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CPOOC OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL DO ESTADO NOVO Mônica Pimenta Velloso FUNOIÇIO GETULIO VaRGaS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL RIO DE JANEIRO 1987 CPDOC OS INTELECTUAIS E A POLíT ICA CULTURAL DO ESTADO NOVO Mônica Pimenta Velloso FUNOlçaO GETULIO 'IRSIS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL RIO DE JANEIRO 1987 Coordenação editorial: Cristina Mary Paes da Cunha Revisão de texto: E l i z abeth Xavier de Ara ú j o Datilografia: Márcia de Azevedo Rodrigues Nota: • Documento de traba lho rea l izado em 1 983 . V44 l i VELLOSO , Mônica Pimenta. Os inte lectua is e a po l ítica cultura l do Estado Novo / Mônica Pimenta Velloso . Rio d e Jane iro : Centro de Pe squi sa e Docu mentação de H i stória Contemporânea do Bra s i l , 1987 . 5 0 p . 1 . política cul tura l Brasil 19 3 7 - 1 9 4 5 . 2 . Intelec tuais e pO l í tica - Bra s i l - 19 3 7 - 194 5 . 3 . Nac ion a l i smo Bra s i l 1 9 3 7 - 19 4 5 . 4 . Bra s i l. Departamento d e Imprensa e Propaganda . I . Centro de Pes quisa e Documentação de Hi stória Contempo rânea do Bra s i l . 11. Título . CDU 7 . 078 (81 ) CDD 3 0 1 . 2981 CPOOC /J,\J01PV Fund:lçF.o G'3túlb Vargan '._-.. -- SUMÁRIO A construção d a nac iona l id ad e : o s inte l ectuais e o poder 0 1 D a " torre d e marfim " à arena pOl í t ic a 0 7 A pol í t ic a nao e ma i s a " madrasta da inte l igincia " ; surge Get�lio Varga s o " pa i dos intelec tua i s " 1 3 D I P : a entidade onipre sente As ra ízes da bras i l idade: o Estado Novo Observações finais os intelectuais modernistas e 1 9 4 2 46 A construcão da nac iona l idad e : o s int e l ec tuais e o poder A re lação dos intelectuais com o sistema d e poder tem si do extremamente imbricada e compl exa , uma vez que , ao longo da h istória , e l e s freqüentemente se atribuíram a função d e agentes d a consc iênc ia e do d iscurso . l No Bra s i l, a nossa estrutura pa - triarc a l e autoritária e a própria cond ição de pa í s peri férico - d e grande contingente d e ana l f abetos - acabaram por r e forçar ao extremo este t ipo de prá t ic a . Assim, o idea l d a representação, o falar em nome dos destituídos de capacidade de disc ernimento e expres s a 0 , foi faci lmente absorvido pelo intelectual bra s i l e iro . Sentindo-se consciência privil egiada do "naciona l " , e l e constan- temente re ivindicou para si o pape l de guia , condutor e arauto . Ba s ta conferir a nossa l iteratura soc ial, c u j o s exemplos sao pródigos neste sen t ido . Nos momentos de crise e mudanças históricas profundas instauração do Império, Proc lamação da Repúbl ica , Revolução d e 3 0 e Es tado Novo - a s e l ites intel ectua i s marcaram s u a presença 1 FOUCAULT , M . e DELEUZE, G i l l e s . Os inte lectua is In : Microfísic a do poder . Rio de Jane iro, Graa l , e o poder . 1 9 7 9 . p . 7 1 . 2 no cenário pol ít ic o , de fendendo o d ire ito d e interferirem no processo de organização naciona l . Logo após a Independênc ia , quando estava em curso o processo de construção da j ovem naçao , os intelectua i s portaram-se como verdadeiros guia s , s entindo - s e particularmente inspirados pela idéia nac iona l . Assim, os escri tores românt icos acreditavam ter uma missão sagrada : a d e c r iar um temário nac ional i sta , d e s t inado a autova lorização do país 2 Na pas sagem do regime imperial para a Repúbl ica , o s int� lectuais vo ltam a atr ibuir-se o papel de guia na condução do pro cesso de modernização da sociedade bra s i l e ira . E l e s aparecem como verdadeiros " mosqueteiros intelectua i s " que , munidos do inA trumenta l cientifici s ta buscam remodelar o Estado , lutando con tra a incapac idade técnica e admini stra tiva dos po l í ticos 3 Na década de 2 0 , quando se fazem sentir os efe i to s críti , cos do pos-guerra , com a derrocada do mito cientific i s ta , o ide- aI cosmopo l ita de desenvolvimento cede lugar ao credo nac iona liA ta . A busca de nossas ra í z e s , o ideal d e bra s i l idad e , passam, então , a construir o foco das preocupações intelectua i s . Agru- pados no movimento modern ista , os intelectua i s se j ulgam os indi víduos ma i s capacitados para conhecer o Bra s i l . E é a través da arte que e l e s pretendem atingi� a real idade bra s i l e ira , apresen tando a l terna tivas para o desenvolvimento da naçã04 2 CÂND IDO, Antônio . na l , 1 96 5 . p . 7 . Litera tura e sociedade . são Paulo , Nacio- 3 4 SEVCENKO, Nicolau . criação cultural na s e , 1 9 8 3 . Literatura como missão; tensões soc i a i s e Primeira República . são Paulo , Bra s i l ien- VELLOS O , Mônica Pimenta . ° mito da original idade bra s i l e ira ; a tra j e tória intelectual d e Ca s s iano Ricardo ( dos· _ anos 20 ao Estado Novo ) Rio de Janeiro , PUC , 1 9 8 3 . [.d i ssertaçao d e mes trado] 3 Fica c lara , portanto , a constituição da identidade d e s s e grupo , que , h i storicamente , sempre buscou d i s t inguir-se d o con- junto da soc iedade . S e j a através dos idea i s da c iência ou da raciona l idade ( geração de 1 8 70 ) , da arte ou intuição ( geração de 1 9 2 0 ) ; imbuídos d e vocação me s s iânica , senso d e missão ou dever social , os intelectua i s se auto-elegeram suc e s sivamente consciên cia iluminada do naciona l . É a partir da década de 3 0 que e l e s passam s i s tema tica- mente a d irec ionar a sua a tuação para o âmbito do Estado , tenden do a ident ificá-lo como a representação superior da idéia de na- çao. Percebendo a soc iedade civil como corpo conflituos o , inde- feso e fragmentado , os intelectua i s corpori f icam no E s tado a idéia d e ordem, organizaçã o , unidade . Assim, e l e e o ttcérebro " capaz d e coordenar e fazer funcionar harmonicamente todo o orga- n ismo sociaIS . Ape sar das d iferentes propostas de organização apresentadas pelos inte l ec tuai s ao longo das décadas d e 20 e 3 0 - jurídica ( Franc isco Campos ) .. econômica (Azevedo Amara l ) , espi- ritua l ( Jackson de Figueiredo ) - , todas convergem para um mesmo ponto : a solução autoritária e a desmobilização socia 16 No Estado Novo ( 1 9 3 7-4 5 ) esta matriz autoritária d e pen- sarnento , que confere ao Estado o poder máximo da organização so- cial va i adquirir contornos ma is defin idos . As. e l ites intelec- 5 Esta concepção da organização po l í t ica , vigente entre os inte lectuais da década de 3 0 , é denominada de " ideologia de Esta d o " , segundo Bol ivar Lamounier . Consultar a prop6sito do as sunto : LAMOUN I ER , Boliva r . Formação de um pensamento pO l í t ico autoritário na prime ira Repúbl ica ; uma interpretação , em Boris Fausto ( org . ) O Bra s i l Republ icano ; sociedade e instituições . ( 1889 - 1 9 3 0 ) t. I Il , v . 2 ( são Pau l o , D i fe l , 1 9 7 1 ) . p . 3 4 3 - 7 3. 6 SADECK , Maria Teresa . �M�a�c�h� i�a�v�e� l�,�m� a� c�h�i�a�v�é�i�s� : viana . são Pau l o , S ímbo lo , 1 9 78 . p . 90 . a tragédia ota- 4 tuais , das mais diversas correntes de pensamento , passam a iden t i f icar o Estado como o cerne da nacionalidade bras i l e i ra . S e h i s toricamente a construção do nacionalismo vinha s e constituin- do em uma das preocupações fundamentais dos intelectuais , agora e l e s passariam a s ituar a sua tarefa nos domínios do Estado . Ve rifica- s e , então , a união das e l ites intelectuais e pO l í t i cas quese pre tendem, as verdadeiras expressões de uma pOlítica superio r . O período do Estado Novo é particularmente rico para a análise da relação entre os intelectuais e Estado , já que neste mesmo período se revela a profunda inserção deste grupo soc ial na organização pOl ítico-ideológica do regime . Neste s entido , ao longo do texto , temos a preocupação de enfocar o s inte l ectuais na qualidade de partic ipantes de um " pro j e to pOl í tico-pedagógi c o " , destinado a popularizar e d i fund ir a ideologia do regime . Destacar o vínculo dos intelectuais com este pro j eto , s ignifica evidenciar a r e lação entre propaganda po l ít ica e educação no Es tado Novo . Apresentando- s e como o grupo mais esc larecido da so c iedade , os intelectuais buscam "educar" a coletividade d e acor do com os ideais doutrinários do regime . Dentro do pro j eto educativo há que se d i s tinguir dois n í ve i s de atuação e e stratégia : a do Ministério da Educação ( Gus tavo Capanema) e a do Departamento de Imprensa e Propaganda D I P - ( Lourival Fontes ) . Entre estas entidades ocorreria uma espécie de divisão do trabalho , vi sando atingir d i s tintas c l ien te las : o min i stério Capanema voltava-se para a formaçã o de uma cultura erudita, preocupando-se com a educação formal ; enquanto o D I P buscava , através do controle das comunicaçõe s , orientar as manifestações da cul tura popular . Esta divers idade de orienta- 5 çao na pOl ític a cul tura l transparece na própria composição dosirr te l ectuai s nos referidos organi smos . o ministério Capanema reu- nia um grupo de intelectuais l igado à vanguarda do movimento mo- dernista : Carlos Drumrond de Andrade ( chefe d e g abinete ) , Lúc io Costa , Oscar N i emeyer , Portinari , Mário de Andrade7 . Bem dife- rente era a compo s ição em torno d e Lourival Fontes , que inc luía nomes como o de C a s s iano