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Arnold Hauser A perspectiva sociológica (Teorias da Arte, p.25 42)

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1 
 
HAUSER, Arnold "A perspectiva sociológica". In: 
Teorias da Arte. Tradução: F. E. G. Quintanilha. Lisboa: 
Presença, 2ª ed., 1988, p. 25-42. 
 
A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA: O conceito de 
ideologia na história de arte 
 
[p. 25] O conceito de ideologia, derivado da noção 
de «falsa consciência», revela analogias 
surpreendentes com o conceito de «racionalização» 
em psicanálise. O indivíduo «racionaliza» as suas 
atitudes, os pensamentos, os seus sentimentos, as 
suas acções; quer isto dizer que se preocupa em 
dar-lhes uma interpretação aceitável, irrepreensível 
do ponto de vista das convenções sociais. De igual 
modo, os grupos sociais, exprimindo-se através de 
representantes, interpretam os acontecimentos 
naturais e históricos e, acima de tudo, as suas 
próprias opiniões e apreciações de acordo com os 
seus interesses materiais, desejo de poder, 
questões de prestígio, e outras aspirações de 
carácter social. E do mesmo modo que o 
indivíduo nos seus motivos e finalidades permanece 
inconsciente de que está a racionalizar, a maior 
parte dos membros de um grupo social, permanece 
também inconsciente do facto de que o seu 
pensamento está 'condicionado pelas condições 
materiais da vida. De outro modo, como afirma 
Engels, «toda a ideologia cairia por terra»
1
. A 
analogia com a psicanálise leva-nos mais longe. Tal 
como o indivíduo não necessita de racionalizar todo 
o seu comportamento, sendo uma grande parte dos 
seus pensamentos, sentimentos e acções 
socialmente irrepreensíveis ou sem importância, 
assim também os produtos culturais de. grupos 
contêm [p. 26] representações e interpretações da 
realidade que são «inofensivas» e «objectivas», porque 
não têm relação directa com os interesses dos grupos 
em questão e não entram em conflito com os 
interesses de quaisquer outros grupos. Assim, as 
proposições matemáticas e as teorias das ciências 
naturais são, no seu conjunto, objectivas e obedecem a 
princípios que podem ser considerados como critérios 
 
1
 Friedrich, Engels: Ludwig Feuerbach and the Oultcome of Classical 
German Philosophy; em Selected .Works (1942), I, p. 417 e 
seguintes (de Karl Marx & Friedrich Engels). Carta a Franz 
Mehring de 14 de Julho de 1893, Ibid., p. 388 e seguintes. 
eternos e imutáveis da verdade. Mas a amplitude de 
tais proposições objectivas é relativamente estreita e, 
embora sintamos uma certa relutância em fazer da 
história das matemáticas ou da mecânica um 
suplemento da história económica, não pode haver 
dúvidas de que mesmo uma ciência natural, tal como a 
medicina, apresenta traços de dependência de 
condições econômicas e sociais, de modo que não 
somente o aparecimento de problemas mas, muitas 
vezes, também a direcção na qual se procura a solução 
dos problemas, podem ser considerados como sendo 
socialmente condicionados. Por outro lado, também as 
disciplinas humanísticas, especialmente os diferentes 
ramos da investigação histórica, são confrontadas com 
um vasto número de problemas que nada ou quase 
nada têm que ver com uma interpretação ideológica do 
material, problemas cuja solução pode, na maior parte, 
ser julgada por critérios objectivos. 
Pondo de parte questões de pormenor, é óbvio que 
cada uma das várias estruturas culturais, tais como a 
religião, a filosofia, a ciência e a arte; têm a sua própria 
«distância» a partir da sua origem social; elas formam 
uma série com muitos graus, manifestando uma 
«saturação ideológica» progressiva. Esta série estende-
se da matemática que é quase neutra sob o ponto de 
vista sociológico, as suas proposições características 
raramente permitindo que se tirem quaisquer 
conclusões quanto à data, ao local e às circunstâncias 
de origem, até à arte, na qual mal se poderia 
considerar indiferente um simples aspecto do ponto de 
vista histórico ou social. Nesta série, a arte permanece 
na mais íntima relação com a realidade social e o mais 
afastada possível da zona do que é geralmente 
considerado como ideias eternamente válidas. Pelo 
menos, é dirigida de uma forma bastante mais franca e 
directa para objectivos sociais, serve muitíssimo mais 
manifesta e inequivocamente como arma ideológica, 
como panegírico ou propaganda, do que as ciências 
bjectivas. As tendências sociais que a arte serve 
raramente podem ser consideradas visíveis e não 
sublimadas ‒ isto faz parte da essência do modo de 
expressão ideológico que, se atingir os seus propósitos, 
não poderá permitir-se chamar uma criança pelo seu 
próprio nome. 
[p. 27] Na série que se estende da arte às ciências 
exactas e às matemáticas, a autonomia das estruturas 
culturais cresce na proporção inversa à distância da 
experiência imediata do verdadeiro ser vivo, em cuja 
2 
 
