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MANUAL PARA LEVANTAMENTO UTILITÁRIO DO MEIO FÍSICO E CLASSIFICAÇÃO DE TERRAS NO SISTEMA DE CAPACIDADE DE USO. (2ª impressão, rev.) MANUAL PARA LEVANTAMENTO UTILITÁRIO DO MEIO FÍSICO E CLASSIFICAÇÃO DE TERRAS NO SISTEMA DE CAPACIDADE DE USO SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIÊNCIA DO SOLO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA - SECRETARIA NACIONAL DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA – SECRETARIA DE RECURSOS NATURAIS – COORDENADORIA DE CONSERVAÇAO DO SOLO E DA ÁGUA MANUAL PARA LEVANTAMENTO UTILITÁRIO DO MEIO FÍSICO E CLASSIFICAÇÃO DE TERRAS NO SISTEMA DE CAPACIDADE DE USO (1) Coordenado por: I. F. LEPSCH (2) Redigido por: R. BELLINAZZI JR.(3) D. BERTOLINI (3) C.R.SPÍNDOLLA (4) I. F. LEPSCH (2) Campinas (SP) 1991 (2ª impressão, revisada) (5) (1) 4ª Aproximação do Manual Brasileiro para Levantamento da Capacidade de Uso da Terra. (2) Instituto Agronômico do Estado de São Paulo. (3) Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo. (4) Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP, Campinas, SP. (5) Esta 2ª impressão foi feita com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao Paulo (FAPESP). Lepsch, Igo Fernando, 1937, coord. Manual para Ievantamento utilitário do meio físico e classificação de terras no sistema de capacidade de uso. Por I. F. Lepsch, R. Bellinazzi Jr., D. Bertolini e C. R. Espínola. 4ª aproximação, 2ª imp. rev., Campinas, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1991. 175p. grafs., fotos, tabs., 24cm. Bibliografia. 1. Solos-Classificação Técnica. 2. Solos-cartografia. 3. Solos- conservação I – Sociedade Brasileira de Ciência do Solo II – Título. CDD: 631.44 526.8 631.45 IMPRESSO COM AUXÍLIO DA FAPESP FICHA CATALOGRÁFICA Os conceitos emitidos neste Manual são de inteira responsabilidade dos autores. 1 4 17 17 18 19 2 0 20 2 3 23 2 4 2 6 1 4 17 17 18 19 2 0 20 2 3 23 2 4 2 6 SUMÁRIO Colaboradores................................................................................................................ ..................................................7 Introdução............................................................................................................................. .............................................9 PARTE I - CAPACIDADE DE USO DA TERRA 1. Considerações gerais.............................................................................................................................................13 2. Interpretação de levantamento de solos.......................................................................................................14 3. Classificações das terras no sistema de capacidade de uso..................................................................17 3.1. Classificações taxonômicas e técnicas...................................................................................................17 3.2. Conceituação do sistema................................................................................................ .............................18 3.3. Categorias do sistema...................................................................................................... .............................19 3.3.1.Grupos de capacidade de uso..........................................................................................................19 3.3.2.Classes de capacidade de uso..........................................................................................................19 3.3.3.Subclasses de capacidade de uso..................................................................................................22 3.3.4.Unidade de capacidade de uso.......................................................................................................22 3.4. Grupos de manejo........................................................................................................ ..................................23 3.5. Critérios para determinação da capacidade de uso........................................................................24 3.5.1. Condições ambientes ideais para a maioria das culturas..................................................25 3.5.2. Considerações sobre a natureza das limitações....................................................................26 3.5.2.1. Limitações climáticas..........................................................................................................27 3.5.2.2. Limitações devidas ao solo...............................................................................................28 3.5.2.3 Limitações por excesso de água......................................................................................31 3.5.2.4 Limitações por erosão presente ou risco de erosão............................................31 3.5.3. Pressuposições para a classificação.............................................................................33 3.5.4. Enquadramento das classes...........................................................................................36 3.5.5. Caracterização das classes e subclasses de capacidade de uso......................38 PARTE II – LEVANTAMENTO DO MEIO FÍSICO Considerações gerais..................................................................................................................................46 Levantamento utilitário das terras......................................................................................................48 Aspectos e características da terra a serem considerados........................................................51 6.1. Convenções para o uso das fórmulas....................................................................................51 6.1.1. Fórmula mínima..................................................................................................................526.1.2. Fórmula obrigatória...........................................................................................................53 6.1.3. Fórmula máxima hipotética...........................................................................................57 6.1.4. Fórmula para complementação de levantamento pedológico detalhado.........................................................................................................................................................60 6.2. Caracterização e notação dos elementos necessários ao levantamento utilitário do meio físico.................................................................................................................................................61 6.2.1. Características do perfil do solo (não necessariamente fatores limitantes).......................................................................................................................................................61 pr - Profundidade efetiva do solo.........................................................................................62 t - Textura do perfil do solo.........................................................................................64 pm - Permeabilidade do perfil do solo.............................................................................70 6.2.2. Fatores limitantes específicos......................................................................................................71 pd – Pedregosidade.........................................................................................................................72 I - Inundação..........................................................................................................................75 ab - Caráter abrupto........................................................................................................................76 ve - Caráter vértico.…………………………………………...……………………………………….....76 hi – Hidromorfismo.………………………………………………..