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DESGRANGES, Flavio. Pedagogia do espectador

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FLÁVIO DESGRANGES 
A PEDAGOGIA DO ESPECTADOR 
EDITORA HUCITEG 
São Paulo; 2003. 
DJJ:eltos. autorais, 2002, de Flávio Desgranges. 
Direitos' de publicação reservados por 
ADERALDO, & RO'l'HSCIIILO EDITOR&S LTD A., 
Rua João Moura, 433 - 05412-001 São Paulo, Brasil 
Thlefane/fax: (SSxxll) 3083-7419 (geral) 
Atendimento ao Leitor: (SSxxll) 3060-9273 
Atendimento ao Livreiro e ao Distribuidor: (55xxll) 3258-1357 
e-maU: hucltec@terra.com.br 
D486p 
home page: www.hucltec.com.br 
Depósitos Legais efetuados. 
Editoração Eletrônica: Juliana Ferrar! 
CIP-Drasll Catalogação na Fome 
Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ 
Desgranges, Flávio 
A pedagogia do espectador 
I Flávio Desgranges. • São Paulo : Hucltec, 2003. 
11. ; . -(Teatro; 46) 
Inclui bibliografia 
ISBN 85-271-0620-5 
1. Teatro e sociedade. · 2. Platéias de teatro. 3. Teatro -
História. 
I. Título. 11. Série. 
03-2268. CDD 792.01 
CDU 792.067 
Para Giulian 
,. 
·sUMÁRIO 
pág. 
Capítulo 1 
Ao encontro do mt,mdo lá fora. 13 
Capítulo 2 
A ~rte do espectador: contexto de uma formação 19 
Capítulo 3 
Práticas teatrais e formação de espectadores . 45 
Capítulo 4 
O espectador épico: pedagogia para um teatro de 
espetáculo 91 
Capítulo 5 
O teatro épico moderno e a contemporaneidade 135 
Capítulo 6 
A descoberta do prazer da análise 171 
Bibliografia 179 
1 
AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA 
Numa visita ao Musée D'Orsay, na cidade de Paris, local onde, 
me contaram, teria funcionado, outrora, uma estação de trem, 
eu percorria as grandes galerias do segundo andar, de pé-direi-
to bastante alto e paredes de concreto. Passeava por um dos 
setores dedicados à exposição permanente do museu, onde esta-
vam localizadas diversas pinturas impressionistas. Uma profu-
são delirante de quadros de Gauguin, Cézanne, Van Gogh, Seurat, 
que .explorava!Yl as qualidades óticas da luz e da cor, e desperta-
vam Intensas emoções. As telas pareciam exalar os perfumes das 
paisagens que retratavam. Um pequeno descuido já nos deixava 
ouvir o cantar das cigarras nos campos de sol escaldante, ou o 
ruído silencioso dos rios margeados por arbustos em variados 
tons de verde e leves pinceladas de violeta. 
A visitação seguia pelas muitas galerias fechadas , quando, no 
meio de uma das salas surge, surpreendente, uma janela que nos 
deixava ver, lá fora, o entardecer da cidade, tendo como fundo 
um céu azul cravejado por nuvens esparsas, recortado pelos pe-
quenos· prédios parisienses. Postei-me diante da janela durante 
longo tempo e percebi que não estava só. Vários dos visitantes 
pennaneclam estáticos diante dela, olhando para aquela paisagem 
IJ 
.. 
14 AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA 
como se observassem uma pintura, uma obra de arte. Afastei-
me da janela, sentei-me em um dos bancos próximos e me ative 
à reação das pessoas, à relação que estabeleciam com a paisa-
gem que surgia pela vidraça, enquanto pensava na faculdade da 
arte de nos sensibilizar, em como a contemplação daquela se-
qüência de quadros havia provavelmente estimulado os visitan-
tes a lançar um olhar estetizado para o mundo lá fora, em como a 
relação com as obras propiciava, ainda que por ins.tantes, que os 
contempladores fruíssem a existência como uma experiência ar-
tística. Os visitantes entravam e saíam daquel~ galeria; o movi-
mento em direção à janela e a relação com a paisagem parisiense 
repetiu-se por longo período, até que me retirei da sala e do 
museu, não sem guardar cuidadosamente na memória aqueles 
que para mim foram intensos e raros momentos. 
N.o ano seguinte, em 1996, na época em que fazia um estágio 
no T.J.A. (Théãcre des Jeunes Années), na cidade de Lião, tive 
oportunidade de retornar a Paris. O impulso me levou de volta 
ao D'Orsay e, depois de rápida visita aos Impressionistas, che-
guei à galeria em que se encontrava a tal janela. Para meu espan-
to, nada acontecia. Não havia ninguém diante dela, os visitantes 
passavam pela sala sem o menor interesse pela paisagem pa-
. . 
risiense que a vidraça descortinava. Sentei-me no mesmo banco 
em que observara as pessoas no ano anterior e aguardei. Alguma 
reação tinha de acontecer, não poderia ser possível que a mes-
ma exposição, a mesma seqüência de quadros, as mesmas obras 
de arte que provocaram os contempladores na vez anterior, não 
estimulassem os passantes a lançar um olhar ~urioso em dire-
ção à paisagem da janela. Os visitantes não eram os mesmos, 
pensei, mas isso não explicava o desinteresse, pois no ano ante-
rior dezenas de pessoas, das mais diferentes nacionalidades, sen-
tiram-se estimuladas a travar um diálogo com o mundo lá fora. 
AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA 
Vlncent Van Gogh (1853-1890). LaMéridienne (d'apres Millet), 
1889-1890. Musée d'Orsay. 
15 
16 AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA 
E, além do mais, as obras eram exatamente as mesmas ordena-
' das d~ mesma maneira. A única-variável encontrava-se, portan-
to ;-'no céu, na paisag~m vista através da janela; como em qual-
quer canto, as tardes em Pads, naturalmente, nunca se repetem. 
A resposta só ppderia ser esta: a janela não provocava os obser-
vadores como fizera naquela vez. Mas o que, efetivamente, havia 
de diferente na .paisagem? Por que aqueJe entardecer teria sido 
provo~attv.o e. e~te ~ão? - · · 
· .Lev~l ~ questão comÍgo, as soluções que consegui formular 
no dia Q,ãçr me satisfizeram, até porque muitas respostas seriam 
possíveis": li beleza especial d:a' primeira paisagem ter-ia cativado 
. •: . . . 
os visitantes, ou-a presença do· sol naquele dia e·m Paris poderia 
. • l : • • 
ter chamado ~tençã9. d~s pessoas, já que no segundo dia o céu 
estav:a bastante nublad-o. Mas à atitude dos obset'Vadores diante 
da 'J~ela me in~iiéàva '~ma· resposta diferente, que não se resu-
misse à própria, beleza da vista da priméira visita, mas que de 
ãlguma maneira relacionasse algo presente na seqüência de qua-
dros observados com elementos daq~ela paisagem. E foi nesse 
sentido que formulei minha resposta: pareceu-me que, no pri-
meiro entardecer, o céu parisiense, pontuado por algumas nu-
vens e entrecortado pelos pequenos prédios, apresentava-se com 
uma variação de luz e sombra, ressaltando intensos reflexos da 
luminosidade do sol e das vibrações do ar, que de algum modo 
poderia ser relacionado com as investigações pictóricas dos 
~mpressionistas. A janela, d_essa maneira, provocava os observa-
dores por apresentar relações, afinidades estéticas entre a seqüên-
cia de obras de arte vistas e o entardecer da cidade; a paisagem 
como que problematizava a experiência artística, propondo aos 
contempladores que estancassem o curso da visita e se debru-
çassem reflexivamente sobre o parapeito da vidraça para anali-
sar o mundo lá fora. 
AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA . 17 
Outras respostas poderiam ser formuladas, não há dúvida, mas 
foi essa a que mais me satisfez. Contudo, independente das múl-
tiplas possíveis soluções para este problema específico, carrego 
a questão comigQ~ a qual ainda me inquieta, pois sugere outros 
desdobramentos , tanto acerca da compreensão de como se esta· 
belece a relação do contemplador com a obra de arte, quanto 
sobre as possibilidades pedagógicas da experiência artística. 
Este trabalho é, em certo sentido, o desdobramento das inter-
rogações suscitadas pelas visitas ao Musée D'Orsay. A experiên-
cia da janela perpassa, assim, diversas das questões abordadas 
nas partes seguintes deste livro. Como se estabelece a relação 
do espectador. com a obra teatral? Essa recepção pode ser dina· 
mizada? Que p~ocedimentos utilizar visando provocar estetica-
mente a recepção? Como estimular o espectador a empreender 
uma atitude artística, produtiva, em sua relação com o mundo lá 
fora? Qual a importância atual de se pensar uma pedagogia do 
espectador? Como seestruturaria essa pedagogia na contempo-
rapeidade? Cot:no compreender o processo de formação de es-
pectadores? Formar para quê, afinal? 
Trata-se aqui, p9rtanto, de investigar a relação há muito aca-
lentada entre o teatro e a educação, sem a pretensão de esgotar 
as questões levantadas, porém na tentativa de traçar algumas 
linhas de reflexão que possibilitem, não só afirmar, .mas ampliar 
o entendimento do teatro como importante instrumento educa-
cional. Para isso, foram apontadas algumas reflexões possíveis 
acerca da relação entre teatro e sociedade, com intuito de inves-
tigar a necessidade de teatro que a vida contemporânea permite 
supor, e assinalar a relevância de unia pedagogia do espectador 
~os dias qufi! correm. 
O livro trata, ainda, das diversas prátic_as teatra~s que visam a 
formação de espectadores, enfocando tanto atividades pedagógicas 
18 AO ENCONTRO DO MUNDO LÁ FORA 
propostas antes ou depois do espetáculo., que objetivam dinami- . 
zar a recepção, quanto procedimentos artísticos utilizados na 
própria constituição do espetáculo teatral visando provocares-
teticamente a platéia. E, aqui, tomou-se por ba:se a teoria de 
teatro épico, .concebida por Bertolt Brecht. Ninguém, talvez, te-
nha pens~do, teorizado, experimentado·?anto sobre o assunto 
quanto o teatrólogo alemão, que é figura-chave do te~tro no sé-
culo XX; seu~ ensaios _nos oferecem pistas quase obrigatórias em 
qualquer tentativ·a de estabelec~r as bases de uma pedagogia do 
espectador. · 
Com intuito de compreender o caráter educacional do teatro 
brechtiano, estabelecera.11_1~se alguns pontos de contato entre: a 
atitude proposta ao espectador do teatro épico; a atitude do 
contemplador em sua reJ~ÇãO C<?m a obra de arte, segundt> as 
definições de Mi~ail Bakhtin; a atitude do historiador no diálogo 
travado com o _passado histórico e a atitude da criança diante do 
brinquedo; tal como compreendidas por Walter Benjamin. 