Ricardo , Menotti Del picchia e Cândi- do Motta F i lho . Intelectua i s estes conhecidos pelo pensamento centra l ista e autoritá r i o , que viria a imprimir um rígido contro le nos meios de comunicação . t este grupo que vai dar a s l inha� me stras da pol ítica cultura l direcionada às camadas populares . Intere s sa-no s , sobretudo , neste traba lho , destacar a açao do D I P na montagem desta pol ítica , demonstrar a atuação desta enti- dade no seio da sociedade sem privilegiar o pensamento de inte- lectuais e spec í f icos . Assim, não nos importa que mui tos d e l e s tenham pouca pro j eção o u s e j am anônimo s . Importa -nos , ante s , a� s inalar como o regime autoritário procurou " socia l iz a r " a sua doutrina , trazendo-a para o cotidiano popular . O texto se articula em torno de três idéias . A prime ira é a de mostrar como se constrói a argumentação dos inte l ectua is em re lação ao pape l de vanguarda soc i a l que eles mesmos se pro- poem a exercer . Em nome de que idéias e princípios , e l e s se autoconfiguram os pa l ad inos da nac iona l idade bra s i l e ira? Num s egundo momento , a idéia é evidenc iar a atuação prática d e s se grupo : sua inserção na vida po l í tic a através da e laboração de 7 " Para uma aná l i se da po l í tica cul tural empreendida pe lo Minis- tério da Educação no Estado Novo consultar : SCHWARTZMAN , Si mon ; COSTA , Wanda Maria Ribe iro e BOMENY, Helena Bousquet . Tempos de Capanema . Rio de Janeiro , EDUSP/Paz e Terra . 1984. 6 um pro j eto cultural . De nossa part e , a análise deste pro j eto; merece atenção espec ial , quando deixa transparecer o s e f e itos concretos da absorção d a ideologia política pelas camadas populª res . Finalizand o , é nosso propós i to apresentar a s idé i a s que vão fundamentar o pro j eto cultural do E stado Novo , analisando a vinculação dos intelectua i s modernistas com o regime . Esta vin culação é de extrema importânci a , uma vez que dá a conhecer um dos núcleos organizatórios ma i s sólidos do regime : a cultura . Este núcleo permite explicar a integração dos vários grupos d e intelectua is ao regime , a s s im também como a própria organização social gerada a partir dele . 7 Da " torre de marfim" A arena Dolítica " ( . . . ) a Academia Bra sileira de Le tras t em que ser o que são a s ins tituições análoga s : uma torre de f . " 8 mar l.m . . . . ( Machado de Assis 1 89 7 ) " a primeira fase de vossa ilustre instituição ( ABL ) decorreu A margem d a s a tividades gerais . . . Só no te6 ceiro decênio deste século operou se a simbiose entre homens de pen- - 9 sarnento e de aca o " . ( Getúlio Vargas 29/12/4 3 ) Através dos textos acima é pos s ível começar a e stabe l e - cer um confronto entre o pape l d o s inte lectuais n o fin a l d o s é - cu lo passado e n o regime d o Estado Novo ( 1 9 3 7 - 45 ) . Embora a s 8 9 CAMPOS , Humberto de . AntoloGia da Academia Bra sileira de Le- t ra s ; trinta anos de discursos acadêmicos ( 1 89 7 -1927 ) . Rio de Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 35 . p . 5 . BRAS IL . Presidente , 1 951-54 ( Varga s ) Discurso pronunciado na Academia Brasil eira de Letras em 29/12/4 3 . In : A nova pol í tica d o Bra sil . Rio d e Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 4 4 . p . 2 2 1- 3 7 . 8 perspectivas dos autores s e j am opostas , a problemát ica que abor- dam é comum . Ambos falam d a re lação entre a l iteratura e a pol í tica e do pape l da Academia n a construção d a naciona l idade . Ma - chado de Assis se r e fere à Academia como uma " torre d e marfim" , onde os inte lectua i s se r e fugiariam no mundo das idéias , tendo como único ob j et ivo a preocupação l i terária . Qo a l to de sua torre , e l e s contemplariam o mundo , refletiriam sobre e l e , sem, no entanto , terem um envolvimento direto com a s lutas soc i a i s . o papel do intel ec tua l está c la ramente f ixado : eles " podem e scr� , , , , 10 , ver paginas de h is toria mas a h is toria faz-se la fora" . A ideia , , e a de que e preciso se retirar, se d is tanc iar para melhor re- fletir sobre a realidade : ver "claro e �uieto" . , 1 1 No inl.c io do século , conforme l embra N ic·olau Sevcenko , a intelectual idade sofria uma s i tuação de margina l idade por par- te do Estado , princ ipalmente o grupo que se co locava numa per s - pectiva ma i s crítica e m relação à sociedade , , como e o caso d e Euc lides d a Cunha e Lima Barreto . Para estes intelectua i s que se recusavam a ver a litera tura s imple smente como o "sorriso d a sociedade", percebendo-a antes como uma missã o , como i n strumento de trans formação soc ia l , os caminhos não seriam fác e i s . Os obs - táculos de uma sociedade tradic ion a l vetariam prontamente o s seus pro jetos de atuação pÚblica , restringindo e demarcando o lugar do intelectua l para fora da arena pol í t ica . Ao intel ect},! al caberia , portanto , a reflexão , a quietude e o saber puramente 1 0 1 1 CAMPOS , Humberto de . SEVCENKO , Nicolau . criação cultura l na s e , 1 9 8 3 . Op . c i t o p . 5 . Literatura como mis são; tensões soc iais e prime ira Repúbl ica . são Paulo , B r a s i l ieg 9 erudito . D is tante das misérias do mund o , e l e deveria ser o "cri ador das i lus6e s " capaz d e reve lar o encanto , o lado f e l i z e leve da vida . Dentro deste quadro , pol ítica e l it eratura apa- rec iam como coisas tota lmente d i s t in ta s : a primeira d i z ia res- peito aos a spectos materiais d a v ida ; enquanto a segunda f a lava do espírito , enfim dos valores t idos como superiores . Pro ferido na ocasião dafundação da Academia Bra s i l e ira de Letra s , o d iscurso de Machado oferece um interes sante con- fronto com a ideologia do Estado Novo , no que se refere ao pa- pel do inte l ectua l na sociedad e . Neste sentido , é interessante perceber como a doutrina do regime vai incorporar e repensar e s ta s idéi a s , na perspectiva de criticar a a t i tude isolac ionista dos inte lectuai s . A metá fora da " torre de mar fim" é incessante- mente reproduzida como s ímbo lo da a l ienação pO l ít ica em que vi- viam a s nossas e l ites cultura i s . o ideal estetic i s ta d a litera- tura , o i ntelectual erud ito e o academicismo são obj eto de críti ca violenta por parte do regim e , que pas s a a de fender a função social do inte lectua l , chamando-o a participar dos d e s t inos da naciona l idad e . É curioso como um dos ideólogos do Es tado Novo - .Ca s s i.a - no Ricardo des da Cunha . efetua o confronto entre Machado de Assis e Euc l i A obra de Machado é criticada pe lo seu " c osmopo- l itismo d i s solvente " . Isto porque tomaria como inspiração ape- nas o l itora l , visto como o l ado fa l s o do Bra s i l , onde predomi- naria a inf luência de valores a l ienígena s . Sua arte , para C a s - siano Ricardo , seria , portanto , ba seada no mimetismo . Já Euc l i - des da Cunha aparece como aquele que " pensa bra s i l e iramente " ; sua obra representa a " força origina l da terra " , porque falaria a " l inguagem bra s i l e ira " dos sert6es . Na arte euc lidiana , segundo 1 0 Cassiano Ricard o , estaria retratada toda a violincia e força d e 1 2 um mundo novo . No Estado Novo , a obra de Euc lides é recupe- rada pe l a sua d imensão region a l i sta , que traduziria a preocupa- ção do autor com os destinos da nac ional idade . A doutrina do regime constrói todo um s i stema d e valores em função do qual resgata ou nega o valor do intelectual n a so- c iedad e . Assim , na obra de Euc l id e s , a que stão da bras i l idade é a instânc ia máx ima de sua consagração . A idéia do inte lectua l como membro do grupo em comunhão com o naciona l , está , então , f irmada . Antes d e aprofundar a aná l ise sobre a concepçao de inte- lectua l construída pelo regime , cons ideramos importante reter a� gumas idéias anteriores . Retomando o d i scurso de Machado de Assis e o de Varga s , vemos que ambos tra tam de uma questão co- mum : o lugar d e destaque conferido ao inte lectua l . S e j a isola- do na sua torre de ma r fim, c�iando a s " i lus5es" necessárias ao bom andamento da ordem soc i a l ( tempo de Machado de Ass is ) , s e j a envo lvido na s lutas nac iona i s ( período d o E stado Novo ) , o inte- l ectual é caracteri zado pelo est igma da diferença . Fabricante d e ilus5es ou consc iinc ia da naciona l idade , e l e foge ao padrão do homem comum . Assim , o inte lectual é sempre des ignado para o exercício de a l guma função e/ou missão e spec i a l" que varia de acordo com a conj untura h i stórica . 1 2 A RICARD O , Cassiano . Ma rcha para Oes t e ; a inf luencia da "ba n- deira " na formação soc i a l e po lítica do Bra s i l . Rio de Ja ne iro , José O l ímpio , 194 0 . p . 546 . Poster iormente a aná l ise As s i s e Euc lides da Cunha foi ratura como espe lho da Nacão; Novo . Rio de Janeiro , CPDOC , sobre o per f i l de aprofundada por mim a crítica l iterária 1 9 8 7 . 