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A Violência Simbólica do Cotidiano

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A Violência Simbólica do Cotidiano
quarta­feira, 29 de agosto de 2007
O conceito de violência simbólica é utilizado por Pierre Bourdieu, sociólogo francês, ao referir­se aos
sutis mecanismos de dominação e exclusão social, utilizados por indivíduos,grupos ou instituições, e
impostos sobre outros. Tal conceito nos auxilia a compreender inúmeras situações do cotidiano em
que tal forma de violência ocorre. Falaremos aqui especificamente da Televisão. Por sua própria
estrutura e linguagem, a televisão é marcada por violência simbólica. Basta observarmos a rapidez
com que as notícias são apresentadas, passando­se por exemplo, de uma situação que expresse
miséria, guerras, chacinas, para uma situação de diversão, entretenimento, por vezes até, fictícia.
Com a mesma expressão com que se anuncia a morte, anuncia­se o último capítulo da novela, o
produto recém­lançado no mercado, o desfile do morumbi ­fashion... Passamos a “chorar pela
virtualidade” e nos tornamos passivos e apáticos frente `a realidade. A banalização da violência
explícita é uma das piores formas de violência simbólica, e trata­se de um fenômeno corriqueiro no
universo televisivo. Uma marcante expressão de violência simbólica na televisão está nas
propagandas comerciais, que enaltecem a sociedade de consumo, impondo padrões de estética, de
competitividade, de sucesso, de privacidade, de narcisismo, que fazem com que o cidadão seja
reduzido ao papel de mero consumidor, sendo reduzida sua personalidade e sua visão de mundo.
Tudo se torna mercadoria. O sexo banalizado exerce violência simbólica, especialmente sobre
crianças e adolescentes, dos quais é retirado o direito de serem preservados em sua integridade
física e psíquica. A televisão é um dos veículos que mais facilitam a disseminação dessa forma de
violência, mas tem como cúmplices pais e professores. Falemos destes últimos. Recordamo­nos de
uma professora do ensino fundamental que no ano 2000, organizava uma festa em comemoração
aos “500 de Brasil”, programando uma apresentação de meninas coreografando a (felizmente já
superada) “dança do tchan”. Observemos aí, a ocorrência de violência simbólica tripla: 1)
comemorar 500 anos de Brasil implica (se tal comemoração não for discutida de forma competente)
em negar toda a história de pré­colonização aqui existente; 2) a dança do “tchan” nega a
possibilidade de valorizar a cultura brasileira em suas raízes históricas (o que um evento desta
natureza deveria abarcar); e 3) este tipo de número expõe crianças a um erotismo precoce, do qual
não podem se defender. A Escola também incorre em violência simbólica ao incorporar e refletir uma
ideologia da igualdade das oportunidades, fundamentada numa visão liberal da educação como
instrumento que garante o sucesso e a mobilidade social para todos. Desse modo, nega o fato
evidente de que a Escola somente favorece aqueles que já são socialmente favorecidos. Além disto,
nem sempre leva em conta diferentes modos de vida dos alunos, com suas diferentes bagagens
culturais e desigualdades de classe. Conforme aponta o próprio Bourdieu, quando a Escola trata
desiguais como aparentemente iguais, já está incorrendo em violência simbólica. E é exatamente
assim que muitas vezes a Escola procede: desconsidera diferenças de classe, de cor, etnia, gênero,
cultura ­ elementos que compõem a heterogeneidade da realidade escolar, como espelho da
realidade social mais ampla. Quando a Escola ensina e avalia a partir de um único padrão, tomando
o aluno a partir de uma única medida, o resultado é óbvio: vencem aqueles que já são privilegiados!
Frente ao argumento de que a escola trata a todos de forma igual, questionamos: igual a quem?
Quem são os “iguais” tomados como modelo de aluno pela escola e pelos seus agentes? Uma das
mais contundentes formas de violência simbólica está no silêncio acerca das diferenças. No silenciar
das diferenças constitui­se um paradoxo: as diferenças mascaradas e dissimuladas são tornadas
desigualdades. Quando tratamos os alunos a partir de um modelo universal e abstrato – “todos
iguais perante a escola” – negamos as diversidades que os representam e o direito de serem
respeitados em suas diferenças. A criança universal/abstrata fundamenta­se num modelo/padrão de
normalidade socialmente arbitrado, e necessariamente arbitrado a partir das relações de dominação
e poder socialmente construídas. Negam­se as características e especificidades dos alunos como
seres concretos. Um claro exemplo pode ser a forma como a Escola por vezes nega as
especificidades étnico­raciais. Um tema­tabu para muitos professores despreparados, o preconceito
e a discriminação racial favorecem a ocorrência de violência simbólica na sala de aula. Sempre que
silenciamos as diferenças entre negros e brancos, quando dissimulamos a existência do negro, não
mencionando sua presença histórica, tomamos como padrão o branco dominante. Nesse
procedimento, o negro fica reduzido/submetido ao lugar de “não­branco”. Assim, acaba sendo
identificado pela negação, pelo que não é, e não pela diferença do seu ser, pelo que é e representa
etnicamente, historicamente e politicamente. Conseqüentemente, o aluno negro torna­se
estigmatizado, submetido a uma forma perversa de violência simbólica, que é cotidianamente
reforçada na sala de aula e, da mesma forma, pela televisão. Frente à televisão, também os
professores tornam­se vítimas da violência simbólica por ela disseminada, transformando­se em
seus cúmplices. Muitas são as situações em que as “barbaridades televisivas” são reproduzidas em
sala de aula, não raro, com a aquiescência do professor. Tudo isso parece ser fruto de agentes
sociais e educacionais alienados, que favorecem situações cotidianas em que se proliferam
diferentes formas de violência simbólica. À verdadeira educação, à educação comprometida com a
efetiva formação crítica e com a igualdade, cabe a desmistificação, a reflexão e a tomada de
consciência ativa, promovida cotidianamente por pais, professores, educadores em geral.
Elizabete David Novaes
Dra.  em  Sociologia  pela  Unesp  de  Araraquara.  Profa.  de  Sociologia  na  UNICOC­Ribeirão  Preto
(retirado in http://www.coc.com.br/sistema/jornalCOC/noticias.aspx?IdMateria=20120&IdSite=95

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