Em seguida, com base nas teorias que fundamentam a àrte 
contemporânea, investigou-se a atualidade do teatro épico con-
cebido por Brecht na primeira metade do século XX, questio-
nando a atual , aplicabilidade ~os procedimentos artísticos. da 
modernidade, tendo em vista as recentes transformações no 
modo de vida, que solicitam um redimensionamento das pro-
postas estéticas formuladas no. período. 
2 
A ARTE DO ESPECTADOR: 
CONrEXTO DE UMA FORMAÇÃO 
O centro de gravidade da atividade tea-
tral mudou: ele não está mais na cena ou 
na obra somente, ele se sitl!a de alguma 
maneira no ponto de intersecção da cena 
com a sala, ou melhor ainda, no encon-
tro do teatro com o inundo. 
- BERNARD DORT 
O esvaziamento das salas 
No início dos anos 1970, Anatol Rosenfeld, filósofo alemão 
refugiado no Brasil, talvez um dós maiores teóricos de teatro que 
já tenha escrito em língua portuguesa, debitava a propalada cri-
se do teatro nacional à falta de público nas salas de espetáculo. 
Fala-se atualmente com insistência de uma crise do tea-
tro brasileiro. Empresários, diretores, autores, atores reú-
nem-se, debatem a crise, fazem . levantamentos, analisam a 
situação, encontram-se assiduamente . com o ministro de 
Educação e Cultura para apresentar reClamações, propostas, 
reivindicações, pedidos. A crise de que se fala quase exclusi-
vamente é de público: uma encenação normal raramente 
19 
20 A ARTE DO ESPECTADOR 
consegue atrair, nos dias comuns, mais que cinqUenta ou 
setenta espectadores, se é que consegue tanto (Rosenfeld, 
1993, p. 43). . 
Mais adiante, dando seqUência à sua análise, afirmava que, em 
nosso país, se os teatros fossem fechados, não apenas uma por-
centagem do público não tomaria conhecimento disso durante 
algumas semanas, como disse Grotowski, referindo-se ao públi-
co europeu, mas que também grande parcela da população bra-
sileira, provavelmente, nunca se daria conta do ocorrido. 
Atualmente, no início do século XXI, e lá se vão 'trinta anos, a 
dita crise prossegue quase inalterada, pelo menos no que se refere 
ao público; e, se há alguma mudança, não parece ser muito ani-
madora. Segundo pesquisa divulgada pelo Jornal do Brasil há 
poucos anos, CJ;"esce o t;túmero de poltronas vazias nos teatros das 
cidades do Rio. de Janeiro e de São Paulo, tendo as salas uma média 
de ocupação de, respectivamente, 21% e 22,7% (Oliveira, 1997). 
Se a crise se anuncia de forma semelhante em duas épocas, o 
debate, no entanto, parece ganhar contornos diferentes. No iní-
cio dos anos 1970, indica Rosenfeld, ao ·comentar os motivos 
apontados, então, por. empre~ários e artistas para a falta de pú-
blico nas salas, a concorrência da televisão merecia grande des-
taque, pois o teatro perdia não só espectadores, mas também 
atores que, seduzidos pela vantagem econômica por ela ofereci-
da não mais se interessavam pelas produções teatrais. A dispu-
' ta cada vez maior com o cinema estrangeiro era outro fator. 
Apoiada em uma produção artesanal, a dificuldade da arte tea-
tral em competir com espetáculos ind~trializados a tornava um 
evento em franca decadência. Discordando ~ortemente de 
Rosenfeld, alguns julgavam mesmo obsoleto o palco, argumen-
tando que ele não seria mais capaz de retratar a complexidade 
A ARTE DO ESPECTADOR 21 
do· mundo moderno. Outro motivo apontado na época 'por al-
guns homens de teatro para o esvaziamento das salas era o mo-
mento político-social, apoiado na falta de liberdade de expres-
são que lançava t.óda a cultura nacional em um círculo de silêncio. 
No final dos anos '1990, segundo a reportagem, as principais 
causas da falta de público, apontadas por artistas e produtores, 
dizem respeito ao aumento do preço dos ingressos, motivado 
pelo alto custo das produções, à violência nas grandes cidades 
que, somada à falta de segurança pública e à inexistência de 
estacionamento próprio nos teatros, deixando os espectadores 
temerosos: de saírem de casa durante a noite, à carência de tex-
tos que despertem interesse na platéia, à "virulê~cia!' com que a 
crítica tem tra~ado os espetáculos, além da ausência de campa-
nhas de formação de platéia e de uma lei de incentivo às artes 
cênicas. 
Épocas distintas, contextos diferentes, outrás abordagens do 
mesmo problema. Alguns dos motivos levantados por Rosenfeld, 
. como a concorrência da televisão e do cinema, em virtude de 
seu caráter industrial, poderiam ainda estar presentes nas análi-
ses atuais, bem como a discussão acerca da obsoléscência da 
arte teatral. Os mÓ ti vos apontados, . de importância inques-
tionável, entretanto, não conseguem esgotar a densidade da ques-
tão, que abrange desde as possibilidades e dificuldades da relação 
travada entre teatro e sociedade nos dias atuais até tentativas de 
apreender a relevância e a necessidade que o teatro tem, ou 
poderia ter, na sociedade contemporânea. Aliás, apesar de ga-
nhar contornos bastante específicos em nosso país, esse tema 
não é exclusivamente brasileiro, mas também mundial. 
O esvaziamento das salas teatrais reflete, possivelmente, o de 
uma arte essencialmente coletiva que se vê em confronto com a 
solidão da era moderna. O individualismo, marca da modernidade, 
22 A ARTE DO ESPECTADOR 
ganha expressivas tonalidades nessa virada de século e talvez trans-
forme o teatro em evento muito pouco sedutor. 
A coisa mais importante dos anos 70 e do início dos anos 
80 foi a escalada do individualismo, tanto no aspecto com-
portamental quanto na vida política. E, com esse indivi-
dualismo, a crise das formas políticas ligadas a uma pro-
moção coletiva dos cidadãos ou da comunidade. O que nós 
chamamos de "neoliberalismo" foi a crítica a qualquer for-
ma de promoção 'ou de vontade coletlv~. de criar algo. Eu 
penso, efetivamente, que nós estamos em vias de retornar 
(Sa.ez, 1989, p. 34).o cinema, provavelmente a atividade artística mais freqüenta-
da nos dias atuais, é um bom exemplo desse primado dos even-
tos individuais, das coletividades solitárias. Normalmente, ir ao 
cinema sozinho, ou em uma sala vazia, é tão ou mais divertido 
do que com a sala cheia. O filme está lá, pouco se altera. Pode-se 
até mesmo pegar uma fita de vídeo e vê-la em casa. Com o tea-
tro, evento que requer a participação do público, acontece o 
contrário: sem levarmos em conta as questões de conforto, uma 
sala cheia ou a presença de ·~m bom número de espectadores 
incendeia o espetáculo, tornando-o mais prazeroso. 
Abdicando de seu caráter marcadamente dialógico, o teatro, 
por sua vez, na tentativa de se adequar aos padrões de compor-
tamento , vem procurando cada vez mais construir espetáculos 
para as individualidades. As peças são encenadas de tal forma 
que pouco se alteram com a presença do pú_blico, parecem indi-
ferentes aos espectadores. Contrariando a si próprio, o teatro 
(ou parcela significativa das produções teatrais) propõe a au-
sência do público presente. 
A ARTE DO ESPECTADOR 23 
Isoladas do mundo, as consciências individuais entram 
em contato espiritual com profissionais da oferta - oferta 
de arte, oferta política- com a condiÇão de que esta intlmi-
. dade não ofereça riscos (Saez, 1989, p. 27). 
~se a arte teatral deixou de oferecer riscos, é porque deixou 
de se colocar em risco, o teatro propõe à platéia aquilo que se 
espera dele, que o espectador seja o modelo do cidadão Ideal, 
aquele que ·apenas aguarda a cena seguinte. O dito teatro de arte 
não é mais um movimento de guerra e, sim, de resistência, tal a 
indiferença ·a· que .foi relegado. · 
Em tqdos os lugares do mundo, o público de teatro se 
tornou rarefeito. Existem aqui e ali tentativas de renova-
ção, mas, em seu conjunto, o teatro não consegue nem exal-
tar, nem instruir; e multo freqüentemente, não consegue 
·nem mesmo divertir. . . Na Broadway, em ·Paris, em Lon-
dres~ a crise é exatamente a mesma. Não temos necessida-
de de ouvir as queixas das agências de locação para saber 
que o teatro se tornou uma empresa funerária e que o pú-
blico já compreendeu isso (Brook, 1977, p. 24). 
E se o assu~to não pode ficar circunscrito às particularidades 
nacionais, tampouco pode ser visto como um tema recente. "Se-
ria ingênuo· ficarmos abatidos po~ algo que é óbvio há um sécu-
lo: o teatro é uma atividade artística em busca de sentido", as 
palavras são do encenador Eugênio Barba, escritas no progra-
ma de sua peça Kaosmos, o ritual; da porta, encenada recente-
mente no Brasil. Uma atividade que busca o próprio sentido, no 
entantO, necessita manter-se viva, atuante, para que possa conti-
nuar dialogando com .a experiência contemporânea. Talvez a crise 
24 A ARTE DO ESPECTADOR 
secular do teatro venha sendo mesmo sua própria forma de 
vida, .a razão de existência de uma arte que, tragicômica, volta 
e m~ia se lança ao fundo de si mesma e que, durante a queda,. 
reinventa maneiras de 'pairar e sobrevoar prazerosamente o 
próprio abismo. 
Não há dúvida de que a falta de um público especializado em 
nosso país agrava a dita crise: o esvaziamento das salas de espe-
táculo emudece o debate. No Brasil, a situação torna-se mais 
dramática, pois o hábito de freqüentar teatro nunca se arraigou 
de fato na alma de nosso povo. 