38 p . Machado de em : A lite no Es tado 1 1 No Estado Novo o intelectual responde à chamada do regi- me que o incumbe d e umà mis são : a d e ser o repre sentante da consc iência nacional. Reedita- se , portanto , uma idéia j á enra iza da historicamente no campo intelectual. o que varia é a delim i - tação d o e s paço de atuação deste grupo da torre de mar f im para a arena pol ítica - , permanecendo o seu papel d e vanguarda social . o trabalho do int e l ectua l agora enga j ado nos domí- nios do Estado deve traduzir as mudanças ocorridas no plano pOl í t ico . o melhor exemplo que temos para i lustrar e s ta nova con- cepçao de intelectual, é a entrada de Getúl io Vargas para a Aca - demia Bra s i l eira d e Letra s , em dezembro d e 1 9 4 3 . No s eu d iscur- so de pos s e , Vargas criticaria o antigo papel d a Academia , condenando a "torre de marfim" que i solava o intelectua l do con- junto da soc iedade . Argumentava que , por oca s ião de sua funda- çao, a Academia se const ituíra num "remanso", a lheio às trans fo!: maçoes soc iais. Assim , pol í t icos e adminis tradores caminhavam de um lado, e inte letua i s de outro, ocupando margens opostas na torrente da vida soc i a l" . Segundo Vargas, o poeta seria o " lu- nático, pe s soa ausente , habitando um mundo de fanta s i a s e 1ma- gens " , enquanto o literato era o "te6rico , , pes fora do solo , c a - beça n a s nuvens , alh e io à s rea l idades cotidianas . . . " predomi- nava , portanto , o " de sdém do espírito pela matéria , gerando a dispersão das energia s socia is " . Vargas argumentava que somente a partir da década de 30 é que teria s ido operada a "s imbiose n� ce s sária entre homen s de pensamento e de ação" . A partir da í , a Academia a s sumiria um novo pape l : o de coordenar i�éias e va lo- 1 2 res , imprimindo direcão construtiva à vida intelectual . 1 3 A entrada de Getúlio Vargas para a Academia vem , portan- to, reforçar um dos postulados doutrinários mais enfatizados pe - los regimes repres entante s do regime : o da união entre o homem de Densamento e o homem de acão , entre a pOlítica e a litera- tura , enfim , entre os intelectuais. e o Estado. Vargas personi- fica magistralmente e sta simbiose , reunindo em si os atributos do verbo e da ação , d e idealismo e pragmatismo . Ele , e o polí- tico competente , capaz de comandar o jogo político , mas também é o intelectual capa z de refletir sobre os de stinos da naciona- lidade , na qualidade de autor da "nova pOlítica do Brasil" . Se- guindo e s s e enfoque , o discurso estado-novista constrói uma "no- va concepção de intelectual" . Concepção e sta que busca diluir a s fronteira s entre o "homem de letras" e o " homem pOlítico " . 1 4 Realiz a - s e então a referida simbiose entre os intelectuais e a pOlítica . o conflito cede lugar à harmonia . 1 3 1 4 BRASIL . Pre sidente , 1 954-54 ( Vargas ) Discurso pronunciado n a ABL e m 29/12/4 3 . I n : A nova po l ítica do Bra sil . Rio de Ja neiro , José Ol ímpio , 1944 . p . 221 - 3 7 VELLOSO , Mônica Pimenta . Cultura e poder pOl ítico no Estado Novo : uma configuração do campo intelectua l . In : Estado No yg: ideologia e poder . Rio de Janeiro , Zahar , 1 9 82 . p . 72 - 1 0 8 . 1 3 A política nao é mais a " madrasta da inteligência "; surge Getú- lio Varga s o " pai dos intelectuai s " " Ho j e podemos a firmar que existe uma pOlítica bra sileira que , e uma autêntica expres são do verdadeiro espírito social . , . Nesse e sp1r1to sQ cial a j ustaram-se a s neces sidades , do nosso presente a s conquista s do nosso passado , para formarem per missão tríplice da política gue nos d . . ,, 1 5 conce e ag1r, pensar e cr1ar . . . A doutrina do regime procura realizar um corte histórico no tempo , mostrando que o presente veio expurgar os erros 'do pa� sado . As expre ssões IIEstado Novo " , " Brasil Novo" I " nova ordem" etc . . . denotam e sta tentativa de marcar o regime como uma fase de redenção , d e " encontro do Brasil consigo mesmo " 16 E sta re- denção só pode adquirir s entido , quando contraposta , a um per10- dode caos , desordem , desa j uste . o liberalismo aparec e , entã o , 1 5 Cultura política , n � 1, março 1941. 16 VELLOSO , do Novo : p . 83 . Mônica Pimenta . Cultura e uma con figuração do �ampo poder político no intelectual . Op . Esta c ito 1 4 como a corporificação deste ma l , como u m verdadeiro desa stre pa- ra a nacionalidade brasileira , porque seria uma ideologia impor- tada . t, portanto , a partir d a prática libera l que os doutrina- dores do regime explicam todos os males que se abateram sobre o , pa 1 s . t precisamente esta retórica antiliberal que iria fund a mentar o novo papel a tribuído ao int e l ectual. Assim , no libera- lismo era aceitável que o intelectua l fosse inimigo do Estado , porque este não repres entava o verdadeiro Brasil . A política - " d d ' . � . 111 7 , era , entao , a ma rasta a 1nte 11genc1a , a medida que a ex- c l u ía dos processos decisório s . No Estado Novo t.al fato nao ocorreria mais: o Es tado se trans formava no tutor , no pai da intelectualidad e , ao se identificar com as forças sociais . A a r - gumentação se desenvolvia n o seguinte s entido : a partir do mo- mento em que o Estado marca a sua pre s ença em todos os domínios da vida socia l , não há pcr que o intelectual manter a sua antiga posição de oposicionista ou insistir na margilidade . De inimigo do Estado , o intelectua l deve se converter em seu fiel colabora - dor , ou se j a , ele passa a ter um dever para com a , . 1 8 sua patr1a . 1 7 1 8 CORREA, Nereu . A inteligência de Janeiro , 1 3/2/4 3 . p . 4 . no regime atual . Rio Através do "decálogo do escritor" , e s te senso de dever é minu ciosamente estipulado . Vale a transcrição : "Amar o Brasil uni do sobre tod a s a s coisa s ; prezar no americanismo a expansão fraternal de sua bra silidade , contribuir para formação educa tiva do povo bra sileiro e stilizada em harmonia com tendênci as e costumes nacionais ; rever na família a s íntese moral da pátria , na bàndeira o s ímbolo de uma glória ; honrar a tradi ção cristã e cívica do Bra sil eterno para o nosso culto ; ser vir com O mesmo devotamento is armas e is letras; cumprir fi e lmente os deveres da vida pOlítica ; lidar pela causa do ensi no primá rio ; defesa inicial da língua e da raça; s eguir as grandes lições dos antepa s sados; santificar pela fé naciona lista os dia s heróicos da pá tria e os dias �teis do t rabalho . " ( O dever do escritor . A Manhã , Rio d e Janeiro , 4 de abril de 194 3 ) . 15 o nome de Olavo Bilac é cor.stantemente mencionado corno um exem- plo a ser seguido pela inte l ectualidade , urna vez que teria colo- cado a arte e a cultura à s erviço da naçã o . Preocupado com a • . 1 9 "educação cl.vica e sentimental das ma s s a s " e ste ·intelectual , e alvo dos maiores elogios. por parte dos ideólogos do regime . De- fendendo o Exército corno força educativa disciplinadora e elegen do o s enso de dever e obediência corno valores supremos da nacio- nalid ad e , a figura ce Bilac é recuperada corno modelo do intelec- tua l brasileiro . Fica claro , portanto , o tipo d e comportamento social que se espera , ou melhor dizendo , se exige dos intelectuais : a sua sa ída da " torre de marfim" e a conquista da atuação pública deve se dar em estrita consonância com o Estado . Se Cf Estado , e que traça as diretrizes da pOlítica nacional , o intelectual deverá necessariamente circun screver sua e sfera de açao aos domínios oficiais . O intelectual é eleito o intérprete da vida socia l , por- que capa z de transmitir as mú.l tiplas mani festações sociais , tra- zendo-a s para o seio do Estado , que irá discipliná- la s , e coor- , 2 0 - , dena-la s . Eles sao vistos corno o s intermediarios que unem go- verno e povo , porque " eles é que pen s a m , eles , e que criamll , en- fim , porque " estão encarregados d e indicar os rumos e stabeleci dos pela nova política do Bra sil" . 2 1 E e sta nova pOlítica é pe� 19 2 0 2 1 Advertência 05/07/ 1 9 4 2 . aos maus políticos . A Manhã , Rio ANDRJID E , Alm ir de . de Janeiro , 2 3 j a n . Intelectuais e políticos . 1 9 4 4 . p . 4 de A Janeiro , �lanhã • Rio VELLOSO, Mônica Pimenta . 9 3 . Cultura e poder polí tico . . . O p . cito p . 1 6 sonificada n a figura d e Varga s : homem d e pensamento e de açao . Assim , e l e é o paradigma por exce lência a ser seguido por toda a inte l ectua l idade bra s i le ira . Azevedo Amara l distingue o s int e l ectua is do con j unto da soc iedade , mostrando que são estes os ma i s e specia lmente indica- dos para colaborar com o governo , devido ao seu senso d e ordem e organi zação . I sto·porque , argumenta o autor , os int e l ectua is traba lhariam com as idé i a s , retirando os seus a rgumentos da h i s - tória e d a fi losofia . Já os vol tados para outras a tividades re- correriam às emoções , transmitindo-as a través de uma " l inguagem f ' . " 2 2 pan letar1a . Nas propostas de orga nização, a presentada s pe- los intelectua i s , o autor percebe um e stímulo à reflexã o , a or- dem e à intel igênc ia ; ao pa s so que nas dos demais a incitação à violência , desperta nas ma s s a s "pa ixões soc i a i s perigosa s " à boa condução do processo pO l í t ico . Assim rac iocinando, Ama ra l de- fende a l iberdade de expre ssa0 de acordo com a " capacidade men t a l e cul tura l de cada um" . 2 3 É clara a h ierarquização dos d ireitos civis que se evi- dencia em função das di ferenç a s de capacidade . Assim, a l iber- dade de expressão fica restr ita aos que seriam pretensamente os ma is bem dotados : a s e l ites pOl í ticas e os intelectua i s . 