vida psíquica; pensamento e sentimento, 
contemplação e acção, teoria e prática não estão 
diferenciados ‒ o indivíduo que Wilhelm Dilthey, como 
sabemos, denominou «homem integral». Quanto mais 
próximo estiver o «tema» dos vários, campos de 
criação cultural do homem real concreto, menos este 
terna é considerado como, algo impessoal e não-
histórico, e mais o seu pensamento é considerado 
como sendo socialmente dependente e 
ideologicamente condicionado. Sem dúvida, tanto «a 
consciência em geral» corno o correlativo das ciências 
naturais e o «homem integral» de Dilthey são 
simplesmente conceitos limitativos e úteis apenas 
como «tipos ideais». «A consciência em geral» 
abstracta e infinita não se encontra na sua pureza 
mesmo numa operação matemática; e o «homem 
integral», livre de todos os traços de especialização, 
não se encontra revelado mesmo nessas obras de arte 
que possuem o atractivo mais universal e imediato ‒ 
porque qualquer obra de arte exige para sua realização 
um certo grau de parcialidade e de meditação, uma 
restrição na função do ser vivo integral. 
Mesmo em Marx e em Engels fala-se das diversas 
distâncias entre as diferentes estruturas culturais e o 
seu substrato económico; e Engels observa numa 
passagem bem conhecida da sua obra sobre Feuerbach 
que nas ideologias superiores «a relação entre as ideias 
e a sua condição material de existência se toma cada 
vez mais complicada, cada, vez mais obscurecida por 
elos intermediários». Esta perspectiva é 
essencialmente correcta. O conteúdo da arte, da 
religião e da filosofia é muito mais rico e a sua 
estrutura muito mais opaca do que os das ciências 
naturais e das matemáticas; é assim, mesmo quando 
comparado com os de Direito e os de Estado, nos quais 
as condições económicas são enunciadas mais 
directamente, isto é, de uma forma menos sublimada. 
Mas o facto de as condições características de um 
certo sistema económico serem enunciadas mais 
directamente em disposições legais em vigor e em 
instituições políticas do que nas tendências 
contemporâneas da filosofia, ou da arte, não significa 
que a arte e a filosofia sejam mais independentes do 
que o pensamento jurídico ou político das verdadeiras 
condições de vida. De facto, continuam a usar a 
realidade sócio-histórica imediata numa maior 
extensão do que o Direito com as suas leis codificadas 
ou o Estado com as suas instituições estereotipadas. 
No caso da arte e da filosofia o mecanismo da causação 
social pode estar oculto, mas não é menos decisivo 
nem de menor alcance do que noutros campos 
culturais. 
[p. 28] Porém, o problema da ideologia assume uma 
forma diferente no campo da arte e no das ciências, 
sendo o conceito de verdade em arte muitíssimo 
diferente do da verdade teórica. Uma obra de arte nãoé «correcta» ou «incorrecta» do mesmo modo que 
uma teoria científica o é; falando correctamente, não 
se pode designar nem por verdadeira nem por falsa. O 
conceito de imutabilidade, de validade supra-histórica, 
pode ser aplicado à arte só com reservas muito 
especiais, e aqui, tudo o que se disse sobre «falsa 
consciência» ou sobre consciência verdadeira se torna 
inoportuno. Por outras palavras: quando a verdade não 
é o que se deseja, é escusado falar de conformidade ou 
de evasão em relação a ela. A arte é sempre partidária 
e porque uma perspectiva da realidade que não 
reflectisse nenhum ponto de vista especial seria 
destituída de toda a qualidade artística, o problema da 
relatividade simplesmente não se põe em arte. Todo o 
aspecto da arte é uma perspectiva; só um que envolva 
uma contradição íntima pode, correctamente, ser 
denominado de «falso». 
E, todavia, seria errado negar à arte todo o direito de 
conquistar a verdade; negar que ela possa dar um 
contributo valioso ao nosso conhecimento do mundo e 
do Homem. Que os trabalhos de literatura são uma 
fonte abundante de conhecimento é, talvez, inegável; 
as realizações mais perspicazes de introspecção 
psicológica que temos à nossa disposição provêm os 
mestres do romance e do drama. Mas não pode haver 
dúvidas de que as artes visuais também contribuem 
muito para o nosso ponto de apoio no mundo. É 
importante, evidentemente apontar a diferença entre 
o conhecimento científico e a representação artística, 
salientar, por exemplo, que falar de tendências 
«estilísticas» é perfeitamente legítimo em arte, mas 
muilto discutível em ciência
2
. Porém, o sociólogo só 
pode sentir-se apreensivo quanto a qualquer 
separação demasiado radical entre a arte e a ciência. 
Porque, afinal; a visão do mundo de um geração ‒ ou, 
mais exactamente, de um grupo que está histórica e 
socialmente delimitado ‒ é um todo indivisível. 
Tentativas para demarcar os diferentes campos nos 
 
2
 'Theodor Geiger: «Kritische Bemerkungen zum Begriffe der 
Ideologie» em Gegenwartsprobleme der Soziologie (A. Vierkandt zum 
80, Geburtstag, 1949), p. 143 
3 
 