As indústrias culturais, sobretudo a televisão e o cine-
ma, naturalmente são uma concorrência poderosa, favore-
cida pelo fato de no Brasil, antes da expansão desses meios 
e artes, não se ter constituído um amplo público habituado 
a freqüent~r teatros e por isso mesmo capaz de transmitir 
esse hábito em larga medida. às próximas gerações (Rosen-
feld, 1993, p. 245) .. 
Nos dias atuais, entretanto, a busca de septido para a crise do 
teatro apresenta características bastante espe.9íÍicas. Uma dife-
rença .marcante da década de 1970 para esse início de século 
consiste na ampla expansão e no predomínio de uma cultura 
audiovisual estandardizada. Além disso, no decorrer desses anos, 
o teatro se tornou menos uma experiência artística para se com-
partilhar e mais um mercado a se conquistar, um produto a ser 
vendido para utn espectador que se transformou em "consumi-
dor-alvo". Isso faz que os produtores culturais cada vez mais 
voltem seus esforços para a veiculação de sua imagem e da ima-
gem de seu trabalho pelos meios de comunicação de massa, con-
centrando atenção na divulgação e venda de seus produtos. 
A ARTE DO ESPECTADOR 25 
Em nossas sociedades contemporâneas, sociedades espetaculari-
zadas, de indivíduos viciados em imagem, especialmente na ima-
gem da própria imagem, sociedade que vive sob monopólio da 
aparência, em qtie ((só aquele que aparece é. bom", o artista da 
arte do espetáculo vive um dilema: trabalhar para a qualidade 
de seu fazer artístico ou para aparecer e fazer parecer que sua 
arte é de qualidade? 
o narcisismo dos artistas e o mercantilismo dos empreendi-
mentos teatrais fazem que os produtores se preocupem mais 
com a difusão de seu trabalho nos media do que no contato 
fundamental entre autor e espectador. Interessados sobretudo 
na divulgação e comercialização de sua mercadoria, deixam de 
prezar a efetiva presença e participação do público, esquecendo-
se de um companheiro fundamental nesse jogo: o espectador. 1\tdo 
isso leva alguns espectadores habituados e interessados nos rumos 
da arte teatral a se perguntarem: 
Nestas condições, por que ir ao teatro hoje? É preciso 
aceitar esse primado absoluto da cena sobre a sala? É pre-
ciso aceit.ar o estatuto de consumidor de produto teatral, 
em vez de' espectador .crítico de uma obra, ou melhor, ob-
servador de uma proposição te.atral? Na verdade, vários 
espectadores potenciais respondem a tais questões de ma-
neira negativa: não vão ao teatro, ou vão menos ao teatro. 
Devo confessar que sou um deles (Carrasso, 1995, p. 15). 
A saída para o esvaziamento das salas, portanto, não se resu-
me em facilitar o acesso do público :a esse produto, mas consiste 
também em fazer os produtores teatrais perceberem a impor-
tância do espectador no evento. Não somente como alguém que 
sustenta financeiramente Ol;l cobre de aplausos os espetáculos, 
26 A ARTE DO ESPECTADOR 
mas como o outro imprescindível em um diálogo. · ·na mesma . 
maneira como o público se pergunta "por que ir ao teatro hoje 
em dia?", talvez seja imprescindível que os artistas de teatro 
levantem questões semelhantes: Por que ir ao público hoje? Para 
fazer o quê? Dizer o quê? Para quem? Qual a necessidade· disso, 
afinal? Somente respostas tnuito claras dos artistas podem sus-
citar a contra-resposta dos espectadores. 
A obsessão de todos os grandes reformadores do teatro 
foi a pesquisa não· das técnicas mas do ~.entido. Thdas as 
grandes reformas tiveram que passar por esta questão: por 
que fazer teatro? (Barba, 1996, p. 60). 
Talvez fosse nécessário empreender uma luta para que artis-
tas e produtores abram as salas para os espectadores. E não se 
trata somente çle facilitar o acesso financeiro de todas as cama-
das da população, mas também de convidar o público a tornar-
se parceiro de empreendimentos culturais. Abrir o teatro, de 
fato, de maneira que o espectador se sinta participante efetivo de 
urn movimento artístico, fazendo da instituição teatral um espaço 
comunitário, de todos e aberto a todos. E não um espaço restrito, 
reservado ao desfile de alguns poucos e inflados egos. 
O .que não significa dizer que não haja artistas e projetos tea-
trais que marchem na contramão dessa tendência dominante, 
que se contrapõem ao consenso estético e à lógica mercantilista 
das produções. Artistas que se negam a reproduzir as proposi-
ções perceptivas veiculadas pelos meios audiovisuais de massa. 
A formação de espectadores possibilita ampliar seu campo de 
questionamento, pois, uma vez especializado,habituado, não se 
pergunta apenas "por que ir ao teatro?", mas passa a indagar 
também: "a qual teatro ir?11 • 
A ARTE DO ESP·ECTADOR 27 
Não existe teatro sem platéia e a import~ncia da presença do 
espectador no teatro precisa ser vista não somente por uma ra-
zão econômica, de sustentação financeira das produções. É evi-
dente que o fator econômico é vital e não pode ser esquecido, 
até porque o preço do ingresso torna o acesso inviável, excluin-
do d.as salas uma parcela do público que talvez fosse a mais inte-
ressada. Como um livro que só existe quando alguém o abre, o 
teatro não existe sem a presença desse outro com o qual ele 
dialoga sobre o mundo e sobre si. Sem espectadores interessa-
dos nesse debate, o teatro perde conexão com a realidade que 
se propõe a reflêtir e; sem a referênci~ desse outro, seu discurso 
se torna ensimesmado, desencontrado, estéril. Não há evolução 
ou ~riinsformação do teatro que se dê sem a efetiva participação 
dos espectadores. 
O teatro que a gente faz tem a necessidade de jogadores, 
estamos assim chamando os companheiros de jogo que são 
os espectadores. Assim, do lado da platéia·, precisamos tam-
bém de jogadores[ ... ] (Guénoun, 1997, p. 164). 
O olhar do observador sobre o espetáculo sustenta o próprio 
jogo do teatro: A necessidade de companheiros de jogo, de cria-
ção, anima o movimento de formação de público. Uma pedago-
gia do espectador se justifica, assim, pela necessária presença 
de um outro que exija diálogo, pela fundamental participação 
criativa desse jogador no evento teatral, participação que se efe-
tiva na sua resposta às proposições cênicas, em sua capacidade 
de elaborar os signos trazidos à ce:na e 'formular um juízo pró-
prio dos sentidos. . 
A luta por um teatro que responda aos anseios de nosso t~m­
po, teatro de qualida~e (e por que não?) q~e não deve ser me-
28 A A~TE DO ESPECTADOR 
dida pelo bom acabam~nto da produção ou pelas críticas que 
recebe êm jornais e revi§tas ou pela quantidade de espectadores 
que consegue seduzir op ainda· pelo índice de aplausos ao final 
da encenação não pode acontecer sem a voz da platéia. Os es-
pectadores, participant~s interessados, precisam constituir par-
te atuante no processo . . A qualidade do trabalho de um ator, de 
um encenador, ou de um dramaturgo não pode ser avaliada ape-
nas por sua capacidade técnica e inventiva de realização, mas 
está fortemente ligada à franqueza, vigor, e interesse com que, 
em sua prática, se depara e responde à questão central, aquela 
que o move: Por que fazer teatro? Por que ir ao público hoje? 
A pedagogia do espectador não é questão somente para peda-
gogos. A capacitação do público pa~a participar ativamente do 
evento teatral está fundamentalmente vinculada à proposição 
artística que lhe é dirigida, e se estabelece também pela ma-
neira como o artista trabalha e compreende o ponto de inter-
secção entre a cena e a sala. A atuação do espectador não se 
efetiva sem o reconhecimento de sua presença. A voz desse ou-
tro integrante do diálogo situado na platéia só pode ser ouvida 
se a palavra lhe for aberta. Seu interesse em enfrentar o debate 
estético proposto na obra está diretamente ligado à maneira como 
o artista o convida, provoca e desafia a se lançar no diálogo. 
O acesso ao teatro 
No entanto, como promover de fato a atuação do espectador 
na evolução e nas transformações da arte teatral? Como tornar 
efetiva sua participação no evento? Como levá-lo à sala de espe-
táculo? Como despertar seu interesse em freqüentá-la? 
Qualquer iniciativa de formação de espectadores não pode 
ser reduzida, como temos visto nos últimos anos no Brasil, a 
campanhas de conv~ncimento qJie, às veze~, escorregam para 
A ARTE DO ESPECTADOR 29 
um tom demagógico do tipo "a pessoa mais importante do tea-
tro é você" ou investidas esporádicas, que mais lembram campa-
nhas de vacinaç.ão, do tipo "vá ao teatro", como se dissessem: 
"vacine-se conúa a ignorância". Pode-se aprender a gostar de 
teatro, o difícil é ser convencido a fazê-lo (ou ser convencido a 
gostar de qualquer coisa). O prazer advém .da experiência, o 
gosto pela fruição artística precisa ser estimulado, provocado, 
vivenciado, o que não se resume a uma questão de marketing. 
O despertar do interesse do espectador não pode acontecer 
sem· a implementação de medidas e procedimentos que tornem 
viáveis seu acesso ao teatro. Na verdade, duplo acesso: físico e 
~ingüístico . Ou seja, tanto a possibilidade de o indivíduo freqüen-
tar espetáculos quanto a sua aptidão para a leltura de obras tea-
trais. Antes disso, é fato, torna-se necessário que tenhamos boas 
condições de produção para um oferecimento quantitativo e qua-
lita~ivo de espetáculos teatrais. No entanto, não é suficiente ter 
oferta de peçàs em cartaz, é preciso mediar .esse encontro entre 
palco e platéia.- Primeiramente, é necessário criar condições para 
o especta~or ir ao teatro, o que envolve uma série de medidas 
para favorecer a freqüentação, tais como: divulgação competente 
das peças em cartaz, que atinja públicos de diversas regiões e 
classes sociais; promoções e incentivos que viabilizem financeira-
mente o acesso de diferentes faixas de público; condições de se-
gurança; rede de transportes eficiente; e tantas outras atitudes de 
apoio e incentivo que façam, em última instância, colocar o es-
pectador diante do espetáculo (ou vice-versa) . O acesso ao tea-
tro, porém, não se resume a possib~litar a ida às salas (ou a levar 
espetáculos itinerantes a regiões menos favorecidas). Formares-
pectadores não se restringe a apoiar e estimular a fre-qüentação, 
é preciso capacitar o espectador para um rico e intenso diálo-
go com a obra, criando, assim, o desejo pela experiê?cia artística. 
