sendo o restante gerada por usinas hidrelétricas, que também vem a ser uma fonte renovável.Disponível em <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/cidades-solucoes-inovadoras-desafios- urbanos-ilhas-fantasias-problemas-reais-695102.shtml > Acesso em 07 de junho de 2016. 13 Geotérmica é uma palavra grega onde “geo” significa terra e “therme” significa calor, ou seja, é a energia calorífica que vem do núcleo do planeta. Os registros são de que a centenas de anos, os homens começaram a desenvolver formas de utilizar essa energia para um bem maior transformando-a em eletricidade. Pouco poluente e renovável, seu volume de água no interior da Terra é constantemente reabastecido pelo ciclo natural das chuvas e o calor é gerado no centro terrestre. Disponível em http://www.ecodesenvolvimento.org/noticias/energia- geotermica-aquece-cidade-da-islandia. Acesso em 07 de junho de 2016. 38 empresas britânicas levem seus servidores de computadores para a ilha vizinha. Reykjavik conta ainda com um moderno sistema de transporte coletivo, que incluiônibus movidos a hidrogênio, sem nenhum tipo de emissão de gases de efeito estufa e apenas 0,1% da energia consumida na cidade vem de combustíveis fósseis. Nos Estados Unidos, a cidade de Portland é um exemplo de cidade inteligente mostrando planejamentos que proporcionam melhor qualidade de vida aos seus moradores. Localizada na Costa Pacifica e rodeada por montanhas e vulcões, esta nunca foi uma cidade destino para quem tem interesse em conhecer o país mais diversificado do mundo. Entretanto, quando recebe atenção, surpreende com os exemplos de desenvolvimento sustentável. Ao longo de 10 anos, a cidade de Portland tem feito uso de uma combinação de política, educação pública e projetos locais para incorporar ao seu espaço funções naturais na infraestrutura existente da cidade, de forma a complementar, fortalecer e aprimorar as bacias hidrográficas15. Seu histórico de devastação de floresta e poluição do ar foi o divisor de águas para que a cidade se tornasse a mais sustentável dos Estados Unidos. O que ocorreu foi que a cidade criou um sistema de infraestrutura verde para melhorar o ambiente, reduzindo os riscos em épocas de chuva e promovendo a filtragem da água de forma mais natural, além de investir na mobilidade urbana e na geração de energias alternativas16. Tais mudanças ocorreram como resultado de um engajamento dos próprios moradores. Estes entenderam que a problemática social e urbana é indissociável ao aspecto ambiental, sendo, um dos principais motivos desse sucesso, a vocação que os norte-americanos possuem para administra o desenvolvimento de suas cidades de forma participativa17. 15 Disponível em < http://www.cidadessustentaveis.org.br/boas-praticas/projetos-de- infraestrutura-verde-em-portland> Acesso em 07 de junho de 2016. 16Disponível em < http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2013/junho/portaland-aposta-em- mobilidade-urbana-e-energias > Acesso em 07 de junho de 2016 17 Disponível em < http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=914424> Acesso em 07 de junho de 2016. 39 Nas palavras da professora de planejamento territorial e desenho urbano da universidade da Califórnia, Prof. Carla Irazábal18, “somente a sinergia entre lideranças contínuas, políticas abrangentes e o envolvimento sustentado dos cidadãos são capazes de produzir resultados extraordinários de planejamento.” O cenário favorável teria sido um fator contributivo para que esta cidade buscasse soluções para as questões ambientais antes que o termo “sustentabilidade” virasse moda no âmbito político. Desde 190319, incluir políticas verdes no planejamento urbano se tornou algo intrínseco ao meio de viver dos moradores dessa cidade20. Portland vem a ser um exemplo também no que diz respeito ao seu transporte coletivo. Esta rede inclui trens, metrôs, ônibus e ciclovias vindo a ser uma das mais eficientes já vistas. Este município foi o primeiro, há 15 anos, a aprovar um plano para redução das emissões de CO2. Também foi a precursora no incentivo ao uso de veículos híbridos e elétricos para a população. Hoje conta com 92 mil hectares de espaços verdes, mais de 120 quilômetros de ciclovia e trilhas, sendo considerada a melhor cidade para se pedalar nos Estados Unidos21. Tais