2 2 ' AMARAL , Azevedo . O Estado autoritario e a 23 na l . Rio de Jane iro , José Olímpio , 1938 . AMARAL , Azevedo . Ibid. . p. 2 6 8 - 69 . realidade p . 268- 6 9 . naCl0- 1 7 Ve j amos corno o autor conf igura o intelectua l , n a perspec tiva d e e legê - lo o colaborador do governo : "Emergidos da coletividade corno � pre s s�es ma is l�c idas do que a inda não se tornou perfei tamente consc i - ente n o e spírito d o povo , o s lectua i s s ã o investidos da inte função de retransmitir às ma s s a s sob for ma c lara e compreens iva o que n e l a s é apenas urna idéia indecisa e urna a spiração ma l de finida . As sim, a e l i te cultura l do pa ís tornou- s e no Estado Novo um órgão necessa riamen te a s sociado ao poder p�bl ico corno centro de e labora ção ideológica e n�c l eo de irradiação do pensamento nacional que e l a sublima e coor dena " . 24 Aqui encontramos um dos pos tulados centra is do pensamen- to pOlítico autoritário , que é o de entender a sociedade corno ser ima turo , indeciso e , portanto , carente de um guia capa z d e l h e apresentar norma s de a ç ã o e d e conduta . Ma is do que isto : capaz de lhe ad ivinhar os anseios , de prec isá- los , enfim, de lhe indicar as soluç�es . Os intelectua is apa recem corno porta -voz es 24 AMARAL , Azevedo . Ibid. p . 2 7 2 -7 3 . 18 dos anseios populare s , porque seriam capazes de capta r o " sub- consciente colet ivo" da naciona l idade. Neste subconsciente est� riam contidas a s verdade ira s reservas da bra s i l idade que o Esta - do Novo viria a recupera r , a ss egurando a continuidade d a con s - c i ência naciona l . o que na s ma s s a s a inda e urna idéia indecisa ou a spiração ma l defin ida deixa de sê- lo , por intermédio dos inte lectua is que se trans formam em seus intérpretes . Apontados corno expre ssões ma is lúcidas da sociedad e , os inte lec tua i s sao vistos corno os prenunciadores das grandes mudanças hist6�icas e a rautos da renovação nac iona l , conforme veremos ma i s adiante . O que nos importa reter agora é a idéia do intelectu a l na cond ição de representante ou de intermed iário , capaz de captar e exprimir a " vontade popular " , que será rea l i zada pelo Es tado. Na ba s e desta a rgumentação , transparece a vinculação entre a s e l ites in- te l ec tua i s e pol í tica s : a s prime ira s pensam ; a s segundas rea l i - z a m . 25 Este pensar vinculado à ação pol í tica implica construir os mecani smos de persuação ideo 16gica , necessários , a conso l id a - ç ã o d o regime . Entramo s , então , no terreno da propa ganda pol í - tica , onde o s inte l ectua is têm pape l d e importância fundamenta l . 25 Esta idéia é de fendida por Ca s s iano Ricardo . Ver Môn ica Pi- menta Ve l loso . O mito da origina lidade bra s i l e ira . . . Op . c i t o DIP: a entidade onipre sente 19 "Nes s e s j orna i s , nessas voze s que dominam os espaços radi o fônicos , ne� s a s criações c inematográ f ic a s ( . . . ) é que estã o loca lizados os elemen tos que proporc i onam o contato d i reto d o governo com o povo " . ( Anuário da Imprensa Bras ileira , Ri o d e Jane i r o , D I P ) É nesse período que s e elabora efetivamente a montagem de uma propaganda s i stemá t i c a do governo , dest inada a d i fund i r e popula rizar a ideologi a d o regime j unto à s d i ferentes camadas soc i a i s . Para dar conta de tal empreend imento , é criado um e f i - c iente apara to cultural : o Departamento de Imprensa e Propagan- da D I P • d iretamente subord inado ao Executi vo . Na realidade , a s origens dessa i n s t i tu ição remontam a um período anter ior ao Estado Novo . Em 1 9 3 4 Va rga s já d e fendera a necess idade do governo a s sociar o rád i o , c inema e esportes em um s i stema articulado de " educação menta l , moral e h i g iinica " . Esta idéia começou a se concretizar no ano seguinte , , quando o prime i ro escalão do governo se reun i r i a para fazer uma aval iação da repre ssão à Intentona comun i sta . Nesta reun i ã o , seriam la n- 2 0 ç a d a s dua s sementes de rápida frutificação : de Segurança Nac ional . 2 6 Criado pelo decreto o DIP e o Tribunal pre s idencial d e dezembro d e 19 3 9 , o D I P , sob a d ireção de Lourival Fontes , viria ma terializar toda a prá t ica propagand ista do governo . A entida- de abarcava os seguintes setore s : d ivulgaçã o , radiofu sã o , te- atro, c inema , turismo e imprens a . Es.tava incumbida d e coorde- na r , orientar e centralizar a propaganda interna e externa ; fa- zer censura a tea tro , c inema , funções e sport iva s e recreativa s ; / organizar man i fe stações cívica s , festas patriótic a s , exposiçõe s , concertos e · conferinc ias e dirigir e organi zar o programa d e d · f - f' . 1 d 2 7 r a 1 0 usao o 1C1a o governo . Em vários estado s , o D I P pos suía órgãos filiados ( DE I Ps ) , que estavam subord inados ao Rio de Janeiro . Esta e strutura altª mente centralizada iria permit ir ao governo exercer e f ic iente controle da informação, a s s egurando-lhe cons iderável domínio em relação à vida cultural do pa ís . A centralização admini s tra tiva era a presentada como fa tor de modernidade , apelando- se par a 'os princípios de sua e ficácia e ràcionalidade . Por um dos d i spositivos da Con s t ituição de 19 3 7 , a im- prensa pa ssa a ser subordinada ao poder públic o . Franc isco Cam- pos , um dos ideólogos da ma ior pro j eção no reg ime e autor da 2 6 2 7 TOTA , Antônio Pedro . A glória a r t í sti ca nos tempos d e Getú lio ; os 40 anos do D I P , a ma i s bem montada máquina da d ita dura . I sto é 2 j a n . 1980 . p. 4 6 - 4 7 ; e Anuá rio da Imprensa Bra s ileira . Rio de Janeiro , D I P . p . 122 O conceito bras ileiro da imprensa e a propaganda no Estado Novo . Anuário da Imprensa Bra sileira . Rio de Janeiro , D I P , s . d . p . 2 9 - 3 2 2 1 Constituiç�o , de fende a função pública da imprensa , a rgumentando que o controle do Estado é que irá garantir a "comunicacão d i - reta " entre o governo e o con j unto d a soc iedad e . Alega que esta é a única maneira d e elimina r o s " intermed iários nocivos ao pro- gresso " . Um a specto que chama pa rt icularmente a a tenção no in- terior da doutrina , é a " vocação legisla tiva " a tribuída , a �m- prensa , uma vez que consultaria cotidianamente os intere s s e s do povo . A centralização da informação é apresentada como uma forma de agilizar o processo de consulta popular , descartando- s e o Pa� lamento como uma instituição a nacrônica e def ic iente. o j ornal A Manhã , porta - voz oficial do regime , e fetua uma série de in- quéritos populares sobre a pOlítica do governo , que são pUblica- dos sob o sugestivo t ítulo : " A rua com a palavra " . Nesses inquéritos bus c a - se sondar a opinião pública a propósito das realizações governamenta i s . o programa rad iofôn i - c o A Hora d o Bra sil, a legislação trabalhista , a figura de Var- gas sao alguns dos a s suntos abordados por e s s a s enquetes. A doutrina do regime busca mos trar que o Estado só é c a - p a z de a s s egurar a democracia , quando consulta d iretamente o po- " , " " _ 28 " vo nas sua s ma�s leg�t�mas a s p�raçoes. Ass�m , entre o governo e o conjunt"o da sociedade não há nece s s idade de intermed iários , quando o chefe sintetiza a " alma nac ional" . 2B Sobre o papel da imprensa no regime ver Mônica Pimenta Ve lloso . O mito da originalidade bra sileira ; a tra jetória in telectual de Cassiano Ricardo ( dos a nos 20 ao Estado Novo ) Rio de Jane iro , PUC , 1983 [d i s sertação de mestrado] p. 6 - 1 0 . 22 De modo gera l , o s cana i s de expressão da sociedade c i v i l s a o transformados e m e spaço d e veiculação d a ideologia d o Esta- do . Muit a s das organizações culturai s do períOdo vão ser incor- poradas pelo governo , como é o caso da Rádio Nac iona l ( 1940 ) e dos jorna i s A Manhã (RJ ) e A Noite ( Sp ) . Em 19 d e abr i l de 1 9 42, d i a do aniversário de Varga s , sao inaugurados os novos e stúdios da Rádio Nac iona l . Na cerimô- nia , , em que Gi lberto de Andrade e empos sado como d iretor da ra- dio , partic ipam e d i scursam Louriva l Fontes e o ministro Gustavo Capanema . Gilberto de Andrade a nuncia que um dos seus objet ivos é o de " transformar a rád io em veículo de d i fusão cultura l -artí� tica e d e bra s i l idade " . 29 Atra vés d essa emi s sora , o regime buscava monopo lizar a audiência popu l a r , contratando uma equipe exc lus iva da rádio , on de figuravam nomes como os de Lamartine Babo , Almirante , Ari BaK ros o , Emi l inha . Borba , S ílvio Ca lda s , Vicente Celestino . Para dar ma ior atra t ivo aos programa s , o governo instituiu concursos mus ica i s , a través dos qua i s a opinião pública e legia os seus co� posi tores favoritos . Desses concursos pa rtic ipavam os grandes , a stros da epoca : Franc i sco Alve s , Ca rmem Miranda , Heitor dos Pra zeres e Donga . o curioso é que a s apuraçoes dos concursos eram rea l izadas na sede do D I P e os resultados transmi tidos du rante o noticiá rio da Hora do Bra s i l . 3 0 Uma maneira e f iciente , 29 REI S , N é l io . dio Naciona 1 . o dia do pre s idente e os novos estúd ios da A Manhã , 19 abr o 1942 . p . 5 30TOTA, Antônio Pedro. Op . ci t . p . 