30 A ARTE DO ESPECTADOR 
Portan~o, a pedagogia do espectador está calcada fundamen-
talmente em procedimentos adotados para criar o gosto pelo 
debate estético, para estimular no espectador o desejo de lançar 
Üm olhar particular à peça teatral, de empre~nder uma pesquisa 
pessoal na interpretação que se faz da obra, despertando seu 
interesse para uma batalha que se trava nos campos da lingua-
gem. Assim se contribui para formar espectadores que estejam 
aptos a decifrar os signos propostos, a elaborar um percurso 
próprio no ato de leitura da encenação, pondo em jogo sua sub-
jetividade, seu ponto de vista, partindo de s~a~ experiências, 
sua posição, do lugar que ocupa na sociedade. A experiência 
teatral é única e cada espectador descobrirá sua forma de abor-
dar a obra e de estar disponível para o eyento. 
Ir ao teatro não quer dizer rigorosamente ser espectador da 
peça que está sendo apresentada, da mesma forma que Ir ao 
museu não sigt:lifica necessariamente participar de um evento 
estético, já que, segundo Bakhtin, o fato artístico só se completa 
no momento em que o receptor se distancia da obra, retoma à 
sua própria consciência e, recorrendo ao seu patrimônio vivencial, 
elabora a sua compreensão dela (Bakhtin, 1993).1 É preciso, por-
tanto, em um museu, por exemplo, que o visitante esteja dispo-
nível para se colocar em diálogo com a obra (e o artista), debru-
çando-se diante da pintura ou da escultura para, a seu modo, 
apreendê-la e compreendê-la. Da mesma maneira, o espectador 
de teatro precisa travar diálogo com a peça. Ser espectador re-
quer esforço, não há saída, um esforço criativo. 
Se levarmos em consideração um quadro, uma pintura, odiá-
logo que se estabelece entre receptor e obra d.e arte pode dar-se 
anos ou séculos depois do momento da sua realização; no tea-
1 Estudaremos mais detalhadamente o conceito de fato artístico, tal como 
foi compreendido por Mikhail Bakhtin, na Parte IV deste i~vro. 
A ARTE DO ESPECTADOR 31 
tro, ~sse diálogo acontece no Instante exato em que o ato artís-
tico, efetivamente, se realiza. Se isso revela seu caráter efêmero,caracteriza também a intensidade de suá relação com o especta-
dor e a importância do público numa encenação, nesse contato 
vivo que se dá entre palco e platéia. 
[ ... ] o tão exaltado privilégio da realimentação criativa com 
que um"público ativo inspira o ~lenco (quando não o desa· 
limenta pela apatia), a ponto de o espetáculo estar se fa. 
zendo e~ cada sessão, como fenômeno irrepetível (''eis a 
verdadefra·obra aberta!") (Rosenfeld, 1993, p. 251). 
Público participativo é aquele que, durante o ato da represen-
.tação, exige que cada instante do espetáculo não seja gratuito, o 
que não significa que seja necessário, portanto, manifestar-se ou 
intervir diretamente para participar do evento. Sua presença 
efetiva-se na cumplicidade que ele estabelece com o palco, na 
vontade de compactuar com o evento, na atenção às proposi· 
ções cênicas, na atitude desperta, olhar aceso. E essa presença 
deve ser encarada pelos atores "como um desafio positivo, tal 
qual um amante diante do qual não nos apresentamos de qual-
quer maneira" (Brook, 1991, p. 27). Esse espectador crítico, 
exigente e particlpativo é aliado fundamental nos diálogos trava· 
dos acerca dos rumos da arte teatral. 
Figura-chãve nas reflexões traçadas entre teatro e educação, 
Brecht afirmava que a leitura crítica, a capacidade de compreen-
são de uma obra de arte, no entan.to, pode e precisa ser traba-
lhada. A capacidade de elaboração' estética é uma conquista e 
não somente um talento natural. 
lt uma opinião antiga e fundamental que uma obra de 
arte deve influenciàr todas as pessoas, independente da ida-
ricci
Realce
32 A ARTE DO ESPECTADOR 
de, status ou educação [ ... ]. Todas as pessoas podem en-
tender e sentir prazer com uma obra de arte porque todas 
têm algo artístico dentro de si [ ... ]. Existem muitos artis-
tas dispostos a não fazer arte apenas para um pequeno cír-
culo de iniciados, que querem crhÍr para o povo. Isso soa 
democrático, mas, na minha opinião, não é totalmente de-
mocrático. Democrático é transformar o pequeno círculo 
de iniciados em um~rande círculo de iniciados. Pois a arte 
necessita de conhecime.ntos. A observação da arte só pode-
rá levar a um prazer verdadeiro, se houver uma arte da ob-
servação. Assim como é verdade que em todo homem exis-
te um artista, que o homem é o mais artista dentre todos os 
animais, também é certo que essa inclinação pode ser de-
senvolvida ou perecer. Subjaz à arte um saber que é um 
saber conquistado através do trabalho (Brecht, apud Kou-
dela, 1991, p. 110). 
A especialização do espectador se efetiva na aquisição de co-
nhecimentos de teatro, o prazer que ele experimenta em uma 
encenação intensifica-se com a apreensão da linguagem teatral. 
O prazer estético, portanto, so)icita aprendizado. A arte do es-
pectador é um saber que se co.nquista com trabalho. 
Familiarizado com os códigos teatrais, esse espectador inicia-
do descobre pistas próprias de como se relacionar com a obra, 
percebendo-se, no ato da: recepção, capaz de dár unidade ao 
conjunto de signos utilizados na encenação e estabelecer cone-
xões entre os elementos apresentados e a realidade exterior. A 
conquista da linguagem teatral propicia ao espectador uma ati-
tude não submissa diante do fato narrado e das opções cênicas 
propostas. Conhecendo os signos que vêm sendo estabelecidos 
ao longo da história do teatro, bem como o funcionamento dos 
A ARTE DO ESPECTADOR 33 
mecanismos utilizados em uma encenação, e os efeitos que pro-
duzem, o espectador ganha distância para melhor apreciar como 
tais elementos ~stão sendo apresentados em um determinado 
espetáculo. A aquisição desses conhecimentos permite que o 
observador esteja em melhores condições para traçar linhas de 
reflexão acerca da obra e elaborar um juízo de valor sobre ela. 
A distância possibilita que o espectador problematize a ence-
nação, faça perguntas à cena, tais como: Que temas este espetá-
culo aborda? De que maneira isto se relaciona com a vida lá 
fora? Que signos e símbolos o artista se utiliza para apresentá-
las? Eu já vi algo parecido? Como eu faria? De qué outras manei-
ras esta mesma idéia pod~ria ser encenada? O prazer de assistir 
a espetáculos teatrais advém justamente do domínio da lingua-
gem, que amplia o interesse pelo teatro à proporção que possi-
bilita uma compreensão mais aguda, uma percepção cada vez 
mais apurada das encenações. 
No teatro como nos campos esportivos 
Ir ao teatro ou gostar de teatro, também se aprende. E nin-
guém gosta ~e algo sem conhecê-lo. De que man~ira se pode 
considerar relevante, e até ·mesmo imprescindível, aquilo que 
não conhecemos em todas as suas possibilidades? O apreço está 
diretamente ligado ao grau de intimidade e, apenas entrando 
em contato com o teatro, seus meandros, técnicas e história, o 
espectador pode reconhecer nele importante espaço de debate 
das nossas questões e, principalmente, perceber o quão prazerosa 
e gratificante pode ser essa relação .. 
O gosto por uma cultura artística, contudo, se constrói desde 
a infância. Aproximar crianças e adolescentes das atividades tea-
trais é de fundamental importância, se quisermos pensar em for-
mar espectadores. 
34 A ARTE DO ESPECTADOR 
Evoqo um estudo do sociólogo holandês T. Kamp.horst, 
que investigou a maneira pela qual o público adulto tinha 
sido sensibilizado pela primeira vez para diversos eventos. 
Ele calculou, em seguida, as chances de um adulto Ir "x" 
vezes ao concerto ou ao teatro, em função da idade em que 
havia sido socializado para esse evento. Os resultados são bas-
tante Interessantes. Ém se tratando de um concerto, ele 
mostra que, se não tiv.ermos adquirido o hábito entre os 
cinco· e os oito anos, teremos muita dificuldade em ir a um 
concerto de música clássica mais tarde.-Nó que conceme 
aos museus, [o hábito se adquire] entre oito e doze anos; 
no que se refere ao teatro, entre doze e quinze anos. [ ... ] 
mesmo sab.end~ que não há idade precisa para estarmos 
mais abertos, existem determinados períodos em que 
estamos mais ~eceptivos que outros (Saez, 1989, p. 33). 
Um dos eixos da formação que se pode oferecer à criança 
espectadora consiste em fornecer os instrumentos conceituais 
necessários ao despertar de seu espírito crítico. De simples con-
sumidor de espetáculos, ela pode tomar-se capaz de formular e 
sustentar suas apreciações. Trata-se de iniciar o público infantil 
na linguagem específica da criação teatral, a fim de fomentar, 
por meio do espetáculo, sua reflex~o. Compreende-se, assim, a 
formação de espectadores como a: aplicação de procedimentos 
destinados a criar o gosto ·pelo teatro e ressaltar a necessidade e 
importância da arte, quanto como uma proposição educativa 
cujo objetivo está voltado para a formação de:indivíduos capazes 
de olhar, observar e se espantar. A apr.opri~ção da linguagem 
teatral tem o intuito de contribuir para a sensibilidade e para 
uma experiência de prazer e comunicação, além de contribuir 
para sua afirmação como sujeito nos rituais coletivos. 
