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PROJETO INTEGRADOR: ATUALIDADES CULTURAIS ME. MARIA INÊS ALMEIDA GODINHO 005 013 028 040 Aula 01: Identidade Cultural, Multiculturalismo e Intolerância Aula 02: Pensando o Gênero Aula 03: Violência Simbólica – Uma Agressão Invisível Aula 04: Representações Sociais E Estereótipos Veiculados Pela Mídia Introdução Olá!! A proposta deste módulo é trazer a você alguns assuntos que têm sido discutidos em rodas de conversas, grupos de amigos e, principalmente, nas redes sociais. São temas muito relevantes, mas que às vezes são debatidos sem embasamento e pautados pelas opiniões de senso comum, o que acaba levando, com frequência, à violência. Por isso, o objetivo aqui é apresentar informações calcadas em pesquisas cientí�cas e estudos de sociólogos e �lósofos renomados, com o cuidado de oferecer um ponto de vista histórico sobre como as questões surgiram e o porquê de às vezes chegarem à polarização. Na Aula 01, “Identidade cultural, multiculturalismo e intolerância”, abordamos uma questão que atualmente tem gerado muita polêmica em todo o mundo: a identidade cultural, que vem se tornado uma desculpa recorrente para ações de intolerância em vários países, a exemplo do atentado que matou 77 pessoas na Noruega, em 2011, ou dos insultos e agressões aos refugiados venezuelanos, aqui no Brasil. O título da Aula 02 - “Pensando o gênero” - remete justamente à proposta da abordagem. A intenção é descortinar e fazer pensar sobre um mundo que muitas vezes se mantém à sombra da sociedade, exatamente porque as pessoas que não se enquadram no padrão binário (e vamos falar de onde veio esse modelo) se isolam por sofrerem violências de todo tipo. E por falar em tipos de violência, na Aula 03 - “Violência simbólica - uma agressão invisível” - abordamos os vários tipos de agressões que não são físicas, aquelas que não causam diretamente danos ao corpo, mas que têm efeitos que poderão prejudicar a saúde mental da vítima. São as agressões verbais, psicológicas, morais e muitas outras, que se manifestam como uma coerção ou opressão ou então em formas mais violentas, como as agressões verbais. Mas todas se caracterizam por serem tipos de desconstrução moral que constantemente ocorrem anteriormente à agressão física. Na Aula 04, “Representações sociais e estereótipos veiculados pela mídia”, tentamos alertar como a mídia pode in�uenciar nossos comportamentos a partir de representações que traduzem ideias sobre pessoas e ações que estão arraigadas na sociedade em que vivemos. Mas nem sempre as representações são positivas, isto é, nem sempre sinalizam aquilo que uma pessoa é de verdade ou os comportamentos reais de um grupo de pessoas ou uma comunidade. Neste caso, as representações são negativas - e damos a elas o nome de estereótipos - porque generalizam características que excluem e reforçam preconceitos, e, muitas vezes são gatilhos para ações de intolerância. A partir dessas aulas queremos fazer você pensar como a intolerância, que perpassa todos os assuntos aqui abordados, com certeza não é o melhor caminho para a construção de uma sociedade conciliadora e cordial. Esperamos que você goste! Identidade Cultural, Multiculturalismo e Intolerância AULA 01 O que você entende por identidade cultural? E sobre sua relação com a intolerância, esse assunto que tanto se discute em rodas de conversas e na mídia? Pode não parecer, mas a identidade cultural muitas vezes é responsável pela intolerância de uma comunidade em relação aos estrangeiros, ou também a pessoas que não se comportam ou não têm ideias e crenças parecidas como as de seu grupo de origem. Ou como se diz nas ciências humanas, têm intolerância ao “outro”, aquele ser estranho a nós mesmos. Identidade Mas antes de abordarmos o que é identidade cultural, temos que entender primeiro o que é identidade. A primeira coisa, a saber, é que a identidade não é algo inato ao indivíduo, isto é, não é algo que é natural, congênito. A identidade é construída durante toda a nossa vida, e, inclusive, as pessoas podem ter muitas identidades, que às vezes são até contraditórias, já que vão se formando no transcorrer de sua existência e se modi�cando em função da época e das experiências vividas em sociedade. Os tipos de identidade também foram mudando ao longo dos tempos. O indivíduo do século XVIII, por exemplo, tinha uma identidade estável, construída a partir de seu nascimento em famílias com hábitos e costumes muito sólidos, os quais, por sua vez, eram de�nidos por regras e valores próprios da comunidade em que viviam. Como nessa época as pessoas normalmente passavam a vida �xada em um mesmo local, sua identidade as acompanhava até a morte. Já no início do século XX, com a sociedade mundial se tornando mais complexa em razão das mudanças econômicas trazidas pela industrialização e pela crescente urbanização, e in�uenciadas também pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, que possibilitaram que os indivíduos começassem a manter um contato maior com pessoas e grupos de outras sociedades, a identidade dos sujeitos passou a se alterar, mas ainda possuía seu núcleo interior. Existia, assim, uma interação entre “interior” (o indivíduo) e “exterior” (a sociedade). Já na sociedade pós-moderna tudo mudou. Mas antes vamos entender o que é sociedade pós-moderna ou modernidade tardia: trata-se do período sociocultural que se inicia a partir dos anos 1980 - tendo como marco a derrubada do Muro de Berlim, em 1989, que representou o �m do socialismo - e se estende até os dias atuais. A pós-modernidade caracteriza-se, então, por ser uma época dominada pelo sistema capitalista, que por sua vez integrou os mercados �nanceiros, o que levou à tão falada globalização, que vem a ser o processo de aproximação - econômica, política, social e cultural - entre as diversas sociedades e nações do globo. A globalização propiciou que informações e conhecimentos atravessassem fronteiras, chegando a quase todas as sociedades mundiais, o que foi multiplicado exponencialmente pelo advento da internet. Além disso, o rápido desenvolvimento dos meios de transporte possibilitou um trânsito mais intenso de pessoas entre os países. Assim, integrando e conectando comunidades e indivíduos, a globalização acabou por desestabilizar as identidades, já que, mesmo que os locais onde estão nossas raízes permaneçam �xos, o espaço entre outros locais pode ser “cruzado” pelos processos globais. Por isso, no contexto da pós-modernidade, a identidade razoavelmente estável construída até a metade do século XX foi de�nitivamente desarticulada, abrindo espaço para que as pessoas assumissem identidades diferentes em diferentes momentos de suas vidas. O sujeito tornou-se, então, ao mesmo tempo um e muitos. O sociólogo inglês Stuart Hall (2006) denomina essa nova construção de “identidade móvel”. Agora, podemos chegar à noção de identidade cultural. Trata-se de um conceito que resume o sentimento de pertencimento de um indivíduo a um grupo social, ou seja, a ligação de uma pessoa à cultura da comunidade onde ela vive, cultura essa representada pelas crenças, costumes, tradições, história e linguagem, que ela respeita e compartilha com outros membros de seu grupo social. No caso da identidade cultural relativa à nação (que também pode ser denominada identidade nacional), devemos ter claro que sua construção não é composta apenas de fatos concretos que aconteceram ou acontecem na realidade de um país, mas trata-se também de uma identidade constituída pelos símbolos culturais e representações sociais desta nação, que nascem de histórias contadas por meio de gerações sobre seu surgimento e sobre seus habitantes, de suas tradições - que às vezes são até mesmo inventadas - e oriundas da memória do povo. Por isso dizemos que a identidade nacional é uma construção, e não uma realidade inquestionável. O historiador norte-americano Benedict Anderson (1983) deu o nome de “comunidades imaginadas” a esse fenômeno, pois se trata de uma criação histórica que se fortaleceu durante séculos e acabou de�nindoo que é nosso País e o que somos como parte dele. Assim, a identidade cultural conecta o presente ao passado, e por isso in�uencia e organiza as ações e comportamentos dos cidadãos, sendo de�nitiva para a concepção que temos de nós mesmos e de nossa sociedade. Identidade Cultural e Multiculturalismo A identidade cultural está estritamente ligada ao conceito de diversidade, já que existem diferentes identidades culturais em todo o mundo, compostas, como vimos, pelo conjunto de costumes e tradições de cada povo que habita nosso planeta. Mesmo em um único país existem várias identidades culturais. Aqui mesmo no Brasil, temos culturas muito distintas umas das outras em cada região do país, e até entre cidades muito próximas. Isso porque cada comunidade teve sua identidade cultural formada por histórias e in�uências muito diferentes: algumas