projetos urbanos serviram para impulsionar a economia da região e, mesmo em épocas de crise econômica, essas ações tem priorizado a garantia da competitividade das empresas ali instaladas e o aumento de eficiência das edificações. Por ser um local perto dos grandes centros consumidores e de fácil acesso a rodovias, ferrovias e portos, esta cidade tem atraído empresas como Adidas e Nike, além de usinas siderúrgicas e metalúrgicas, que visam 18 A professora, de origem venezuelana, realizou um estudo comparativo entre as políticas urbanas adotadas por Portland (EUA) e Curitiba (BR). Ibidem. Disponível em < http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=914424> Acesso em 07 de junho de 2016. 19 O paisagista John Charles Olmsted, no ano de 1903, elaborou um relatório para o Conselho do Portland Park, propondo uma maior integração entre os espaços verdes e urbanos como um meio de gerar áreas mais agradáveis em que a comunidade poderia fazer uso. Desde então, a vida dos cidadãos de Portland passou por mudanças que os fazem ter uma vida melhor em um ambiente mais saudável. Disponível em Ibidem. Disponível em < http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=914424> Acesso em 07 de junho de 2016. 20 Idem. 21 Portland é conhecida como a “Cidade de 20 minutos” pois é o tempo máximo que um residente leva diariamente para fazer o trajeto entre sua casa e o local onde trabalha. Idem. 40 estabilidade política, mercado consumidor sólido e disponibilidade de energia com preço baixo22. Outra cidade exemplo por ter características abundantes de sustentabilidade é Curitiba no Brasil. Esta é conhecida como a capital ecológica brasileira. Suas áreas de cobertura vegetal passaram de 18% para 26% nos últimos dez anos, e o índice de área verde da cidade passou a ser 64,5 m² por pessoa, sendo um dos mais altos entre a capital brasileira. A capital paranaense é ainda um exemplo em soluções de urbanismo e tecnologia de transporte urbano23. Considerada uma das dez cidades mais sustentáveis do mundo, Curitiba possui a melhor o ar de melhor qualidade do país, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Possui uma gama de 36 espaços urbanos de preservação, sendo configurados em parques e bosques, o que explica o porque de ter sido selecionada como a segunda melhor no ranking mundial de equilíbrio ambiental24. De acordo com o Fórum Global sobre Assentamentos Humanos, a capital do paranaense possui iniciativas voltadas para à implementação de comunidades inteligentes, além de baixa emissão de gás carbono, zero resíduos, meio ambiente e planejamento urbano sustentável, transporte, infraestrutura, construções, economia e habitação verde, sociedade harmoniosa, além de cultura e patrimônio sustentáveis25. Na Suécia, a cidade de Malmö não é famosa apenas pelos inúmeros jardins e parques que se espalham ao longo da cidade. O desenvolvimento urbano sustentável da cidade é uma de suas características mais marcantes e 22 Idem. 23 Disponível em < http://www.cidadessustentaveis.org.br/noticias/confira-cinco-cidades-que- sao-exemplos-de-sustentabilidade> Acesso em 07 de junho de 2016. 24 Disponível em < http://www.curitibacvb.com.br/noticia/curitiba-conhecida-mundialmente-pela- sustentabilidade> Acesso em 07 de junho de 2016. 25 Além da referência e dos prêmios recebidos pelas iniciativas em mudar o ambiente que integra, a cidade de Curitiba vem a ser a única cidade brasileira que integra a C40, como convidada. C-40 é uma conferência anual que reúne os prefeitos das maiores cidades do mundo, com o objetivo de discutirem ações e soluções que contemplam a superação dos desafios do milênio, além de abordar ideias sobre o desenvolvimento sustentável. Este encontro é promovido a cada dois anos. Ibidem. Disponível em < http://www.curitibacvb.com.br/noticia/curitiba-conhecida-mundialmente-pela-sustentabilidade> Acesso em 07 de junho de 2016. 41 ainda que esta seja uma das maiores cidades do país, não há de se falar em congestionamento, pois são 425 km de ciclovia26. A renovação da terceira maior cidade da Suécia, com seus 300 mil habitantes, começou no ano de 2001 quando um antigo estaleiro foi transformado em um bairro ecológico durante uma exposição de arquitetura, o Västra Hamnen
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