A ARTE DO ESPECTADOR 35 
Brecht sonhava com uma platéia constituída de iniciados, es-
pectadores aptos a avaliar propostas trazidas à cena, prontos a 
elaborar um juízo acerca dos significados presentes nos elemen-
tos cênicos. O autor alemão queria que os espectadores de teatro 
fossem especializados como a platéia de um evento esportivo, 
que conhece as regras do jogo, sua história, meandros e funda-
mentos técnicos. O conhe·cimento tático e técnico do jogo per-
mite que o espectador esportivo, mesmo emocionalmente en-
volvido com a partida, identificado com os "heróis" ' em cam-
. po, questione a atuação dos jogadores. Nas partidas de futebol, 
podemos perceber com clareza essa atitude do iniciado em face de 
um espetáculo esportivo, que reúne tanto o profun~~ envolvimento 
emocional quanto a postura.crítica acerca do evento.A isso [a identificação íntima do torcedor com o jogo e 
os jogadores] se liga, a despeito de toda a identificação, a 
possibilidade de distanciamento crítico ("Eu não teria chu-
tado para fora"), em virtude do que, por outro lado, é esti-
mulada uma co-participação ainda mais apaixonada (Rosen-
feld, 1993, p. 95). 
A conclusão do espectador da partida de futebol - espetácu-
lo para o qual os brasileiros em geral são, desde a infância, 
especialmente formados- de que não teria errado o chute para 
o gol, se dá ·pelo conhecimento técnico adquirido. O domínio 
dos meandros da atividade futebolística advém tanto das brin-
cadeiras em que participou como j?gador quanto da experiên-
· . . ~ia como espectador, apurada especialmente nos debates tra-
vados com outros torcedores e nas análises de comentaristas 
esportivos. A apreensão de regras e o amplo conhecimento tá-
tico e técnico das jogadas, como ressalta Rosenfeld, estimula a 
ricci
Realce
36 A ARTE DO ESPECTADOR 
co-participação do espectador, intensifica o prazer na sua rela-
ção com o evento. 
. No entanto, diferentemente do que acontece com o futebol, a 
impossibilidade (não apenas financeira) da grande maioria das 
crianças e jovens brasileiros de ir ao teatro ou mesmo de rece-
ber a visita de uma trupe teatral é um fato. Criar condições para 
que eles possam ir ver um espetáculo talvez seja o primeiro pas-
so a ser dado. Mas a questãq não se encerra ar, pois possibilitar 
o acesso ao teatro não significa, como já apontamos, apenas 
colocar o espectador infanto-juvenil diante de uma peça, mas 
também fornecer fe rramentas para que ele disseque e interprete 
o evento. Tornar o espectador iniciante mais íntimo da arte tea-
tral e estimulá-lo para um mergulho divertido amplia sua capa-
cidade de apreender o espetáculo e favorece sua socialização, 
seu acesso ao debate contemporâneo, sua i.ntegração e partici-
pação sociais.· 
Democratizar o acesso de crianças e jovens ao teatro se constitui, en-
tão, em viabil~zar a ida aos espetáculos e, concomitantemente, ofere-
cer os instrumentos de compreensão e de recepção que condicionam 
esse acesso, oferecendo meios necessários parà qúe o espectador 
infanto-juvenil tenha possibilidade e vontade de apropriá-los. 
A posição de espectador 
Na sociedade baseada na espetacularidade dos acontecimen-
tos e apoiada na indústria moderna, que "não é fortuitamente 
ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente cespe-
tacularista"', onde o espetáculo é "o sol que não se esconde ja-
mais· sobre o império da passividade moderna" (Debord, 1992, 
p . .21), formar espectadores consiste também em estimular os 
indivíduos (de todas as 'idades) a ocupar o seu lugar não somen-
te no teatro, mas no mundo. Educar o espectador para que não 
A ARTE DO ESPECTADOR 37 
se contente em ser apenas o receptáculo de um discu~so que lhe 
proponha um silêncio passivo. A formação do olhar e a aquisi-
ção de instrumentos lingüísticos capacitam o espectador para o 
diálogo que se estabelece nas salas de espetáculo, além de lhe 
fornecer instrumentos para enfrentar o duelo que se trava no 
dia-a-dia. O olhar armado busca uma interpretação aguda dos 
signos utilizados nos espetáculos diários, da propaganda aos pro-
gramas eleitorais. Com um senso crítico apurado, esse cidadão-
espectador, consumidor-espectador, eleitor-espectador procura 
estabelecer novas relações com o entorno e as diferentes mani-
. festações espetaculares que buscam retratá-lo. 
Se nessa sociedade "a linguagem do espetáculo é constituída 
pelos signos da-produção reinante" (Debord, 1992, p. 18), to-
mar conhecimento dos mecanismos que envolvem uma encena-
ção, desvendar e apreender a lógica da teatralidade significam 
conquistar instrumentos que viabilizem a reflexão acerca dos 
procedimentos utilizados em diferentes produções espetacula-
res. O espectador instrumentalizado encontra-se em condições 
de decodificar os signos e questionar os significados produzidos, 
seja no palco, seja fora dele. 
Os métodos ·e-procedimentos propostos pelos meios comu-
nicacionais contemporâneos influepciam e condicionam a sensi-
bilidade e percepção dos espectadores. Se quisermos destacar 
exemplos das opções éticas e estéticas ~e algumas dessas produ-
ções espetaculares, podemos abordar diversos fatos recentes. 
[ ... ] se queremos um emblema para a educação mundial 
em prol da insensibilidade, não ~erá difícil descobri-lo: ele 
está na cobertura televisiva de alguns anos atrás da Guerra 
do Golfo (Costa Lima, 2001, p. 15). 
ricci
Realce
38 A ARTE DO ESPECTADOR 
Assim, a pedagogia do espectador se justifica também pela 
urgência de ·uma tomada de posição crítica diante das represen-
. tações dominantes, pela necessária capacitação do indivíduo-
espectador para questionar procedimentos e desmistificar códi-
gos espetaculares hegemônicos. 
Em casa ou nas ruas, o indivíduo contemporâneo encontra-
se invadido por um entulho de signos de todas as espécies -
talvez hoje devêssemos lutar pelo livre direito de ir e .ver. As 
mídias eletrônicas produzem ficção a um ritmo alucinante, ima-
gens já fazem parte da 'cesta básica de famíli~ de todas as clas-
ses so-ciais: Para se ter uma idéia vertiginosa dessa produção, 
se nos detivermos somente nas imagens televisiv.as, estima-se 
que se consuma em nosso país cerca de 20.0 milhões de horas 
de imagens, mostradas em ~erca de 40 milhões de aparelhos 
televisores instalados nos lares (Barreto, 1996, p. 9). Os es-
pectadores consomem uma q~antldade e uma variedade de 
imagens , narrativas e fragmentós narrativos que, apesar da apa-
rente facilidade de decodificação , impõem uma fruição super-
ficial, desestimulam a atitude interpretativa, o esforço criativo 
e a elaboração de juízos de valor, propondo uma recepção des-
provida de exigência estética. A indigestão de signos empurra-
dos goela abaixo, o abuso ~ banalização da ficcionalidade, o 
estilhaçamento visual, a hiper-fragmentação narrativa m~difi­
cam ainda o campo de percepção do espectador, influenciando 
seu modo de relação com a espetacularidade e seu horizonte 
de expectativa.. 
Deixar a televisão para ir ao teatro .ver televisão: assim 
é, em breve resumo, a expectativa do grande público (Del-
dime, 1993, p. 111). 
A ARTE DO ESPECTADOR 39 
É muito comum o espectador assistir a programas televisivos 
de maneira fortuita, acompanhando vários programas ao mes-
mo tempo ou desenvolvendo outras atividades simultaneamen-
te, interrompendo freqüentemente a recepção para comer alguma 
coisa ou atender ao telefone. Desse modo, a televisão, principal 
veículo de comunicação da contemporaneidade, cria um hábito 
mental fundado na ruptura e na segmentação, um hábito calca-
do na sedução imediata, desencorajando, quando o flash deixa 
de ser fascinante. Isso leva os criadores-de program~ televisivos 
a acelerar consideravelmente as rupturas de imagens e modificar 
a estrutura da montagem·das emissões para não deixar.escapar 
a atenção do espectador. Buscando capturar o olhar do especta-
dor-consumidor, esses mesmos criadores promovem, assim·, uma 
multiplicação dos planos, propondo a justaposição artifiCial de 
imagens que não fazem nenhum sentido que não seja o da busca 
da sedução imediata. 
O hábito mental de segmentação e ruptura proposto pela 
televisão agrava-se, quando se trata de crianças, pela freqüên-
cia assídua diante do aparelho. Uma recente pesquisa indica 
que uma criança francesa, por exemplo, durante um ano, che-
ga a passar uma vez e meia mais tempo diante da televisão do 
que na escola (Meirieu, 1994). Além disso, antes 'de ingressar 
na escola, qualquer criança já assistiu a milhares de horas de 
televisão. 
Os valores aa televisão são os do mercado, tendo em vista que 
seu objetivo principal é fazer vender produtos e serviços, de 
maneira que, regida pelo máximo lucro,pouco ou nada avalia os 
conteúdos e procedimentos estéticos utilizados para manter a 
atenção do espectador. Se prestarmos especial atenção, obser-
varemos que as estruturas narrativas dos programas, pressiona-
dos pelos repetidos intervalos comerciais, geralmente al:>ando-
ricci
Realce
40 A ARTE DO ESPECTADOR 
nam nuanças e sutilezas, propondo uma abordagem superficial 
dos fatos e questões tratadas. 
Ao final de u·m:a e.missão, todas as intrigas devem estar 
resolvidas, e as incertezas desaparecidas. Está na hora de 
vender os produtos (Condry, 196, p. 56). 
Essa constante necessidade de chamar a atenção do especta-
dor faz que a televisão, ligada a índices diários de audiência, viva 
absolutamente no presente, atropelando o passado e mostrando 
p~uco interesse pelo fu.turo coletivo. O espectador infantil rece-
be, assim, grande e importante quantidade de informaÇões (e 
sentidos produzidos) acerca do mundo que o envolve e dele 
mesmo, e a televisão acaba desempenhando, com a família e a 
escola, papel destacado na socialização da criança. 
Assim, projetos artísticos e pedagógicos que têm por objetivo · 
propor a espectadores iniciantes uma descoberta ativa do teatro 
não suscitam evidências tranqüilas nem facilidades Inesperadas. 