foram fundadas por portugueses, outras por japoneses, africanos, espanhóis, árabes, holandeses, alemães, etc. É só parar para pensar na quantidade de sotaques e palavras diferentes que temos no Brasil! A globalização colocou todos nós em contato com as diversas culturas, e hoje, principalmente através da internet, é muito fácil ter contato e interagir com outras identidades. A constante migração de pessoas entre várias partes do mundo também contribuiu para essa interação. O Brasil, inclusive, é um dos países que mais recebe imigrantes, desde o início de sua história, e tem tradição de recebê-los de braços abertos, por isso é considerado um país multicultural. O multiculturalismo foi um termo criado para denominar a convivência pací�ca entre os vários tipos de culturas que convivem em um mesmo país ou comunidade. Mas o que deveria ser visto como uma coisa boa, pois o contato com outras culturas traz novos saberes e posturas, é visto, por muitos, como uma ameaça à estabilidade de uma nação. O problema é que mais recentemente a globalização acabou promovendo uma interação muitas vezes forçada dessas diversas identidades, como é o caso dos estrangeiros que, ao fugirem de guerras e da pobreza em seus países, imigram em grande escala para outras nações, o que gera medo entre a população nativa. E este medo provoca uma volta ao regionalismo, isto é, um maior apego do indivíduo à sua identidade cultural. É o que temos percebido a partir das tentativas de a�rmação das identidades nacionais: reações violentas de vários grupos extremistas em muitos países europeus, e ainda o fechamento das nações frente às ondas migratórias, como é o caso da insistência do presidente norte-americano Donald Trump em construir um muro que separe o México dos Estados Unidos. Essa ação de�ne bem o que chamamos intolerância. Intolerância Vamos retomar a questão da identidade cultural para entendermos melhor a relação entre ela e a intolerância. Vimos que a identidade cultural faz com que nós, como indivíduos que vivem em um país, compartilhemos de um mesmo sentimento em relação a ele, e um destes sentimentos é o de defesa de nossas tradições e costumes. E é aí que amarramos os dois conceitos. Atualmente o tema intolerância está presente em muitas notícias e conversas, principalmente nas redes sociais. E quando não está relacionada à questão do gênero - que vamos abordar em nossa segunda aula -, a intolerância quase sempre tem como foco os imigrantes, que se veem obrigados a deixar seus países à procura por uma vida melhor em outras nações por causa de con�itos políticos, perseguições raciais ou religiosas e também pela pobreza extrema. Frequentemente o jornalismo nos traz informações sobre navios que desembarcam milhares de imigrantes nas cidades europeias, mas muitas vezes os países não permitem a entrada dessas pessoas. É o caso dos sírios que se espalham por todo o continente europeu fugindo da violência do grupo extremista Estado Islâmico. Ainda que em menor escala, estamos presenciando o mesmo movimento aqui no Brasil com os venezuelanos que diariamente fogem de seu país, primeiramente para cidades do estado de Roraima e logo depois para cidades mais afastadas. Enquanto temos conhecimento de pessoas e grupos que acolhem com carinho e prontidão essa população imigrante, por outro lado nos chegam informações sobre violentos con�itos nas cidades fronteiriças, as mais procuradas pelos venezuelanos, pois nesses locais podem �car mais perto das famílias que ainda estão estabelecidas no país vizinho. Em casos como os descritos acima, esse con�ito entre população nativa e imigrante se dá preferencialmente a partir de duas situações. A primeira diz respeito a um medo objetivo que decorre da a�uência de milhares de pessoas às comunidades, que podem vivenciar, por exemplo, uma diminuição da oferta de emprego e o aumento da violência. A segunda situação trata do medo imaginário, aquele que não parte de uma razão concreta para existir, mas que pode ser mais assustador que o medo real. Um exemplo deste tipo de medo é exatamente o temor da perda da identidade da população dos países que recebem esses imigrantes. Claro que este tipo de medo parte de um medo legítimo, mas é importante entender que ele atinge a pessoas que não têm culpa disso. Como o que aconteceu na Noruega, em 2011. O cientista político francês Jacques Sémelin (2009) a�rma que em momentos de crise, as pessoas, principalmente as mais pobres, veem com incerteza o futuro, e assim o medo imaginário se fortalece e se espalha por toda a comunidade. Ele explica que os acontecimentos reais na verdade não têm tanta importância, mas sim a percepção que se tem dessas situações incertas. E no caso de grave estresse coletivo, como o risco de desemprego de boa parte da população, os indivíduos de uma nação, ou até de um continente, têm a sensação de que sua comunidade está fragilizada, de que suas referências fundamentais – tradição, família, religião, costumes, etc. – estão desestabilizadas, o que, em sua percepção, pode abrir brechas para um caos ainda maior. Então, a comunidade passa a defender estas referências, e, por extensão, sua identidade cultural. E aí nesta defesa o alvo são os imigrantes, o “outro” que é diferente de nós, aquele que, neste processo de medo imaginário, está colocando em risco a estabilidade da nação por ameaçar com sua própria identidade cultural as referências nativas. Como esclarece Semélin, é comum que em situações instáveis as comunidades criem um inimigo comum, que, para o grupo, é a causa de todos os seus males. Neste raciocínio, a exclusão deste inimigo imaginário acabaria, então, com os problemas por que passa a comunidade, e é aí que começa a intolerância. É por isso que o multiculturalismo, que na verdade é um fenômeno tão enriquecedor, atualmente tem sido visto por muita gente como uma ameaça, e provocando violências e discursos de ódio. Assim, para evitar con�itos e agressões, devemos sempre estimular a tolerância, o respeito e a aceitação de pessoas, culturas e crenças diferentes das nossas, e rea�rmar que a convivência com o multiculturalismo traz crescimento a todos, nativos e imigrantes. Acesse o link: Disponível aqui Todos os dias somos inundados por discursos de ódio nas redes sociais, e muitos são ataques a estrangeiros. Pensando nesse problema a SaferNet, instituição mundial sem �ns lucrativos que monitora violações dos direitos humanos na internet, elencou alguns comportamentos que podem ajudar a fazer das redes sociais um ambiente mais saudável. https://new.safernet.org.br/content/cinco-dicas-para-buscar-mais-empatia-e-dialogo-na-internet#mobile Pensando o Gênero AULA 02 Atualmente vemos e ouvimos na mídia, principalmente nas redes sociais, pessoas discutindo sobre gênero, sexo e orientação sexual. Mas você sabe de�nir o que é cada um destes conceitos? É difícil mesmo, pois somente há pouco tempo eles se tornaram pauta em nossas conversas. A �lósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) iniciou o debate sobre a diferenciação entre sexo e gênero em seu livro “O segundo sexo”, de 1949. Na obra, a autora debatia a perspectiva de que a existência precedia a essência: umamulher não nasce mulher, e sim se torna mulher durante sua vida. A autora defendia que o papel da mulher na sociedade não deveria ser imposto por uma determinação biológica ou um desígnio divino, mas sim, construído socialmente durante suas vidas. Assim, Beauvoir abriu espaço para um debate mais aprofundado sobre a questão, mas ainda sem conceituar gênero. Essa tarefa coube ao psicólogo e sexólogo norte-americano John William Money (1921-2006), que em 1955 introduziu a distinção terminológica entre sexo biológico e gênero. Foi ele quem iniciou as pesquisas sobre os papéis sociais como prioritários para a construção da identidade de um indivíduo, sobrepondo- se à designação sexual. Mas somente a partir da década de 1970, com o surgimento do movimento feminista, é que a palavra gênero conseguiu mais visibilidade, o que alavancou signi�cativamente as pesquisas sobre o tema nas Ciências Sociais. Na época, a distinção entre sexo e gênero foi utilizada para explicar a desigualdade entre homens e mulheres, mas hoje essa questão também envolve a discriminação, a opressão e a violência contra qualquer indivíduo que não se enquadre no binarismo homem-mulher. Vejamos agora cada um destes conceitos. Sexo, gênero, orientação sexual e expressão de gênero Diferença entre sexo e gênero O sexo de uma pessoa é de�nido pelos médicos quando ela nasce, por meio da observação de suas características biológicas, ou seja, de sua genitália, de seus cromossomos sexuais e dos hormônios produzidos em seu corpo. Essa determinação binária - macho ou fêmea - também é estabelecida para os animais e vegetais. Existem também os indivíduos que possuem simultaneamente órgãos masculinos e femininos, denominados hermafroditas. Assim, são as