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Atualidades Culturais

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PROJETO INTEGRADOR: 
ATUALIDADES CULTURAIS
ME. MARIA INÊS ALMEIDA GODINHO
005
013
028
040
Aula 01: Identidade Cultural, Multiculturalismo e
Intolerância
Aula 02: Pensando o Gênero
Aula 03: Violência Simbólica – Uma Agressão Invisível
Aula 04: Representações Sociais E Estereótipos Veiculados
Pela Mídia
Introdução
Olá!! A proposta deste módulo é trazer a você alguns assuntos que têm sido discutidos
em rodas de conversas, grupos de amigos e, principalmente, nas redes sociais. São
temas muito relevantes, mas que às vezes são debatidos sem embasamento e
pautados pelas opiniões de senso comum, o que acaba levando, com frequência, à
violência. Por isso, o objetivo aqui é apresentar informações calcadas em pesquisas
cientí�cas e estudos de sociólogos e �lósofos renomados, com o cuidado de oferecer
um ponto de vista histórico sobre como as questões surgiram e o porquê de às vezes
chegarem à polarização.
Na Aula 01, “Identidade cultural, multiculturalismo e intolerância”, abordamos uma
questão que atualmente tem gerado muita polêmica em todo o mundo: a identidade
cultural, que vem se tornado uma desculpa recorrente para ações de intolerância em
vários países, a exemplo do atentado que matou 77 pessoas na Noruega, em 2011, ou
dos insultos e agressões aos refugiados venezuelanos, aqui no Brasil.
O título da Aula 02 - “Pensando o gênero” - remete justamente à proposta da
abordagem. A intenção é descortinar e fazer pensar sobre um mundo que muitas vezes
se mantém à sombra da sociedade, exatamente porque as pessoas que não se
enquadram no padrão binário (e vamos falar de onde veio esse modelo) se isolam por
sofrerem violências de todo tipo.
E por falar em tipos de violência, na Aula 03 - “Violência simbólica - uma agressão
invisível” - abordamos os vários tipos de agressões que não são físicas, aquelas que não
causam diretamente danos ao corpo, mas que têm efeitos que poderão prejudicar a
saúde mental da vítima. São as agressões verbais, psicológicas, morais e muitas outras,
que se manifestam como uma coerção ou opressão ou então em formas mais
violentas, como as agressões verbais. Mas todas se caracterizam por serem tipos de
desconstrução moral que constantemente ocorrem anteriormente à agressão física.
Na Aula 04, “Representações sociais e estereótipos veiculados pela mídia”, tentamos
alertar como a mídia pode in�uenciar nossos comportamentos a partir de
representações que traduzem ideias sobre pessoas e ações que estão arraigadas na
sociedade em que vivemos. Mas nem sempre as representações são positivas, isto é,
nem sempre sinalizam aquilo que uma pessoa é de verdade ou os comportamentos
reais de um grupo de pessoas ou uma comunidade. Neste caso, as representações são
negativas - e damos a elas o nome de estereótipos - porque generalizam características
que excluem e reforçam preconceitos, e, muitas vezes são gatilhos para ações de
intolerância.
A partir dessas aulas queremos fazer você pensar como a intolerância, que perpassa
todos os assuntos aqui abordados, com certeza não é o melhor caminho para a
construção de uma sociedade conciliadora e cordial. Esperamos que você goste!
Identidade Cultural,
Multiculturalismo e
Intolerância
AULA 01
O que você entende por identidade cultural? E sobre sua relação com a
intolerância, esse assunto que tanto se discute em rodas de conversas e na
mídia? Pode não parecer, mas a identidade cultural muitas vezes é responsável
pela intolerância de uma comunidade em relação aos estrangeiros, ou também a
pessoas que não se comportam ou não têm ideias e crenças parecidas como as
de seu grupo de origem. Ou como se diz nas ciências humanas, têm intolerância
ao “outro”, aquele ser estranho a nós mesmos.
Identidade
Mas antes de abordarmos o que é identidade cultural, temos que entender
primeiro o que é identidade. A primeira coisa, a saber, é que a identidade não é
algo inato ao indivíduo, isto é, não é algo que é natural, congênito. A identidade é
construída durante toda a nossa vida, e, inclusive, as pessoas podem ter muitas
identidades, que às vezes são até contraditórias, já que vão se formando no
transcorrer de sua existência e se modi�cando em função da época e das
experiências vividas em sociedade. 