quais esta visão do mundo se manifesta podem ser 
muito prometedoras de um ponto de vista 
epistemológico, mas, para o sociólogo, aparecem como 
dissecações violentas da realidade que ele estuda. Para 
ele, a filosofia, a ciência, o direito, o costume e a arte 
são aspectos diferentes de uma atitude unitária para 
com a realidade; em todas estas formas, [p. 29] os 
homens andam em busca de uma resposta para a 
mesma pergunta, de uma solução para um e o mesmo 
problema: o de como viver. Eles não estão 
fundamentalmente interessados em formularem 
verdades científicas, em produzirem obras de arte, ou 
mesmo em enunciarem preceitos de ordem moral, mas 
em alcançar uma visão praticável do mundo, um 
princípio directivo da vida digno de confiança. Sempre 
e por todo o lado, debruçam-se sobre uma e mesma 
farefa, a de subjugarem a desconcertante singularidade 
e ambiguidade das coisas. 
Indicar a quota-parte da arte na formação das visões 
do mundo não é dizer que ela seja continuamente 
ligada a necessidades práticas ou negar que um 
aspecto especial da arte seja precisamente a sua 
emancipação da realidade presente. Se alguém se 
sentir inclinado a acentuar as condições reais da 
produção artística, pode dizer-se correctamente que o 
desenvolvimento das formas estilísticas tem uma lógica 
interna própria. A arte apresenta uma consistência 
rigorosa na sua busca da solução de determinados 
problemas formais e, dentro de cada período estilístico 
pode distinguir-se um progresso regularmente 
constante e contínuo em direcção a esse objectivo. 
Porém, tem-se afirmado que um desenvolvimento 
imanente deste tipo não ocorre só nos períodos da 
história que são estilisticamente unitários e coerentes 
‒ períodos por exemplo em que há um progresso 
constante na representação naturalista ou da 
formalização abstracta ‒ mas também na sucessão dos 
vários estilos. Deste ponto de vista, os estilos 
sucessivos parecem estar relacionados como pergunta 
e resposta, ou como tese e antítese: por exemplo, diz-
se que o barroco é, não a expressão de novas 
condições sócio-históricas da vida, mas a continuação 
«lógica» da Renascença ‒ isto é, em parte, a solução 
dos problemas formais postos pelas obras dos mestres 
da Renascença, em parte, o resultado de uma 
contradição que também surge de uma afinidade com 
esses mestres. Semelhante «lógica da história», que 
afirma a necessidade íntima de cada passo consecutivo 
no progresso, possui sempre um certo atractivo; 
porém, justifica-se: apenas quando aplicada dentro dos 
limites de uma determinada tendência estilística 
unitária. Quando se chega a uma mudança de estilo, 
ela sucumbe. 
Suponho mesmo que se pudesse admitir que 
semelhante relação antitética entre tendências 
sucessivas seria um princípio geral de desenvolvimento 
estilístico, nunca se poderia explicar por características 
puramente formais e intrínsecas porque é que, em 
determinado momento, uma tendência dá lugar a uma 
outra de carácter diferente. O estímulo para a 
mudança de estilo vem sempre do exterior e é 
logicamente contingente. Nem o sentimento de 
saciedade [p. 30] nem o desejo de mudança são, de 
modo algum, adequados para explicarem o 
desaparecimento de um estilo. Certamente, o desejo 
de mudança desempenha, muitas vezes, um papel tão 
importante na história da arte como na história da 
moda; mas este requisito pode ser satisfeito quando há 
talento, sem se sair das potencialidades do estilo em 
vigor. Seja como for, com o envelhecimento de uma 
cultura social bem estabelecida, surge tanto um desejo 
crescente de uma renovação das formas aceites como, 
muitas vezes, uma resistência crescente a cada 
tentativa de as alterar. Em geral, é necessário o 
aparecimento de um público novo para sacudir uma 
tradição de arte profunda e firmemente enraizada e 
trazer uma mudança radical no gosto. A dissolução do 
rococó não pode ser esclarecida, de modo algum, por 
causas intrínsecas, embora as suas criações se tivessem 
tornado moles e enfadonhas mas, principalmente, pelo 
novo patrocínio da arte no período revolucionário. 
Wölfflin afirmou que o estímulo externo é mais 
vincado e mais claramente perceptível numa reversão 
de estilo do que na flutuação de uma linha contínua de 
desenvolvimento. Na realidade, não há diferença de 
princípios entre estas duas fases ou estes dois estados 
do mesmo processo. As influências externas não são 
mais decisivas, são apenas mais óbvias no caso do 
desenvolvimento interrompido. Uma observação mais 
minuciosa revela factores extrínsecos sempre a 
trabalharem quer haja ou não uma mudança de estilo. 
As realidades sociais ‒ o que Wölfflin denominou de 
«condições externas»
3
 ‒ representam sempre o 
mesmo papel, influenciando a escolha da forma; pois 
qualquer formulação implica uma escolha de forma. 
Em cada momento do desenvolvimento, a questão do 
 
3
 Heinrich Wölfflin: Kunstgeschtliche Grundbegriffe (1929), p. 252. 
4 
 
que é que se devia fazer, que atitude é que se devia 
tomar perante as possibilidades do momento, é uma 
questão em aberto que não obteve ainda uma resposta 
adequada. Diz-se «sim» ou «não» à direcção em que os 
outros se movem e que se tem seguido até agora; e a 
aceitação nem é mais mecânica nem menos voluntária 
do que a rejeição. Manter uma tradição estabelecida 
muitas vezes significa tantouma decisão, o resultado 
de um processo dialéctico cheio de conflitos e com as 
suas pré-condições internas e externas, como a decisão 
de a alterar. A tentativa, por exemplo, de remar contra 
a maré que se dirige para um naturalismo sempre 
crescente, não implica princípios de motivação 
diferentes dos que controlam o desejo oposto, de 
promover e de celerar este naturalismo. Temos sempre 
que enfrentar as mesmas [p. 31] perguntas: será o 
estilo aceite ainda de interesse como guia de vida num 
mundo transformado? Poderá ele ainda impressionar, 
conversar e estimular a acção? Será ainda uma arma 
adequada à luta pela vida? Revela ele o que devia ser 
revelado e oculta o que devia ser ocultado? 
O artista nunca põe estas perguntas a si próprio em 
tantas palavras. Raramente lhes dá uma resposta 
consciente ou directamente; nem elas lhe são postas 
por quaisquer forças específicas da sociedade. O erro 
de Wölfflin, a sua falta de sentido sociológico a sua 
concepção lógica abstracta de história são 
principalmente devidas à sua diferenciação demasiado 
radical entre a influência externa e a lógica interna. O 
erro da sua maneira de pensar é típico; uma deficiência 
semelhante em compreender a causação social 
sublinha a incompreensão vulgar dos métodos 
sociológicos, em especial, a interpretação errónea do 
materialismo histórico. A essência da filosofia 
materialista da história, com a sua doutrina de carácter 
ideológico do pensamento, consiste na tese de que 
atitudes espirituais são, desde o seu início, fixadas em 
condições de produção e se movem dentro do âmbito 
de interesses, objectivos e expectativas que lhe são 
característicos; não é que sejam subsequentes, externa 
ou deliberadamente ajustadas a condições económicas 
e sociais. «Primum vivere, deinde philosophari» é uma 
verdade que todos reconhecem sem qualquer 
necessidade de teorias de materialismo histórico ou de 
ideologias. O que é notável é que mesmo os 
pensadores experimentados neste campo representam 
a dependência económica da arte em termos de um 
vínculo puramente externo. Mesmo um escritor como 
Max Scheler cai nesta linha de pensamento quando 
fala das condições materiais da criação artística. 
«Rafael necessita de um pincel», lemos. «As suas ideias 
as suas visões não lho podem fornecer. Precisa de 
protectores politicamente influentes que o incumbam 
de glorificar os seus próprios ideais; sem eles, não 
poderia dar expressão ao seu génio
4
.» É extraordinário 
que um sociólogo da craveira de Scheler não tivesse 
reconhecido que o artista glorifica os «ideais» de 
possíveis bem como de verdadeiros protectores; que o 
carácter inevitável da ideologia ‒ tanto quanto é 
verdadeiramente inevitável ‒ conduz o pintor a 
representar as ideias e as aspirações das classes 
preponderantes e cultas, mesmo quando não tem 
protectores ‒ ou melhor, apesar de não ter os 
protectores adequados ou de não representar o grupos 
sociais que estariam de facto de acordo com ele. O [p. 
32] fracasso em reconhecer isto é ainda mais notável 
porque Engels, na sua tese sobre o «triunfo do 
realismo» e a natureza do método de Balzac, não 
deixou lugar a dúvidas quanto ao que significa 
ideologia em arte
5
. Pensar-se-ia naturalmente que se 
devia ter compreendido que o artista não necessita de 
ter consciência das ideias sociais que exprime, sentir-se 
ele próprio em oposição às leis e aos ideais que retrata, 
justifica ou mesmo glorifica nas suas obras. Balzac, 
como é bem conhecido, foi um entusiasta da 
monarquia absoluta, da Igreja Católica e da aristocracia 
francesa; mas isso não o impediu de escrever a mais 
extraordinária apologia da burguesia! 
A arte pode exprimir objectivos sociais de duas 
maneiras diferentes. O seu conteúdo social pode ser 
apresentado sob a forma de confissão explícita ‒ 
confissões de crenças, doutrinas explícitas, propaganda 
directa ‒ ou da simples dedução, isto é, em termos da 
perspectiva tacitamente pressuposta em obras que 
parecem destituídas de qualquer referência social. 
Pode ser francamente tendenciosa ou um veículo de 
uma ideologia inconsciente e não reconhecida. O 
conteúdo social de um credo definido ou de uma 
mensagem explícita é conscientemente compreendido 
pelo orador e conscientemente aceite ou rejeitado 
pelo ouvinte; por outro lado, o motivo social por detrás 
de um manifesto pessoal pode ser inconsciente, e pode 
operar sem os homens dele estarem conscientes; será 
tanto mais eficiente quanto menos for exprimido 
conscientemente e quanto menos for ou parecer estar 
 