46 . Rá- 2 3 portanto , d e garantir a audiência popular, obrigando o público a manter o rádio l igado . Para ampliar a audiência do programa e tornar ma i s agra dável a sua recepçao j unto ao público, os representantes do re- gime lançam mão de uma série de inovaçõe s . Assim, em 1942 , e criada uma sessão de mús ica folclórica ; outra d e crônica s , Ta l - vez nem todos s a ibam que . . . , destinada a dar informações sobre a vida econômica , pOl ítica e mil i tar; e a Nota H istórica , onde eram rememoradas as grandes datas e heróis express ivos da nacio- na l idade . De fendendo o ponto de vista d e que A Hora do Bra s i l não seria apenas a " pa lavra d o govern o " , ma s a "voz s incera do povo " , o regime faz rea l izar uma série de entrevistas rad iofô- nicas sobre a pol ítica do governo . o objetivo destas entrev i s - ta s , conforme esc lareceria o D I P , era o de substituir o s longos 31 e monótonos d i scursos pe lo depoimento vivo dos populare s . Pa- ra evi tar o desgaste da doutrina , muda - s e o " locutor-govern o " Pª ra o " locutor-povo " . o governo deixa de emitir soz inho o seu discurso , quando pas sa a interrogar o povo sobre as suas açoe s , e s forçando-se para envo l vê - l o na pO l í t ica oficia l . Estra tégia e f icient e , sem dúvida , s e l embrarmos que o programa A Hora do Bra s i l era ironicamente chamado de "o fa la soz inho . . . " Destacando o rádio pelo seu notável poder de persuasão e como o " ma ior potenc i a l socializador do mundo civil izado " , o re- gime d e fende a nece s s idade d e exercer vigilante a s s i stência e s� 31 A imprensa e a propaganda no qüinquenio 19 37 -42; o DNP e o D I P . Cul tura po lítica , n . 2 1 , nov o 1942 p . 168-87 e �A��H�o�r� a do Bra s i l . O Bra s i l de hoje, ontem e de amanhã . fev . 1940 . p . 44-45 2 4 , vera f. . - 3 2 1sca1 1zaçao no setor . A radiofusão l i vre e vista como temerária , uma vez que d esvirtuaria a obra educativa visada pelo governo . Ocorre que a opinião públ ica prec isava ser conqu i s tada , quando a inda não e stava tota lmente iso lada da influincia de ou- tras fontes de informação . " Coagir a soc iedade por dentro " , e s - vaziar a legitimidad e dos outros cana i s cul turai s foram e straté- gias amplamente u t i lizada s pe los que buscavam levar avante o pro j eto educa tivo do " novo" Estado . 3 3 Este é apresentado como a única entidade capaz de transmitir uma adequada educação pol í - tica a o con j unto da sociedade , por estar desvinculando dos in- teresses privados . Nesta perspectiva , a ideologia oficial deve preva l ecer porque é capaz de unificar e dar coesão às d i ferentes visões do mundo socia l , que são por natureza fragmentár ia s . ° E� tado aparec e , então , como o único interlocutor legít imo para fa - lar com e pela soc iedad e . E s ta concepção transparece no próprio pro jeto radiofônico então instituído , que d e staca a " homogeneidª de cultura l " e a " un i formização da l íngua e da d icção" como seus obj et ivos fundamenta i s . A homogeneidade no campo cultura l é vista como forma d e a ss egura r a organização d o regime , que busca inva l idar a s dema i s mani festações d e cultura como pre j udiciais ao interes s e nacio- na! . Assim, o rádio deveria " a per feiçoar" a s relações entre a s 3 2 3 3 SALGADO , Álvaro . Rad iofusão ago . 1941 . p . 79- 9 3 . soc ia l . Cul tura política , n . 6, A aná lise da propaganda tota l itária é desenvo lvida por Hannah Arendt : As origens do tota l i tar ismo ; tota litarismo , o pa ro xi smo do poder . Rio de Janeiro , D ocumentário , 19 7 9 . v . 111. 25 camada s culta s e as populare s , sendo o portador do " bom exemplo , do certo e do direito" . Quando util izado contra estes princ í- pios , pa ssava a a fetar a própria segurança naciona l . Para evitar esta s ituaçã o , Júlio Barata , dir�tor da d ivisão radiofônica do D I P , d efendeu a necess idade de se empreender ampla obra de " sa_ neamento socia l " no setor . 3 4 A doutrina d o regime procura d iferenciar a " mau r�dio " , voltado para a d iversão , esporte e humor , do rádio enquanto veí- culo de cul tura . No entanto , este dua l i smo de rádio-diversão X rádio-cultura , não preva l eceu , pois oca s iona ria fata lmente a im- popularidade da mensagem governamental. A estra tégia util izada foi bem ma i s hábi l: a de agradar o gosto popula r , depurando - o dos seus " costumes d i s solventes e imora is " . Assim, no lia lambi- que da civil ização e progre s s o " se efe tuaria a "destilação" ne- c e s sária , a s segurando a homogeneidade cultura l a lme j ada pelo re . 35 g1me . É a educação popular que irá garantir esta homogeneidade d e cultura e valore s . Neste período s e de senvo lve intensa po lê- mica em torno da pa rticipação do intelectua l nos programa s radiQ fônico s . Até que ponto o rádio s eria capaz de ga rantir o a lto nível da produção inte l ectual? Enquanto fosse veículo de comu nicação dest inado à s ma s sa s , não teria e l e propensões a vulga ri zar esta produção? Estas pergunta s , l evantadas pe los ideólogos 3 4 ROCHA, Aluísio . Nova orientação uma entrevista com Júlio Barata . sica , fa se. I , v . VI I , 1 94 0 . p. 35 SALGADO , Álvaro . Ibidem . para a radiofusão naciona l ; Revista Brasi le ira de Mu- 84-88 2 6 do regime , s e inscrevem no próprio deba te em torno da função da obra de arte na modernidade: objeto de fa scín io destinado a uns poucos ou e l emento a ser d i vulgado pa ra um público cada vez ma i s amplo? Para o s ideólogos do regime , conforme j á foi visto , a arte deveria estar vol tada pa ra fins util itários e nao ornamen- ta i s . Ampliar o acesso à arte significa , nesta concepção , ampli a r a própria esfera de abrangência da doutrina estado-novi sta. A figura d e Paul Va liry i o grande a lvo dessa d i scussão por de fender o ponto de vista de que o rádio desfiguraria a pro- dução intelectua l . Para os ideólogos e sta idiia era inteiramen- te fa lsa: enquanto os int e l ec tua is não ocuparem este e s paço , o s , p·rograma s l iterários continuariam sendo feitos por escr itores im provisados e " be l etristas de terceira ordem" . A colaboração dos intelectua is no setor , só poderia e l evar o nível dos progra - ma s e garantir o seu respeito junto ao público ouvinte . Na perspectiva de refutar a tese de Va liry são rea li zada s vá ria s eg trevi s t a s no meio da inte lectua lidade . Os nomes de Roquete Pin- to , Ba stos Tigre , Menotti Del Picchia , Brito Broca e outros são c i tados corno exemplos de inte lectua is enga j ados no setor radio- fônico. Predomina o ponto de vista de que o rádio não implica a desqua l i f icação do pensamento , ma s a democratização socia l . Ar- gument a - se que a pa lavra falada va i ao encontro ati do ouvinte ind i ferente , identi ficando- s e por isto com a "d ivina arte " , c a - pa z de a tingir a todo s . O rádio aparece , então , corno veículo d e democracia porque i capaz de " fazer a produção tornar ao povo atra vis da l inguagem ora l " . 36 inte lectua 1 re- Este re torno se 36 CASTELO , Ma rtin s . po l í tica , n . 1 9. O rádio e a produção inte lectua l . set . 1 9 4 2 . p . 203- 205 . Cu ltura 2 7 d á , à med ida que os intelectua i s decod i fiquem e soc i a l izem a sua l inguagem , revivendo o " encanto místico " das comunidades • o . 3 7 prl.ml.tl.va s . A integração pOl ítica , atravésdo mito , foi um dos re- cursos mais util izados pe l o regime . Franc i sco Campos , d efende a técnica intelectua l ista d e u t i l i z ação do inconsc iente coletivo ' o d - 3 8 para o contro l e poll.tl.cO a naçao . Nesta perspect iva , caberia ao intelectua l falar a l inguagem desse inconscient e , composto d e forças telúricas e emoções primitiva s . A idéia , e a d e que o irrac ion a l tem muito mai s força persua s iva do que a razao , por- que é capaz de tocar o universo íntimo das camadas popu l a re s . N� l e,. o mito da nação e do herói encontrariam plena receptividad e . D a í o fato do regime incansavelmente recorrer aos dramas épi- cos , narrativas heróica s , l endas e crônicas . o c ivismo e a exa� tação aos valores pátrios compõem inevitave lmente o pano d e fun- d o , sobre o qual se desenrolam e s s a s narrativa s . Dentro desta v i são doutrinária é que s e procura dar uma nova orientação ao programa Rádio-teatro , no sent ido d e explorar os fatos h istóricos para melhor atingir o gosto popular . Recomen da-se evitar o e s t i l o dogmá t ico dos historiadores e o tom doutri nário dos sociólogos , em pro l da narrativa romanceada . Assim, o drama amoroso de Mar í l ia e Dirceu torna-se mais convincente para transmitir o senso de amor c ívico do que o puro r e lato dos 3 7 3 8 CASTELO, Martins . A força comunica t iva da palavra , um so depoimento sobre a que stão da l i tera tura no rádio . Ler , 1 6 j u l . 1942 . p . 1 4 . curl.o Vamos CAMPOS , Francisco . teúdo ideológico . O Estado Nac iona l; sua estrutura , seu cog Rio de Jane iro , José O l ímpio , 1941 . p . 1 2 . 2 8 fatos . 3 9 A his t6ria exemplar da Inconfidincia Mineira penetra no universo cotidiano do ouvinte , porque é contada de forma a criar identidade de valores. Vários teatr6 logos e hi storiadores são convidados para a tuar no Rád io-tea tro . É o caso de Jora c i Camargo , que e screve uma série d e drama s hist6ricos Retirada da Laguna , Abo lição da escrava tura , Proc lamação da República - P2. . 