……………………………..77 se - Seca prolongada...........................................................................................................78 gd - Geada e/ou vento frio.............................................................................................................79 di - Baixa saturação por bases ou caráter distrófico...................................................79 al – Alta saturação por alumínio ou caráter álico..................................................79 ct - Capacidade muito baixa de retenção de cátions............................................80 ti – Caráter tiomórfico.....................................................................................................................80 so – Saturação elevada com sódio ou sodificação..................................................................81 sl – Salinidade................................................................................................................... ....................82 ca – Presença de carbonatos....................................................................................................... ....83 6.2.3. Características e propriedade do solo de notação facultativa.........................84 6.2.3.1. Classificação pedológica...................................................................................84 6.2.3.2. Cor do solo..............................................................................................................84 6.2.3.3. Produtividade aparente.....................................................................................85 6.2.3.4. Outras características.........................................................................................87 6.2.4. Declividade do terreno.....................................................................................................87 6.2.5. Erosão......................................................................................................................................90 6.2.5.1. Erosão hídrica........................................................................................................91 6.2.5.2. Erosão eólica...........................................................................................................93 6.2.6. Uso atual, nível tecnológico e estádio de desbravamento………………………94 6.2.6.1. Primeito nível…..…………………………………………….………...……………...94 6.2.6.2. Segundo nível...……………………………….……................................................96 6.2.6.3. Terceiro nível....................................................................................................100 6.2.6.4. Quarto nível ou nível tecnológico..............................................................107 6.2.6.5. Quinto nível ou estádio de desbravamento...........................................108 6.2.7. Características gerais da propriedade.........................................................109 6.3. Recomendações práticas para execução de levantamento utilitário do meio físico................................................................................................................................................................115 6.3.1. Material necessário........................................................................................................115 6.3.1.1. Material de campo............................................................................................115 6.3.1.2. Material de escritório......................................................................................118 6.3.2. Mapa base...........................................................................................................................119 6.3.2.1. Fotografia aérea................................................................................................122 6.3.2.2. Mapa planialtimétrico.....................................................................................122 6.3.2.3. Mapa de restituição.........................................................................................125 6.3.2.4. Mapa planimétrico...........................................................................................125 6.3.3. Mapa de levantamento do meio físico...................................................................126 6.3.4. Mapa de uso atual..........................................................................................................127 6.3.5. Mapa de capacidade de uso.......................................................................................127 6.3.6. Roteiro de trabalho.......................................................................................................129 6.3.6.1. Trabalho de campo........................................................................................1296.3.6.2. Trabalho de escritório..................................................................................133 6.3.7. Detalhes de cartografia................................................................................................134 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................................141 APÊNDICES..................................................................................................................................................144 1. Tabela de conversão da medida do declive em graus para percentagem.................145 2. Sugestão de roteiro e exemplo de memorial técnico descritivo do levantamento do meio físico e classificação de terras no sistema de capacidade de uso............................146 3. Práticas gerais de manejo em função das classes e subclasses de capacidade de uso..................................................................................................................................................................161 4. Cálculo do balanço hídrico e exemplos de regiões brasileiras que possuem climas contrastantes em relação ao regime pluviométrico.................................................................165 INDICE ALFABÉTICO..............................................................................................................................174 - 7 - COLABORADORES Este manual foi elaborado tomando como base as aproximações anteriores do “Manual Brasileiro para Levantamento da Capacidade de Uso da Terra” (1971) e “Manual Brasileiro para Levantamentos Conservacionistas” (1958), coordenadas e redigidas por J. Q. A. Marques. Para iniciar o trabalho, todos os associados da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, em 1977, foram consultados sobre o interesse em participar da revisão e elaboração de um novo manual. Aos que responderam afirmativamente, foram enviadass circulares sucessivas com as quais se foram acumulando muitas críticas e sugestões usadas para o preparo desta nova edição. Além de R. Bellinazzi Jr., D. Bertolini, C. R. Espindola e I. F. Lepsch, autores do texto, responderam a todas circulares apresentando muitas sugestões do texto final os seguintes técnicos: N. Curi; F. L. F. Eltz; G. V. França; J. C. Freire; A. do R. M. Justus; A. F. S. e M. Mar- ques;J. B. de Oliveira;V. de P. Pereira; A. Ramalho Fº.; R. A. Sant'Ana e P. E. Trani. Colaboraram, também na fase inicial de revisão, respondendo às primeiras circulares: A. F. F. Assis; J. Bennema; M. P. Barbosa Fº.; M. N. Camargo; A. A. Cordeiro; 1. Bertoni; E. Klamt, S. de O. Lima; E. Margolis; L. B. de Oliveira; F. Palmieri; L. P. Ribeiro e P. Schneider. A fase final de preparo do original para publicação contou com a colaboração de A. C. Moniz, coordenador das publicações da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, e revisão de vernáculo por L. A. Testa. Nesta segunda impressãoo, que contou com auxílio da Fundação de Amparo d Pesquisa do Estado de São Paulo, efetuaram-se pequenas correções e alterações, em relação à edição publicada em 1983, as quais foram anotadas por I. F. Lepsch baseadas em críticas e sugestões recebidas de sócios da SBCS. - 8 - - 9 - INTRODUÇÃO O inicio dos trabalhos de organização de uma nova aproximação do Manual data de 1977, quando a Secretaria Executiva da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo enviou questionário aos membros dessa associação, visando à obtenção de elementos que eventualmente justificassem tal medida. A tarefa de preparar questões, reunir, analisar e sintetizar as respostas dos questionários recebidos foi executada pelo coordenador da revisão que pode, assim, organizar novos questionários e remetê-los aqueles que colaboraram no envio de sugestões. Tal sistemática se mostrou muito eficiente, de tal sorte que, por ocasiao do XVII Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, em Manaus (julho de 1979), foi possível comentar mais amplamente as questões pertinentes à publicação, através do Grupo de Trabalho para Revisão do Manual. Por diversas ocasiões foi discutida a validade ou não da aplicação do sistema de capacidade de uso no Brasil, que e inspirado em critérios desenvolvidos inicialmente nos Estados Unidos da America do Norte (Klingebiel & Montgomery, 1961). Por outro lado, técnicos argumentaram que os engenheiros-agrônomos conservacionistas tern necessidade de urn sistema de classificação especificamente relacionado ao planeja- mento das praticas de conservação do solo. Ponderados todos os argumentos, concluiu-se que há real necessidade de um sistema de classificação de terras voltado para problemas de conservação do solo, em virtude das necessidades imediatas de aplicação dessa classificação técnica ou interpretativa. Julgou-se como mais oportuna a classificação da capacidade de uso, que leva em conta, em suas categorias mais elevadas, praticas de controle à erosão. Não se pode deixar de reconhecer que, em vez de adaptar uma classificação elaborada no exterior o ideal fosse a construção de urn sistema novo também voltado principalmente à conservação do solo, mas inteiramente brasileiro, idéia essa que merece ser amadurecida, para, quem sabe, poder constituir material para nova publicação. Assim foi mantida a classificação preconizada nas primeiras aproximações do Manual, ou seja, uma adaptação do sistema original usado nos E.U.A., uma vez que já e de largo conhecimento e divulgação no Brasil e em outros países tropicais (1). Em nosso meio, esse tradicional sistema foi pioneiramente divulgado com a edição da tradução do folheto do conservacionista Norton (1945), que teve como titulo Classificação de terras como auxilio às operações de conservação do solo. Pouco depois, a mesmo foi divulgado no Manual de Conservação do Solo (EUA, 1951a), também tradução de original composto nos EUA Mais tarde, Marques et ali (1955) lançaram uma primeira adaptação as condições de São Paulo, (1) Adaptações do sistema original, descrito por Klingebiel & Montgomery (1961) são usadas na Venezuela (Comerma & Arias. 