4 Max Scheler: Die Wissensformen und die Gesellschaft (1926). 
5
 Engels: Carta a Miss Harkness em Literature and Art de Mark & 
Engels, pp. 42-3. 
5 
 
conscientemente a aspirar à aprovação. A arte 
francamente tendenciosa repele, muitas vezes, onde a 
ideologia disfarçada não encontra resistência. As peças 
de Diderot, Lessing, Ibsen e Shaw são francamente 
tendenciosas; a mensagem através da qual eles 
procuram conseguir aprovação não tem que ser lida 
nas entrelinhas, como acontece com o sentido de 
Sófocles, Shakespeare ou Corneille; não se encontra 
envolvida em nenhuma ideologia mas é convincente só 
para o que já está semiconvencido. E, em arte, o modo 
de expressão indirecto e ideológico não é só o mais 
eficiente, é também o mais esclarecedor sob um ponto 
de vista histórico, porque, na verdade, uma perspectiva 
social só cria um estilo quando não pode encontrar 
directamente uma expressão. A expressão aberta de 
uma perspectiva social é compatível com o maior 
número de formas estilísticas, visto que, nesse caso, o 
conteúdo das ideias se sobrepõe simplesmente a uma 
dada estrutura formal; não é necessária qualquer 
transformação [p. 33] deste conteúdo em novas 
formas de expressão. Com Diderot, Lessing e Shaw, as 
versões de liberalismo são expressas em três estilos 
diferentes, ao passo que os estilos de Sófocles, 
Shakespeare e Corneille são as expressões de situações 
políticas e sociais diferentes. Num dos casos, a atitude 
social mantém uma certa independência abstracta da 
forma artística; no outro, é apresentada numa forma 
estilística que lhe é própria. A tradução de uma 
perspectiva social num estilo requer, evidentemente, 
um mecanismo bastante diferente daquele que é 
suficiente para a sua expressão directa num programa 
político ou num manifesto. O artista como 
representante de um estilo não só o intérprete da 
sociedade, a sua função como representante de um 
grupo social não pode ser explicada apenas em termos 
psicológicos; só se toma inteligível através da 
investigação da natureza das relações que são o tema 
do materialismo histórico. 
O materialismo histórico não é uma teoria psicológica; 
deduz as ideologias, não dos motivos individuais, mas 
das condições objectivas que as realizam, muitas 
vezes, sem o conhecimento dos participantes, e com 
frequência contrariamente às intenções destes. Falar 
mesmo de «interesses» nesta relação não é 
completamente adequado porque os pensamentos, os 
sentimentos e as acções dos homens não estão, de 
modo algum, sempre de acordo com o que, sob um 
ponto de vista psicológico, se pode designar como os 
seus interesses. Geralmente, eles pensam e actuam de 
acordo com a consciência de classe pura a qual a 
protecção de uma certa classe é o objectivo essencial, 
embora nem sempre o fim admitido. O pensamento 
dos homens depende desta consciência, embora a 
unidade colectiva com que eles concordam nem 
sempre seja a classe social da qual provieram nem 
sempre tenhamconsciência da sua categoria social. 
Por exemplo, os motivos que levam alguém a oferecer-
se como voluntário para determinada guerra pode, de 
um ponto de vista subjectivo, ser inteiramente 
idealista; não obstante, a guerra pode ser não só 
condicionada economicamente mas também ser activa 
por detrás dos motivos idealistas do voluntário, 
factores inconscientes de um carácter materialista, 
interessado e determinado pela classe social. A 
consciência de classe não é uma realidade psicológica; 
ela materializa-se até ao ponto em que os indivíduos 
de facto se comportam de acordo com a classe a que 
pertencem. Na medida em que a consciência de classe 
encontra expressão, pode-se, na linguagem dos 
românticos, 
falar das intenções superiores de grupo ‒ ou, na gíria 
hegeliana, de uma espécie de «astúcia» neste caso, de 
astúcia da guerra de classes. Posto em termos menos 
românticos e especulativos, isto equivale a dizer que o 
pensamento dos homens é muito mais influenciado 
positivamente pela sua situação social do que pelas 
suas ilusões ou [p. 34] reflexões conscientes sobre a 
sua situação ‒ embora as condições sociais em vigor 
funcionem, possivelmente, apenas através da 
motivação psicológica, ou, como Engels afirma, «tudo 
que põe o homem em acção tem que passar pelo seu 
cérebro
6
». 
À primeira vista, o argumento mais eficiente contra a 
admissão de factores ideológicos na história da arte 
provém da observação de que as mesmas 
características estilísticas não aparecem muitas vezes 
simultaneamente nas diferentes artes, que um estilo 
pode durar mais tempo num ramo de arte do que 
noutro, que um pode parecer ficar para trás em relação 
aos outros todos, em vez de se conservar no mesmo 
ritmo. Assim, no caso da música, até aos meados do 
século XVIII, isto é, até à morte de Bach, encontramos 
o estilo barroco ainda florescente, enquanto nas artes 
visuais, o rococó alcançara já o seu ponto culminante. 
Se, contudo, como se costuma afirmar, condições 
sociais afins não produzem resultados afins em todos 
 