especi�cidades biológicas que vão enquadrar essa pessoa como um indivíduo do sexo masculino ou do sexo feminino. Por isso dizemos que o sexo é uma de�nição biológica. Mas durante sua vida a pessoa pode se identi�car com o sexo diferente daquele de�nido quando ela nasceu. É aí que entra o conceito de gênero. O gênero refere-se à identidade que uma pessoa constrói para si durante a vida, ou seja, está relacionado com o papel que o indivíduo tem na sociedade e como ele se reconhece, e não com o sexo que lhe foi de�nido por outra pessoa no dia de seu nascimento. É por isso que o conceito também é chamado de identidade de gênero. Identidade de gênero Existem mais de 150 de�nições de identidade de gênero, mas não se preocupe, porque ninguém consegue reconhecer prontamente todas elas! A sigla LGBTQ+ foi criada justamente com o objetivo de incorporar todas essas identidades, por isso é que de tempos em tempos novas letras entram em sua formatação. Atualmente, o sinal + representa qualquer identidade que não seja coberta pelas outras iniciais: L – lésbica, G – Gay, B – bissexual, T- travesti ou transgênero e Q – queer, sendo que esta última é a inicial de um termo inglês que denomina distintas identidades de gênero. Também é chamado de genderqueer ou gênero queer. Vale lembrar que apesar desses termos terem se tornado mais comuns de uma década para cá, eles já existiam há muito tempo, mas tomaram força na década de 1990, fazendo com que pessoas que assumem estas identidades fossem vistas e ouvidas. Não precisamos saber todas as denominações para entender a questão do gênero e demonstrar respeito às pessoas que se expressam diferentemente de nós. O importante é entender as denominações básicas: cisgênero e transgênero. Cisgênero é a pessoa cuja identidade de gênero é compatível com o sexo determinado no seu nascimento. Ou seja, se uma pessoa tem características biológicas de uma mulher, por exemplo, e se sente identi�cada psicológica e sexualmente com elas, então é uma mulher cisgênero. Por ser a categoria em que se enquadra o padrão binário homem/mulher, é também chamada de cisnormatividade. Já o transgênero é aquele indivíduo que nasce com características biológicas de determinado sexo - de um homem, por exemplo - mas que durante sua vida vai se identi�cando com os comportamentos e atributos do outro sexo - mulher, neste caso -, e em dado momento decide iniciar uma transição física e psicológica para este gênero com o qual mais se sente confortável. Assim, esse homem que demos como exemplo, com o tempo vai assumindo um visual e um comportamento feminino, e passa a ser denominado mulher transgênero - ou mulher trans -, porque agora ele se apresenta como uma mulher. Como já dissemos, a identidade de gênero não comporta apenas duas denominações, então, além de cisgênero e transgênero foi criado o termo “não binário” a �m de abranger outras identidades de gênero. Trata-se, então, de um termo “guarda--chuva" que identi�ca pessoas que não se percebem pertencentes exclusivamente a um gênero. Orientação sexual e expressão de gênero Orientação sexual diz respeito à atração que uma pessoa, de qualquer sexo/gênero, sente por outros indivíduos. É uma questão afetiva e emocional, e não somente sexual. O conceito veio substituir os termos “opção sexual”, “escolha sexual” e “preferência sexual”, já que não se trata de uma preferência ou seleção de parceiros, e sim de uma construção afetiva e sexual que percorre sua vida. Quem escolheria ser homossexual, por exemplo, em um mundo tão preconceituoso? Por isso hoje dizemos “orientação sexual”. A orientação sexual normalmente é dividida em quatro categorias. Se uma pessoa tem atração por um indivíduo do sexo/gênero oposto do dela, dizemos que ela é heterossexual ou heteroafetiva, sendo este último termo o mais usado atualmente, já que põe em predomínio a ligação afetiva e não somente a relação sexual. Já se o desejo incidir sobre uma pessoa do mesmo sexo/gênero, ela é homossexual (ou homoafetivo). No caso da atração se direcionar a ambos os sexos/gêneros, dizemos que ela é bissexual (ou biafetivo). Existem ainda as pessoas que se declaram assexuadas, já que não têm atração ou desejo por nenhum dos sexos/gêneros. Alguns pesquisadores adotam, ainda, como quinta categoria a denominação pansexual, que se refere àquelas pessoas cuja atração independe do sexo/gênero. Devemos observar que atualmente o termo “homossexualismo” não deve ser usado, já que o su�xo “ismo” está relacionado às doenças. Vale lembrar que aqui no Brasil, até 1990, esta orientação sexual era considerada uma moléstia que deveria ser tratada e curada. Hoje preferimos homossexualidade, cujo su�xo está ligado à identidade. Expressão de gênero, como o nome já diz, é a denominação dada à forma como a pessoa se expressa: de maneira tipicamente feminina ou por características do comportamento masculino, levando-se em consideração seu jeito de falar, de se vestir, os acessórios que usa, seu estilo de cabelo, a linguagem corporal, etc. E o que é ideologia de gênero? A expressão "ideologia de gênero" foi criada pela ala conservadora da igreja católica durante a década de 1970 em reação aos movimentos feministas, que lutavam contra a submissão da mulher ao homem, um dos pilares da estrutura patriarcal e da tradicional família cristã. No entendimento da Igreja, os estudos de gênero seriam um instrumento de dominação que tenta convencer e persuadir as pessoas a assumirem outros gêneros que não aqueles criados por Deus: “homem” e “mulher”. O termo não é reconhecido no mundo acadêmico, já que não se trata de uma ideologia, e sim de uma área de estudo cujo objetivo é alertar para discriminação de gênero e, assim, tentar acabar com a violência que acomete a comunidade LGBTQ+. Acesse o link: Disponível aqui A Mattel, fabricante da boneca Barbie, lançou uma linha chamada Mundo Criativo, em que as bonecas - ou bonecos - não têm gênero de�nido: têm corpo de adolescente, sem características de homens ou mulheres - e vêm com acessórios para as crianças personalizarem o brinquedo do jeito que preferirem, de acordo com o gênero que escolherem. https://veja.abril.com.br/entretenimento/menina-ou-menino-conheca-a-barbie-sem-genero/ Identidade padrão e intolerância Como já comentamos na Aula 01,o gênero é um dos principais focos de intolerância. Mas por que existe tanta violência envolvendo pessoas que não se identi�cam simplesmente como homens ou mulheres; que assumem outra identidade de gênero? Essa questão tem raízes tão profundas que não conseguimos enxergar que o binarismo homem/mulher é uma construção social, como já dissemos. Trata-se de um padrão elaborado a partir de uma categorização arti�cial que dividiu a humanidade somente em dois gêneros: ou a pessoa é homem ou é mulher. Este padrão nasceu na Europa a partir da estrutura familiar patriarcal - que concede o poder ao homem - e se estendeu aos países por ela colonizados durante séculos. Esse padrão também separou os indivíduos por raça/cor - priorizando a branca - e pela orientação sexual - a heterossexual. Com isso, através dos tempos o padrão homem, branco e heterossexual foi considerado o modelo ideal para todos os indivíduos do mundo, e foi responsável por de�nir padrões de condutas, necessidades e emoções, sem levar em conta as especi�cidades, tradições e comportamentos originais de cada região do mundo e os interesses e sentimentos de cada pessoa. E assim, as pessoas que não se enquadravam no binarismo homem/mulher acabaram sendo excluídas de vários âmbitos da sociedade - político, legal, empresarial, etc. Podemos entender melhor por que o padrão binário é arti�cial a partir dos conceitos igualdade e diferença. E logo depois, vamos entender de que forma esse padrão se inseriu na sociedade a partir da formação da família patriarcal. Igualdade e diferença como construções arbitrárias Igualdade ou diferença entre pessoas ou grupos de pessoas não são parâmetros que foram de�nidos por razões ditas naturais, mas sim pontos de vista construídos historicamente, isto é, foram sendo determinados pela sociedade e suas instituições - governo, família, igreja, escola, etc. - ao longo dos tempos e de acordo com aquilo que interessava a quem tinha ou queria poder. A historiadora norte-americana Joan Scott (2005) explica que a relação entre os conceitos igualdade e diferença foram utilizados durante toda a história do mundo para diferenciar qualidades, direitos e posições sociais, e, assim, privilegiar determinados grupos de pessoas. Por isso essas escolhas morais e éticas variam de uma época para outra. Scott conta que na Revolução Francesa (1789 a 1799) a igualdade consistia em uma promessa de que todos os indivíduos franceses - sem distinção de raça, classe ou sexo - teriam seus direitos de cidadãos assegurados quanto à participação política e representação legal. Mas não foi isso que aconteceu na realidade: a cidadania foi negada