O teatro, em seu estágio contemporâneo, pode ser percebido 
pelos espectadores, crianças e adultos, habitu~d.os às produções 
audiovisuais dominantes, co~o um espaço totalmente estranho, 
diante do qual pode ser extremamente difícil se situar. Gestos, 
movimentos, intenções sutis dos atores, um mosaico complexo 
de signos e códigos específicos propõem um modo de relação e 
comunicação fundado na participação sensível e reflexiva do 
público, uma atitude concentrada de observação. É compreen-
sível (e mesmo desejável) que o teatro possa desorientar, provo-
car e incomodar os espectadores que estabelecem as primeiras 
relações de conhecimento dessa arte. O prazer do teatro talvez 
não seja mesmo uma aquisição fácil, mas um prazer que requer 
disponibilidade e esforço do espectador. 
A ARTE DO ESPECTADOR 41 
Não seria exagero supor que a arte teatral possa ser encarada 
como uma proposição espetacular pouco habitual, ou mesmo 
frustrante, para esse superestimulado espectador contemporâ-
neo. Ao pensar a pedagogia do espectador, portanto, não se pode 
desprezar o anseio, o hábito, a expectativa que condiciona o 
indivíduo-espectador de nosso tempo em sua relação com os va-
riados meios comunlcacionals; meios esses que detêm a 
hegemonia dos procedimentos estéticos espetaci.dares e da pro-
dução de sentidos. 
Na 9oca do povo 
A busca por um teatro aberto, participativo, que comova, 
movi~ente, apa!Jcone e faça pensar é um desejo expresso em· 
várias línguas. Sua crise não é só nossa. Talvez tenhamos de nos 
h.abituar ao fato de que o teatro é, hoje, um evento para poucos 
e, por isso, não podemos mais alimentar a visão antiga e român-
tica desse gênero como uma instituição de educação e reunião 
de todo o povo. 
. Em alguns lugares, há uma minoria de pessoas que pre-
cisam de algo diferente, algo mais humano, que só pode· 
ocorrer numa escala menor. E, então, teatro será sempre para 
um percentual pequeno de pessoas. Isso não o torna elitista, 
apenas faz algo que está lá para gente que realmente tem inte-
resse (Brook, 2000, p. 1). 
Todas as lutas pela democratização do teatro, pela prática de 
projetos de formação de espectadores, por àfirmá-lo como ins-
trumento cie transformação social, pelo livre entendimento en-
tre atores e espectadores, tudo isso talvez seja uma dessas uto-
pias que se vive sem realizar, mas que, ao mesmo tempo, não há 
42 A ARTE DO ESPECTADOR 
como sentir-se realizado sem a tentativa de vivê-las. Será mes-
mo assim? 
No Brasil, contudo, o enfraquecimento do debate acerca do 
'redimensionamento da relação do teatro com ·a sociedade con-
temporânea se acentua em virtude da inexistência de uma pla-
téia devidamente formada, habituada a freqüentar as salas de 
espetáculo, com gosto e alma despertados para essa arte. Será 
que, como dizia Ziembinsld, a arte do teatro, tal qual a conhece-
mos, não se afeiçoa à nossa personalidade? 
Será que nós brasileiros realmente gostamos do teatro e 
precisamos dele? Qual deveria ser esta arte para que o povo 
se Interessasse por ela? [ ... ] O conflito, a situação de co-
moção interna, o jogo de contrastes entre o preto e o bran-
co, todos estes elementos que caracterizam o fenômeno 
dramátlc? não parecem ser o forte do nosso temperamen-
to nacional. Não existe vontade de se envolver no conflitó 
dos outros; há vontade, isto sim, de ficar na praia, nos cam-
pos, nu~a atitude contemplativa. [ .. . ] O que acontece é 
que esta nação ainda se prepara para encontrar sua pró-
pria f<;>rma daquilo que seria o espetáculo teatral, embora 
talvez não se chame mais de espetáculo teatral, mas no qual 
a nação se realizaria através de conceitos afins ao drama, e 
adaptação ao seu temperamento, seu sangue, sua paisagem 
e sua sensibilidade melódica.[ ... J Então não será mais ne-
cessário escrever "Vamos ao teatro", porque o povo irá es-
pontaneamente (Ziembinski, apud Michalski, 1996). 
Será mesmo uma questão de personalidad~ da nossa gente e 
não uma ·falta de incentivo a projetos democratizadores, que 
busquex:n a formação de uma platéia nacional? Talvez os dois 
A ARTE DO ESPECTADÓR .43 
juntos? Ou será que o teatro, da maneira como suas formas es-
tão estabelecidas, não oferece respostas para a necessidade de 
teatro que a vida contemporânea produz ou permite supor? O 
fato é que para que se possa almejar o nascimento de uma forma 
teatral genuinamente brasileira, como sonhava Ziembinski, é 
preciso que haja uma intimidade nacional com essa arte, colocá-
la na boca (e olhbs) do povo. 
A iniciação de espectadores, contudo, requer organização e 
aplicação de métodos e procedimentos específicos destinados a 
sua formação. A leitura do teatro, passeio interpretativo pelos 
signos que constituem uma encenação, como afirmava Brecht, 
não é atitude evidente, mas adquirida. A capacitação estética 
não é somente aptidão. natural, mas conquista cultural. Demo-
cratizar o acesso ao teatro consiste, portanto, em preparar esse 
espectador iniciante , instrumentalizando-o, tornando-o apto ao 
diálogo com a obra. 
Mas que projetos de formação adotar para uma efetiva demo-
cratização do acesso à arte teatral? Que práticas artísticas e pe-
dagógicas implementar? Que procedimentos espetaculares e 
extra-espetaculares podem ser utilizados para tornar o especta-
dor estimulado e capacitado para ~nfrentar o embate lingüístico? 
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PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE 
ESPECTADORES 
A leitura obrigatória é uma coisa tão absur-
da quanto se falar em felicidade 'obrigatória. 
- JoROE Lu1s BoRGEs 
A consclen tização por meio do teatro 
Desde os anos 1960 até meados de 1970, artistas e educado-
res, movidos pela ipéia de democratização cultural, estruturaram 
variadas práticas destinadas à ampliação social e geográfica do 
público de teatro, quanto à difusão da experiência' artística em 
geral. Essas iniciativas se efetiv.aram. co~ grande vitalidade em 
países europeus, como França, Itália, Bélgica e Portugal; re~liza­
ram-se importantes movimentos também em outros países, como 
Esta.dos Unidos e, também, Brasil. Dentre as diversas atividades 
artístico-culturais implementadas nesse período, destacam-se: 
a apresentação de espetáculos teatrais nas ruas, metrôs, praças, 
bares e outros lugares pouco habituais; a propo'sta de oficinas 
de teatro em esco1as e universidades; ~a promoção de festivais de 
arte; a criação e difusão de bibliotecas ambulantes; as projeções 
cinematográficas em praças públicas de pequenas cidades ou em 
bairros de periferia; entre tantas outras. 
~~ 
.· 
46 PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORESOs agentes culturais de então almejavam estreitar relaciona-
mento com uma parcela do público que se encontrava fora do 
circuito comercial de arte, articulando uma luta para abrir as 
Instituições culturais a todos, bem como para levar espetáculos 
teatrais e promover práticas artísticas, tanto em localidades dis-
tantes dos centros urbanos, quanto nos mais diferentes espaços: 
fábricas, sindicatos, igrejas , escolas, universidades, empresas e 
hospitais. As atividades aplicadas tinh.am, por vezes, o obje(ivo 
de rever as relações sociais existentes na comunidade ou no in-
terior das próprias instituições onde acontecia o evento. 
Esse movimento baseavâ-se na convicção de que todas as pes-
soas têm plena capacidad~ e direito de ver e faZer arte. A difusão 
das práticas artísticas ao mesmo tempo que ampliava o círculo de 
conhecedores,· tinha por objetivo subverter a ordem estabe-· 
lecida. A arte- e o teatro funcionava como um dos principais inst-
rumentos de ação cultural - era veículo primordial de questiona-
mento e transformação da sociedade. A proposta de atividades 
artísticas para um grande público se estruturava como: 
uma das respostas à crise que conhecem as nossas socieda-
des ocidentais, marcadas pela industrialização, o desenvol-
vimento tecnológico e a urbanização, a cultura de massa, o 
questionamento de valores tradicionais como os da famí-
lia, as dificuldades de comunicação, a desestabilização de 
instituições sólidas como a escola, o desemprego, a infla-
ção, a aspiração à "qualidade de vida", a tomada de cons-
ciência ecológica, a vontade de ver reconhecido o direito à dife-
rença, o direitO de ser você mesmo (Gourdon, 1986, p. 27). 
Na esteira dos movimentos contraculturais que eclodlram no 
período, nos países há pouco citados, várias trupes, com uma 
PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 47 
produção marcada por forte teor ideológico, concentraram seus 
esforços na difusão de espetáculos para um público o mais am-
plo possível, com o objetivo de não somente manter a sobrevi-
vência. do próprio teatro, mas também, e especialmente, de 
implementar uma ação política de conscientização por meio da 
arte teatral. Os grupos buscavam a utilização do paloo como espaço pa-
ra à discussão de questões que afligiam nossas sociedades, convidan-
do os espectadores a participarem desses debates. 
Esses artistas, impulsionados pelo cansaço diante de práticas 
teatrais conhecidas e pelo desejo de extinguir o fosso que sepa-
rava o palco da platéia, conceberam métodos bastante particu-
lares que tinham o. objetivo de provocar a atitude do público 
diante dos fatos trazidos à cena. Essas formas dramáticas conti-
nha~, assim, uma proposta pedagógica atrelada ao interesse 
artístico e estavam calcadas, em grande parte, na intervenção 
direta da platéia no evento artístico. Esses experimentos permi-
tiram o redimensionamento da posição do espectador em sua 
relação com a obra teatral. 1 
1 Dentre os relevantes movimentos teatrais que surgiram neste período, 
voltados para a especlallzllção de espectadores com o objetivo de estimu-
lar a platéia para uma tomada de posição crítica ante as questões apresen-
tadas, destacam-se: as experiências do Living Theatre, realizadas nos 
Estados Unidos, e que exerceram forte influência em muitos outros paí-
ses; as técnicas do Teatro do Oprimido, que foram aplicadas primordial-
mente na França e no Brasil, e alcançaram reconhecimento em diversas 
naçoes; a revlsAo da peça didática, que provocou a retomada deste teatro 
brechtlano, ~ossibllltando o desenvolvimento de ricas experiências de 
formação em nosso país; entre outros. Para melhor conhecimento desses 
experimentos, pode-se consultar as seguintes obras: sobre o Llvlng Theatre 
ver Jean Jacquot. The Living Theatre. In:-. Les 'VOies de Ia création 
théttcrale (Paris, CNRS. v. 1/1970); sobre o Teatro do Oprimido, Augusto 
Boal. :Teatro do Oprimido (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988); 
sobre a revisão da peça dldátlca, Ingrid Dormien Koudela. Brecht: um 
jogo de aprendU:a.gem (São Paul~, Perspectiva, 1991). 