6 Engels: Feuerbach. 
6 
 
os campos da arte e da cultura, então, não há 
evidentemente qualquer razão para se falar de 
condicionamentos ideológicos ou de leis sociológicas 
de qualquer espécie e os movimentos em arte estão 
livres da influência da causação social. 
A solução desta dificuldade aparente é óbvia. Em 
qualquer estado de civilização razoavelmente 
avançado, as condições sociais nunca são 
perfeitamente uniformes; não nos apresentam a 
mesma situação nos vários campos da arte e da 
cultura. Na primeira metade do século XVIII os escalões 
médios da burguesia exerciam uma influência muito 
maior sobre a pintura e sobre a literatura do que sobre 
a música. Constituíam uma secção muito influente de 
consumidores nos campos da literatura e da pintura, 
ao passo que, na música, o gosto da corte e das 
autoridades eclesiásticas era ainda predominante. A 
instituição que, no caso da música, iria desempenhar o 
papel dos editores e das exposições de arte, a 
comercialização dos concertos para um público da 
classe média, estava ainda na sua infância. Com efeito, 
uma tensão idêntica, causada pelas diferenças dos 
públicos interessados, entre as artes visuais e as 
formas literárias persiste através da história da cultura 
ocidental. O círculo de clientes de pintura e de 
escultura e, naturalmente, de arquitectura, é, por 
razões óbvias, bastante mais restrito do que o da 
literatura. Isto não implica que a mudança de estilo 
comece sempre na literatura; a literatura só assume a 
chefia quando a burguesia assume uma posição de 
chefia na sociedade, e isso só acontece com o 
Iluminismo, a Revolução Francesa [p. 35] e a 
democratização do público que lê, nos séculos XVIII e 
XIX. É evidente que esta situação predominante da 
literatura na evolução do estilo, como também a da 
música numa data posterior, é causada por uma 
alteração no mercado da arte. 
O conceito de ideologia pode ser usado de uma forma 
sensata só em relação a um certo grupo social; falar da 
ideologia de uma época histórica, sem uma tentativa 
de diferenciar classes ou grupos é, sociologicamente, 
sem sentido. Só quando atribuímos fenómenos 
ideológicos a determinados grupos sociais, 
ultrapassamos um mero registo de sequência histórica; 
só então poderemos lograr um conceito de ideologia 
concreto e sociologicamente útil. Num período 
historicamente avançado, não há uma ideologia mas 
apenas ideologias ‒ do mesmo modo que não há várias 
tendências artísticas importantes para serem 
assinaladas, correspondentes às várias camadas sociais 
influentes. Isto não altera o facto de que, em qualquer 
período histórico, uma classe predomine, mas faz-nos 
recordar que esta predominância não é menos 
desafiada por concorrentes no reino espiritual do que 
nas ciências económicas ou na política. Regra geral, as 
novas forças de produção começam a manifestar-se na 
forma de «ideias novas», dando origem a tensões 
dialécticas no campo do pensamento que, muitas 
vezes, se resolvem em organização económica 
somente numa data posterior; mas isto não invalida o 
argumento de Marx e Engels de que as ideias novas são 
apenas um sinal de «que dentro da sociedade velha 
foram criados elementos de uma sociedade nova
7
». De 
facto, encontramo-nos frequentemente numa situação 
em que as tendências espirituais estão muito mais 
confundidas, mais permeadas de oposições profundas 
do que as económicas; em que, como por exemplo na 
época do Iluminismo, a classe dominante já estava 
dividida espiritualmente em dois campos opostos 
enquanto, economicamente, mantinha ainda uma 
aparência de unidade. 
Sem dúvida que a composição divergente dos públicos 
não é a única explicação para a diferente rapidez nas 
alterações registadas nas várias artes. Nos diversos 
ramos de arte, as regras formais tradicionais que 
prescrevem meios de representação e estabelecem 
limites para o que pode ser representado podem ser 
mais ou menos rigorosas e podem, deste modo, 
oferecer mais ou menos resistência à influência das 
condições sociais contemporâneas. Numa forma de 
arte tal como a música sacra, na qual a criação é regida 
por tradições bastante rigorosas e serve exactamente 
funções [p. 36] definidas, em que os executantes 
pertencem, regra geral, a um grupo profissional 
fechado, e a procura da novidade é, naturalmente, 
mais fraca do que em qualquer outra parte, o ritmo a 
que as alterações se processam será relativamente 
lento e as formas estilísticas menos obviamente 
ideológicas ‒ a não ser que tratemos a verdadeira 
regra da própria tradição como um sintoma ideológico, 
como, de certo modo, o é. Mas para a formação de 
novas ideologias, toda a tradição é um factor de 
inércia, tal como Marx e Engels observam. «A tradição 
de todas as gerações passadas pesa sobre a cabeça dos 
 
