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48 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento FEIJÃO TRANSGÊNICO UM PRODUTO DA ENGENHARIA GENÉTICA O feijoeiro A cultura do feijoeiro (Phaseolus vulgaris) ocupa uma área de 12 mi- lhões de hectares e constitui-se na leguminosa mais importante para a alimentação de mais de 500 milhões de pessoas na América Latina e África. O Brasil é o maior produtor, com uma produção anual na ordem de dois mi- lhões de toneladas, o que equivale a cerca de 20% da produção mundial de feijão. O feijão é um alimento básico para a população brasileira, constituin- do-se em sua principal fonte de prote- ína vegetal. O consumo anual per cap- ta é de 14 quilogramas. O teor de proteína das sementes varia de 20 a 33%, sendo também um alimento energético, contendo cerca de 340cal/ 100g. No Brasil, o feijão é produzido basicamente por pequenos produto- res. Aproximadamente 80% da produ- ção e da área cultivada encontram-se em propriedades menores que 100ha. O feijão é produzido em todas as regi- ões do país. A Região Nordeste detém a maior área plantada (45%), seguida das regiões Sul (26%) e Sudeste (21%). A Região Nordeste detém o mais baixo índice de produtividade, decorrente da baixa utilização de insumos agríco- las e problemas com a seca. Os maio- res estados produtores são Paraná, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás. Em nosso país, nas últimas décadas a produção e a área ocupada com a cultura do feijoeiro aumentaram, en- tretanto a produtividade vem decres- cendo. Vários são os fatores que contri- buem para este fato: sócio-econômi- cos, fitossanitários e agroecológicos. Diante dos problemas que esta cultura possui e da sua grande importância para as regiões onde está estabelecida, há um grande interesse no desenvolvi- mento de tecnologias que possam ace- lerar o processo de melhoramento. Engenharia genética Com o advento da tecnologia do DNA recombinante, foi aberta a possi- bilidade de se isolar e clonar genes de bactérias, vírus, plantas e animais, in- troduzi-los e expressá-los em plantas. Desta forma, a barreira do cruzamento entre espécies e até entre diferentes reinos foi rompida. A transformação genética de vegetais permite a intro- dução de genes específicos no genoma de cultivares comerciais. Esta tecnologia vem auxiliar os programas de melhora- Francisco J.L. Aragão, Ph.D. Giovanni R. Vianna, MSc. Elíbio L. Rech, Ph.D. elbrech@cenargen.embrapa.br CENARGEN - Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia. EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Fotos cedidas pelos autores. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 49 mento, permitindo o fluxo de genes para plantas, os quais seriam impossí- veis de serem transferidos através de cruzamentos sexuais ou fusão de genomas. As plantas obtidas no pro- cesso de transformação genética de- vem ser introduzidas em um programa de melhoramento para o desenvolvimento de no- vas cultivares. A transfor- mação genética de vege- tais superiores tem tido avanços consideráveis nas últimas duas décadas. Vá- rios métodos de transfor- mação foram propostos. Atualmente, os métodos mais empregados são: o processo biobalístico, in- trodução de genes medi- ada por Agrobacterium e a e le t roporação de protoplastos e tecidos. Durante a última década, numerosas tentativas fo- ram feitas no sentido de regeneração de plantas transgênicas férteis do feijoeiro comum. Alguns pesquisadores demonstra- ram a possibilidade de int rodução de genes exógenos para o feijoeiro at ravés do s is tema Agrobacter ium e da ele t roporação de protoplastos. No entanto, nenhuma transformação estável, com uma prova molecular da presença dos genes introduzidos (transgenes) e uma análise da progê- nie, foi demonstrada. As dificuldades para obtenção de uma planta genetica- mente modi f icada res id i ram na inexistência de um processo para re- generação de plantas a partir das célu- las transformadas. O processo biobalístico No final da década de 80, foi pro- posto o