às mulheres com a desculpa de que suas tarefas domésticas e o cuidado com os �lhos eram um impedimento à participação política. Assim, na efervescência da Revolução Francesa, que tinha como lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, a igualdade não valia para as mulheres. E você deve ter pensado: “mas isso ainda é verdadeiro hoje”. Com certeza! E outras diferenciações, além daquelas fundamentadas no sexo de uma pessoa, ainda continuam sendo rea�rmadas, como a cor da pele e posse de bens. Para explicar como a diferença é um conceito construído diferentemente em cada contexto histórico, Scott dá como exemplo o posicionamento do Marquês de Condorcet (1743-1794), �lósofo e matemático francês e um dos poucos homens que questionavam as razões para a exclusão das mulheres dos direitos civis e políticos. Ele defendia as mulheres, a�rmando que elas tinham “as mesmas capacidades morais e racionais dos homens”. Mas, segundo Scott, o marquês não tinha tanta certeza de que negros deveriam exercer a cidadania, por isso aceitava que eles fossem excluídos das discussões. O que estava em jogo, então, era a crença de que os indivíduos possuíam características especí�cas, como a cor de sua pele ou suas diferenças anatômicas (sexo), que deveriam excluir e justi�car em termos de raça ou gênero os que não se enquadravam no padrão homem-branco. A submissão imposta às mulheres e a escravidão dos negros em inúmeros países foram construídas a partir dessa ideia. Como explica a autora, o problema de as mulheres não serem consideradas iguais aos homens reside no fato de que pertencem a uma categoria de pessoas com características especí�cas, isto é, a um grupo. Só que essas características não são naturais, e sim construídas e depois naturalizadas como se fossem verdades concretas. Resumindo, como aponta Scott (2005, p. 18), “somente aqueles que não se assemelham ao indivíduo normativo têm sido considerados diferentes”, e, assim, sua exclusão é legitimada por quem detém o poder econômico ou social. E a autora alerta, nessa situação, que a tensão entre indivíduos e grupos acaba emergindo, já que quando certos grupos são “valorizados em detrimento de outros, ou quando um conjunto de características biológicas ou religiosas ou étnicas ou culturais é valorizado em relação a outros”, o resultado é sempre a violência, como reação de quem não se conforma com o excluído ou como ofensiva de quem provoca a exclusão e vê seu domínio sendo rompido. A estrutura da família patriarcal – um mecanismo de categorização A família é uma força social que envolve o indivíduo na maior parte de sua vida, por isso padrões hierárquicos e regras de conduta social são repassados pela família à sociedade, e da sociedade de volta à família, em um continuum de realimentação perpetuado de geração a geração. Assim, a família funciona, então, como uma instância controladora que acaba por de�nir a vida social de seus membros e de toda a sociedade. Os papéis sociais do homem e da mulher são exemplos de valores desenhados a partir da família e replicados nos vários outros papéis que os indivíduos exercem na sociedade, como aponta Goode (1970, p. 17): “o desempenho de um papel que é aprendido na família se torna o modelo ou o protótipo do desempenho dos papéis exigidos nos outros segmentos da sociedade”. A estrutura dominante de família, na sociedade capitalista, do século XX, de acordo com Poster (1979, p. 186), é a família burguesa europeia, marcada pela �gura central do patriarca (pai ou marido), que é ao mesmo tempo chefe da família (composta por indivíduos com laços de sangue e/ou agregados) e administrador das posses. Além da estrutura hierarquizada que garante a autoridade e o poder, a família burguesa tem ainda como características uma rígida divisão social do trabalho, com atribuições e tarefas divididas entre masculinas e femininas; o controle da sexualidade feminina e uma dupla moral sexual, em que a mulher sofre um rígido controle sobre seus desejos e posturas, que vamos ver mais detalhadamente na Aula 03. Esse modelo foi o ponto de partida da história da instituição familiar de todo o Ocidente, incluindo-se aí o Brasil, e se estendeu a toda a sociedade, sendo reforçada por outras instituições disciplinadoras, a exemplo da Igreja e do Estado, e mais tarde pelas representações sociais postas em circulação pela mídia (e isso é assunto da Aula 04). Isso fez com que o modelo de família patriarcal fosse acolhido como verdadeiro e desejado como um ideal de vida doméstica, e assim todos os outros arranjos familiares que não fossem similares a ele - como as famílias matrifocais, em que a mãe é o centro - passaram à esfera do “anormal”, “desestruturada” ou “incompleta”. Assim, esse padrão familiar impôs suas normas e fez com que os indivíduos aceitassem os papéis designados a eles e naturalizassem condutas que, na verdade, são socialmente construídas e normatizadas, a exemplo da autoridade e da violência do homem e da sujeição e da passividade das mulheres, como lembra Sa�oti (2015, p. 37): “elas são socializadas para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao contrário, são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas, que revelem força e coragem”. Dentro da estrutura social em que vivemos, indivíduos da comunidade LGBTQ+ são alvo de constantes violências. E o Brasil tem uma das maiores taxasmundiais de mortes entre essa comunidade. De acordo com dados do monitoramento do GGB - Grupo Gay da Bahia, publicados pela Folha de São Paulo, em 17/05/2019, de janeiro a maio deste ano foram registradas 141 mortes de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Se �zermos a conta por mês, teremos uma pessoa da comunidade LGBTQ+ assassinada a cada 23 horas no país. E a pesquisa também mostra uma realidade ainda mais cruel: o número de vítimas mortas dentro de casa foi maior do que na rua - 36 contra 28 -, o que revela a intolerância dentro das próprias famílias das vítimas. Diferença leva à desigualdade, que leva à violência Podemos perceber que a construção da diferença entre os gêneros se dá através do que Pierre Bourdieu (1999) denomina “ocultação dos mecanismos básicos de diferenciação”. O autor aponta que a diferenciação costumeiramente de�nida como natural - masculino ou feminino - que parece algo concreto, pois assim a conhecemos durante séculos, nada mais é que um trabalho de eternização de uma diferença criada pelas instituições que permeiam nossa vida, a exemplo da família, da igreja e da escola, como já dissemos, com o objetivo de criar padrões de controle e disciplina. O problema é que esse sistema de diferenciação acaba levando a desigualdades, já que é usado para estabelecer uma hierarquia e criar privilégios. Assim, quem está fora do padrão torna-se vulnerável e discriminado. No caso do gênero, a intolerância a outros tipos de identidade que não se enquadrem no padrão binário acaba por provocar o isolamento social e di�culdades de relacionamento, já que, por sentir-se excluído do modelo construído pela sociedade, o indivíduo se isola por medo de ser rejeitado ou por medo que outras pessoas descubram sua situação. É muito comum também que a pessoa esconda sua identidade para não magoar as pessoas queridas ou para proteger a família dos comentários dos outros. Outro problema é o desemprego, já que muitas empresas não contratam homossexuais ou transexuais, por exemplo, o que acaba empurrando esses indivíduos para a prostituição ou para o trá�co de pessoas. Quem está fora do padrão binário também acaba sendo alvo de todos os tipos de violência, seja física, sexual, moral ou psicológica. Vamos ver melhor cada tipo de violência na Aula 03. Como respeitar as diversas identidades de gênero: NUNCA: Comentários preconceituosos. Presumir que uma pessoa é homossexual ou heterossexual pelo modo de se vestir. Divulgar a orientação sexual de uma pessoa; é a intimidade dela que está em jogo. Fonte: Manual Orientador sobre Diversidade 2018 - Ministério dos Direitos Humanos. Acesse o link Disponível aqui SEMPRE: Respeitar, não importa se você concorda ou não. Tratar pelo nome social. Aplicar pronome e etiqueta social de acordo com o gênero com que a pessoa se apresenta. https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/dezembro/ministerio-lanca-manual-orientador-de-diversidade/copy_of_ManualLGBTDIGITAL.pdf Violência Simbólica – Uma Agressão Invisível AULA 03 Quando ouvimos alguém falar em violência, o que logo nos vêm à cabeça são as agressões ao corpo, como socos, tapas, perfurações por armas de fogo, facas e objetos cortantes, estupros, violações, assassinatos, etc. Mas existem outros tipos de ações que nos agridem tanto ou mais que a violência física. É a violência simbólica, um tipo de agressão que, apesar de não ser visível no corpo da pessoa, geralmente causa um dano irreparável em suas vítimas. Em seu espectro se encontram a discriminação, os constrangimentos, os