Os tipos de identidade também foram mudando ao longo dos tempos. O
indivíduo do século XVIII, por exemplo, tinha uma identidade estável, construída
a partir de seu nascimento em famílias com hábitos e costumes muito sólidos, os
quais, por sua vez, eram de�nidos por regras e valores próprios da comunidade
em que viviam. Como nessa época as pessoas normalmente passavam a vida
�xada em um mesmo local, sua identidade as acompanhava até a morte.
Já no início do século XX, com a sociedade mundial se tornando mais complexa
em razão das mudanças econômicas trazidas pela industrialização e pela
crescente urbanização, e in�uenciadas também pelo desenvolvimento dos meios
de comunicação, que possibilitaram que os indivíduos começassem a manter um
contato maior com pessoas e grupos de outras sociedades, a identidade dos
sujeitos passou a se alterar, mas ainda possuía seu núcleo interior. Existia, assim,
uma interação entre “interior” (o indivíduo) e “exterior” (a sociedade).
Já na sociedade pós-moderna tudo mudou. Mas antes vamos entender o que é
sociedade pós-moderna ou modernidade tardia: trata-se do período
sociocultural que se inicia a partir dos anos 1980 - tendo como marco a
derrubada do Muro de Berlim, em 1989, que representou o �m do socialismo - e
se estende até os dias atuais. A pós-modernidade caracteriza-se, então, por ser
uma época dominada pelo sistema capitalista, que por sua vez integrou os
mercados �nanceiros, o que levou à tão falada globalização, que vem a ser o
processo de aproximação - econômica, política, social e cultural - entre as
diversas sociedades e nações do globo. 
A globalização propiciou que informações e conhecimentos atravessassem
fronteiras, chegando a quase todas as sociedades mundiais, o que foi
multiplicado exponencialmente pelo advento da internet. Além disso, o rápido
desenvolvimento dos meios de transporte possibilitou um trânsito mais intenso
de pessoas entre os países. Assim, integrando e conectando comunidades e
indivíduos, a globalização acabou por desestabilizar as identidades, já que,
mesmo que os locais onde estão nossas raízes permaneçam �xos, o espaço
entre outros locais pode ser “cruzado” pelos processos globais. 
Por isso, no contexto da pós-modernidade, a identidade razoavelmente estável
construída até a metade do século XX foi de�nitivamente desarticulada, abrindo
espaço para que as pessoas assumissem identidades diferentes em diferentes
momentos de suas vidas. O sujeito tornou-se, então, ao mesmo tempo um e
muitos. O sociólogo inglês Stuart Hall (2006) denomina essa nova construção de
“identidade móvel”.
Agora, podemos chegar à noção de identidade cultural. Trata-se de um conceito
que resume o sentimento de pertencimento de um indivíduo a um grupo
social, ou seja, a ligação de uma pessoa à cultura da comunidade onde ela vive,
cultura essa representada pelas crenças, costumes, tradições, história e
linguagem, que ela respeita e compartilha com outros membros de seu grupo
social.
No caso da identidade cultural relativa à nação (que também pode ser
denominada identidade nacional), devemos ter claro que sua construção não é
composta apenas de fatos concretos que aconteceram ou acontecem na
realidade de um país, mas trata-se também de uma identidade constituída pelos
símbolos culturais e representações sociais desta nação, que nascem de
histórias contadas por meio de gerações sobre seu surgimento e sobre seus
habitantes, de suas tradições - que às vezes são até mesmo inventadas - e
oriundas da memória do povo.
Por isso dizemos que a identidade nacional é uma construção, e não uma
realidade inquestionável. O historiador norte-americano Benedict Anderson
(1983) deu o nome de “comunidades imaginadas” a esse fenômeno, pois se trata
de uma criação histórica que se fortaleceu durante séculos e acabou de�nindoo
que é nosso País e o que somos como parte dele. Assim, a identidade cultural
conecta o presente ao passado, e por isso in�uencia e organiza as ações e
comportamentos dos cidadãos, sendo de�nitiva para a concepção que temos de
nós mesmos e de nossa sociedade.