1971), Nicarágua (Nicaragua. 1971), México (Quiflones et alii. 1973), Índla (Raychaudhuri, 1958), Rodesia (Federação da Rodesia e Nyasalandia., 1962), Malásla (MaIásia. 1967), FiIlplnas (Barrera, 1961) e Chile (Peralta, 1963). - 10 - preconizando também normas para inventário simplificado do meio físico, que denominaram Levantamento Conservacionista. Em julho de 1957, foi elaborada a I Aproximação do Manual, apresentada ao VI Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, em Salvador (BA). Como passo inicial para a realização da I Aproximação, o Escritório Técnico de Agricultura (E.T.A.) realizou uma serie de reuniões no Rio de Janeiro, envolvendo entidades e técnicos ligados a Ciência do Solo. Os trabalhos de coordenação e redação final ficaram a cargo de Marques (1958). Uma Comissão Especial foi designada pelo VI Congresso Brasileiro de Ciência do Solo sob a coordenação do mesmo técnico, para discutir a I Aproximação, propondo alterações julgadas necessárias a. organização da II Aproximação. Esta surgiu em julho de 1958, sob a forma do Manual Brasileiro para Levantamentos Conservacionistas, editado pelo Escritório Técnico de Agricultura Brasil - Estados Unidos (Marques, 1958). As edições da II Aproximação esgotaram-se rapidamente, e o interesse crescente sempre manifestado ao ETA fez com que este retomasse o assunto, com vistas auma III Aproximação, revista e ampliada. Para tanto, contou também com a colaboração da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo e da Sociedade Brasileira de Conservação do Solo. Em 1969, quatro reuniões regionais foram realizadas em Campinas, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro, com a presença de técnicos brasileiros ligados a conservação dos recursos naturais. Surgiu, em julho de 1971, o Manual Brasileiro para Levantamento da Capacidade de Uso da Terra, também editado pelo Escritório Técnico de Agricultura Brasil - Estado Unidos e ainda coordenado e redigido por Marques (1971). Além da inestimável colaboração emprestada por especialistas diversos, ligados a entidades relacionadas à Ciência do Solo, quando da elaboração dessa nova aproximação, muito se valeu da experiência legada pelas aproximações anteriores, tão cuidadosa e eficientemente coordenadas pelo Engenheiro-Agrônomo João Quintiliano de Avellar Marques. A utilização desta IV Aproximação é recomendacla primordialmente para fins de planejamento de praticas de conservação do solo, ao nível, de propriedades ou empresas agrícolas, ou para pequenas bacias hidrográficas. Por isso, seu uso para outras finalidades, como é o caso dos estudos regionais (zoneamento agrícola, escolhas de áreas prioritárias para pesquisas mais detalhadas, determinação do valor das terras, etc.) deve ser feito com cuidados especiais de adaptações e acompanhado de estudos que levem em conta as condições socioeconômicas e aptidão agroclimática das culturas. Para isso, recomenda-se, sempre que possível, considerar a opção do uso de outros sistemas, mais convenientemente adptados, como por exemplo, a Aptidão Agrícola (Ramalho Filho et alii, 1978) ou adaptações regionais do esquema proposto pela FAO (1976). Na elaboração desta nova aproximação do Manual, levou-se em conta sua utilização não apenas por especialistas da Ciência do Solo, mas principalmente, pelo engenheiro-agrônomo extensionista, notadamente aquele afeito a trabalhos em conservação do solo. - 11 - E conveniente salientar que os critérios adotados para o enquadramento das terras em classes de capacidade de uso foram genéricos em face da diversidade de condições do território brasileiro. Pode haver, portanto, necessidade de se proceder às devidas adaptações a nível regional, tarefa essa que poderá ser desenvolvida posteriormente pelos organismos de âmbito regional, desde que seja observado o esquema básico das classes e subclasses e as pressuposições gerais do sistema (item 3.5.3., p.34). Outra menção necessária, no momento, e relativa a abrangência da matéria, que em alguns aspectos, e mais restrita do que aquela apresentada na III Aproximação, a qual extravasou bastante o contexto da classificação de capacidade de uso da terra. Desta forma, o texto desta IV Aproximação, em face do seu objetivo, descarta a consideração ou levantamento, das condições socioeconômicas. Estas devem aparecer posteriormente, numa etapa distinta, relativa ao planejamento do uso da terra, dentro do qual se insere o planejamento conservacionista. Conceitos e definições foram inseridos ao longo do texto, quando julgados necessários a perfeita compreensão do assunto tratado, visando à familiarização de uma terminologia considerada básica a todos os usuários do Manual, na tentativa de estabelecimento de uma linguagem comum. Uma abordagem de ordem mais generalizada e apresentada inicia mente, ao se caracterizar capacidade de usa das terras - tipos interpretação de levantamento de solos, sistema de classificação e critérios gerais para classificação. Num passo seguinte, são abordados particularidades a respeito da caracterização dos aspectos a serem levados em conta na determinação da capacidade de uso, além dos aspectos relativos ao levantamento do meio físico, elaboração de mapas e memorial técnico descritivo correspondentes à classificação efetuada. - 12 - - 13 - PARTE I CAPACIDADE DE USO DA TERRA 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS O uso adequado da terra é a primeiro passo em direção a agricultura correta. Para isso, deve-se empregar cada parcela de terra de acordo com a sua capacidade de sustentação e produtividade econômica de forma que os recursos naturais sejam colocados a disposição do homem para seu melhor usa e beneficio procurando ao mesmo tempo preservar estes recursos para gerações futuras. Está se considerando aqui terra como um segmento da superfície do globo terrestre definido no espaço e reconhecido em função de características e propriedades compreendidas pelos atributos da biosfera, que sejam razoavelmente estáveis ou ciclicamente previsíveis, incluindo aquelas de atmosfera, soIo, substrato geológico, hidrologia e resultado das atividades futuras e atuais humanas ate a ponto que estes atributos exerçam influência significativa no uso presente ou futuro da terra pelo homem (FAO, 1976). Parcelas dessa superfície são conhecidas como glebas. O conceito de solo é mais restrito, podendo ser considerado como o conjunto de corpos tridimensionais que ocupam a porção superior da crosta terrestre, capazes de suportar plantas, apresentando atributos internos próprios e características externas (declividade, pedregosidade, rochosidade) tais que e possível descrevê-Ios e classificá-Ios. Observa-se, pois, que, terra inclui, entre suas características, não apenas o solo, mas também outros atributos físicos, como relevo, vegetação, tipos e grau de erosão, disponibilidade de água e impedimentos à moto mecanização. Sua utilização agrícola além desses atributos, depende também de condições de infra-estrutura (meios de transporte, instalações, máquinas, equipamentos) e, ainda, condições socioeconômicas (salubridade da região, disponibilidade de mão-de-obra, mercado, preços de insumos e de produtos agropecuários. Segundo Stallings (1967), a uso mais conveniente que se pode dar a um solo depende da localização e tamanho da propriedade agrícola, da quantidade de terra para outros fins, da disponibilidade e localização de água, da habilidade do proprietário e de seus recursos e vontades. A adaptação das terras as várias modalidades de utilização agrosilvipastoril diz respeito à sua capacidade de uso, idéia esta diretamente ligada às possibilidades e limitações que elas apresentam. Assim, capacidade de uso da terra e a sua adaptabilidade para fins diversos, sem que sofra depauperamento pelos fatores de desgaste e empobrecimento. A expressão encerra efeitos de condições do meio físico (incluindo a clima) na aptidão da terra para ser utilizado sem sofrer danos consideráveis por desgaste e empobrecimento, através de cultivos anuais, perenes, pastagem, reflorestamento ou vida silvestre. As principais exigências para se estabelecer o "melhor uso" da terra decorrem de urn conjunto de interpretações do próprio solo e do meio onde ele se desenvolve. Tais - 14 - interpretações pressupõem a disponibilidade de certo número de informações preexistentes, que tern que ser fornecidas por inventários ou levantamentos apropriados da área de trabalho. 