insultos, as humilhações, e todos os tipos de agressões verbais, morais e psicológicas. Além desses casos, completa o rol de violências simbólicas um tipo de perseguição moral em que estão incluídos o bullying, o assédio sexual e o assédio moral. Violência simbólica – uma desconstrução moral Bourdieu (1989) chama de violência simbólica o método de desmoralização que investe contra o indivíduo de forma tão ou mais cruel que a violência física, já que objetiva a imposição de poder por via moral ou psicológica. Para o autor, ela é consequência do poder simbólico, um poder invisível, construído por relações de poder muito arraigadas na sociedade, e que têm como principal função impor o modo de vida e a ideologia de uma classe ou grupo sobre outro. O poder simbólico atua como uma autoridade oculta que regula os comportamentos e as práticas dos membros de uma sociedade e tem força su�ciente para moldar a identidade desses indivíduos, pois se fundamenta na construção de valores, regras e normas de conduta que induzem essas pessoas a se comportar segundo os critérios da classe que tem o poder, e normalmente sem ter a percepção de que são ideias impostas. Assim, a violência que esse tipo de poder traz consigo também é simbólica, por se apresentar de forma camu�ada, sutil, sem que a vítima perceba que se trata de uma violência. Bordieu (1989, p. 47) explica que a violência simbólica se realiza como um tipo de agressão “invisível às suas próprias vítimas e exercida pelas vias mais sutis de dominação”. O autor ainda a�rma que nesse sistema o oprimido não vê a violência como um instrumento de imposição ou de legitimação da dominação, mas sim como um tipo de respeito que "naturalmente" se exerce de um para outro e pela incapacidade crítica de reconhecer a arbitrariedade das regras estabelecidas. É por isso, que, como explica Bourdieu, a violência simbólica é consentida: “os dominados não se opõem ao seu opressor, já que não se percebem como vítimas deste processo” e neste círculo a violência simbólica continua. Existem diversos tipos de violência simbólica, a exemplo da violência de gênero, como vimos na Aula 02, que inclui também a violência doméstica, que no Brasil é um dos tipos que mais mata. Violência doméstica Trata-se de qualquer tipo de agressão que acontece dentro do espaço doméstico, ou seja, dentro do lar de uma família. Normalmente está relacionada às agressões dos homens contra as mulheres. Esse tipo de violência começa com a degradação da vítima com insultos e humilhações e pode se intensi�car até chegar ao assassinato. É o chamado feminicídio, um tipo de crime designado pela morte de uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher, e, como aponta Bandeira (2013), “representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte”. O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como a�rmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto(...); como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou des�guração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher/Relatório Final, CPMI-VCM, 2013). Dados do Atlas da Violência (CERQUEIRA, 2018) mostram que os números computados em todo o Brasil são assustadores: em 2016, último ano aferido pelo Atlas, 4.645 mulheres foram assassinadas no país em razão do gênero, e é sempre cometido por homens contra mulheres que fazem parte de sua vida íntima - esposas, companheiras ou namoradas - e têm como motivações o ódio, o desprezo ou a perda do controle sobre elas. Em episódios de violência doméstica contra a mulher, a identidade, o comportamento, as ideias, os direitos e os corpos femininos passam a ser vistos como inferiorizados ou submissos em discursos e ações dos homens, sendo que esta dinâmica de opressão é concretizada pela família patriarcal, como a�rma Bourdieu (2018, p. 120): “é, sem dúvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e da visão masculinas”. E, assim, os valores criados dentro da família - de distinção arbitrária entre o que deve ser igual ou diferente dos homens - são incorporados pela sociedade a partir do reforço criado pelas diversas instituições que perpassam nossas vidas, como a família,a igreja, a escola. Um bom exemplo para entendermos como essas diferenças são arbitrárias é a crença sobre a existência de uma intuição feminina, normalmente reconhecida como uma característica natural que diferencia as mulheres dos homens. Mas Bourdieu (2018) a�rma que a intuição não é uma habilidade natural, mas sim, a consequência de um comportamento feminino imposto pelos homens: a mulher tornar-se imperceptível. Ele explica que a intuição vista como uma habilidade de se prever o que poderá acontecer no futuro deve-se ao fato de que as mulheres - frente a essa imposição de se tornarem “invisíveis” na sociedade - passaram séculos sendo aconselhadas a não opinar, a olhar para baixo quando encaradas ou não interromperem um homem -, o que acabou por causar um re�namento na observação de comportamentos e atitudes de outras pessoas. E assim, esta observação contínua levou as mulheres a aprender rapidamente como seriam as reações mais comuns a determinados comportamentos, o que é muito diferente de um poder mágico de previsão - a tal intuição. A mídia também é uma das responsáveis pela perpetuação da violência simbólica, já que a todo o momento veiculam modos de comportamentos e per�s “adequados” com os quais as mulheres devem se espelhar, ou, ao contrário, devem fugir. São as representações sociais e estereótipos que vamos abordar na Aula 04. Hoje, de acordo com Bilac (1995), a família é fruto de contínuas negociações e acordos entre seus membros, resultado de mudanças em sua organização geradas pelo acesso da mulher à instrução e por sua entrada no mercado de trabalho e no âmbito político. Mas para Bourdieu (2018, p. 137), essas mudanças na condição feminina, na verdade, “mascaram a permanência de estruturas invisíveis” no âmbito familiar, como os resquícios do poder patriarcal. Romanelli (1995) concorda com a ressalva de Bourdieu quando a�rma que ainda hoje a capacidade de negociação dentro de um núcleo familiar não é a mesma para todos os seus membros. Principalmente quando essas aspirações partem de uma das mulheres da família e faz com que os homens se vejam confrontados com seu pátrio poder. Desse modo, apesar do visível de�nhamento da família patriarcal, os homens ainda partem para a violência quando as mulheres não concordam com a submissão, tentando, assim, garantir o pátrio-poder conquistado há séculos. Como lembra Castells (1999, p. 278), “o patriarcalismo dá sinais no mundo inteiro de que ainda está vivo e passando bem”. O problema é que muitas mulheres acabam por acreditar que as agressões psicológicas e morais de que são vítimas são normais, “são assim mesmo”, não veem a violência como um instrumento de legitimação da dominação masculina sobre elas, mas sim como um tipo de respeito que "naturalmente" se exerce para o homem, seguindo seus princípios sem questioná-los, como se fossem cúmplices. Diversos tipos de violência simbólica recheiam uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon em 2015: foram entrevistados 1823 universitários de todo o país, de instituições públicas e privadas, sendo 40% homens e 60% mulheres. A pesquisa levantou números expressivos sobre distintos tipos de violência simbólica sofridas pelas universitárias, tais como: assédio sexual (56%) coerção (18%) desquali�cação intelectual (49%) agressão moral e/ou psicológica (52%) A pesquisa apontou, todavia, que apenas 10% delas relataram espontaneamente que sofreram algum tipo de violência simbólica. Somente quando estimuladas com uma lista de vários tipos de agressões este número subiu para 67%, o que indica que muitas vezes que a violência simbólica não é vista como tal pelas estudantes, rea�rmando a observação de Bourdieu (2018) de que tem a “cumplicidade” de suas próprias vítimas. Esta naturalização também esteve presente nas respostas dadas pelos homens: somente 2% admitiram ter cometido algum tipo de violência contra as colegas, mas, ao serem confrontados com a lista de violências o número subiu para 38%. Mas, ainda assim, eles não reconheceram seus atos como agressões e, sim, brincadeiras ou simples respostas ao comportamento das colegas. Fonte: Disponível aqui Outros tipos de violência simbólica Violência emocional, moral e psicológica Causar medo, ameaçar, humilhar, magoar ou qualquer tipo de comportamento que denigra uma pessoa são os tipos mais comuns de violência simbólica. Também está neste rol o controle social, em que o agressor di�culta uma pessoa de ter convívio com outras, impedindo-a de visitar familiares ou amigos, fazer ligações telefônicas, ou, em casos extremos, trancá-la em casa. https://pixabay.com/pt/photos/ovo-martelo-amea%C3%A7ar-viol%C3%AAncia-medo-583163/ Fonte: Disponível aqui Violência patrimonial ou econômica Este tipo de violência