Identidade Cultural e
Multiculturalismo
A identidade cultural está estritamente ligada ao conceito de diversidade, já que
existem diferentes identidades culturais em todo o mundo, compostas, como
vimos, pelo conjunto de costumes e tradições de cada povo que habita nosso
planeta. Mesmo em um único país existem várias identidades culturais. Aqui
mesmo no Brasil, temos culturas muito distintas umas das outras em cada
região do país, e até entre cidades muito próximas. Isso porque cada
comunidade teve sua identidade cultural formada por histórias e in�uências
muito diferentes: algumas foram fundadas por portugueses, outras por
japoneses, africanos, espanhóis, árabes, holandeses, alemães, etc. É só parar
para pensar na quantidade de sotaques e palavras diferentes que temos no
Brasil!
A globalização colocou todos nós em contato com as diversas culturas, e hoje,
principalmente através da internet, é muito fácil ter contato e interagir com
outras identidades. A constante migração de pessoas entre várias partes do
mundo também contribuiu para essa interação. O Brasil, inclusive, é um dos
países que mais recebe imigrantes, desde o início de sua história, e tem tradição
de recebê-los de braços abertos, por isso é considerado um país multicultural. O
multiculturalismo foi um termo criado para denominar a convivência pací�ca
entre os vários tipos de culturas que convivem em um mesmo país ou
comunidade.
Mas o que deveria ser visto como uma coisa boa, pois o contato com outras
culturas traz novos saberes e posturas, é visto, por muitos, como uma ameaça à
estabilidade de uma nação. O problema é que mais recentemente a globalização
acabou promovendo uma interação muitas vezes forçada dessas diversas
identidades, como é o caso dos estrangeiros que, ao fugirem de guerras e da
pobreza em seus países, imigram em grande escala para outras nações, o que
gera medo entre a população nativa. E este medo provoca uma volta ao
regionalismo, isto é, um maior apego do indivíduo à sua identidade cultural.  
É o que temos percebido a partir das tentativas de a�rmação das identidades
nacionais: reações violentas de vários grupos extremistas em muitos países
europeus, e ainda o fechamento das nações frente às ondas migratórias, como é
o caso da insistência do presidente norte-americano Donald Trump em construir
um muro que separe o México dos Estados Unidos. Essa ação de�ne bem o que
chamamos intolerância.
Intolerância
Vamos retomar a questão da identidade cultural para entendermos melhor a
relação entre ela e a intolerância. Vimos que a identidade cultural faz com que
nós, como indivíduos que vivem em um país, compartilhemos de um mesmo
sentimento em relação a ele, e um destes sentimentos é o de defesa de nossas
tradições e costumes. E é aí que amarramos os dois conceitos.
Atualmente o tema intolerância está presente em muitas notícias e conversas,
principalmente nas redes sociais. E quando não está relacionada à questão do
gênero - que vamos abordar em nossa segunda aula -, a intolerância quase
sempre tem como foco os imigrantes, que se veem obrigados a deixar seus
países à procura por uma vida melhor em outras nações por causa de con�itos
políticos, perseguições raciais ou religiosas e também pela pobreza extrema.
Frequentemente o jornalismo nos traz informações sobre navios que
desembarcam milhares de imigrantes nas cidades europeias, mas muitas vezes
os países não permitem a entrada dessas pessoas. É o caso dos sírios que se
espalham por todo o continente europeu fugindo da violência do grupo
extremista Estado Islâmico.
Ainda que em menor escala, estamos presenciando o mesmo movimento aqui
no Brasil com os venezuelanos que diariamente fogem de seu país,
primeiramente para cidades do estado de Roraima e logo depois para cidades
mais afastadas.  Enquanto temos conhecimento de pessoas e grupos que
acolhem com carinho e prontidão essa população imigrante, por outro lado nos
chegam informações sobre violentos con�itos nas cidades fronteiriças, as mais
procuradas pelos venezuelanos, pois nesses locais podem �car mais perto das
famílias que ainda estão estabelecidas no país vizinho.
Em casos como os descritos acima, esse con�ito entre população nativa e
imigrante se dá preferencialmente a partir de duas situações. A primeira diz
respeito a um medo objetivo que decorre da a�uência de milhares de pessoas às
comunidades, que podem vivenciar, por exemplo, uma diminuição da oferta de
emprego e o aumento da violência. A segunda situação trata do medo
imaginário, aquele que não parte de uma razão concreta para existir, mas que
pode ser mais assustador que o medo real. Um exemplo deste tipo de medo é
exatamente o temor da perda da identidade da população dos países que
recebem esses imigrantes. Claro que este tipo de medo parte de um medo
legítimo, mas é importante entender que ele atinge a pessoas que não têm culpa
disso. Como o que aconteceu na Noruega, em 2011.