40 ra serem transmi t idos pe l a Hora do Bra s i l " . O programa Rádio- tea tro pOl ic i a l segue e s sa mesma l inha doutrinária , so que em termos de conduta mora l. Ne l e , o locutor narra as aventura s d e um detet ive que , apesar de s u a s trapa lhada s , tem um grande , me- rito : o de colaborar sempre com a s autoridade s. ° ob j e t ivo do programa é o de transmitir ao públ ico uma " concepção da vida justa " e " confiança sa lutar na organização pol ic ia l " 41 do regi me . Personificar padrões ét icos de comportament o , apelar pa - ra a empatia e a s emoçoe s , foram recursos amplamente u t i l izados pe lo governo . Este tinha mui to c laro que um artigo pOl í t ico de doutrina , por si s6 . era inca pa z de sen s ibi lizar um público ma i s amplo. Para atrair os " o lhos femininos e infant i s " ( nesta cate- goria estão também os operá rios ) nada melhor do que os conto s , 4 2 ' a s crônica s e a s e stampas. Nesta l i tera tura o pensamento e r� 3 9 REI S , Né lio . Rádio . A Manhã , 2 2 abr o 1942 . p . 5. 40 CASTELO , Martin s . Rádio . Cultura polít ica . n . 3 , ma io 1 9 4 1 . p . 3 0 4 . 4 1 Idem . 4 2 ' . d P d Anua r10 e Imprensa e ropaga n a . Rio de Janeiro , D I P. p. 9 0 . 2 9 sumido em fórmula s " o u apena s sugerido d e maneira a nao provocar nenhum e s forço inte lec tua l por parte do receptor . . Por outro lado , busca-se impor s ímbolos e mitos de " fá c i l universa l idad e " que reduze� �ã individu a l idade e o cará ter concreto d a s experiin- . 4 3 A • C 1a s . Nos contos e cron1COS predomina sempre o a specto do exemplar . Os vultos hi stóricos estabe lecem a tra j e tória do j á vivido , experimentado e consagrado . Basta segui- los . De modo gera l , os programas rad iofônicos se não endossam plenamente a orientação do governo , a seguem muito de perto . Censuras e recompensas fazem pa rte de um mesmo sistema , a través do qua l o regime controla o s meios de comunicação . Em fevereiro d e 1 9 4 2 a Secretaria d e Educação e Cultura institui o primio Hen rique Dod sworth para a rádio que melhor seguisse a orientação do D I P . 44 A Rádio Di fusora da Prefe itura e apontada como mod e l o , n o qua l deveriam inspira r- se a s dema i s emissora s . Toda a sua programação é marcada por forte tom doutrinário: Saúde e Músi- � , cu j o obj et ivo era o de popularizar princípios de educação sanitária ; curso de e s tudos sobre a Ama zônia , minis trado pe l o cQ rone l pio Borges ; e Antologia do Pensamento Bra s i leiro destinada a divulgar lições de civismo . Dentre a s iniciativas cul tura is 4 3 , Estes a s pectos sao apontados pelos cr1ticos da cultura de ma� 44 sa e arrolados em: ECO , Umberto . Apoca l ípt icos e integrados . são Paulo , Perspectiva , 1 9 7 9 . p . 3 9 - 4 3 . Cons iderando que no Estado Novo os meios de comunicação estão sob o ma i s rígido contro l e , estes a spectos se ma nifestam qua se de forma osten siva . Vamos Ler . 1 9 fev . 1 9 4 2 . p . 4 7 . 3 0 da emissora sao destacada s : .a organizaçio d e uma d iscoteca in- fantil e uma coletânea da mús ica popular bra s i le ira . Na d i scot� ca busc a - s e educar a s en s ibi l idade infant i l para a s músicas d e caráter c ívico , canto orfeônico e folc lórico . Já o objet ivo da coletânea é o de d ivulgar j unto aos turistas o chamado " samba d e verdad e " . 45 No interior do pro j eto cultura l estado-novista , a mús i - c a ocupa lugar de grande importância. Apontada como meio ma i s e f ic iente d e educaçio , e la seria capaz d e atrair para a s e s feras da civi l i zaçio o s " indivíduos anal fabeto s , broncos e 4 6 rudes " . - Nio é à toa , portanto , a preocupaçio do regime em interferir na produçio da mús ica popular. Esta é vista como o retrato f i e l d o povo n a sua poe s ia e l ir i smo e spontâneo s . Porém, estas ex- pressões de cultura devem ser pol ic iadas na sua e spontane idade , impedindo-s e que a s músicas abordem " temas imora is ou d e " c a fa - . " 47 J e s tagem . A l inguagem dos sambistas e a s gírias populares sao vis- , . tas com desconfianç a , devido ao seu instinto satl.rl.CO , capaz d e depreciar os fatos e criticar os acontec imentos . Para os doutri nadores do regime , a l íngua se constitui em patrimônio naciona l , no sent ido ' de que preserva a " segurança e unidade " 45 A propósito da programaçio e at ividades da Rádio sultar a s crônicas d e Martins Ca stelo publ icadas Vamos Ler , julho 1 942 . do , pa l. s . As D i fusora cOQ na revista 46 SALGADO , Álvaro . Radiofusão ago . 1 94 1 . p. 7 9 - 9 3. soc i a l . Cultura política , n . 6 , 4 7 ' Poesia , mús ica e radio para crianças . p . 14 A Manhi , 2 7 j unho 19 42 . 3 1 sua s prátic a s abusiva s " devem s e r , portanto , cuidadosamente loc-ª. l izadas para serem comba t ida s . Proced e - s e , enti o ; a um levanta- mento minuc ioso dos espaços onde se manifesta esta linguagem nio permitida: nos noticiários po l i c ia i s , nos teatros de revi s ta , no cinema que d ivulga o l ingua j a r de artistas es trange iros e no- tadamente no rádio através dos locutores e sportivos e sambis- 48 ta s . As composições carna va lescas sio pa rticularment e visa- da s , por recorrerem à pa ródia e à carica tura. É neste terreno que o D I P entrava em açio , c ensurando as letras que iam contra a ética do regime . R i tmos como o samba , frevo e maxixeeram considerados selvagen s ; suas origens os tornavam pouco recomendáve i s. A FreI! te Negra Bra s i l eira · ( 19 3 l ) como entidade independente , nao con- seguiria sobreviver no Es tado Novo , sendo fechada por ordem de Varga s . Pa ra le lamente a esta repressao e desqua l i ficaçio contra o negro estimulava- s e a pesquisa sobre a sua contribuiçio na - 49 Acreditamos que esta atitude ambí-formaçao de nossa cultura . gua por pa rte do regime refl ita a própria diversidade d e orien- taçio cul tura l entre o Ministério da Educaçio e o D I P . Os inte- l ectua i s eram incentivados a pesqu isar sobre o as sunto podendo 48 A boa l inguagem na s rua s . neiro , D I P . n 2 1 , abr i l de Es tudos � Conferênc ia s , 1940 . p . 8 1 - 100 Rio de Ja- 49 Ver Má rio de Andrade . O samba rura l . pa uli sta . Revista do Arquivo Mun icipa l , v . 4 1 , p . 3 7 - 1 16 , nov o 1 9 3 7 . C i tado em Thoma s Skidmore . Preto no branco ; raça e na c iona l idade no pensamento bra s i lei ro . Rio de Jane i ro , Pa z e Terra , 1 9 7 6 . p . 3 15 . Ver também a seçio da revista Cul tura política deno minada "O povo bra s i l eiro a través do folc lore " . 3 2 até mesmo ena ltecer os aspectos posi tivos da cultura a fricana . O que nao podia ocorrer é que o samba continua s s e d i fundindo va lo- res que fugiam ao controle do Estado . O público que l ê pesqui- sas é bem d i ferente daquele que e scuta no rádio a s compos ições dos sambis ta s . Para cada públ ico uma e stratégia . S e era , de certa forma inevitáve l conviver com o ritmo bárbaro do samba , pelo menos , a s sua s letras poderiam ser " c i - v i l izada s " . Passa - s e , então , a de fender o samba enquanto ins- trumento pedagógico : e l e deve ser educado para educar . Esta i - d é i a é claramente expres sa por um d o s locutores d a rád io d o go- verno : .. . . . 0 samba , que traz na sua et imo logia a marca do sensua l i smo é feio , indecente , desarmônico e arrítmico , " mas paciência : não repudiemos esse nosso irmão pelos defe itos que con- tém . Se j amos benévolos ; mão da intel igênc ia e da ção . Tentemos nevagarinho lo ma is p.ducado e social . porta d e quem e l e s e j a lancemos c iviliza torná Pouco im f i lho .. . 50 A idéia é a de que e s te f i lho de pa is espúrio s , se educ� do corretamente poderia red imir - se e produzir bons frutos soci- 50 SALGADO Álvaro . I Ibidem . 3 3 a i s . As s im , o samba pa ssa a , ser defendido como e l emento d e so- c i a li zação , quando forma bons hábitos , cultiva sentimentos de cordia l idade , cooperaçao e s impa t ia , permitindo a troca d e ex periência . 51 Temas como a boemia e ma landragem, que j á s e cons t i tuíam numa tradição do samba , não poderiam ma is conviver com a ideologia do traba lhismo. A figura do ma landro e vista como herança de um pa s sado ingrato que margina l izara os ex-escravos do mercado de traba lho . No E stado Novo , com o surgimento das leis traba lhistas que protegem o traba lhado r , e sta figura " fo l - c 16rica " perde a sua razão d e ser. Logo , a ideologia da ma lan- dragem deve ser e l iminada do imaginário popular porque pertence , a uma outra epoca . o regime busca , entã o , construir uma nova ' imagem do sambista : e l e é o trabalhador dedicado que so fa z sam- ba depois que sai da fábrica . Nos sábados de " pa lheta e terno branco muito bem engomado " va i até a soc iedade recrea tiva , onde se exercita no " convívio social " . 5 2 O universo cotidiano do compos itor se desloca da Lapa Centro da boemia carioca - para a fábrica e o traba lho . Esta mudança de temá t ica é vista como uma evolução na h ist6ria do samba , a medida que os compositores dei- xam d e se preocupar com o amor e a vida fác i l "conc i l iados no conformismo d a s Amé l ia s ". Em vez da s " tragédias domé s t ica s l1 , 5 3 a s " vantagens d o traba lho " . Dentro d e sta l inha estão a s comp2 5 1 ME IRELES , Cecí lia . ro , 1 8 jan . 