2. INTERPRETAÇÃO DE LEVANTAMENTOS DE SOLOS No prefácio da publicação de Beek (1978), a respeito de avaliação de terras para desenvolvimento agrícola, Dudal relata os grandes progressos atingidos, nas últimas três décadas, na identificação e caracterização dos principais solos do mundo, salientando, porém, que o emprego desses dados para o desenvolvimento de projetos e ainda muito deficiente as razõespara esta situação residiriam no fato de que esses dados são frequentemente apresentados de uma forma a não poderem ser prontamente acessíveis ao usuário ou, ainda, que os planejadores do uso da terra acham mais conveniente utilizar parâmetros econômicos, sem levar em conta as variáveis físicas, portanto, interpretações dos estudos do meio físico, visando finalidades práticas, imediatas ou futuras, são altamente desejáveis e necessárias. As maiores partes dos sistemas técnicos de classificação de terras necessitam de ser constantemente revisados, para mantê-Ios atualizados à medida que mais e melhores dados, acerca da caracterização e interpretação de propriedades de terra, se tornem disponíveis (Olson, 1974). Quando os dados básicos são guardados em forma de mapas e relatórios, tais como os levantamentos de solos e observações climáticas, podem ser usados novamente quando novos sistemas de classificações técnicas são estabelecidos ou sistemas antigos são revistos. Steele (1967) observa que a interpretação do levantamento de solos consiste na previsão do comportamento dos mesmos, a qual e estabelecida a partir da reunião, reorganização e apresentação de informações disponíveis sobre solos previamente mapeados e classificados, para aplicações práticas. Estas aplicações são, em geral, do tipo solução de problemas, e referem-se principalmente a questões de uso, manejo e conservação dos solos. Diversas modalidades de interpretações podem ser realizadas em função dos objetivos estabelecidos (entre outros, drenagem, irrigação, conservação). Cada esquema de interpretação necessita ser designado para um propósito especifico, com a maior simplicidade de expressão sem afetar a exatidão necessária (Cleveland, 1966). Uma clara definição dos propósitos visados é um dos princípios básicos para se proceder as interpretações, uma vez que o levantamento de solos permite múltiplas interpretações em forma de mapas interpretativos dele derivadas (mapa de produtividade, de adaptabilidade para determinadas culturas etc.). A reunião das informações referentes aos solos, para generalizar e apresentar as interpretações, é cornumente designada como agrupamento interpretativo. Seu uso devera ser estritamente limitado a seu objetivo; a utilização de agrupamentos interpretativos para cujos fins não tenham sido designados pode resultar em erros. Assim, um agrupamento de solos elaborado com objetivos conservacionistas não é aconselhável para servir de base para tributação, desapropriação de terras (Cleveland, 1966). Projetos de irrigação, por exemplo, requerem a apli- - 15 - cação de agrupamentos interpretativos específicos, como os desenvolvidos nos EUA pelo "Bureau of Reclamation" (1953), do Departamento de Interior dos Estados Unidos, e no Brasil por Lemos et alii (1970). O sistema de classificação de terras em capacidade de uso foi elaborado primordialmente para atender a planejamentos de praticas de conservação do solo. Contudo, leva em conta outros fatores, alem daqueles de exclusivo interesse as praticas de controle a erosão tais como os impedimentos a moto mecanização, produtividade dos solos, risco de inundação. Por isso, essa classificação tern sido adotada para outras finalidades, que não a planejamento das praticas de conservação do solo (1). Admite-se, todavia, que, mesmo nesses casos, outro sistema possa servir melhor aos propósitos visados, visto que as classificações técnicas logicamente, atendem melhor a suas finalidades quando os objetivos para os quais foram elaboradas são os mais específicos possíveis. Duas são as limitações principais ao emprego da classificação da capacidade de uso da terra, tal como proposta neste manual, para os estudos de âmbito regional. A primeira é que as separações das classes do sistema (mesmo quando reunidas em associações) requerem detalhe: (classes de declive, par exemplo) não encontrados nos mapas de reconhecimento de solos de escalas menores que 1:100.000 devido às inclusões às limitações decorrentes do nível de generalização deste levantamento. (Em outras palavras, o alcance da informação a que se pode acesso é limitado pelo grau de detalhamento do Ievantamento de solos). A segunda limitação refere-se às disparidades regionais de emprego de tecnologia agrícola e capital, tão comuns no Brasil, e que fazem com que a aptidão agrícola e capital deva ser julgada em face de diferentes níveis de manejo, o que normalmente não é possível na classificação da capacidade de uso, porque pressupõe basicamente manejo moderadamente alto. Ranzani & França (1967) comentam que as interpretações de informações edafológicas destinadas sejam a Irrigação, drenagem, conservação, seja o manejo agrícola de terras, devem considerar toda a extensão do perfil do solo, e não apenas uma de suas partes. Julgamento de limitações e possibilidades de uso deve-se basear na interpretação de atributos favoráveis ou desfavoráveis em toda a extensão do corpo do solo. A precisão de uma classificação não pode ser maior do que os dados nos quais é baseada (Olson, 1974). Interpretações precisas resultam somente de uma síntese de dados básicos sobre os solos em si, obtidos da pesquisa no campo e no Iaboratório, e da experiência dos usuários dos solos, especial mente agrônomos, lavradores e criadores de gado. Quanto mais precisos os dados, melhores serão as previsões; quanto mais detalhados (1) No Equador, a capacidade de uso é adotada oficialmente para cadastramento e tributação. No Brasil, conhecem-se levantamentos usando esses sistemas para cadastramento feito pelo INCRA nos municípios sob influência das áreas metropolitanas das Capitais do Nordeste. A Companhia Energética de São Paulo tern solicitado mapeamento segundo as Classes de Capacidade de Uso para complementar o levantamento topográfico-cadastral, na escala 1:5.000, com vistas à caracterização do melo físico para fim de desapropriação nas áreas ocupadas pelas bacias de inundação das usinas hidrelétricas. Outras empresas do setor energético complementam seus levantarnenlos com mapeamento de capacidade de uso, (Sant’ana, R., comunicação pessoal). - 16 - e abundantes os dados para as interpretações sob todas as alternativas razoáveis de uso, mais promissores serão os resultados nos anos futuros (Cleveland, 1966). Entretanto, conforme mencionam Ranzani & França (1968), as informações raramente são suficientes,e no agrupamento interpretativo de solos e frequente recorrer-se a aproximações, às vezes grosseiras, da realidade. Sempre, porém, que possível, devem ser requeridas interpretações quantitativas, ao invés das quantitativas, do tipo “boas”, “poucos”, "pobres”. Overdal & Edwards (1941) demonstram a preocupação na fixação do nível de generalização mais conveniente, Ievando em conta o nível do levantamento existente e o nível desejado para a finalidade, em vista. Este aspecto é considerado pelo mesmo como princípio básico, para interpretação de levantamentos de solos, A propósito dessa consideração, França (1980) comenta que não se pode, por exemplo, a partir de um levantamento exploratório (como as do Projeto RADAM) ou de reconhecimento (como os do SNLCS/EMBRAPA), descer aos detalhes necessários para a elaboração de projetos agrícolas ao nível de empresas agrícolas. Tal informação pedológica, quando disponível, possui um grau de generalização muito grande, apenas compatível com planejamentos regionais, trabalho de zoneamento agrícola ou escolha de áreas prioritárias para a realização de estudos mais detalhados. Para empresas agrícolas, pois a situação ideal é dispor de um levantamento pedológico detalhado como ponto de partida para as interpretações. Raras são, contudo as áreas doBrasil que as possuem, e sua execução demandam uma soma muito grande de recursos e pedólogo especializados, nem sempre disponíveis para todas as necessidades. Por isso, deve-se efetuar um levantamento do meio físico mais simplificado denominado levantamento utilitário (Collins, 1977), voltado principalmente ao estabelecimento da capacidade de uso das terras, e que possa ser executado dentro das possibilidades e recursos de engenheiros-agrônomos (ou agrícolas) conservacionistas, depois de treinamento especial. Nesse tipo de levantamento, o principal objetivo será inventariar as características diagnosticas da terra necessária a determinação de sua capacidade de uso. Apesar de ser considerado simplificado, em relação ao levantamento pedológico não deve ser tornado como impreciso ou pouco detalhado, pois nele devem ser inventariados os principais aspectos da terra relativos ao planejamento do seu uso agrícola e, em especial as técnicas de conservação do solo (ver parte II desse Manual). - 17 - 3. CLASSIFICAÇÃO DAS TERRAS