48 PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 
Propondo uma nova maneira de compreender a atuação polí-
tica, a ação por meio do teatro, um instrumento revolucionário, 
provocaria a potência imaginativa e transformadora do público. 
. As formas artísticas ·mais surpreendentes e contraditórias surgi-
ram neste período, todas encaixadas em um movimento comum, 
de um radicalismo com grande vitalidade, em permanente con-
testação à sociedade e cultura dominantes, que desconstruía os 
espaços teatrais tradicionais e transbordava pelas ruas e outros 
locais à procura de espectadores, diminuindo a distância entre 
vida teatral e vida social. 
Os espectadores do futuro 
Nesse período, surgiram também importantes experimentos que 
tinham em seu horizonte a criança como alvo predileto para reno-
vação do público teatral. Em um cont~xto social marcado pela afir-
mação do direito de parcelas desprivilegiadas da popu-lação de ver 
e · fazer arte, àssiste-se a uma explosão sem p~eceden-tes da cria-
ção teatral dirigida ao público infantil. O então denominado "teatro 
para crianç~" alcança enorme sucesso, especialmente em alguns 
países da Eur.opa, como França, Bélgica, Espanha, Portugal, entre 
outros; e tem também grande expansão em outros países: Estados 
Unidos, Canadá, Austrália e Bràsil. Trata-se de um movimento que 
defendia o direito da criança de possuir uma produção cultural 
que lhe fosse .espe-cialmente dirigida e seu direito à prática artís-
tica, além de objetivar também a sustentação e a transformação da 
própria arte teatral. Ou seja, as companhias que produziam teatro 
para crianças acreditavam que, ao formarem espectadores infantis, 
estariam preparando os espectadores do futuro - que, ao se tor-
narem ~dultos, estariam capacitados a ditar os novos ntmos dessa 
arte, e, futuramente, resolveriam a questão do esvaziamento das 
salas, pois já estariam habituados a freqüentar os teatros. 
PRÁTICAS ,TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 49 
O crescimento de produções teatrais para a infância aconte-
ceu em concomitância com o estreitamento das relações do tea-
tro com a escola. Motivadas pela possibilidade de alcançar todas 
as crianças, de tod~s as classes sociais, uma grande quantidade 
e variedade .de espetáculos e oficinas teatrais passaram a ser 
realizados em instituições educacionais. Havia taml?ém nessa 
iniciativa um anseio de modificar o próprio sistema escolar, con-
siderado esclerosado, abrindo-o à arte e aos artistas. 
DINAMIZANDO A RECEPÇÃO TEATRAL 
As trupes passaram, assim, a visitar com maior freqüência as es-
colas, propondo diversas atividades de expressão dramática, com o 
objetivo de sensi~ilizar crianças e jovens para o teatro. Essas práti-
cas, que passaram a ser conceituadas como animações teatrais/ tanto 
podiam organizar-se em tomo de um espetáculo teatral, dinamizan-
do a compreensão da encenação vista pelos alunos, quanto se 
estruturar como oficinas teatrais autônomas que, trabalhando a 
expressividade e criatividade dos participantes, não tinham ne-
cessariamente ligação com uma determinada peça de teatro . 
As animações teatrais autônomas,·1 que não estavam vincula-
das a um espetáculo teatral, estruturavam-se como oficinas in-
O conceito de animação teatral (animation chéacrale) nasce na França, 
pafs que tem papel preponderance nessas experiências realizadas visan-
do à formação de crianças e jovens espectadores. As práticas de animação 
teatral foram também aplicadas em outros países europeus, tais como: 
Bélgica, especialmente, além de Itália, Espanha, Portugal, entre outros. 
No Brasil, nos anos 1970 e inicio dos 1980, alguns grupos de teatro reali-
zaram, de maneira esporádica, práticas de animação teatral nas escolas. 
J O sociólogo do teatro Roger Deldlrrie, belga:, reconl}ece duasmaneiras pos-
síveis de aplicação das animações 'teatrais: aquelas que estão vinculadas 
a um espetáculo teatral, as quais definiu como animações teàtrais peri-
féricas, e as que acontecem Independentes de qualquer espet.áculo, as 
quals denominou animações teatrais attt6nomas (Deldlme, 1990). 
50 PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 
dependentes e estavam fundamentadas na aplicação de jogos e 
exercícios que proporcionassem a ampliação 9o domínio da lin-
guagem teatral pelos participantes. Algumas dessas oficinas pro-
. piciavam aos alunos a apreensão de diferentes técnicas, como 
teatro de sombras, teatro de bonecos, confecção e utilização de 
máscaras, entre outras. 
Aplicavam-se animações autônomas tanto nas escolas quanto 
em fábricas, sindicatos, associações de moradores, etc. Estas 
animaçõ~s teatrais foram também muito utilizadas por grupos 
itinerantes que se deslocavam até regiões afastadas dos grandes 
centros urb.anos ou bairros da periferia, corri ·o· intuito de pro-
mover práticas teatrais, inserindo essa arte na vida cultural da 
região. Por meio de atividades dramáticas propostas, esses gru-
pos queriam tornar os participantes capazes de questionar suas 
condições de vida, manifestar suas idéias e anseios e transfor-
mar o ambiente pessoal e social. 
As animações que se organizavam em torno de um espetácu-
lo, sendo por esse motivo conhecidas como animações teatrais 
periféricaS', tinham por bjetivo principal a formação de especta-
dores. Elas se estruturavam tanto com base em atividades que 
forneciam informações complementares a respeito do espetácu-
lo que seria visto pelos partiéipantes, quanto pela aplicação de 
exercícios que, explorando a linguagem teatral, se destinavam a 
capacitar o espectador iniciante a uma leitura mais aguda da 
encenação. Eram também utilizadas para avaliar o grau de com-
preensão e interesse do público sobre o espetáculo em questão. 
As animações teatrais periféricas aconteciam antes ou depois 
da apresentação do espetáculo. As atividadesipropostas antes da 
peça tinham o intuito de preparar os alunos-espectadore~ para a 
leitura da peça que seria vista e, quase sempre, sublinhavam al-
guns aspectos artísticos do espetáculo que, assim, poderiam ser 
PRÁT I CAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 51 
mais bem observados pelos alunos no ato de recepção da obra. 
Essas animações, por vezes, ensinavam aos participantes o fun-
cionamento de alguns artifícios e elementos de cena do espetá-
culo, tais como: utilização dos refletores, criação da sonoplastia, 
construção de determinados materiais cenográficos, etc. Com 
esse procedimento, os animadores queriam desmistificar a máqui-
na teatral, estimulando os alunos a lançar um olhar distanciado, 
crítico, à encenação que seria posteriormente apresentada. 
Alguns artistas e educadores dos diferentes países em que es-
sas práticas foram implementadas manifestaram-se contrári-
os à utilização ·de· -animaçõe·s teatrais antes do espetáculo, por 
entenderem que, ao revelar previamente elementos da peça, os 
exercícios de an_lmação corriam o risco de romper a "magia" da 
encenação, diminuindo o envolvimento dos espectadores. Além 
disso, argumentavam que as atividades apllcadas antes do espe-
táculo poderiam influenciar e condicionar de maneira definitiva 
a leitura dos alunos, impedindo-os de realizar uma interpreta-
ção livre da obra. 
As animações teatrais propostas depois da apresentação do 
espetáculo tinham o objetivo de explorar pedagogicamente a 
experi~ncla artística, por melo da aplicação de variados jogos e 
exercícios. 
Os próprios artistas dos gmpos, preferencialmente, ou os pro-
fes~ores das escolas organizavam e aplicavam essas práticas de 
formação de espectadores. Considerando suas principais ten-
dências, definidas em função de variados objetivos, pode-se 
categorizar as animações teatrais que aconteciam em torno de 
um espetáculo da seguinte maneira:: animações de inte&ração 
escolar, animações de expressão e animações de leitura.~ 
As animações teatrais de integração escolar, como o próprio 
termo sugere, buscavam integrar a obra teatral ao processo de 
52. PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 
aprendizagem escolar. O espetáculo motivava atividades múlti· 
pias, tornava-se pivô de um estudo que podia interligar diversas 
disciplinas do currípulo escolar, sendo utili~ado como atividade 
· de reforço. A peça propiciava, assim, a aplicação de exercícios, 
visando a uma dinamização do aprendizado em diversas áreas 
do conhecimento. 
Alguns grupos, especialmente na França e na Bélgica, distri· 
buíam nas escolas fichas pedagógicas relativas a cada espetáculo, 
com o objetivo de indicar aos professores sugestões de desdo-
bramentos escolares para a peça teatral. Essas fichas, que po· 
diam vir acompanhadas de fotos ilustrativas, slides ou gravações 
em fita cassete de músicas, geralmente traziam as seguintes in· 
formações: 1) apresentação da peça, incluindo um resumo e co· 
mentários sobre a temática abordada; 2) análise formal do espe-
táculo; 3) sugestões de exercícios de preparação das crianças 
para o espetápulo; 4) exercícios de desd.obramento aplicáveis às 
diferentes disciplinas escolares; 5) referências biblio-gráficas, 
úteis aos professores para melhor compreensão da peça e me-
lhor aproveitamento dessas atividades. 