7 Manifest of the Cammunist Party. 
7 
 
vivos», afirma Marx
8
 e Engels, um tanto mais 
favoravelmente, mas ainda com um certo horror, fala 
da tradição como de uma «grande força conservadora 
em todos os campos ideológicos» . 
A tradição deve a sua existência ao facto de que as 
estruturas culturais sobrevivem às condições sócio-
históricas da sua origem e podem continuar a existir, 
embora, por assim dizer, desenraizadas. Existe uma 
articulação notável de factores transitórios e 
permanentes, cujo carácter problemático Marx parece 
ter notado primeiro quando começou a tratar da 
experiênciaartística. A passagem na Introdução à 
Critique of Political Economy na qual se refere à 
dificuldade de prestar esclarecimentos sobre a 
impressão causada pela época grega sobre as gerações 
vivendo num mundo totalmente diferente do de 
Homero é bem conhecida. Aqui, Marx deu com a 
discrepância entre génese e validade, sem, contudo, 
ser capaz de formular o problema com precisão. Mal se 
apercebeu de que estava a tratar com uma 
particularidade de todas as formas de actividade 
espiritual e, deste modo, com o problema central e o 
mais difícil de toda a doutrina da ideologia; a 
circunstância de que a chamada supra-estrutura tem 
uma vitalidade própria, que as estruturas espirituais 
têm tanto a capacidade como a tendência para se 
separarem das suas origens e seguirem o seu próprio 
caminho. Por outras palavras, elas tornam-se a origem 
de novas estruturas que se desenvolvem de acordo 
com leis internas próprias, alcançando um valor 
específico perdurável. Este fenómeno, segundo o qual 
as estruturas culturais que foram uma vez 
instrumentos e armas vitais, meios de controlar a 
natureza e de organizar a sociedade, se tornam 
gradualmente formais e neutralizadas e, finalmente, 
fins em si próprias é, sem dúvida, intimamente idêntico 
ao processo de «reificação» (Verdinglichung), 
descoberto e tão [p. 37] vivamente descrito por Marx. 
As estruturas espirituais com a sua independência, 
autonomia e imanência, os seus valores formais e 
supra-históricos, confrontam-nos como tantas «forças 
naturais estranhas» - como Marx denomina as 
instituições da sociedade capitalista. Mesmo em arte, a 
mais humana de todas as forças de expressão 
humanas, este carácter estranho sente-se onde quer 
que eIa seja tratada como forma pura. Uma obra de 
arte, considerada como um produto puramente 
 
8
 Marx: «The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte», em Selected 
Works, II, p. 311 e seguintes. 
formal, um mero jogo de linhas e de tons, uma 
encarnação de valores eternos sem importância para 
algo histórico e social, perde a sua relação vital com o 
artista e a sua significação humana para o indivíduo 
que a contempla. Em arte, especialmente em arte, a 
criação ou o postulado de valores supratemporais e 
suprapessoais possuem algo de «fetichismo» que Marx 
defendera ser a essência da «reificação». Pelo 
estabelecimento de semelhantes valores abstractos e 
pela demarcação de faculdades mentais distintas que o 
acompanham, essa unidade do mundo espiritual que a 
filosofia romântica da história reconheceu nas 
denominadas culturas «orgânicas» com a sua total 
visão do mundo e o seu crescimento natural, é, 
finalmente, destruída. O próprio Marx descreve em 
termos um tanto românticos a dissolução deste estado 
natural que ele faz coincidir com o início do capitalismo 
moderno, como o «fim da inocência humana». A sua 
verdade messiânica, com o seu tema dominante da 
«corrupção absoluta» da época capitalista e a sua 
promessa da sociedade sem classes é, certamente, um 
legado romântico. 
Na realidade, a formalização dos poderes e das 
realizações espirituais, a invenção da «ciência pura» e 
da «arte pela arte» não é mais uma criação do 
capitalismo do que o é a utilidade, característica dos 
produtos industriais. O processo tem início no século 
VII antes de Cristo na Jónia e, evidentemente, é uma 
concomitante da colonização grega
9
. Aqui não nos 
encontramos apenas perante uma concepção 
inteiramente nova e não pragmática da ciência, mas, 
igualmente, perante uma ideia completamente nova 
de arte que já não é exclusivamente magia, feitiçaria, 
oferenda votiva ou propaganda, mas uma tentativa 
para criar beleza por amor da beleza. Do mesmo modo 
que do conhecimento dirigido a fins puramente 
práticos surge a «investigação» que é, em certa 
medida, sem finalidade, assim também da arte como 
meio de ganhar o favor dos deuses, dos espíritos ou 
dos potentados, surge, gradualmente, uma forma pura, 
não tendenciosa e sem preconceitos. [p. 38] Este 
desenvolvimento é, sem dúvida, um acompanhamento 
do contacto dos Gregos com povos estrangeiros, da 
sua descoberta da variedade e da relatividade de 
valores que vincula a dissolução da sua sabedoria 
antiga, essa mais ou menos indistinta unidade na qual 
a religião, a ciência e a arte mal se distinguem. O 
 