NO SISTEMA DE CAPACIDADE DE USO 3.1. Classificações taxonômicas e técnicas A classificação de qualquer objeto tem por finalidade ordenar os conhecimentos a seu respeito de maneira simples e precisa Objetos iguais ou semelhantes em termos de determinadas características e propriedades previamente definidas são agrupados em mesmas classes. No âmbito da ciência do solo, as inúmeras classificações existentes podem ser reunidas em duas categorias distintas: classificação taxonômica e classificação técnica- interpretativa, Na primeira, os solos são agrupados a partir de uma quantidade muito grande de propriedades e características em comum, na maior parte dos casos tendo por base aquelas que refletem processos genéticos similares. Na classificação técnica-interpretativa, os indivíduos são agrupados em função de determinadas características de interesse pratico e específico. Há, assim, grupamento de terras em função de sua arabilidade com irrigação e subsequente drenagem; grupamento de acordo com a aptidão agrícola para determinadas culturas; grupamento por risco de erosão; por necessidade de calagem; em função da capacidade máxima de uso etc. Um levantamento de solos que utiliza uma classificação pedológica não é feito para atender a uma finalidade especifica, mas se convenientemente interpretado, servirá como base para diferentes classificações técnicas ou interpretativas. O objetivo principal do levantamento de solos e a conhecimento da natureza e distribuição das unidades pedológicas, procurando identificar e cartografar os solos ocorrentes em dada área, fazendo a caracterização morfológica e analítica da maneira mais completa possível, a fim de permitir o enquadramento das unidades de mapeamento em um sistema natural de classificação de solos. Já as classificações técnicas ou interpretativas, agrupam as unidades pedológicas em classes de terras, tomando por base características e proprie- dades selecionadas, mais relacionadas com o comportamento agrícola dos solos. 3.2. Conceituação do sistema O sistema de capacidade de uso é uma classificação técnico-interpretativa, originalmente desenvolvida nos Estados Unidos, representando um grupamento qualitativo de tipos de solos sem considerar a localização ou as características econômicas da terra: diversas características e propriedades são sintetizadas, visando à obtenção de classes homogêneas de terras, em termos do propósito de definir sua máxima capacidade de uso sem risco de degradação do solo, especialmente no que diz respeito à erosão acelerada. Considera-se característica da terra o atributo que pode ser medido ou estimado e, propriedade da terra o atributo relativo ao seu comportamento, resultante da interação entre o solo e o ambiente. Como exemplos de característica, citam-se a textura e a cor do - 18 - solo, e, de propriedade, a produtividade agrícola e o risco de erosão. Na classificação da capacidade de uso da terra, ha maior interesse em considerar grupos de características e de propriedades do que considerá-Ias isoladamente. Isso porque cada classe de terra é, usualmente, distinguida das demais por grande número de características e propriedades, sem que, de per si, nenhuma destas seja obrigatoriamente significante. Mesmos diferentes em características e propriedades que, a uma simples inspeção, possam parecer obscuras, podem ser realmente da maior importância, em razão das inferências que delas se possa deduzir. A significância de qualquer característica ou propriedade pode depender, assim, das demais do conjunto (2). Conforme Hudson (1971), assim como outras modalidades de classificação, este tipo de classificação técnica tem o propósito particular de indicar os dados que levem a decidir qual a combinação de uso agrícola e medidas de controle à erosão que permitam o aproveitamento mais intensivo da terra, sem risco de depauperamento do solo. Assim, o sistema se baseia nas lirnitações permanentes das terras e é todo voltado para as possibilidades e limitações à utilização das mesmas idéias esta diretamente relacionada à sua intensidade de uso. A intensidade de uso exprime a maior ou menor mobilização Imposta ao solo, expondo-o a certo risco de erosão e/ou perda da produtividade. Geralmente, culturas anuais impõem alta intensidade de uso enquanto vegetações naturais representam o mais baixo grau de intensidade de uso. Hudson (1971) comenta também que não deve existir apenas uma classificação de capacidade agrícola da terra, mas muitas, pois em cada país ou região fisiográfica há diferentes fatores que devem ser levados em conta. Os solos e os climas variam, como também os costumes socais, a posse das terras e a economia, e esses fatores podem afeta a escolha do melhor uso da terra. Como o uso da classificação da capacidade de uso se difunde, muitas modificações e variações devem ser adicionadas. Entretanto, segundo esse autor em geral os métodos seguem aquele desenvolvido nos Estados Unidos, descritos no trabalho de Klmgebwl & Montgomery (1961). A determinação da capacidade de uso da terra é uma poderosa ferramenta utilizável no seu planejamento e uso, pois encerra uma coleção lógica e sistemática de dados e apresenta os resultados de forma diretamente aplicável ao planejador. Evidentemente, por si só, ela, não fornece todos os elementos necessários ao planejamento das atividades (2) Um exemplo disso são as características textura, estrutura e permeabilidade e a propriedade risco de erosão, no caso de solos argilosos sob idênticas condições de declive: certos solos muito argilosos são pouco permeáveis e bastante suscetíveis à erosão hídrica. Outros têm uma estrutura tal que os tornam muito permeáveis e consequentemente, menos suscetíveis à erosão, portanto, a propriedade risco de erosão não o pode ser julgada unicamente a partir da característica textura do solo. - 19 - a serem desenvolvidas, Pois há ainda que considerar as esferas econômicas políticas sociais. Para esta IV Aproximação, porém, admitiu-se que os fatores sócio-econômicos extravasariam do seu conteúdo, tanto por apresentarem aspectos muito complexos e variáveis entre as diversas regiões do país como por serem muito sujeitos a modificações com o correr do tempo Assim, aspectos sócio-econômicos e de política agrícola não serão objetos de investigações neste Manual. Sua consideração terá, contudo, de se levado em conta ao se entrar, mais propriamente, na etapa referente a planejamento da propriedade agrícola. 3.3. Categorias do sistema As categorias do sistema de classificação em capacidade de uso estãoassim hierarquizadas: --- Grupos de capacidade de uso (A, B e C): estabelecidos com base no tipo de intensidade de uso das terras; --- Classes de capacidade de uso (I a VIII): baseadas no grau de limitação de uso; --- Subclasses de capacidade de uso (IIe, IIIe, IIIa etc): baseada na natureza da limitação de uso; --- Unidades de capacidade de uso (IIe-1, IIe-2, IIIe-1 etc): baseada em condições específicas que afetam o uso ou manejo da terra. 3.3.1. Grupos de capacidade de uso Tais grupos, que constituem categorias de nivel mais elevado, mais generalizado, estabelecidos com base na maior ou menor intensidade de uso das terras, designada, em ordem decrescente pelas letras A, B e C. --- Grupo A: terras passíveis de utilização com culturas anuais, perenes, pastagens e/ou reflorestamento e vida silvestre (comporta as classes I, II, III e IV). --- Grupo B: terras improprias para cultivos intensivos, mas ainda adaptadas para pastagens e/ou reflorestamento e/ou vida silvestre (Compreende as classes V, VI e VIl). --- Grupo C: terras nao adequadas para cultivos anuais, perenes, pastagens ou reflorestamento, porem apropriadas para proteção da flora e fauna silvestre, recreação ou armazenamento de agua (comporta a classe VIII). 