pode se apresentar de duas maneiras: como uma perda clara de bens de uma pessoa, como no caso de furtos, golpes ou assaltos, em que a vida �nanceira é afetada; ou de maneira menos explícita, a exemplo daquela praticada pelo sistema econômico de um país ou dos altos juros cobrados pelos bancos, ou ainda pelo mercado de trabalho, que exclui de forma ilegal e injusta aqueles que não tiveram chance de ascensão pro�ssional. Violência política Tipo de violência relacionada à exclusão do indivíduo de seus direitos políticos, ou de manobras de governos ou partidos que induzem à crença de determinados posicionamentos de seu interesse, sem levar em conta as necessidades de uma população ou grupo. https://pixabay.com/pt/photos/m%C3%A3o-marionete-boneco-pol%C3%ADtico-alex-784077/ Violência institucional Trata-se da violência praticada por uma instituição com seus clientes ou parceiros, como é o caso de serviços mal prestados por uma empresa. Aqui também podemos enquadrar a violência hospitalar: caso de hospitais, planos de saúde e outras instituições médicas que minimizam a dor ou a importância da dor de seus pacientes. Violência cultural Os meios de comunicação em geral (televisão, cinema, jornais, rádios) e a publicidade costumam propagar estilos de vida que se tornam padrões para muitas pessoas. O problema é que nem todos podem seguir esses padrões, seja por aspectos econômicos ou por diferenças culturais e físicas. Isso se torna uma violência porque aqueles que não se encaixam no modelo veiculado acabam sendo alvo de desprezo, intolerância, e muitas vezes de violências. Vamos falar mais sobre esses padrões na Aula 04. Violência racial É o tipo de violência que exclui pessoas de etnias fora do padrão racial imposto - o padrão “branco” - a exemplo dos negros, que durante séculos têm sofrido discriminações em todos os âmbitos da sociedade: político, cultural, religioso, escolar, empresarial, etc. Hoje vemos crescer a discriminação aos contra os árabes, que estão sendo perseguidos em todo o mundo, como já vimos na Aula 01. Fonte: Disponível aqui Violência religiosa Ocorre quando alguns grupos religiosos e seus adeptos tentam impor a outras pessoas suas crenças e costumes. Como na violência cultural, esta imposição de um modelo acaba por gerar violência pela via da intolerância. Outro tipo de violência religiosa é a obrigatoriedade de contribuição �nanceira por todos os �éis, mesmo aqueles que não podem arcar com esse tipo de gasto, utilizando da exclusão ou do medo para mantê-los na obrigação de contribuir. Violência virtual Prática que utiliza as redes sociais contra uma pessoa ou um grupo e se dissemina por meio de comentários pelas redes sociais como Facebook, Instagram, Youtube, sites e blogs da internet. Também chamado de cyberbullying, consiste em utilizar o espaço virtual para ofender, difamar ou intimidar pessoas https://pixabay.com/pt/photos/racismo-pe%C3%A3o-balan%C3%A7as-xadrez-2779943/ Fonte: Disponível aqui e grupos de pessoas. Vale lembrar que o anonimato que con�gura as redes sociais, que não necessita de uma interação face a face, possibilita uma série de violências, que vão desde as divergências religiosas e políticas até o racismo e as brincadeiras sobre a aparência, a exemplo da gordofobia. Para alémdo bullying entre alunos, a própria escola pode ser uma fonte de violência simbólica ao privilegiar estudantes mais ricos ou mais bonitos, excluindo aqueles com de�ciências físicas ou intelectuais, ou ainda não incluindo no plano de ensino atividades relacionadas ao contexto social de todos os alunos, como, por exemplo, excluindo as manifestações culturais da periferia. https://pixabay.com/pt/photos/ass%C3%A9dio-moral-cyberbullying-insulto-4378156/ Acesse o link: Disponível aqui O �lme “Bullying Virtual” (EUA, 2011) conta como a estudante Taylor, vivida por Emily Osment, passa a ser alvo de humilhações por parte de estudantes de sua escola quando começa a fazer parte das redes sociais. Mas, consegue superar as di�culdades ao se aproximar de colegas que passaram pela mesma experiência. https://www.youtube.com/watch?v=tkDvyfSeziE Representações Sociais E Estereótipos Veiculados Pela Mídia AULA 04 Antes de falarmos sobre o que são as representações sociais, temos que entender como os meios de comunicação tentam ganhar a adesão dos espectadores para conseguir mais audiência para seus programas e sua publicidade. Esta adesão pode ser consciente, quando colocamos a razão para escolher o que queremos ver e ouvir. Mas a adesão também pode ser inconsciente, quando nossa emoção e nossos desejos nos impulsionam a nos identi�car com um programa ou comercial em especial sem que a gente saiba bem o porquê. Vamos ver como isso acontece! Meios de comunicação e os processos do inconsciente As pessoas vivem normalmente em dois mundos: o das obrigações (trabalho, casa, contas, etc.) e o da fantasia, em que se entregam a sonhos e devaneios. E é o mundo da fantasia que algumas vezes move o chamado mundo real, já que suportamos nossas vidas porque sempre sonhamos sobre o que queremos que se realize no futuro. Quem nunca se pegou imaginando o que faria se ganhasse um prêmio de uma loteria; mesmo que nunca jogue? É aí onde entram as revistas, os �lmes, os vídeos, os programas de televisão e de rádio, a publicidade: são narrativas que consumimos durante toda a nossa vida e que muitas vezes nos guiam sobre o que fazer quando temos dúvidas, di�culdades ou necessidades, pois funcionam como uma ligação entre o mundo “real” e nosso “mundo interno” por meio da fantasia veiculada em suas imagens, sons, tramas e personagens. Assim, o espectador de telenovela, por exemplo, se alegra quando vê em sua trama pessoas de classes sociais diferentes se casarem, ou quando os personagens maus são sempre vencidos pelo bem. O espectador, de modo inconsciente, “joga” no personagem e nas situações com as quais se identi�ca aquilo que almeja para si; ou seja, ele projeta seus desejos na fantasia veiculada e se sente mais feliz, como explica Coelho (2003, p. 39): “a forma utópica como as telenovelas mostram o cotidiano, permite que o receptor se projete na imagem, na fantasia, como uma esperança por uma melhora na autoestima perdida no mundo real”. Outro exemplo são os comerciais que tentam fazer com que o receptor “acredite” que se ele comprar o produto anunciado poderá viver uma situação parecida com a que está sendo mostrada. Nos dois casos - telenovelas e comerciais - este processo de persuasão que recorre ao inconsciente do espectador é chamado de identi�cação projetiva, que vamos ver mais detidamente no próximo item. Antes, é importante lembrar que essa manipulação dos desejos do espectador, por acontecer de maneira inconsciente, não tem a mesma e�cácia para todos os indivíduos. O grau de resistência àquilo que a narrativa oferece, isto é, o grau de “sedução” que faz com que o receptor acredite ou não no que está vendo, depende do repertório cultural de cada um (características psicológicas, experiências pessoais, traços culturais, educação formal, etc.). É isso que faz a diferença entre quanto somos seduzidos ou não pelas peças ou programas dos meios de comunicação. Pessoas com um repertório cultural restrito, com baixo grau de educação formal e menos informação, certamente são mais manipuladas. Mas a mesma mensagem não terá o mesmo efeito ao atingir um indivíduo que tem um amplo repertório cultural, a�nal, a capacidade de discordar, rejeitar e argumentar é maior. Identificação projetiva Antes do advento do cinema, no �nal do século XIX, os trabalhadores satisfaziam suas fantasias com romances populares, vendidos aos milhões às populações de baixa renda. Esses livretos apaixonavam as pessoas, faziam-nas sonhar; fabricavam, en�m, sensações de prazer. Mas quando o cinema começa a se estabelecer como indústria nos Estados Unidos, nos anos iniciais do século XX, seus primeiros espectadores - os operários e camponeses, geralmente imigrantes europeus que chegavam aos Estados Unidos fugindo da iminência da Primeira Guerra e tentando uma vida mais próspera - queriam mesmo era uma fonte de consolo e divertimento, pois levavam uma vida muito difícil no novo país, sem dinheiro su�ciente para prover suas famílias. Antes de prosseguirmos, temos que entender quais foram os motivos que �zeram com que os Estados Unidos se �xassem como o maior produtor de cinema do mundo. O primeiro motivo é que a Primeira Grande Guerra aconteceu na Europa, então os EUA ganharam terreno com a exportação dos �lmes. O segundo é que, como ainda não existia o som, não havia a barreira da língua. O terceiro motivo é que as necessidades emocionais dos espectadores eram as mesmas em todo o mundo, já que quase todos os países estavam, de uma forma ou de outra, envolvidos com a Guerra. Então, nada melhor para aplacar a insegurança e o medo das populações do que um �lme no qual o bem sempre vencia o mal, assim funcionando como