9
 Arnold Hauser: The Social History of Art (1951), I, 93. 
8 
 
processo de formalização e de separação dos ramos da 
cultura acompanha os princípios contemporâneos da 
economia monetária e pode, até certo ponto, ser 
explicado pela noção de que o uso de meios abstractos 
de permuta promove adaptabilidade intelectual e 
poder de abstracção
10
; mas tudo isso não tem muito 
em comum com a ascensão do capitalismo moderno. 
Apesar do processo, quase ininterrupto a partir dessa 
altura, da separação crescente dos campos culturais, 
aumentando cada vez mais a autonomia da arte, 
todavia, em nenhum período da história da arte, nem 
mesmo nos tempos do mais extremo esteticismo e 
formalismo, encontramos o desenvolvimento da arte 
como completamente independente das condições 
económicas e sociais prevalecentes. As criações 
artísticas estão muito mais intimamente ligadas à sua 
própria época do que estão à ideia de arte em geral ou 
à de história de arte como um processo unitário. As 
obras de diferentes artistas não têm nenhum objectivo 
ou modelo comuns; uma não continua a outra nem é o 
seu suplemento; cada uma começa pelo seu princípio e 
atinge o seu objectivo o melhor que pode. Não há 
realmente qualquer progresso em arte; os trabalhos da 
maturidade não são necessariamente mais valiosos do 
que os realizados na juventude; as obras de arte são, 
de facto, incomparáveis. É isso que torna a verdade na 
arte tão diferente da verdade na ciência; e que 
também explica porque é que o valor do conhecimento 
adquirido e difundido pela arte não é totalmente 
prejudicado pelo seu carácter ideológico. O facto de 
que os conhecimentos profundos adquiridos pela arte 
são muitas vezes ultrapassados tão rapidamente e, na 
verdade, nunca conseguem aceitação universal não nos 
preocupa de modo algum. Consideramo-los como 
interpretações da vida invulgarmente e muitas vezes 
singularmente valiosas, não como proposições 
objectivamente compulsivas, demonstráveis, ou 
mesmo, correctamente falando, discutíves. As 
comunicações do artista sobre a realidade pretendem 
ser e devem ser pertinentes; não têm que ser 
verdadeiras ou incontestáveis. Podemos ficar 
completamente subjugados por uma obra de arte e, 
todavia, reconhecermos que ela deixa outros 
indivíduos que são nossos espíritos [p. 39] afins 
indiferentes. Que nada há de obrigatório em opiniões 
de gosto é um dos critérios estéticos mais antigos, 
sendo de gustibus non disputandum quase um exemplo 
 
10 George Simmel: Philosophie des Geldes (1900). 
de sabedoria proverbial popular. O mais notável é que 
os critérios de gosto fazem, não obstante uma 
reivindicação e, embora não reivindicando validade 
universal, têm, na verdade, um aspecto normativo; 
criticando, o indivíduo crê que está a reconhecer um 
valor objectivo que é de certo modo obrigatório pelo 
menos para ele. Esta complicação merece ser 
assinalada, mas não altera o facto de que a validade 
em arte seja totalmente diferente da validade em 
ciência e que não haja contradição no facto de a arte 
ser ideológica e, simultaneamente, ter valor objectivo.Mas o problema da relatividade dos valores que assim 
evitamos ao considerar a verdadeira produção e o 
prazer que arte proporciona, coloca-nos, quando nos 
voltamos para a história da arte com uma ciência, 
perante dificuldades quase tão grandes como as que se 
encontram em qualquer outro ramo de estudo. O 
desenvolvimento da história da arte nem mesmo 
manifesta esse elemento bastante pequeno de 
progresso contínuo que pode ser detectado em outros 
ramos da documentação histórica. No caso da arte, as 
interpretações e avaliações históricas de uma geração 
não só não são consideradas como obrigatórias em 
relação à geração seguinte mas, muitas vezes, têm que 
ser positivamente ignoradas, mesmo combatidas, de 
modo a que a nova geração possa conquistar o seu 
próprio acesso directo às obras do passado. 
Apreciamos toda esta variedade e multiplicidade de 
interpretação histórica, sentimo-nos infinitamente 
enriquecidos e estimulados por essas mudanças 
constantes sob cujo ponto de vista os historiadores de 
arte, sensíveis e engenhosos, investigam e reflectem 
sobre as obras dos mestres; no final, a questão da 
validade de todas estas interpretações diferentes que 
gerações sucessivas aplicam às criações artísticas do 
passado, impõe-se e exige mais investilgação. É algo 
inquietante observar que a posição dos artistas 
considerados importantes esteja a alterar-se 
constantemente, que, por exemplo, Rafael ou Rubens 
sejam constantemente avaliados de novo, que artistas 
como El Greco, Breughel e Tintoretto tivessem que ser 
salvos do esquecimento total ou da incúria, que formas 
de arte que ontem eram consideradas publicamente 
como as mais terríveis aberrações, sejam hoje 
aplaudidas como as mais interessantes e estimulantes 
de todas, que um Burkhardt escrevesse com desprezo 
sobre oBarroco e que um Wölfflin o fizesse sobre 
Maneirismo. Tais interpretações são correctas ou 
incorrectas? Será uma mais correcta do que a outra? 
9 
 