3.3.2. Classes de capacidade de uso Consistem em grupamentos de terras apresentando o mesmo grau de limitação, ou seja, terras com limitações de uso e/ou riscos de degradação do solo em grau semelhante. As classes de capacidade de uso são em número de aita, convencionalmente designadas pelos algarismos romanos, em que a intensidade de uso é decrescente no sentido I-VIII, conforme ilustrado na figura 1. - 20 - A caracterização das classes de capacidade de uso leva em conta principalmente a maior ou menor complexidade das práticas conservacionistas, em especial as de controle da erosão. As práticas de conservação do solo, usualmente definidas como o conjunto de medidas destinadas a controlar a erosão e outras formas de depauperamento do solo, de modo a mantê-lo permanentemente produtivo, podem ser subdivididas em: a) práticas de controle à erosão; e b) práticas complementares de melhoramento. a) práticas de controle à erosão: destinadas a diminuir o processo erosivo, isto é, desagregação, transporte e deposição de partículas do solo, causado pelas forças de impacto direto das gotas de chuva, pela enxurrada e pelo vento, provocando o desgaste e rebaixamento do perfil do solo localizado nas partes mais elevadas e, eventualmente, o acúmulo de sedimentos sobre aquele localizado em condições de cotas mais baixas. Dentre as mais difundidas, estão o terraceamenta, plantia e cultivo em nível, faixas de retenção ou de rotação e canais divergentes; b) práticas complementares de melhoramentos: procuram melhorar ou recuperar as condições de produtividade das terras e racionalizar ao máximo o uso do solo. Normalmente, atuam indiretamente no controle da erosão, por causa do aumento promovido no enraizamento e na cobertura do solo, ocasionado pelo maior desenvolvimento das plantas cultivadas. Como exemplos, citam-se: calagem, adubações químicas, adubação verde, rotação de culturas, subsolagem, drenagem, divisão e manejo das pastagens. Numa caracterização sintética das classes de capacidade de uso de seus grupos A, B e C, pode-se assim considerá-Ias: Grupo A --- Classe I: terras cultiváveis, aparentemente sem problemas especiais de conservação (cor convencional: verde-claro); - 21 - --- Classe II: terras cultiváveis com problemas simples de conservação e/ou de manutenção de melhoramentos (cor convencional: amarelo); --- Classe III: terras cultiváveis com problemas complexos de conservação e/ou de manutenção de melhoramentos (cor convencional: vermelho); --- Classe IV: terras cultiváveis apenas ocasionalmente ou em extensão limitada, com sérios problemas de conservação (cor convencional: azul). Grupo B --- Classe V: terras adaptadas em geral para pastagens e, em alguns casos, para reflorestamento, sem necessidade de práticas especiais de conservação, são cultiváveis apenas em casos muito especiais (cor convencional: verde-escuro); --- Classe VI: terras adaptadas em geral para pastagens e/ou reflorestamento com problemas simples de conservação sao cultiváveis apenas em casos especiais de algumas cuI turas permanentes protetoras do solo (cor convencional: alaranjado); --- Classe VII: terras adaptadas em geral somente para pastagens ou reflorestamento, com problemas complexos de conservação (cor convencional:marrom). Grupo C --- Classe VIII: terras impróprias para cultura, pastagem ou reflorestamento, podendo servir apenas como abrigo e proteçãao da fauna e flora silvestre, como ambiente para recreação, ou para fins de armazenamento de água (cor convencional: roxo) . A figura 2 ilustra uma provável disposição das diferentes classes de capacidade de uso numa proprledade agrícola. Figura 2. Paisagem exemplificando uma compartimentação das terras segundo as oito classes de classificação de capacidade de uso. - 22 - 3.3.3. Subclasses de capacidade de uso Representam classes de capacidade de uso qualificadas em função da natureza da limitação, tornando, assim, mais explícitas, as práticas ou grupos de práticas conservacionistas a serem adotadas. A natureza da limitação é designada por letras minúsculas, de modo que a subclasse de capacidade de uso é representada pelo algarismo romano (da classe) seguido da letra designativa do fator limitante. 1 exemplo, lIIe representa classe III com problema de erosão. Como só pode apresentar limitações ligeiras, a classe I nao admite subclasse. Convencionalmente, as limitações de uso podem ser de quatro naturezas, a saber: e: limitações pela erosão presente e / ou risco de erosão; s: limitações relativas ao solo; a: limitações por excesso de água; c: limitações climáticas. Observa-se que, por intermédio das classes de capacidade de uso pode-se estabelecer as alternativas de uso e a intensidade das práticas conservacionistas (exemplo: classe III subentende culturas com práticas complexas de conservação). Entretanto, para definir a natureza das práticas, é preciso conhecer a natureza da limitação dominante, seja, a subclasse. Assim, uma subclasse lIIe pode representar uma gleba que, sob culturas, requer práticas complexas de controle da Erossão. Dentro de cada classe de capacidade de uso, solos apresentam limitações de natureza semelhante estão incluidos na mesma subclasse quando as limitações são de naturezas diferentes, eles são enquadrados em subclasses diferentes. Quando ocorrem duas espécies de limitação em grau semelhante ou que podem ser igualmente corrigidas, ambas podem ser indicadas separadas por vírgula. Exemplificando, uma gleba pode apresentar Iimitações moderadas pela sua declividade (e) e, em mesmo grau, por problemas de fertilidade dos solos (s), sendo classificada como lIle,s, indicar a adoção de urn sistema de manejo que envolva tanto a correção das deficiências de fertilidade como o controle da erosão. Nos mapas de capacidade de uso, as subclasses podem ser representadas por hachuras, sobre a cor convencional das respectivas classes capacidade de uso. 3.3.4. Unidades de capacidade de uso As unidades de capacidade de uso tornam mais explicita a natureza das limitaões, ou seja, facilitam o processo deestabelecimento das práticas de manejo. De fato, nem sempre a simples designação da subclasse torna clara a prática ou conjunto de práticas a ser adotado. É o caso, por exemplo, da subclasse Ills (classe III com limitação pelo solo), onde s - 23 - pode estar representando pouca profundidade, pedregosidade, salinidade etc. A maneira de explicitar cada um desses fatores limitantes é atraves da unidade de capacidade de uso, que é designada pela colocação de algarismos arábicos à direita do símbolo da subclasse, separados por um hífen. Dessa forma, a unidade de capacidade de uso representaria a subclasse perfeitamente qualificada, em função do fator limitante, como nos seguintes exemplos: IIIs-1: limitação por problemas de profundidade; IIls-2: limitação por pedregosidade; lIls-3: limitação por saIinidade. De maneira análoga, poderiam ser representados: lIle-1: limitação pela declividade (ou risco de erosão); IIle-2: limitação por erosao laminar; IIIe-3: limitação por erosao em sulcas. 3.4. Grupos de manejo Também denominados unidades de manejo ou unidades de uso, representam grupamentos de terra que deverá receber idêntico manejo agrícola, em decorrência de os solos apresentarem as mesmas respostas aos processos de tratamento, com adaptações análogas de plantio e colheita, além dos mesmos riscos e limitações de uso agrícola. Os grupos de manejo são mais propriamente grupamentos de classes do que uma categoria do sistema de classificação da capacidade de uso da terra. Isso porque, mesmo em uma área especifica, tais unidades podem diferir em função do tipo de utilização de terra (mormente a espécie vegetal que esta sendo ou irá ser cultivada) e também porque unidades de capacidade de uso, subclasse e mesmo classes diferentes podem vir a enquadrar-se em uma única unidade de manejo. Assim, por exemplo, para o plantio de cul- turas como cacau, cana-de-açúcar, mandioca, milho au algodão, diferentes grupos de manejo podem ser estabelecidos, em uma mesma gleba, porque as necessidades dessas espécies em nutrição e a proteção que proporcionam ao solo são muito diversas. Por outro lado, no caso de usos menos intensivos da terra, como reflorestamento, pastagens ou cultivos permanentes protetores do solo, é comum que terras situadas até em classes de capacidade de uso diferentes, possam ser enquadradas em uma idêntica unidade de manejo. - 24 - GRUPOS CLASSES SUBCLASSES UNIDADES DE USO /________/ /________/ /___________//____________________________________________/ Figura 3. Esquema dos grupos, classes, subclasses e unidades de capacidade de uso (adaptado de Peralta, 1963). Tomando como exemplo a subclasse lIIe, au, ainda mais especificamente, a unidade de capacidade de uso lIIe-1 (no exemplo, limitada pelo risco de erosão), pode-se supor que as diferentes glebas de uma propriedade assim classificadas (IIIe-1) venham a ser destinadas a usos diferentes Cada uma dessas glebas poderá, então, ser submetida a dIstintos sistemas ou grupos de manejo. Nesse caso, cada uma delas, pode ser designada pela colocação de urn algarismo arábico anteposto ao símbolo da unidade de capacidade de uso: lIe-1, 2IIIe-1, 3IIIe-1 etc. Evidentemente, o estabelecimento dos grupos de manejo constitui urn processo complexo, peculiar a cada área estudada, nao podendo ser aplicado de manelra genérica, e sim para cultivos específicos. Por isso, suas definições ultrapassam os propósitos do presente Manual: esses podem ser convenientemente utilizados para as glebas muito extensas, as quais, sabe-se de antemão, por muito tempo deverão ser submetidas a urn único tipo de cultivo (por exemplo, cana-de-açúcar ou reflorestamento com eucalipto) ou combinação específica de cultivos (por exemplo, rotação contínua trigo-soja). Dentro dessas condições, os técnicos locais poderão estabelecer unidades de uso, ou grupos de manejo, especificamente adequados aos projetos a serem implantados e em função da realidade presente. 