uma grati�cação às mazelas da guerra. Portanto, com a constatação de que o público muitas vezes utilizava o cinema como um entretenimento que o acalmasse de um cotidiano tenso, a produção cinematográ�ca norte-americana passou a se pautar naquilo que o público mais gostava para ganhar mais público. Tudo o que induzisse o espectador a se sentir “vingado” ou “realizado” era utilizado no conteúdo dos �lmes: tombos que levassem ao riso, policiais enganados por pessoas humildes, pancadaria, pornogra�a, romance e temas heroicos. Esse mecanismo do inconsciente chama-se “identi�cação projetiva”: o espectador se identi�ca com as emoções vividas pelo personagem da história e nele projeta seus sonhos, aquilo que não tem e gostaria de ter, ou aquilo que não é e gostaria de ser. Assim, o espectador procura compensar emocional e afetivamente as pressões cotidianas. A identi�cação projetiva sempre delimitou o conteúdo dos �lmes norte- americanos, a exemplo daqueles que �zeram a fama e a fortuna de Charlie Chaplin, que como seu personagem mais famoso - Carlitos ou Vagabundo (The Tramp, no nome original em inglês) - também era um imigrante pobre, vindo da Inglaterra devastada pela guerra, e que por isso mesmo sabia como ninguém de que o público necessitava. A partir de 1910 os produtores perceberam que o público se identi�cava especi�camente com as ações dos personagens dos �lmes, então teve início um processo de valorização dos atores e atrizes que �cou conhecido como star system: “por meio de publicidade, revistas especializadas, colunas de fofocas em jornais, escândalos inventados ou não, começaram a se criar estrelas e astros da noite para o dia”, como explica o sociólogo Edgar Morin (1989). O público, então, começou a projetar seus sonhos nesses personagens e levá-los para sua vida amorosa. E foi a partir daí que o comportamento das estrelas na tela - e principalmente em sua vida privada - começou a in�uenciar o comportamento do espectador. Além disso, a vida das estrelas e de seus personagens também tinha sua e�cácia publicitária: apresentava perfumes, sabonetes, cigarros, etc., compondo uma imagem de beleza e status que os espectadores almejavam, assim agregando à renda da bilheteria dos �lmes o valor dos anúncios dos produtos que eram inseridos nas tramas. Hoje chamamos este recurso publicitário de merchandising. Do cinema ostar system passou à televisão, e pouco a pouco a estratégia invadiu todos os outros meios de comunicação. Na televisão, programas do gênero reality show, como “Big Brother” e similares, também são exemplos de projetos que exploram o processo de identi�cação projetiva. Apesar de se vender como “realidade”, a construção desses programas funciona como qualquer �cção: ao se identi�car com algum personagem, o receptor se projeta e se sente representado por ele, como se também participasse do que acontece. Assim, ao acompanhar e torcer pelo brother de sua preferência, tem-se a sensação de também ter a oportunidade de “modi�car” sua vida se chegar a ganhar o prêmio. Nesse tipo de programa o processo também é chamado de voyeurismo, termo aplicado na prática de observar a intimidade de pessoas a distância quando elas não sabem que estão sendo vistas. Catarse A identi�cação projetiva provoca a catarse, que é uma descarga de tensão emocional. O processo é realizado através do subconsciente, onde se escondem nossos medos, fantasias, desejos e censuras. Para a psiquiatra Maria Rita Khel (2000, p. 136), “realizar um desejo através da catarse é encontrar uma representação para um desejo inconsciente”. Mas a catarse realizada por meio de programas de televisão, comerciais ou �lmes pode levar à alienação da realidade, isto é, a um processo em que o indivíduo acredita que sua vida vai seguir o mesmo caminho que a vida dos personagens sobre os quais projeta seus desejos. Por isso, segundo a autora, os meios de comunicação podem se tornar o oposto da psicanálise: enquanto nesta o indivíduo procura ajuda para se conhecer e trabalhar seus problemas, nos programas ele busca esquecer, ignorar ou eliminar os sofrimentos que o atormentam. A �cção é o gênero que mais remete o espectador à catarse, pois sua narrativa pode se adequar àquilo que os espectadores mais gostariam de viver. E mesmo os programas jornalísticos, considerados mais próximos da realidade - o que não é realmente uma verdade, já que também têm sua narrativa construída a partir dos interesses de seu público - também levam o receptor à catarse. O melhor exemplo vem dos programas sensacionalistas, cujo foco são as pessoas necessitadas, que buscam ajuda para seus problemas mais íntimos, como as brigas em família, problemas no casamento, pessoas desaparecidas, etc. Este tipo de programa trabalha como se fosse um espelho da realidade, mostrando algo familiar ao espectador, isto é, apresenta situações próximas daquilo que ele vê em seu cotidiano, mas nem sempre vividas, como a violência urbana, as catástrofes e as misérias. Assim, ao assistir a essas cenas angustiantes, o receptor sente dor ao imaginar o sofrimento das pessoas que vê na imagem, mas também sente um grande alívio por ele próprio não estar vivendo aquilo que viu na tela da TV. Por isso, esses programas servem como um mecanismo de minimização do sofrimento e da dor encontrada no indivíduo, funcionando também como uma catarse emocional, isto é, como uma oportunidade para dar vazão ao medo gerado por uma sociedade violenta. Consequências da adesão aos processos inconscientes Ao aderirmos aos processos do inconsciente acima descritos temos como consequências a distorção da realidade e a alienação, já que na mídia muitas vezes os problemas do cotidiano são “maquiados” para que o espectador entre em um mundo irreal, ou seja, um mundo que não é possível para grande parte das pessoas. Ao distorcer sua realidade, o público pode acabar acreditando que, sem fazer grandes esforços, um dia sua vida poderá ser diferente. Pode �car esperando que, sem fazer força, situações como as vistas nas telenovelas, nos �lmes e nas propagandas se tornem reais, a exemplo da ascensão social e �nanceira através do casamento, o mal vencendo o bem, o amor que atravessa qualquer obstáculo, etc. Assim, o receptor torna-se alienado de sua situação, ignorando o contexto social e �nanceiro em que vive e aceitando tudo o que encontra na tela, buscando na fantasia sua realização e a materialização dos seus sonhos. Representações sociais como veículos de identificação projetiva Representações sociais são o conjunto de ideias e crenças que circulam na sociedade e que são construídas a partir de signi�cados partilhados por seus membros. A circulação destes signi�cados, isto é, a maneira como eles chegam até nós, é realizada a partir de diversas formas de expressão da cultura desta sociedade - sua língua, sua arte, sua religião, seus meios de comunicação, etc. Um exemplo de representação social é a forma como a mulher é vista em nossa sociedade: para muita gente uma mulher deve se casar quando se torna adulta, deve ter �lhos e deve cuidar bem de sua casa. A representação funciona mais ou menos como uma fotogra�a: no caso das mulheres, seria uma ”fotogra�a” que materializasse o papel que elas devem exercer na sociedade, como a ilustração que abre esta aula. O problema das representações é que elas podem provocar a identi�cação projetiva de muitas pessoas ao reforçar um modelo de comportamento, de corpo ou de concepção de mundo - que não necessariamente é verdadeiro para todos os membros da sociedade. Como o caso das mulheres que não se enquadram na representação de mulher “ideal” - casada, com �lhos e zelosa de sua casa -, e se sentem excluídas ou envergonhadas por não desejarem ou não conseguirem adequar-se a esse papel. Por isso, o sociólogo Stuart Hall (2016, p. 20) alerta que as representações sociais podem ser perigosas, pois penetram nos “sentimentos, ideias, conceitos e senso de pertencimento do indivíduo”. Ainda, precisamos estar atentos porque as representações sociais não são �xas, não são iguais em toda a história do mundo. Elas são reelaboradas de acordo com o período histórico em que foram construídas, isto é, se modi�cam com o passar do tempo, já que a sociedade não pensa da mesma forma em todas as épocas. As representações sociais são postas em circulação através da linguagem - seja ela oral, escrita, gestual ou sonora - e no caso dos meios de comunicação elas se materializam em imagens, textos escritos e sons, a exemplo dos programas de televisão e rádio, dos �lmes de cinema, dos comerciais, das ilustrações ou fotos de revistas ou jornais, dos memes e posts da internet, e muito mais. Às vezes as representações veiculadas pelos meios de comunicação são positivas, como o caso de telenovelas que têm entre seus personagens pessoas com algum tipo de de�ciência física e intelectual que ao serem mostradas trabalhando, estudando, namorando, etc., quebram preconceitos