O cientista político francês Jacques Sémelin (2009) a�rma que em momentos de
crise, as pessoas, principalmente as mais pobres, veem com incerteza o futuro, e
assim o medo imaginário se fortalece e se espalha por toda a comunidade. Ele
explica que os acontecimentos reais na verdade não têm tanta importância, mas
sim a percepção que se tem dessas situações incertas. E no caso de grave
estresse coletivo, como o risco de desemprego de boa parte da população, os
indivíduos de uma nação, ou até de um continente, têm a sensação de que sua
comunidade está fragilizada, de que suas referências fundamentais – tradição,
família, religião, costumes, etc. – estão desestabilizadas, o que, em sua
percepção, pode abrir brechas para um caos ainda maior.
Então, a comunidade passa a defender estas referências, e, por extensão, sua
identidade cultural. E aí nesta defesa o alvo são os imigrantes, o “outro” que é
diferente de nós, aquele que, neste processo de medo imaginário, está
colocando em risco a estabilidade da nação por ameaçar com sua própria
identidade cultural as referências nativas. Como esclarece Semélin, é comum
que em situações instáveis as comunidades criem um inimigo comum, que, para
o grupo, é a causa de todos os seus males. Neste raciocínio, a exclusão deste
inimigo imaginário acabaria, então, com os problemas por que passa a
comunidade, e é aí que começa a intolerância. É por isso que o
multiculturalismo, que na verdade é um fenômeno tão enriquecedor,
atualmente tem sido visto por muita gente como uma ameaça, e provocando
violências e discursos de ódio.
Assim, para evitar con�itos e agressões, devemos sempre estimular a tolerância,
o respeito e a aceitação de pessoas, culturas e crenças diferentes das nossas, e
rea�rmar que a convivência com o multiculturalismo traz crescimento a todos,
nativos e imigrantes. 
Acesse o link: Disponível aqui
Todos os dias somos inundados por discursos de ódio nas redes
sociais, e muitos são ataques a estrangeiros. Pensando nesse
problema a SaferNet, instituição mundial sem �ns lucrativos que
monitora violações dos direitos humanos na internet, elencou
alguns comportamentos que podem ajudar a fazer das redes
sociais um ambiente mais saudável.
https://new.safernet.org.br/content/cinco-dicas-para-buscar-mais-empatia-e-dialogo-na-internet#mobile
Pensando o Gênero
AULA 02
Atualmente vemos e ouvimos na mídia, principalmente nas redes sociais,
pessoas discutindo sobre gênero, sexo e orientação sexual. Mas você sabe
de�nir o que é cada um destes conceitos? É difícil mesmo, pois somente há
pouco tempo eles se tornaram pauta em nossas conversas.
A �lósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) iniciou o debate sobre a
diferenciação entre sexo e gênero em seu livro “O segundo sexo”, de 1949. Na
obra, a autora debatia a perspectiva de que a existência precedia a essência:
umamulher não nasce mulher, e sim se torna mulher durante sua vida. A autora
defendia que o papel da mulher na sociedade não deveria ser imposto por uma
determinação biológica ou um desígnio divino, mas sim, construído socialmente
durante suas vidas. Assim, Beauvoir abriu espaço para um debate mais
aprofundado sobre a questão, mas ainda sem conceituar gênero.
Essa tarefa coube ao psicólogo e sexólogo norte-americano John William Money
(1921-2006), que em 1955 introduziu a distinção terminológica entre sexo
biológico e gênero. Foi ele quem iniciou as pesquisas sobre os papéis sociais
como prioritários para a construção da identidade de um indivíduo, sobrepondo-
se à designação sexual.
Mas somente a partir da década de 1970, com o surgimento do movimento
feminista, é que a palavra gênero conseguiu mais visibilidade, o que alavancou
signi�cativamente as pesquisas sobre o tema nas Ciências Sociais. Na época, a
distinção entre sexo e gênero foi utilizada para explicar a desigualdade entre
homens e mulheres, mas hoje essa questão também envolve a discriminação, a
opressão e a violência contra qualquer indivíduo que não se enquadre no
binarismo homem-mulher. Vejamos agora cada um destes conceitos.