194 2 . Samba · e Educação . p . 9 A Manhã , Rio de Janei- 5 2 CASTELO , Mart ins . O samba e pol ítica , n. 2 2 , dez . 1 9 4 2 . o conc e ito de traba lho . p . 1 7 4 - 7 6. Cul tura 5 3 Rádio . Cultura política , n. 1 3 , março 194 2 . p . 29 2 . 3 4 siç5es : " Eu traba lhe i " ( Jorge Fa ray ) , Z� Marmita ( Lu í s Antônio e Bra sinha ) e Bonde de sio Janu�rio" ( Ataulfo Alves e W i l son Ba- t i s ta ) • Tod a s e l a s natura lmente ena l tecendo o traba lho em detri mento da boemia que "nio d� camisa pra ningu�m" . Temos , então , o " samba da legitimidade ,, 54 , atrav�s do qua l o regime busca exe!:. cer uma pr� t ica d iscipl inadora sobre a s man i festaç5es popu l a re s . Nada melho r , portanto , para retratar a his tória d e s s e pe r íodo do que o repertório da nossa mús ica popular . Ne l e , a po l í tica governamenta l encontra a sua apo logia e g lória . Na Ma rcha pa ra o oeste ( Joio de Ba rro e Alberto Ribe iro 1 9 3 8 ) , temos o apoio ao pro j e to de colonizaçio do interior ; em G lória s do Bra - s i l ( Z� Pretinho e Antônio Gi lberto dos Santos - 1 9 3 8 ) , o endos - so à repre ssio a o l evante d e 3 5 e 3 8 ; e m É n egócio c a s a r ( Atau1- fo Alves e F e l i sberto Martins - 1 9 4 1 ) , propagand e i a - se a l e i que incent iva o cresc imento da populaçio . A figura de Varga s n� tura lmente tamb�m seria motivo de inspiraçio em : O sorri s o do presidente " ( Alberto Ribe iro e Alcir Pires Verme lho - 1 9 3 5 ) e _ 1943 ) . 55 Sa lve 1 9 de abril ( Benedito Lacerda e Darci de Oliveira F icam c l aro , portanto , os e s forços do governo no sentido de utilizar as man ifestaç5es da cul tura popular como canal de d i fusio da ideolog i a oficia l . Exemplo notório e a ofic i a l izaçio do carnava l . Se antes o evento vinha sendo de iniciativa par t i - cular, financiado pe los comerciantes ma i s abastados da cidade , 54 Ve r Antônio USP, 1 9 8 1 . Pedro Tota . O Samba da l egitimidade . [tese de mestrado) sio Paulo, 5 5 ' , S EVER I AN O , J a i ro . "G",e,-t=.u"",l'";i",o:::-::-,V;.:a'Ô"r=::,gc:a:-:s'Õ--,-p.,---,a;,-;;-,;m:-;u",s",-=i"c,.,a"--->p,,,o"-p"",u,-,l",a"-",r __ b"",r-,,a,-,s,,-,,,i_-leira . Rio de Janeiro , FGV/CPDOC , 1 9 A 3 . 3 5 no Estado Novo o quadro era bem d i ferent e , quand o , a través do setor de turi smo do D I P . a pre feitura pa ssaria a organizar o carnava l de rua . A pa rtir d a i a po l itica tornava - s e figurante obr igatória nas folia s . Os sambas e ma rchas carnavalescas sofrem mod i ficação ra- dica l , a ponto de serem apontados como dignos de compor uma " an- 1 . , o ,, 5 6 t o ogla C 1V1ca Por um dos decretos constituciona i s d e 1 9 3 7 , f icava imposto " c a rá ter d idático" à s escolas d e samba e rancho s , que deveriam abordar tema s naciona is e pa trióticos . Em 1 9 3 9 , a e scola d e samba carioca Viz inha faladeira foi desc l a s s i ficada por ter e scolhido como tema de enredo a "branca de neve " . A cen- sura a l egou que a temá tica havia s ido vetada por ser internacio- l o 57 na 1sta . Na con j untura de guerra , o governo promove o " carnava l da vitória " cujo s l oga n é "co laboro me smo quando me d ivirto " . O programa constava de um d e s f i l e de carros a legóricos que re- presentavam temas de cunho pa triota como " Apoio , a pol itica de guerra do governo " , " União nac iona l " , " C r i t ica às doutrinas tot� l i tária s " , encerrando- s e com o carro da "Apoteose a vitória " . 58 A guerra é a presentadacomo resultado do choque de duas menta l i - dade s , que se d igladiam manique ist icamente : a s força s do bem são representadas pe l a democracia e cristianismo ; enquanto a s d o ma l são corporificadas pelo tot a l itarismo e a t e i smo . Neste 56 MEIRELES , Cec i l i a . Samba e educação . Q2 . cit o p . 9 5 7 Nosso sécu lo , n 2 2 5 . p . 1 9 7 . 5 8 A Manhã , Rio de Janeiro , 2 8 fev . 1943 . p . 5 . 3 6 contexto, ganha força a idéia de americanismo , de mundo novo em contraposição a decadência da civil ização europé i a . Em agosto d e 1 9 4 2 é lançado o f i lme norte-amer icano Alô amigos . o fi lme , c u j a sessão inaugur a l é patrocinada por Darci Varga s , é visto como verdade ira apoteose de nosso pa í s e do nos - so povo . Nele , o e loqüente zé Carioca mostra a s coisas be l a s do B r a s i l ao Pato Dona ld . A figura do zé Ca rioca , criada e spec i a l - mente por Wa lt Disney pa ra o Bra s i l , é a que ta lvez represente me lhor a tenta t iva de popularização da ideologia do americanis- 59 mo . Segundo o j o rn a l A Manhã o personagem exprimia com per- f e ição o j eito do c a rioca : ma landro , chapéu embicado , guarda - chuva , charuto e seu humor com tendênci a a reso lver tudo na pia- d 60 a . Este protótipo do bra s i l e iro sugere a própria figura de Vargas : amis toso , sorridente e até ma l andro quando s e trata d e resolver a s d ifíceis j ogadas pOlítica s . Nenhuma imagem poderia surtir ma i s' efeitos populares do que e s ta , garantindo a profunda ident i ficação do pres idente com o ethos e as coi s a s naciona i s . No cinema , torna - s e obrigatória a pro j eção do C inejorna l bra s i l e iro, onde os documentos c inematográ ficos ex ibem d e s f i l e s c ívicos , viagens pre s idenc i a i s , comemoraçoes como a s d o aniver- sário de Varga s , aniversário do regime , Dia do Traba lho , D i a d a Bandeira , Semana d a Pátria etc . 6 1 Nesta " c rônica de pa lan- 5 9 6 0 6 1 A propósito da d ivulgação da ideolog ia d a americanização ver Gerson Moura . Tio Sam chega ao Bra s i l : a pene tração cultura l americana . Rio de Ja neiro, B ra s i l iense , 1984 . MORAES , Vinicius . Cinema . A Manhã . 2 7 ago . 1 9 4 2 . p . 5 A propósito da j orna l A Manhã 1 9 4 2 . Sobre o 1 9 4 3 . programaçao das festas cívica s , nos d i a s 1 8 a 2 2 abr o 1 9 4 3 e 6 , jorna l cinematográ fic o , ver A consulta r o 1 1 e 1 9 d e novo Manhã , 1 2 fev . 3 7 que s " e s t � o registro d e uma �poca person i ficada n a figura de Varga s : e l e " vi s ita , recebe , inaugura , pre s ide , a s s i s t e , d i s - cursa , excurs iona , veraneia , emba rca , retorna , parte , pa sseia , inic ia , encerra , exorta , so luciona , joga muito golfe ( seu e spor te pred i l e to ) e na tura lmente aniversaria a 19 de abril " . 6 2 O c a - l e.nd�rio o f i c i a l marca a s grand e s data s , transmit indo a imagem de uma festa c ívica constante . Atrav�s dos ritua i s patrióti- cos s e forta lece o sentimento d e unidade e exa l ta ção popu l a r , indispens�veis pa ra um regime que buscava apresenta r-se como o s a lvador da nacional idade . Esta imagem de grandeza e g lória , faz-se sentir tamb�m na a rquitetura da �poca , c u j a s construções sugerem a força e pu j ança do regime . D a ta deste período a cria- ção dos pr�dios do Minist�rio da Educação e Saúde , Minist�rio do Traba lho , Minist�rio da Guerra , Central do Bra s i l etc . . . O Estado Novo aparece como o tempo das grandes rea lizaçõe s , que , viria por fim ao mara smo em que se encontrava o pa1 s . Este mara smo no meio cul tura l � explicado em função do d escuido das e l it e s intelectua i s quanto à educação popular . O tea tro , notadamente o de revi sta , vo ltava - s e exclus ivamente para a diversã o , divulgando valores pre j udiciais à ordem socia l . As- s im como a imprensa , r�dio e c inema tamb�m o teatro no E s t ado Novo deveria tornar-se instrumento educ a t ivo por excelência . O problema da educação oper�ria � destacado como uma das pr inc i pais meta s do Estado , merecendo por isso es tra t�g ia s e a tenção e specia i s . Dentre deste propós i to � que se criava em são Paulo 6 2 TAVARES , Zulmira bilos naciona i s . �ibeiro . Getúlio Va rga s Folhetim, 1 7 abr o 198 3 . no c ine jorna l - jÚ p . 3 3 8 o " Tea tro Prolet�rio " , c u j o obj e t ivo s eria o de fazer propaganda pró- s indic a l ização a través do lazer dos operários e de sua s fami l i a s . Este teatro did�tico-c ívico apres entaria exemplos de com- portamento , modelos de cumprimento do deve r , construindo a s s im a figura do " oper�rio-padrão " . Para d inamizar este empreend i - mento cultura l , o Ministério d o Traba.lho pa trocina um concurso l iter�rio des tinado à produçã� de romances e peç a s teatrais d i - r igidos ao público oper�rio . Era uma e stratégia defensiva con- tra o que o regime j ulgava ser uma literatura destinada a " s ub- versão mora l " e à agitação popula r . Os inte lectua is são conc l a - ma d o s a partic ipar nesta " re forma espiritua l " das ma s sa s , tra - zendo a sua mensagem de otimismo , esperança e ordem . No ed ital do concurso , Marcondes F i lho esclareceria que a s obra s pre l imin� res seriam publicadas em edições populares a serem d i s tribuída s aos traba lhadores a travé s dos s indica tos ; e a peça vencedora se- . , , 6 3 r1a encenada nos sindicatos as vespera s do Nata l . O D I P e o Ministério do Trabalho agiriam em íntima conexã o , poi s ambos ti- nham como ponto comum a e laboração de uma po lítica cul tura l des- t inada às camadas populares . O regime teria uma pos ição ambígua quanto ao tea tro de revista : se o criticava pe las sua s espor�d ica s demonstrações de c ivi smo e seu agudo senso de s�tira social; procurava, suprimir ao mes- 6 3 Sobre a questão do tea tro prolet�rio, consulta r : A Manhã , 16 j a n . 