Será uma interpretação mais recente sempre mais [p. 
40] correcta do que uma anterior? Ou a sequência 
temporal de critérios nada tem que ver neste caso com 
o progresso, com nenhuma descoberta crescente da 
verdade? Será inevitável e irrepreensível o relativismo 
na história da arte? Ou, temos nós, em último recurso, 
que tratar com afirmações que se não podem distinguir 
como verdadeiras ou falsas mas, de acordo com alguns 
critérios bastante diferentes, tais como o grau de 
importância das relações indicadas, ou a extensão do 
aprofundamento e enriquecimento da nossa 
experiência estética que pode resultar? Decerto parece 
evidente que o curso não simplesmente da arte mas 
também da história de arte ‒ isto é, não apenas da 
aplicação mas também da interpretação da arte ‒ está 
sujeito a leis de algo como o «desenvolvimento 
cultural» de Alfred Weber que não é um movimento 
estritamente progressivo, ao contrário do processo 
contínuo de realizações cumulativas que ele denomina 
de «civilização». Os julgamentos da história de arte não 
podem ser nem completamente objectivos nem 
absolutamente obrigatórios; porque interpretações e, 
avaliações não são tanto conhecimento mas são 
aspirações ideológicas, desejos e ideais que se gostaria 
de ver realizados. 
Obras ou escolas de arte do passado são interpretadas, 
descobertas, apreciadas, desprezadas, de acordo com 
o ponto de vista e os padrões correntes da época. Cada 
geração julga os esforços artísticos de épocas 
anteriores mais ou menos à luz das suas próprias 
finalidades artísticas; considera-as com interesse 
renovado e uma visão nova só quando elas estão de 
acordo com os seus próprios objectivos. Deste modo, 
nos meados do século XIX, uma geração de liberais da 
classe média, chefiada por Michelet e Burrckhardt 
descobriu ou revalorizou a arte renascentista; a 
geração dos impressionistas, arrastada por Wölfflin e 
Riegl, fez o mesmo em relaçao ao Barroco; a nossa 
própria geração, com o seu expressiomsmo e 
surrealismo, a cinematografia e a psicanálise, está a 
empreender a mesma tarefa para a arte intelectualista 
cheia de problemas e interiormente despedaçada do 
Maneirismo. 
As avaliações e revalorizações da história de arte é 
evidente são regidas pela ideologia, não pela lógica. 
Referem-se às mesmas condições existentes, baseiam-
se nos mesmos princípios sociais, como o fazem as 
tendências artísticas contemporâneas e, como estas, 
exprimem e revelam uma visão exacta do mundo. A 
sociologia da história da arte tem ainda que ser escrita; 
podia dar uma contribuição valiosa para a história 
social da arte. Teria que tratar de problemas tais como 
os da alteração de significado da Antiguidade Clássica 
através dos séculos: a sua interpretação naturalístico-
progressista pelos patrícios cultos da Renascença 
Italiana, a sua [p. 41] interpretação cortesã da França 
do século XVII e a sua interpretação rigorosamente 
académica pela intelligentsia burguesa do período 
revolucionário. 
Sem dúvida, a história de arte, tanto interpretando 
como avaliando, tem uma quantidade de outras tarefas 
não essencialmente diferentes das da investigação 
histórica concreta em geral. Neste campo, a verdade 
objectiva das suas descobertas é um problema que não 
pode ser ignorado. Tais tarefas são as que dizem 
respeito à data e atribuição das obras, ao seu 
agrupamento de uma forma que reflicta correctamente 
o desenvolvimento das escolas ou da personalidades 
individuais, a determinação do que pode ser inferido 
delas como «testemunho», em relação a grupos sociais 
e indivíduos a descoberta da identidade do patrono e 
do alcance da sua influênciana configuração da obra, o 
exame das flutuações no mercado de arte e nos 
métodos de organização da produção artística. Tudo 
isto são problemas cuja proposta e solução são apenas 
ligeiramente afectadas por qualquer ideologia 
particular, embora mesmo aqui esses aspectos e 
modos de explicação tendam, naturalmente, a ser 
preferidos por serem apropriados às condições de vida 
da época. Por exemplo, a avaliação das condições do 
mercado em vigor e da relação entre o artista e o 
patrono nunca deixa de ser afectada completamente 
pela posição social e pelas perspectivas económicas 
dos que continuam a profissão da história de arte. 
Todavia, nestas circunstâncias, necessitamos 
certamente de não perder a esperança de 
descobrirmos «como é que realmente aconteceu». 
Mas o problema central da história de arte é a 
interpretação e a avaliação dos estilos e aqui cabe 
perguntar se se deve mesmo aspirar à objectividade e 
à imutabilidade do julgamento. Pode alguém, deve 
alguém experimentar e apreciar as obras de arte numa 
espécie de vácuo sem quaisquer pressuposições? Não 
específicas , concretas e ideologicamente 
condicionadas? Não é uma obra de arte uma utopia, a 
satisfação de uma necessidade que encontra expressão 
10 
 
numa ideologia? Não é, na frase de Stendhal, «uma 
promessa de felicidade»? O que é que a arte pode 
significar para alguém que não a julgue a partir de uma 
posição na vida real, que não esteja envolvido na vida 
tão profunda, tão apaixonada, tão perigosamente 
como o próprio artista! A arte ajuda apenas os que 
procuram o seu auxílio, vindo até ela com os seus 
escrúpulos de consciência, as suas dúvidas e os seus 
preconceitos. Muda para o mundo, só fala àqueles que 
a interrogam. 
[p. 42] A análise das pressuposições sociológicas da 
história de arte permite-nos alcançar uma visão mais 
verdadeira do problema da ideologia, o seu lugar na 
nossa vida espiritual, a sua importância para a 
vitalidade, e para opoder estimulante do nosso 
conhecimento. Confirma a suspeita de que o desejo de 
ser livre de toda e qualquer ideologia é precisamente 
uma variante da velha ideia da salvação filosófica que 
prometia ao espírito humano acesso a um mundo de 
segurança meta-histórico e sobrenatural, de valores 
absolutos, eternos. Numa palavra, ajuda-nos a 
compreender que a ideologia não é um erro, engano, 
falsificação, mas expressão de alguma exigência, de 
alguma necessidade que quer ou luta, que se envolveu 
numa capa de proposições aparentemente objectivas e 
impassíveis. 
O homem é uma criatura cheia de contradições: não 
existindo apenas, mas consciente da sua existência; 
não só consciente da sua existência mas também com 
vontade de a alterar. A História é uma controvérsia 
dialéctica entre a ideologia e o ideal da Verdade, entre 
a vontade e o conhecimento, o desejo de alterar as 
coisas e a consciência da inércia das mesmas. 
Movemo-nos para trás e para diante, eternamente, 
dentro do espaço estabelecido pelas condições 
materiais da nossa vida e pelas nossas intenções. Todo 
o boato sobre um fim do movimento, isto é, sobre um 
fim da História, quer em linhas hegelianas, quer 
marxistas, é pura especulação. Para o pensamento 
racional, os limites da História coincidem com as 
limitações humanas.

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