Sexo, gênero, orientação
sexual e expressão de gênero
Diferença entre sexo e gênero
O sexo de uma pessoa é de�nido pelos médicos quando ela nasce, por meio da
observação de suas características biológicas, ou seja, de sua genitália, de seus
cromossomos sexuais e dos hormônios produzidos em seu corpo. Essa
determinação binária - macho ou fêmea - também é estabelecida para os
animais e vegetais. Existem também os indivíduos que possuem
simultaneamente órgãos masculinos e femininos, denominados hermafroditas.
Assim, são as especi�cidades biológicas que vão enquadrar essa pessoa como
um indivíduo do sexo masculino ou do sexo feminino. Por isso dizemos que o
sexo é uma de�nição biológica.
Mas durante sua vida a pessoa pode se identi�car com o sexo diferente daquele
de�nido quando ela nasceu. É aí que entra o conceito de gênero. O gênero
refere-se à identidade que uma pessoa constrói para si durante a vida, ou seja,
está relacionado com o papel que o indivíduo tem na sociedade e como ele se
reconhece, e não com o sexo que lhe foi de�nido por outra pessoa no dia de seu
nascimento. É por isso que o conceito também é chamado de identidade de
gênero.
Identidade de gênero
Existem mais de 150 de�nições de identidade de gênero, mas não se preocupe,
porque ninguém consegue reconhecer prontamente todas elas! A sigla LGBTQ+
foi criada justamente com o objetivo de incorporar todas essas identidades, por
isso é que de tempos em tempos novas letras entram em sua formatação.
Atualmente, o sinal + representa qualquer identidade que não seja coberta pelas
outras iniciais: L – lésbica, G – Gay, B – bissexual, T- travesti ou transgênero e
Q – queer, sendo que esta última é a inicial de um termo inglês que denomina
distintas identidades de gênero. Também é chamado de genderqueer ou gênero
queer.
Vale lembrar que apesar desses termos terem se tornado mais comuns de uma
década para cá, eles já existiam há muito tempo, mas tomaram força na década
de 1990, fazendo com que pessoas que assumem estas identidades fossem
vistas e ouvidas.
Não precisamos saber todas as denominações para entender a questão do
gênero e demonstrar respeito às pessoas que se expressam diferentemente de
nós. O importante é entender as denominações básicas: cisgênero e
transgênero.
Cisgênero é a pessoa cuja identidade de gênero é compatível com o sexo
determinado no seu nascimento. Ou seja, se uma pessoa tem características
biológicas de uma mulher, por exemplo, e se sente identi�cada psicológica e
sexualmente com elas, então é uma mulher cisgênero. Por ser a categoria em
que se enquadra o padrão binário homem/mulher, é também chamada de
cisnormatividade.
Já o transgênero é aquele indivíduo que nasce com características biológicas de
determinado sexo - de um homem, por exemplo - mas que durante sua vida vai
se identi�cando com os comportamentos e atributos do outro sexo - mulher,
neste caso -, e em dado momento decide iniciar uma transição física e
psicológica para este gênero com o qual mais se sente confortável. Assim, esse
homem que demos como exemplo, com o tempo vai assumindo um visual e um
comportamento feminino, e passa a ser denominado mulher transgênero - ou
mulher trans -, porque agora ele se apresenta como uma mulher.
Como já dissemos, a identidade de gênero não comporta apenas duas
denominações, então, além de cisgênero e transgênero foi criado o termo “não
binário” a �m de abranger outras identidades de gênero. Trata-se, então, de um
termo “guarda--chuva" que identi�ca pessoas que não se percebem
pertencentes exclusivamente a um gênero.
Orientação sexual e expressão de gênero
Orientação sexual diz respeito à atração que uma pessoa, de qualquer
sexo/gênero, sente por outros indivíduos. É uma questão afetiva e emocional, e
não somente sexual. O conceito veio substituir os termos “opção sexual”,
“escolha sexual” e “preferência sexual”, já que não se trata de uma preferência
ou seleção de parceiros, e sim de uma construção afetiva e sexual que percorre
sua vida. Quem escolheria ser homossexual, por exemplo, em um mundo tão
preconceituoso? Por isso hoje dizemos “orientação sexual”.
A orientação sexual normalmente é dividida em quatro categorias. Se uma
pessoa tem atração por um indivíduo do sexo/gênero oposto do dela, dizemos
que ela é heterossexual ou heteroafetiva, sendo este último termo o mais usado
atualmente, já que põe em predomínio a ligação afetiva e não somente a relação
sexual.