da sociedade. Mas em outros casos as representações podem ser negativas, ao veicularem, por exemplo, padrões e modelos de corpos, comportamentos e ideias, o que às vezes contribui para o reforço de preconceitos de raça, gênero, classe social, etc., que acabam alimentando todo tipo de violências simbólicas, como apontamos na Aula 03. A esse tipo de representação que iguala todos os membros de uma sociedade por uma de suas características damos o nome de estereótipo. Os estereótipos Os estereótipos são imagens preconcebidas de determinados grupos sociais. Trata-se de uma forma de percepção simpli�cada e generalizante sobre um grupo humano ou uma determinada categoria social, e são baseados em modelos muitas vezes herdados de gerações anteriores ou impostas pela opinião pública e pela mídia. Preste atenção como quase sempre alguns grupos de pessoas são retratados do mesmo modo - ladrões: pobres; policiais: brancos gordinhos; orientais: inteligentes; loiras: burras, etc. O problema dos estereótipos é que eles não são baseados em experiências diretas, mas em preconceitos e julgamentos pré-estabelecidos e, portanto, são geralmente cheios de hostilidades em relação a classes ou grupos sociais desfavorecidos, podendo ser usados como veículos de ideologias raciais ou de classe. Por isso os estereótipos veiculados pela mídia podem ser tão perigosos, pois como são as representações sociais mais vistas pelos membros de uma sociedade, são, portanto,mais passíveis de comparações, condicionando, assim, comportamentos, formas de falar, pensar e vestir. Existem muitas formas de estereótipos, que usualmente reduzem as pessoas em torno de uma condição especí�ca do grupo ao qual pertence. Vamos a eles! Estereótipos raciais: enfatizam o pertencimento a um grupo racial, e, portanto, impõem características morais ou éticas para todos os indivíduos que dele fazem parte. Um exemplo são os estereótipos associados aos negros, que os ligam à sexualidade, à preguiça ou ao crime. Estereótipos de classe: são construídos a partir do pertencimento a uma determinada classe social. Exemplo: "Os pobres são ignorantes e os ricos são cultos". Estereótipos políticos: aqueles que aderem a uma posição política ou a certa ideologia. Por exemplo: “Feministas são mulheres infelizes e feias”. Estereótipos de gênero: são elaborados a partir de identidade de gênero ou orientação sexual. Por exemplo: “Mulheres são menos inteligentes que os homens, são fracas e têm menos controle emocional”, "Homossexuais têm comportamento promíscuo”. Veja o relatório completo na página o�cial do projeto: Disponível aqui O Facebook e a agência de publicidade 65/10 publicaram um estudo sobre os estereótipos de gênero, classe, sexualidade, raça e corpo mais usados na propaganda brasileira. A pesquisa, denominada “Dados, diversidade e representação”, analisou campanhas publicitárias veiculadas em meios de comunicação de toda a América Latina. https://www.facebook.com/business/m/ads4equality Carta Capital – “Filmes infantis perpetuam estereótipos de raça e de gênero”: Disponível aqui Fórum: “Além da Disney clássica: cinco ótimos �lmes de animação para crianças sem estereótipos raciais”: Disponível aqui Nem sempre os �lmes infantis trazem lições positivas para as crianças. Muitos apresentam representações que geram preconceitos de etnias, gêneros e classe social. Exemplos são os personagens que prevalecem em muitos desenhos: pessoas brancas, heterossexuais, de classe média ou alta, inteligentes e com corpos perfeitos. E os que não se enquadram neste padrão acabam �cando em papéis secundários, como empregados, criminosos e pessoas excluídas da sociedade. Fique atento ao escolher um �lme, pois as crianças podem entender que quem não se encaixa no padrão não conseguirá ser feliz. Veja mais nas seguintes matérias destas revistas online: https://www.cartacapital.com.br/educacao/filmes-infantis-perpetuam-estereotipos-sociais-e-de-genero/ https://revistaforum.com.br/digital/132/alem-da-disney-classica-cinco-otimos-filmes-de-animacao-para-criancas-sem-estereotipos-raciais/ Conclusão Como dissemos na introdução, a proposta destas aulas foi deixar a você a tarefa de pensar sobre questões que trazem sofrimento a muitas pessoas. A intenção é que por meio de um conhecimento mais profundo sobre assuntos tão complexos, possamos alterar os rumos de nossa sociedade, que têm se mostrado tão intolerante e violenta. É essencial que tenhamos informação e entendimento sobre o modo de pensar e agir do Outro, pois o desconhecimento gera situações de con�ito. A intolerância sempre acaba trazendo mais violência. Ao contrário, a tolerância e o respeito ao próximo, à sua situação de desamparo, têm efeitos muito mais positivos. Devemos lembrar que se quisermos mudanças, primeiro devemos mudar a nós mesmos, nossas ideias e comportamentos, e re�etir muito profundamente sobre a maneira como nos expressamos e nos comportamos com nossos vizinhos, colegas de trabalho ou mesmo com aqueles que às vezes cruzam nosso caminho e se vão. Levar essas questões a todos os âmbitos da sociedade, a exemplo da escola, pode ampliar os resultados de nossa mudança interna. Discussões em sala de aula sobre os temas aqui abordados também são muito importantes para a conscientização dos alunos sobre o respeito às diferenças, porque somente assim conseguiremos preparar melhor quem vai sedimentar o caminho para um futuro livre de ações racistas e preconceitos de gênero. Pense nisso com carinho! Material Complementar Livro Bullying e Cyberbullying Quais as fronteiras entre brincadeira, agressão e perseguição implacável? Como contribuir para o uso responsável da tecnologia e das redes sociais? Em “Bullying e Cyberbullying”, a autora Maria Tereza Maldonado mostra como educadores, pais, crianças e adolescentes podem desenvolver recursos para prevenir as ações de bullying e cyberbullying, integrando-os em um programa e�caz para criar um ambiente escolar em que seja possível aprender e conviver. Editora Moderna, 2014. Filme 22 de julho “22 de julho” - �lme norueguês lançado pela Net�ix em 2019 que reconstrói os atentados de 22 de julho de 2011, na Noruega, cometidos pelo militante de extrema direita Anders Breivik. Ele explodiu um edifício governamental na capital Oslo, matando oito pessoas, e horas depois alvejou jovens integrantes do Partido Trabalhista Norueguês que acampavam na ilha de Utoya, deixando mais 69 mortos. A cena que mostra o depoimento da personagem Lara, uma jovem muçulmana que teve sua irmã morta no massacre é emocionante! Leia um trecho de sua fala: “Éramos refugiados fugindo de uma guerra. Demorou muito para me sentir em casa na Noruega. E algumas pessoas ainda suspeitavam de nós. Ficavam irritados por estarmos aqui. Minha irmã, Bano, me ajudou muito. Me dizia que a Noruega era ótima. Aqui podíamos ter segurança, e liberdade e esperança. Era isso exatamente que sentia em volta da fogueira de Utoya na noite anterior. Mas, no dia seguinte, quando fomos atacados e minha irmã foi morta, perdi tudo isso. Eu fui lançada num mundo de dor e medo e muita raiva. (...) E eu não consigo entender por que razão alguém queria nos matar. Não entendo o que posso ter de tão assustador”. Filme Gran Torino Filme de 2008 dirigido, produzido e protagonizado por Clint Eastwood, conta a vida de Walt Kowalski, um veterano da Guerra da Coreia, aposentado, que perde a mulher. Rabugento e refratário a estrangeiros, sua vida vira de cabeça para baixo quando uma família do Laos se muda para a casa ao lado. Mas no momento em que seu novo vizinho adolescente Thao (Bee Vang) se envolve com uma gangue, Walt salva o garoto da violência e acaba se envolvendo com toda a família. Uma boa oportunidade para repensar sobre os caminhos da intolerância. Web No YouTube, você pode encontrar vários vídeos para trabalhar em sala de aula sobre a questão da identidade de gênero. Duas dicas de produções sensíveis são o clipe da música "Light" (2014), da cantora francesa HollySiz, que mostra os problemas criados quando um menino resolve ir de vestido à escola. O outro vídeo, “Vestido nuevo” (2008), de 13 minutos, é uma produção espanhola que conta a mesma situação: em um dia de Carnaval, Mário chega ao colégio de vestido rosa e unhas pintadas, gerando intolerância entre colegas e funcionários. As duas peças trazem à tona a importância da escola como um espaço onde os preconceitos não devem existir. “The Light” Acesse o link Vestido Nuevo Acesse o link https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=Cf79KXBCIDg https://www.youtube.com/watch?v=ktCXZg-HxGA ARBEX, José. O poder da TV. São Paulo: Scipione, 1995. ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Re�ections on the spread and origin of Nationalism. London: Verso, 1983. BANDEIRA, Lourdes. Feminicídio: a última etapa do ciclo da violência contra a mulher. Compromisso e atitude. 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