processo biobalístico como uma alternativa para introdução direta de material genético no genoma nuclear de plantas superiores. Desde então, sua uni- versalidade de aplica- ções tem sido avalia- da. Valendo-se de di- ferentes equipamen- tos desenvolvidos no Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genét icos e B i o t e c n o l o g i a ( E M B R A P A / CENARGEN), nosso grupo tem de- monstrando ser um processo efetivo e simples para a introdução e expressão de genes em bactérias, protozoários, fungos, tecidos vegetais e animais. A biobalística utiliza microprojéteis de ouro ou tungstênio acelerados a altas velocidades (superiores a 1.500km/h) para carrear e introduzir ácidos nucléicos e outras moléculas em célu- las e tecidos in vivo. As micropartículas aceleradas penetram na parede e mem- brana celular de maneira não-letal, lo- cal izando-se a leator iamente nas organelas celulares. Em seguida, o DNA é dissociado das micropartículas pela ação do líquido celular, ocorrendo o processo de integração do gene exógeno no genoma do organismo a ser modificado. Uma das vantagens do sistema de transformação através do processo de biobalística é que este permite a introdução e expressão gênica em qualquer tipo celular. As- sim, foi aberta a possibilidade de trans- formação in situ de células diferencia- das sem necessidade de regeneração de novo. Desta forma, vislumbrou-se a possibilidade de obtenção de plantas transgênicas através da transformação de células-mãe do meristema apical. A t ransformação destas cé lu las meristemáticas através do processo biobalístico tem-se mostrado bastante eficiente. As micropartículas podem atingir as células das três camadas do meristema apical. A freqüência de trans- formação, no entanto, pode ser signifi- cativamente aumentada através da indução de organogênese na região do meristema apical, isto é, através da indução de uma multibrotação. Um sistema de multibrotação a partir do meristema apical de embriões de feijoeiro foi desenvolvido através de seu cultivo em meio de cultura conten- do benzilaminopurina (BAP). A BAP é um regulador de crescimento vegetal sintético (uma citocinina) que, entre outros efeitos, induz a divisão celular, gerando, no ápice de eixos embrioná- rios, novas regiões meristemáticas e, Figura 2: Região apical dos eixos embrio- nários de feijão utilizados no processo de transformação, vistos ao microscópio ele- trônico de varredura. Figura 3: Equipamento de biobalística uti- lizado no processo de introdução de genes em meristemas apicais de feijão. 50 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento conseqüentemente, vários brotos a par t i r de um único mer is tema preexis tente . Baseado no bombardeamento de células do meristema apical e da indução de multibrotação em eixos embrionários de fe i jão, fo i desenvolv ido na EMBRAPA/CENARGEN um sistema de transformação de cultivares elite, com uma eficiência de 1%. Esta freqüência de transformação é considerada muito alta se comparada a outros sistemas de transformação baseados na introdução de genes em meristemas apicais de outras espécies (0,007 a 0,03%). As plantas transformadas foram submeti- das a análises de progênie, bioquími- cas e moleculares. A maioria das plan- tas apresentou um padrão de segrega- ção obedecendo à primeira lei de Mendel e um baixo número de cópias do transgene, integradas em locus úni- co. Em se tratando da introdução de genes de interesse agronômico, esta é a condição ideal para a introdução des- tas plantas transgênicas nos programas de melhoramento. Genes de interesse agronômico A transferência de genes para plan- tas é uma etapa-chave para a engenha- ria genética de vegetais. O desenvolvi- mento desta metodologia de transfor- mação do feijoeirofoi fundamental para os demais estudos de integração, expressão e estabilidade de genes que conferem características agronômicas. Uma das doenças de maior impacto na cultura do feijoeiro é o mosaico-doura- do, causado por um geminivírus, o vírus do mosaico-dourado do feijoeiro (BGMV). Esta