Já se o desejo incidir sobre uma pessoa do mesmo sexo/gênero, ela é
homossexual (ou homoafetivo). No caso da atração se direcionar a ambos os
sexos/gêneros, dizemos que ela é bissexual (ou biafetivo). Existem ainda as
pessoas que se declaram assexuadas, já que não têm atração ou desejo por
nenhum dos sexos/gêneros.
Alguns pesquisadores adotam, ainda, como quinta categoria a denominação
pansexual, que se refere àquelas pessoas cuja atração independe do
sexo/gênero.
Devemos observar que atualmente o termo “homossexualismo” não deve ser
usado, já que o su�xo “ismo” está relacionado às doenças. Vale lembrar que aqui
no Brasil, até 1990, esta orientação sexual era considerada uma moléstia que
deveria ser tratada e curada. Hoje preferimos homossexualidade, cujo su�xo
está ligado à identidade.
Expressão de gênero, como o nome já diz, é a denominação dada à forma como
a pessoa se expressa: de maneira tipicamente feminina ou por características do
comportamento masculino, levando-se em consideração seu jeito de falar, de se
vestir, os acessórios que usa, seu estilo de cabelo, a linguagem corporal, etc.
E o que é ideologia de gênero?
A expressão "ideologia de gênero" foi criada pela ala conservadora da igreja
católica durante a década de 1970 em reação aos movimentos feministas, que
lutavam contra a submissão da mulher ao homem, um dos pilares da estrutura
patriarcal e da tradicional família cristã. No entendimento da Igreja, os estudos
de gênero seriam um instrumento de dominação que tenta convencer e
persuadir as pessoas a assumirem outros gêneros que não aqueles criados por
Deus: “homem” e “mulher”.
O termo não é reconhecido no mundo acadêmico, já que não se trata de uma
ideologia, e sim de uma área de estudo cujo objetivo é alertar para discriminação
de gênero e, assim, tentar acabar com a violência que acomete a comunidade
LGBTQ+.
Acesse o link: Disponível aqui
A Mattel, fabricante da boneca Barbie, lançou uma linha chamada
Mundo Criativo, em que as bonecas - ou bonecos - não têm
gênero de�nido: têm corpo de adolescente, sem características de
homens ou mulheres -   e vêm com acessórios para as crianças
personalizarem o brinquedo do jeito que preferirem, de acordo
com o gênero que escolherem.
https://veja.abril.com.br/entretenimento/menina-ou-menino-conheca-a-barbie-sem-genero/
Identidade padrão e
intolerância
Como já comentamos na Aula 01,o gênero é um dos principais focos de
intolerância. Mas por que existe tanta violência envolvendo pessoas que não se
identi�cam simplesmente como homens ou mulheres; que assumem outra
identidade de gênero? Essa questão tem raízes tão profundas que não
conseguimos enxergar que o binarismo homem/mulher é uma construção
social, como já dissemos.   Trata-se de um padrão elaborado a partir de uma
categorização arti�cial que dividiu a humanidade somente em dois gêneros: ou a
pessoa é homem ou é mulher. Este padrão nasceu na Europa a partir da
estrutura familiar patriarcal - que concede o poder ao homem - e se estendeu
aos países por ela colonizados durante séculos.
Esse padrão também separou os indivíduos por raça/cor - priorizando a branca -
e pela orientação sexual - a heterossexual. Com isso, através dos tempos o
padrão homem, branco e heterossexual foi considerado o modelo ideal para
todos os indivíduos do mundo, e foi responsável por de�nir padrões de
condutas, necessidades e emoções, sem levar em conta as especi�cidades,
tradições e comportamentos originais de cada região do mundo e os interesses
e sentimentos de cada pessoa. E assim, as pessoas que não se enquadravam no
binarismo homem/mulher acabaram sendo excluídas de vários âmbitos da
sociedade - político, legal, empresarial, etc.
Podemos entender melhor por que o padrão binário é arti�cial a partir dos
conceitos igualdade e diferença. E logo depois, vamos entender de que forma
esse padrão se inseriu na sociedade a partir da formação da família patriarcal.
Igualdade e diferença como construções
arbitrárias
Igualdade ou diferença entre pessoas ou grupos de pessoas não são parâmetros
que foram de�nidos por razões ditas naturais, mas sim pontos de vista
construídos historicamente, isto é, foram sendo determinados pela sociedade e
suas instituições - governo, família, igreja, escola, etc. - ao longo dos tempos e de
acordo com aquilo que interessava a quem tinha ou queria poder.