• As categorias de animação teatral apresentàdas neste trabalho foram 
livremente concebidas com base nas determinadas por Roger Deldlme 
em seu vasto estudo sobre o assunto. Embora as definidas por esse soció· 
logo do teatro tenham sido particulannente recolhidas das práticas tea-
trais de seu país, a Bélgica, sua ampla pesquisa acerca do tema nos pode 
au.xlliar no entendimento da estruturação das animações teatrais nos di· 
ferentes países em que foram (ou silo) aplicadas, mesmo no Brasil. Roger 
Deldime organiza as animações teatrais nas seguintes categorias: les 
anímatíons péda.gogiques, les animations ídéologiques, les animations· 
implancatíons régionales, les animations-décodages, les animacions· 
expressions, les animacion.c; ctúcuralisces. As definições de cada uma 
dessas categorias podem ser encontradas nas seguintes obras do sociólo· 
go: Animacion ec chéticre pour enfancs (Bruxelas, Instltut de Sociologie 
de l'Université Llbre de Bruxelles, 1985) eLe quacribne mur. Regards 
sociologiques sur la re~ation thétitrale. (Carni~res, Lansman, 1990). 
PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 53 
As animações de integração escolar aconteciam, normalmen-
te, após o espetáculo e ~stabeleciam relações entre a encenação 
vista pelos alunos e diversas áreas do conhecimento. As atividades 
de desdobramento:da peça enfocavam, por exemplo: noções de 
matemática (exercícios de conjunto, dividiam-se os personagens 
em grupos); abordagens históricas; exercícios de expressão escri· 
ta (redações s~bre a peça ou aplicação de ditados); atividades 
de artes plásticas (a criação de cartazes para a peça ou de dese-
nhos a~imados que retratassem a história contada). Havia ainda 
outras tantas atividades que variavam em função das possíveis abor· 
dagen~ suscitadas pelo espetáculo e da faixa etária dos alunos. 
Essas animações, bastante freqüentes nos países acima cita-
dos, na década de 1970, foram muito criticadas nos anos sul:r 
seqüentes, consideradas uescolarlzantes" e acusadas de "pedagogizar" 
o teatro pelo fato de o espetáculo teatral ser utilizado como 
instrumento de aprendizagem de determinadas disCiplinas da gra-
de curricular ou como mero pretexto para atividades normal-
mente aplicadas no cotidiano escolar. A arte teatral acabaria, 
deste modo, por ser "fagocitada" pelo sistema de ensino, em que 
vigorava o "didatlsmo" e o "dirigismo". A utilização do teatro 
como ferrament~· para a apreensão de <?Onteúdos disciplinares 
empobrecia o diálogo do aluno-espectador (e os desdobramen-
tosdesse diálogo) com a peça, tornava a experiência estética 
padronizada, atrelando a recepção às necessidades da· escola. 
As animações teatrais de expressão constituíam-se funda-
mentalmente de oficinas e atividades teatrais, de curta ou longa 
duração, propostas às escolas vincula~as à apresentação de um 
espetáculo. Nas animações de expressão, utilizava-se, preferen-
cialmente, a aplicação de jogos de improvisação, centrando o 
foco do trabalho no aprimoramento da expressividade dramáti· 
ca dos participantes. Por vezes, propunha-se a montagem de 
54 PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 
pequenos espetáculos, que podiam ser inventados pelos próprios 
alunos, responsáveis por conceber coletivamente trama, perso-
nagens, cenário, figurinos e adereços; dessa maneira, proporcio-
. na-se aos alunos o 'contato com diyersos aspectos da arte tea-
tral. Em alguns casos, aplicavam-se ainda atividades de escrita, 
em que a prática dramatúrgica era exercitada com os partici-
pantes; ou ateliês de criação plástica, para trabalharem a con-
fecção de elementos cenográficos; ou oficinas de iluin:inação, 
direcionadas à construção é à exploração criativa de refletores. 
A aprendizagem da · lin~uagem teatral, em se~~ diferentes domí-
nios, buscava oferecer instrumentos aos partiCipantes para um 
diálogo mais intenso com os espetáculos. 
As animações teatrais de leitura pretendiam dinamizar a re-
cepção do aluno-espectador, propondo atividades que possibili-
. ta·ssem uma leitura mais apurada da obra. Fichas pedagógicas, 
co.ntendo infÇ>rmações sobre a peça e sugestões de atividades 
para serem aplicadas pelos· professores, antes ou depois do es-
petáculo, também eram utili.zadas pelos grupos teatrais que pro-
moviam essas animações. Eram apresentadas em duas verten-
tes: anim~ções de leitura horizontal, que procuravam destacar 
e pôr em debate o tema da peça, ressaltando o conteúdo veicu-
lado pelo espetáculo; e animaÇões de leitura transversal, que bus-
cavam propor atividades que capacitassem os espectadores 
iniciantes a decodificar os signos que constituíam a encenação. 
Nas animações de leitura horizontal, em que o conteúdo da 
peça era prioritariamente abordado nos exercícios propostos, . 
os animadores estimulavam o grupo de alunos a debater o as-
sunto em questão e a improvisar cenas q~e se relacionassem 
com o tema da peça. Essas animações chamavam a atenção dos 
particip~ntes para o discurso da obra, para a atualidade dos te-
mas tratados, além de provocar a observação dos alunos para 
PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES .55 
como a encenação lidava com tais questões e que técnicas tea-
trais eram utilizadas nessa abordagem. As animações de leitura 
horizontal focalizavam elementos de texto e de cena sempre 
ilustrativos, que propunham uma leitura imediata. . . 
Essas atividades, que enfocavam primordialmente a temática 
da peça, podiam, por exemplo, ser estruturadas com base nas 
seguintes práticas: 1) exposição sobre a vida do autor, de seu 
tempo (em se tratando de uma peça de época) e do conteúdo do 
texto; 2) interpretação pelos atores de uma cena representativa 
do espetáculo; 3) .curto debate sobre a atualidade da situação en-
cenada; 4) aplicação de exercício dramático 'em que os alunos 
transpunham a cena montada pelos atores para acontecimentos 
contemporâneo$ ou para situações outras que, de algum modo, 
estivessem relacionadas às apresentadas pelos atores . 
Nas animações de leitura transversal, que tinham como ob-
jetivo capacitar alunos-espectadores para a decodificação dos 
signos do espetáculo, o enfoque dado às atividades propostas 
reduzia a importância da percepção imediata provocando o 
espectador a empreender uma interpretação da encenação, es-
timulando-o a efetivar sua compreensão dos significados conti-
dos nas concepções dramatúrgicas, intenções gestuais, opções 
cenográ-ficas e demais· criações dos realizadores do espetáculo. 
Propiciar aos alunos a compreensão do espetáculo não se redu-
zia à trama, mas se constituía de uma totalidade de signos, pois 
ensinava-se a -reconhecer a especificidade da arte teatral e ela-
borar os elementos semióticos presentes na encenação. Essas 
animações foram fundamentalmente implementadas por com-
panhias teatrais que construíam os seus espetáculos buscando 
uma escritura cênica provoc:1r.iva, nem sempre evidente, que va-
lorizava a atitude do espectador diante da obra, incitando-o a 
~ngendrar uma leitura própria dos signos propostos. 
56 PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 
Partindo do princípio .de que a capacidade de ler os signos não 
é um.fenômeno natural, mas cultural, essas animações de leitu-
ra tinham o intuito çie preparar os espectadores para a decifra-
. ção dos códigos, realizando uma leitura plural dos espetáculos. 
O modo tradicional de recepção do espectador tem como 
elemento preponderante a espera ansiosa pelo final ( ohappy 
end), acompanhado de um forte envolvimento na ação. Nesse 
caso, a atenção do espectador está essencialmente centrada 
na anedota," nas peripécias, nos seus encadeamentos [ ... ] 
A essa leitura horizontal da obra, Richard Demarcy (So-
ciologie du spectacle) opõe a leitura transversal, fundada 
em um modo de recepção em que o espectador não se detém 
essencialment~ na fábula. Observador, ele coloca sobre todos 
os elementos de significação contidos no espetáculo teatral, 
a medida de seu aparecimento em cena, a questão: "o que é 
isto?", i~ediatamente seguida da questão: "o quê isto signifi-
ca?" (Deldime, l990b, p. 96). 
As animações de leitura transversal sobr~punham-se, assim, 
às animações de leitura horiz~ntal, mais explic~tivas e nas quais 
o espectador se detinha nas peripécias, na ação dos personagens 
e no conteúdo veiculado pela peça. Essas atividades levavam os 
participantes a perceber, como sugeria Ionesco, que tudo é lin-
guagem no teatro, palavz:as, gestos, objetos, já que tudo tem a 
função de exprimir, significar (Ionesco, 1962). As animações de 
leitura transversal queriam sensibilizar os alunos-espectadores 
tanto para a compreensão do argumento e a apreciação da his-
tória, q~anto para a observação dos elementos especificamente 
teatrais, chamando sua atenção para a expressão teatral de um 
argumento, e a maneira como a temática foi tratada a partir da 
PRÁTICAS TEATRAIS E FORMAÇÃO DE ESPECTADORES 57 
utilizaçãQ de recursos de expressividade e comunicação próprios 
do teatro. 
As animações de leitura transversal queriam oferecer pistas 
ao aluno para uma:.ampla leitura do espetáculo, fornecendo ins-
trumentos que o auxiliassem a lançar questões à peça, propon-
do que o espectador construísse as próprias respostas, distantes 
de respostas dogmáticas, preestabelecidas. Assim, o leitor ad-
quiriria o hábito de analisar os signos constitutivos da represen-
tação teatral, compreendendo o funcionamento do espetáculo e 
percebendo como se articulam elementos escolhidos e trazidos 
à cena pela equipe de criação. Essas animações de leitura efeti-
vavam-se, portanto, a partir de exercícios que estimulassem os 
alunos-espectadores a compre~nderem os elementos cênicos 
utilizados no espetáculo em questão. Para isso, os animadores 
utilizavam slides, fotos, gravações de músicas da peça ou mesmo 
a representação de cenas do espetáculo pelos atores, visando 
provocar os participantes da atividade a se questionarem e res-
ponderem criativamente acerca do significado de cenários, 
maquiagens, gestos, atitudes, etc. Os alunos debatiam os signos 
produzidos pelos autores do espetáculo e, em seguida, criavam 
seus próprios signos, explorando ~}ementas da linguagem tea-
tral e elaborando cenas sobre temáticaS diversas. 
As animações em torno de um espetáculo (de qualquer estilo) 
eram concebidas principalmente em função de características 
da peça, do grupo com o qual se iria trabalhar e dos objetivos 
dos

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