doença está hoje disse- minada por todas as áreas produtoras de feijão do Brasil e em outros países da América Latina. No Brasil, em condi- ções de campo, as perdas ficam em torno de 40 a 85%, podendo chegar a 100%, dependendo da cultivar, do es- tágio das plantas quando infectadas e do isolado do vírus. Experimentos fo- ram conduzidos em conjunto com o grupo do Dr. Josias Faria, do Centro Nacional de Pesquisa de Arroz e Feijão Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 51 (EMBRAPA/CNPAF), e o nosso grupo na EMBRAPA/CENARGEN, com o obje- tivo de se obter plantas resistentes geneticamente modificadas. Seqüên- cias do BGMV (AC1, AC2, AC3 e BC1) foram clonadas e posicionadas em anti- senso e então utilizadas para obtenção de plantas transgênicas de feijoeiro. O objetivo da estratégia de anti-senso é a expressão pela planta de RNAs com- plementares aos do vírus. Assim, estes RNAs anti-senso podem-se ligar aos RNAs virais, permitindo que este RNA híbrido possa ser inativado, interrom- pendo o ciclo de vida do vírus. As plantas transgênicas obtidas, contendo as seqüência do BGMV, foram autofecundadas durante cinco gerações e então desafiadas contra o vírus. A inoculação do vírus foi feita através de moscas-brancas virulíferas (vetor res- ponsável pela transmissão do vírus na natureza) . Algumas l inhagens transgênicas não apresentaram qual- quer diferença significativa nos sinto- mas, em relação às plantas não- transgênicas. Entretanto, duas linha- gens mostraram um retardamento no aparecimento dos sintomas, e estes foram mais fracos que aqueles normal- mente apresentados pelas plantas-con- trole. Além disso, uma quantificação através de análises de Southern blot nas plantas inoculadas mostrou que havia uma quantidade inferior de DNA viral nas plantas transgênicas. As plan- tas transgênicas tolerantes ao vírus estão sendo incorporadas ao pro- grama de melhoramento da EMBRAPA/CNPAF com objetivo de introdução desta característica em diferentes cultivares e avaliação no campo. Outro objetivo do melhora- mento genético de feijoeiro tem sido o aumento da qualidade nutricional, principalmente em rela- ção ao teor de metionina e triptofano nos grãos, uma vez que esta planta é importante para a alimentação humana e extremamente deficien- te nestes aminoácidos essenciais. Embora tenha sido mostrada a pos- sibilidade de se aumentar o teor de metionina através da seleção em populações com grande variabilida- de, pouco tem sido conseguido no sentido de se obter plantas com níveis desejáveis deste aminoácido. Desta forma, juntamente com o gru- po do Dr . Eugen Gander (EMBRAPA/CENARGEN), numa ten- tativa de se obter grãos de feijão contendo maiores teores de metionina, plantas transgênicas fo- ram obtidas expressando o gene da albumina 2S de castanha-do-pará. Esta proteína possui um alto teor de metionina (18%). A albumina 2S foi corretamente processada em se- mentes transgênicas de feijão. Se- mentes das plantas transgênicas fo- ram analisadas durante o período de desenvolvimento até a maturação para detecção do produto gênico. O padrão de aminoácidos foi analisado para se determinar a aplicabilidade da expressão heteróloga de um gene de uma proteína rica em metionina no melhoramento nutricional. Em- bora as sementes tenham apresen- tado altos níveis do aminoácido metionina antes da maturação fisio- lógica, obteve-se um aumento da ordem de 25% do teor de metionina em sementes maduras. Finalmente, estudos do comportamento das plan- tas transgênicas de feijoeiro em con- dições de campo serão conduzidos em breve. Nestes estudos, serão avaliadas as interações das plantas transgênicas com outras plantas do ambiente agrícola, e também a esta- bilidade da expressão dos genes introduzidos. Além disso, há a ne- cessidade do estudo do comporta- mento destes genes, no que diz respeito a fatores relacionados à interação destes e a complexa fisio- logia destas plantas submetidas ao estresse natural, nas condições agroclimáticas tropicais.
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