1944 , p . 5 ; Cena Muda , 27 jul . 194 3 , p . 6 ; �0��B�r�a�s�1�' 1��d=e hoje, de ontem e de "manhã , j a n . 1940 , p . 14- 16 e E s tudos e Conferência s , n � 19 , abr o 1943 , p . 5 9 . 3 9 mo tempo , pene trar nesse espaço . Reve r ter , na medida , do PO S S l. - ve l , a l inguagem s a t í r ica e humorística aos objet ivos do regime foi então a tá tica ma i s a certada . Nas peça s d e crítica po l í t ica era comum Varga s encena r a f igura do "bom malandro " , capa z d e qua lquer j ogada para de fender a s sua s idéia s . ° I H P f icava s a t i s fe i to com esta imagem e o povo também, porque " tinha um ma - 64 la ndro que tomava conta d e l e s " . Assim , o próprio Vargas iria estimul a r piadas a seu respe i t o , a rgumentando que eram " uma e s - pécie de term�metro d o sentimento popul a r " . 6 5 Apropr iando - s e d e expre s sões , idé i a s e valores populare s , o regime buscava sin- tonizar - s e ideologicamente com o con j unto da soc iedade . Pa ra ob- ter e sta s intonia , de um lado a censura , de outro certa flexibi- l idade ou tolerância com os valores que se mostra ssem capa ze s de serem integrados à ideologia oficia l . Pelo expos to a t é agora , fica c l a ra a eficiência do D I P n a montagem da doutrina estado-novi s ta . Funcionando como org a - i n i smo onipresente que penetra todos os poros da soc iedade , e s ta entidade constrói uma ideologia que abarca desde a s cartilhas in fantis aos j orna i s nacion a i s , pa s sando pelo teatro , mú sica , c i - nema e ma rcando a sua presença inc lus ive n o carnava l . Pode - se mesmo a f irmar que nenhum governo anterior teve tanto empenho em s e legitimar e nem recorreu a a paratos de propaganda tão sofis- t icados conforme fez o E stado Novo . É evidente que na constru- 64 LAGO , Mário . Mário Lago sem nenhuma vaidade p . 8 , ci tado por GARC IA, Nél son Jahr . Ideo logia e propaganda po l ítica . são Paulo , Loyo l a , 1 9 8 2 . 6 5 ' P E I X O TO , AI z i r a Va r g a s d o Ama r a 1 . .."G�e,-t�u�1�i�0.L......:V!Ca,,-,-r7g,:,a=-s,,-,-, __ m=e,-,u,,--,:,p,::a:-:ic- ' p . 7 3 , c i tado por GARC IA, Né l son Jahr . Op . cit o p . 1 0 1 . \ 4 0 ç a o d e s sa imensa e compacta rede ideológica , o s intelectua i s s e - rao personagens de importincia e s sencia l . . Atrav�s d a s pUblica- ções oficia i s do regime , como a revista Cultura pol ítica ( d i re - ç ã o de Almir de Andrade ) e o jorna l A Manhã ( d ireção de C a s s i a - n o Ricardo ) , � pos s íve l ter-se uma dimensão da e fic iência do Estado na montagem do seu pro j e to cultura l . As publicações sur- preendem pela sua capacidade organizat iva em termos ed itor iais e intelectua i s . Reunindo a s correntes ma i s h eterogênea s da in- te l ectua l idade bra s i l e ira como Carlos D rummond de Andrade , O l i - veira Viana , Cec í l ia Meire l e s , Gi lberto Freyr e , Vinícius de Mo- raes , Gustavo Barroso , Jos� Lins do Rego , Manuel Bandeira e ou- tros , o j ornal procura atrair para o seio do E stado toda a e l ite intel ectua l do período , integrando-a ao regime . o mesmo ocorre com a revista Cul tura política , que conta entre o s seus colabor� dores intelectua i s com N�l son Werneck Sodr� , Gi lberto Freyre e a t� o próprio Gra c i l iano Ramo s . A ques tão do naciona l i smo , ac irrada na con j untura de guerra , funciona como poderoso e l emento aglut inador , capaz de integrar qua s e toda a inte lectua lidade do período . A revista e enfática neste sentido , quando a f irma ace itar a colaboração de todo s , independente do seu cunho ideológ ico . Dec lara nao ter pa rtidos po l íticos , po i s a sua preocupa çao fundamenta l e a de " h d ' b ' 1 ' ,, 66 e spe l ar tu o o que e genu1namente raS1 e 1ro . 66 A propósito da revista Cultura po l í t ica , consultar o artigo de minha autoria : Cul tura e poder pol í tico no Es tado Novo ; uma conf igura ção do campo intelectua l . I n : =E�s�t�a�d�o� �� N�o�v�o�: ideologia e poder . Rio de Janeiro , Zaha r , 198 2 . p . 7 2 -108 . 4 1 Cabe ao inte lectua l d e scobrir e st e veio de autenticida - de , porque e l e é a persona l idade ma is próxima do nac iona l . Dota- do de " senso de mistério " , o inte lectua l é identi ficado como O arauto •. capaz de prenunciar a s grandes mudanças histórica s . Nes- ta perspectiva , ele deve exercer o pape l po lítico para o qua l é prede stinado . política e profecia encontram- s e , então , int ima - mente vinculadas : " O pol ítico consciente do seu pa pel e de sua vocação e sempre um profeta da rea lidade . E , na verda- - . d e , o rea l nao e somente o que co- nhecemos , ma s o que existe mesmo sem ser conhecido " . 6 7 Esta idéia d o inte lectua l -pro feta é amplamente d i fundida no interior da doutrina estado-novista . É a través d e l a que o r� gime procura e stabe lecer seus vínculos com O movimento moderni s - ta d a década de 2 0 , mos trando que ambos os movimentos s e enqua - dram no idea l de renovaçao n a c iona l . 6 7 O pensamento pol í tico d o pre s idente . Separata editoriais dos pr ime i ros 2 5 números da revista tica , abril 1943 . p . 1 1 2 - 1 7 . de a rtigos e Cul tura Po l í - 42 As raízes da bras i l idad e ; os inte lectua is modernistas e o E stado Novo "As forç a s colet iva s que provocaram o movimento revolucionário do mode� n ismo na l i teratura bra s i l e ira ( . . . ) foram as mesma s que prec ipitaram , no campo soc i a l e po l ítico , a revo lu- çao vitoriosa de 1 9 3 0 ( . . . ) pa s s a - dos os primeiros instantes e obt i- das as prime iras conquistas ma i s am pIo , ma i s gera l , ma i s complexo , si muI taneamente reformador e conser- vador . . . " ( Di scurso pronunc iado por Varg a s na Universidade do Bra s i l em 2 8. 7. 5 1 ) . Uma d a s preocupaçoes marcantes dos ideólogos do E s tado e a de mos trar que o regime do Estado Novo nao e mero produto po- l ít i c o , ma s possui sólida ba se r.u ltura l . A argumentação se de- s envolve no sen tido de mos trar que a instauração do regime exce- d e o âmbito po l ítico, uma vez que viria concret izar os anseios de renovaçao naciona l . Sob este ponto de vista , Getúlio Vargas não seria um " caud i lho" que se apo s saria arbitrar iamente do po- d e r , ma s viria atender os anseios do povo bra s i leiro, encar- 4 3 nando os idea is d a renovaçao nac iona l . 6 8 Ainda n e s s a l inha d e rac ioc ínio , o autoritari smo d e i x a de s e r visto como um recurso e s tratégico do poder pa ra vir a concretizar um anseio l a tente na própria sociedade . Este anseio estaria presente h� a l gum tempo na colet ividade , man i fe s tando - s e em todos os domínios da vida SQ c ia l . S e e l e não ec lodia é porque havia uma d is sociação entre cultura e pO l ít ica , inte lec tua i s e governo , enfim, entre o Esta- do e a sociedade . Con forme j� vimos anteriormente pelo d iscurso d e Vargas na Academia Bra s i l e ira de Letra s , esta d i s sociação da s ener- g i a s soc i a i s começaria a ser superada ' na década de 3 0 , como uma consequencia da revo lução l i ter�ria dos anos 2 0 . A idéia , e a d e que a revolução i i ter�ria , pondo em cheque os mod elos estéti- cos importado s , estaria completa com a revolução pO l í tica do Estado Novo , cujo ob j e t ivo seria o de combater os modelos po l í - t icos tidos como a l ienígena s , como O l ibera l i smo e comunismo . O ideal da bra s i l idade e da renovacão nac iona l é , então , apresentª do como o elo comum que viria unir as dua s revoluções : a artísti ca e a pOl í t ica . Na tura lmente que esta ligação entre modernismo e Estado Novo e uma invenção do regime que se apropria do evento moderni� t a como um todo uni forme , não d i s t inguindo a s v�ria s correntes de pensamento que a integra ram . Na rea l idad e , a herança moder- n i s ta no interior da ideo log ia e s tado-novista é bastante d e l imi- 68 MON I Z , Heitor . A Manhã , Rio de As origens culturais da revolução bra s i l e ira . Janeiro , 5 fev . 1944. 44 tada , à medida que recupera apenas a doutrina de um grupo : a dos verde - amarelos , composta por Cass iano Ricardo , Menotti D e l P i� chiá e P l ínio Salgado . A presença de Ca s s iano Rica rdo em pos - t o s chaves n o aparelho de Estado - diretor d o Departamento Esta- dual d e Imprensa e Propaganda ( são Paulo ) ; diretor do Depa rta- mento Cultura l da Rádio Nac iona l e do Jornal A Manhã - , esclare - c e a e spec ificidade d e vínculos entre a ideologia modernista e a do Estado Novo . No E stado Novo a questão da cul tura popula r , a busca d a s r a í z e s da bras i l idade ganham uma outra d imensão . o Estado mos - tra- s e ma is preocupado em converter a cultura em instrumento de doutrinação do que propriamente de pesquisa e de reflexã o . As- s im , a busca da bras i l idade va i desembocar na consagraçao da tradição, dos s ímbolos e heró is nac iona i s . Temos , entã o , a h i s - tória dos grandes vultos , d a s grandes e femérides , d o B r a s i l " im- pávido colosso " . As person a l idades
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