3.5. Critérios para determinação da capacidade de uso Uma vez inventariados os fatores que maior influência tern sobre o uso da terra (ver Parte II), destacando-se a natureza do solo, a declividade, a erosão, a drenagem e o clima, os mesmos A II III IV V VI VII VIII I B C . declive acentuado . declive longo . mudança textural abrupta . erosão laminar . erosão em sulcos . erosão em voçorocas . erosão eólica . depósitos de erosão . permeabilidade baixa . horizonte A arenoso . pouca profundidade . textura arenosa em todo perfil . pedregosidade . argilas expansivas . baixa saturação por bases . toxidade de alumínio . baixa capacidade de troca . ácidos sulfatados ou sulfetos . alta saturação com sódio . excesso de sais solúveis . excesso de carbonatos . lençol freático elevado . risco de inundação . subsidência em solos orgânicos . deficiência de oxigênio no solo . seca prolongada . geada . ventos frios . granizo . neve - 25 - deverão ser devidamente interpretados e analisados em conjunto, para determinação e separação das classes, subclasses e unidades de capacidade de uso. As interpretações para fins agrícolas, do levantamento do meio físico, devem ser feitas segundo critérios que reflitam a maior ou menor adaptabilidade dos solos e do ambiente em que ocorrem, para determinado cultivo ou para urn grupo de cultivos. Na classificação da capacidade de uso, normalmente há que considerar a maioria das culturas climaticamente adaptáveis da região, porque o tipo de cultivo recomendado só podera ser determinado depois de feita a classificação. Por isso, diz-se também ser este sistema de propósito múltiplo. 3.5.1. Condições ambientais ideais para a maioria das culturas Para avaliar corretamente os fatores limitantes à utilização agrícola e estabelecer os correspondentes graus de limitação aos propósitos visados, é necessário que se definam previamente os requisitos ou condições ambientes ideais para a maioria das culturas. França (1980) sumariza tais requisitos, referindo-se, especialmente, ao solo ideal, que, hipoteticamente, se apresentaria sob as seguintes condições: a) Profundidade efetiva suficiente para a expansao do sistema radicular das plantas, atingindo normalmente mais de 150 cm; b) Fertilidade relativamente aIta, necessária para a obtenção de boas produções, ou com propriedades e características que facilitem as correções de eventuais deficiências ou desequilíbrios de nutrientes; c) Boa capacidade de armazenamento de água em forma disponível as plantas, sem problemas de faIta ou de excesso; d) Boa drenagem interna e/ou situação topográfica que facilite a remoção de excessos temporários de água, assegurando boa aeração e ausência de deficiências de oxigênio, ou, ainda, com condições possívels de drenagem artificial; e) Baixa erodibilidade e/ou condições locais (declividade, caracteristicas morfológicas e propriedades físicas) que permitam urn controle eficiente da erosão; f) Relevo favorável e ausência de impedimentos permanentes motomecanização, tendo em conta a crescente importância da mecanização das operações agrícolas; g) Ambiente com condições térmicas e hídricas adequadas para crescimento e desenvolvimento das cuIturas, sem problemas de solução impraticavel devidos à proliferação de ervas daninhas, pragas e doenças de plantas, prejudiciais àslavouras. Numa tentativa de exemplificação dessas condições ideais apresentadas por solos do Estado de Sao Paulo (Centro Nacional..., 1960), bem como dos desvios ou afastamentos do solo ideal, e que podem servir para ilustrar situações de regiões com solos similares, procedem as - 26 - seguintes generalizações adaptadas de França (1980): 1) Terra Roxa Estruturada eutrófica (com declives suaves) e Latossolo Roxo eutrófico são os solos que, de maneira geral, mais se aproximam das condições ideais, seguindo-se outros laossolos eutróficos. Os latossolos distróficos já apresentam limitações no tocante à fertilidade, a qual, entretanto, pode ser corrigida sob sistemas de manejo intensivos. 2) O Latossolo Vermelho-Escuro e o Latossolo Vermelho-Amarelo àlicos ficam mais distantes do solo ideal, por possuir fertilidade baixa com toxicidade de aluminio sob a camada arável, díficil de ser corrigida normalmente associada com baixa capacidade de retenção de água disponível as plantas. 3) O Podzólico Vermelho-Amarelo, mesmo quando eutrófico, bem drenado e profundo, tende a afastar-se do solo ideal devido as limitaões que pode apresentar, destacando-se o alto risco de erosão, especialmente quando a diferença textural é muito grande entre os horizontes A e (caráter abrúpto), tendo, frequentemente, se cuItivados por alguns anos sofrido erosão em grau severo, e também pelas dificuldades e motome canização, impostas pelos declives acentuados e/ou irregularidades do terreno, em decorrêmcia dos processos erosivos. 4) A Areia Quartzosa, cartografada como Regossolo no levantamento de reconhecimento de São Paulo (Centro Nacional..., 1960), por apresentar fertilidade baixa e pequena capacidade de retenção de água e nutrientes, além de aIta suscetibilidade a erosão, esta ainda mais dlstante do solo ideal. 5) Os litossolos em geral e cambissolos rasos apresentam mesmos problemas dos podzólicos, agravados pela sua reduzida profundidade efetiva, declives acentuados e presença de pedras, tanto na superfície como na massa do solo, ficando ainda mais distantes do solo ideal, com limitada capacidade de uso. (6) Os solos hidromórficos também apresentam serias limitações quanto ao excesso de água (deficiência de oxigênio) e impedimentos à motomecanização, a menos que tais limitações sejam atenuadas mediante a instalação e manutenção de sistema de drenagem artificial. Alguns deles, os Glei Tiomórficos, tornam-se tão ácidos, quando drenados, que podem nao ser próprios a qualquer tipo de cultivo. 3.5.2. Considerações sobre a natureza das limitações Consideradas as condições ideais para a maioria das culturas, todo o desvio ou afastamento delas representa uma limitação ou fator limitante à utilização agrícola. Em geral, costuma-se convencionar as limitações como sendo de quatro naturezas distintas correspondentes às subclasses: limitações climáticas (c); limitações devidas ao solo (s); limitações por excesso de água (a), e limitações por erosão presente ou risco de - 27 - erosão (e). Há limitações que podem ser originárias de múltiplas condições, como é o caso de impedimentos à motomecanização, o qual pode ocorrer por declividade excessiva (e), por excesso de água (a), por pedregosidade (s) e, ainda, pela combinação de fatores tais como a declividade do terreno e permeabilidade do solo. 3.5.2.1. Limitações climáticas As limitações climáticas (c) da região são avaliadas pela análise de seus dados meteorológicos, sendo desejável urn período mínimo de dez anos de observação, incluindo principalmente a ternperatura e a precipitação (média mensal e anual respectivamente). Com esses dados, é possível calcular a evapotranspiração potencial e efetuar o balanço hídrico, que fornece alguns parâmetros utéis para a avaliação das limitações climáticas. O balanço hídrico pode ser interpretado como urn processo de contabilização da água no solo, funcionando como uma caixa, onde a precipitação representa a entrada e, a evapotranspiração, a saída de água. Dentre os métodos existentes para seu cálculo é muito usual o de Thornthwaite & Mather (1955), considerando 125 mm de retenção de água no solo. No seu cálculo, são empregadas tabelas ou nomogramas especiais como, par exemplo, os descritos por Camargo (1978), exemplos dos quais sao apresentados no apêndice 4. Os parâmetros ou elementos climáticos fomecidos pelo balanço hídrico, expressos em milimetros pluviométricos, são os seguintes: a) Excedente hídrico: é a água supérflua, sujeita a infiltração ou percolação e / ou escoamento superficial (deflúvio) na estação chuvosa; b) Consumo: é a umidade extraída do solo, através da evapotranspiração real; c) Deficiência hídrica: é a água que deixa de ser evapotranspirada, no período seeo, por insuficiência de umidade no solo; d) Reumidecimento: é a umidade reposta no solo pelas chuvas, na estação úmida. À guisa de exemplo, no apendice 4 encontram-se os resultados numéricos do balanço hídrico de Ribeirao Preto (SP), também representados graficamente na figura A4.2. com os de outras três regiões de clima contrastante. Na análise dessa figura, o mais importante e verificar o período de deficiência hídrica existente para o local considerado e a quantidade do excedente hídrico. O primeiro condiciona a escolha de muitos tipos de cultivo, por indicar o comprimento da estação seca. O segundo da uma idéia da quantidade de deflúvio superficial e / ou água que infiltra no perfil do solo. Geralmente, considera-se como seca prolongada limitante para muitos cultivos (principalmente os perenes e semiperenes) urn periodo em que a deficiência hídrica ocorre em periodo superior três meses consecutivos. Outros parametros climáticos devem ser pesquisados, especialmente em determinadas regiões, onde sabidamente exercem influências limitantes ao uso agrícola, - 28 - como: ventos frios, geadas e granizos. 3.5.2.2. Limitações devidas ao solo A validade das interpretações sobre as limitações devidas ao solo (s) depende muito da quantidade e qualidade das informações disponíveis. Além da caracterização morfológica e analítica de perfis de solo sao considerados como informações valiosas: a) dados de pesquisa de laboratório ou obtidos em casas de vegetação; b) resultados de expelrimentação de campo; c) registros de produções agrícolas de determinadas área frente a diferentes tratamentos. Como essas informaçoes nem sempre são suficientemente disponíveis, geralmente são feitas previsões sobre o cornportarnento dos solos ocorrentes baseadas nas suas características (análise de solo etc.). Para a previsão da capacidade de uso agrícola de determinado solo há que se proceder ao inventário e julgamento de suas características complementando-se os dados com observações e anotações de campo sobre produtividade agrícola. Assim, as interpretações das propriedades dos solos podem ser aproximações mais ou menos grosseiras, dependendo das informações existentes e da experiência profissional como técnico, estando sujeitas a confirmações e/ou revisões (França, 1980). As principais propriedades do solo a serem julgadas, para fins da determinação das suas limitações, são a profundidade efetiva; capacidade de retenção de água; permeabilidade e drenagem interna; fertilidade; e possibilidade de motomecanização. a) Profundidade efetiva; Refere-se à profundidade máxima que as raízes penetram livremente no corpo do solo, em razoável número, sem impedimentos, proporcionando as plantas suporte físico e condições para a absorção de água e nutrientes. Nem sempre coincide com a profundidade do solum (horizontes A + B), pois corresponde à espessura maisfavorável para o desenvolvimento do sistema radicular e para o armazenamento de água efetivamente disponível as plantas. Latossolos e Areias Quartzosas em geral são muito espessos, com mais de 150 cm de profundidade efetiva, sem limitações físicas para o desenvolvimento do sistema radicular. Os solos podzólicos e a Terra Roxa Estruturada são comumente profundos (100 a 150 cm), sem pro- blemas para enraizamento. Brunizens, Bruno-Não-Cálcicos, parte dos Podzólicos, e Hidromórficos são frequentemente moderadamente profundos (50-100 cm), com limitação já maior que nos casos anteriores. A situação se agrava para os solos rasos (25-50 cm), como os com fragipan ou com contato lítico (diversos solos litólicos) Cambissolos com substrato rochoso, e também parte dos Hidromórficos (como por exemplo os Planossolos). Há, ainda, os muito rasos (menos de 25 cm), com grau de limitação severo, como a maior parte dos solos Litólicos, que estão freqiuentemente associados a exposições rochosas na superffcie. b) Capacidade de reteção de água: Quantidade de água que o solo pode reter em forma - 29 - disponível as plantas, dentro do volume correspondente à sua profundidade efetiva. Evidentemente, seu efeito sobre as plantas é variável em função de determinados fatores, como: tipo de cultura, variedade, adaptação do sistema radicular, época de ocorrência e duração da estiagem, estádio de desenvolvimento da cultura, tratos culturais. Em geral, apresentam maior capacidade de retenção de água os solos que tem horizonte B textural (Podzólicos); as maiores limitações são apresentadas pelos arenosos, sem horizonte B de acúmulo de argila, como as Areias Quartzosas, Regossolos e também pelos de pequena espes- sura como os Litossolos e alguns Cambissolos. Observe-se que as condições de solo podem ser, portanto, responsáveis pelo agravamento das deficiências hídricas, de modo que, para urn mesmo ambiente climático, essas limitações passam a ser consideradas mais apropriadamente devidas ao solo do que ao clima. Tal condição é designada seca edafológica (Ranzani & França, 1968). França (1980) comenta que, recorrendo a algumas simplificações, pode-se fazer uma estimativa aproximada dos prováveis períodos de seca edafológica, isto é, dos meses em que haverá, em anos normais, falta de água disponível as plantas nas diferentes unidades de solos. Para tais interpretações, o autor se limita aos primeiros 50 cm de solo, correspondentes a profundidade na qual se concentra a maior parte das raízes. Conhecendo-se a retirada de água do solo por evapotranspiração na estação seca (obtida pelo balanço hídrico) e a capacidade de amázenar água disponível dos horizontes do solo, podem-se prever os períodos de ocorrência de seca edafológica. É citado como exemplo o município de Ribeirão Preto (SP), onde as Areias Quartzosas mostram urn período de ocorrencia de seca edafológica bem mais longo (quatro a cinco meses por ano) do que em Terra Roxa Estruturada (dois a três meses por ano). c) Permeabilidade e drenagem interna do solo: A permeabilida do solo é a qualidade que Ihe permite transmitir água e ar. Geralmente é inferida no campo, em virtude das dificuldades para sua determinação. Em laboratório, pode-se determinar coeficientes de permeabilidade condutividade hidráulica, expressos em centímetro de água por segundos Ranzani & França (1967) atribuem a classe de permeabilidade muito rápida para valores maiores que 7 x 102 cm/s. A drenagem intema do solo refere-se à rapidez com que a água excedente que infiltra no solo é removida através do perfil, estando associada à permeabilidade e altura do lençol freático. No exame do perfil, as condições de drenagem são avaliadas através das caracteríticas morfológicas, como a cor cinzenta, presença de mosqueamentos e acumulação de matéria orgânica. À classe pouco permeável, em condições de topografia baixa e plana corresponderia uma drenagem muito pobre, como nos Hidromórficos no outro extremo - permeabiIidade muito rápida - situar-se-ia a drenagem excessiva, como nas Areias Quartzosas. A condição ideal e dos solos com drenagem boa, bem aerados, como normalmente os latossolos e determinados solos com B textural. Alguns podzólicos são moderadamente drenados em face da menor permeabilidade do horizonte em relação ao A, e os Litossolos, Cambissolos e Plintossolos podem - 30 - apresentarr condição semelhante, pela presença do substrato rochoso próximo a superfície, com encharcamentos temporários por ocasião das chuvas mais intensas e/ou mais frequentes. Em climas úmidos, quando o substrato é de natureza impermeável como o folhelho ou argilito, a limitação nos Litossolos e Cambissolos é ainda maior, podendo ocasionar deficiências temporárias de oxigênio além de dificultar as operações de mecanização. Existem solos com drenagem interna impedida que são severamente limitados, como diversos Hidromórficos, especialmente os Orgânicos. d) Fertilidade do solo: Resultados de análises químicas de amostras de solos são difíceis de interpretar se não estiverem correlacionados com dados de produção de culturas, em condições de campo. Como os diferentes tipos de solos podem apresentar normalmente grandes variações em suas características morfológicas, físicas, químicas e composições mineralógicas, torna-se dífil fazer urn julgamento seguro sobre dados isolados de análises químicas como indicadores da capacidade que possuem determinados solos como fornecedores de nutrientes às plantas. Além desses aspectos, há ainda que considerar outros fatores inerentes às plantas, quais sejam a sua estrutura radicular, a extensão e distribuição das raízes, a capacidade das plantas para absorver e translocar nutrientes bem como as qualidades de macro e micro elementos que necessitam e seus diversos estádios de desenvolvimento. Na prática, ao se considerar a fertilidade do solo, deve-se procurar ater a aspectos como conteúdo e disponibilidade de nutrientes essenciais às plantas, as proporções que os mesmos guardam entre si, bem como a presença ou não de elementos tóxicos. Nesta conceituação nao está, portanto, incluída a produtividade do solo, a qual, além da fertilidade do solo, depende também de condições ambientais, como cIima e ocorrência de pragas e moléstias, e de aspectos físicos, como compactação do solo e aeração. Na determinação da capacidade de uso do solo, especial preocupação deve haver em características negativas Iigadas à fertiIidade que dificilmente podem ser alteradas pelo homem, principalmente aquelas relativas à camada subsuperficial ou topo do horizonte B. Tal é o caso do caráter distrófico (baixa percentagem de saturação em bases), de caráter áIico (aIta saturação com alumínio trocável), capacidade de troca muito baixa, tiomorfismo (presença de sulfatos), elevada saturação com sódio trocável e saIinidade (presença de sais solúveis) (ver parte II, item 6.2.2.). e) Possibilidade de motomecanização: Tendo em vista a importância crescente das operações agrícolas mecanizadas, deve-se levar em conta a presença de limitações inerentes ao emprego de tratores e implementos agrícolas. Evidentemente, esse fator é atribuído ao solo enquanto ligado a características como a pedregosidade ou rochosidade. Por vezes, o mesmo está Iigado a declividades excessivas ou relevos cheios de acidentes, como a presença de sulcos de erosão muito frequentes e profundos e, ainda, a encharcamentos do terreno (em geral, em relevo plano). A presença de argilas expansivas (caráter vértico), ou solos orgânicos com baixa capacidade de - 31 - suporte, também pode limitar a motomecanização. 3.5.2.3. Limitações por excesso de água O excesso
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