A historiadora norte-americana Joan Scott (2005) explica que a relação entre os
conceitos igualdade e diferença foram utilizados durante toda a história do
mundo para diferenciar qualidades, direitos e posições sociais, e, assim,
privilegiar determinados grupos de pessoas. Por isso essas escolhas morais e
éticas variam de uma época para outra.
Scott conta que na Revolução Francesa (1789 a 1799) a igualdade consistia em
uma promessa de que todos os indivíduos franceses - sem distinção de raça,
classe ou sexo - teriam seus direitos de cidadãos assegurados quanto à
participação política e representação legal. Mas não foi isso que aconteceu na
realidade: a cidadania foi negada às mulheres com a desculpa de que suas
tarefas domésticas e o cuidado com os �lhos eram um impedimento à
participação política. Assim, na efervescência da Revolução Francesa, que tinha
como lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, a igualdade não valia para as
mulheres.
E você deve ter pensado: “mas isso ainda é verdadeiro hoje”. Com certeza! E
outras diferenciações, além daquelas fundamentadas no sexo de uma pessoa,
ainda continuam sendo rea�rmadas, como a cor da pele e posse de bens.
Para explicar como a diferença é um conceito construído diferentemente em
cada contexto histórico, Scott dá como exemplo o posicionamento do Marquês
de Condorcet (1743-1794), �lósofo e matemático francês e um dos poucos
homens que questionavam as razões para a exclusão das mulheres dos direitos
civis e políticos. Ele defendia as mulheres, a�rmando que elas tinham “as
mesmas capacidades morais e racionais dos homens”. Mas, segundo Scott, o
marquês não tinha tanta certeza de que negros deveriam exercer a cidadania,
por isso aceitava que eles fossem excluídos das discussões.
O que estava em jogo, então, era a crença de que os indivíduos possuíam
características especí�cas, como a cor de sua pele ou suas diferenças
anatômicas (sexo), que deveriam excluir e justi�car em termos de raça ou gênero
os que não se enquadravam no padrão homem-branco. A submissão imposta às
mulheres e a escravidão dos negros em inúmeros países foram construídas a
partir dessa ideia.
Como explica a autora, o problema de as mulheres não serem consideradas
iguais aos homens reside no fato de que pertencem a uma categoria de pessoas
com características especí�cas, isto é, a um grupo. Só que essas características
não são naturais, e sim construídas e depois naturalizadas como se fossem
verdades concretas.
Resumindo, como aponta Scott (2005, p. 18), “somente aqueles que não se
assemelham ao indivíduo normativo têm sido considerados diferentes”, e, assim,
sua exclusão é legitimada por quem detém o poder econômico ou social.   E a
autora alerta, nessa situação, que a tensão entre indivíduos e grupos acaba
emergindo, já que quando certos grupos são “valorizados em detrimento de
outros, ou quando um conjunto de características biológicas ou religiosas ou
étnicas ou culturais é valorizado em relação a outros”, o resultado é sempre a
violência, como reação de quem não se conforma com o excluído ou como
ofensiva de quem provoca a exclusão e vê seu domínio sendo rompido.
A estrutura da família patriarcal – um
mecanismo de categorização
A família é uma força social que envolve o indivíduo na maior parte de sua vida,
por isso padrões hierárquicos e regras de conduta social são repassados pela
família à sociedade, e da sociedade de volta à família, em um continuum de
realimentação perpetuado de geração a geração. Assim, a família funciona,
então, como uma instância controladora que acaba por de�nir a vida social de
seus membros e de toda a sociedade.
Os papéis sociais do homem e da mulher são exemplos de valores desenhados a
partir da família e replicados nos vários outros papéis que os indivíduos exercem
na sociedade, como aponta Goode (1970, p. 17): “o desempenho de um papel
que é aprendido na família se torna o modelo ou o protótipo do desempenho
dos papéis exigidos nos outros segmentos da sociedade”.
A estrutura dominante de família, na sociedade capitalista, do século XX, de
acordo com Poster (1979, p. 186), é a família burguesa europeia, marcada pela
�gura central do patriarca (pai ou marido), que é ao mesmo tempo chefe da
família (composta por indivíduos com laços de sangue e/ou agregados) e
administrador das posses.
Além da estrutura hierarquizada que garante a autoridade e o poder, a família
burguesa tem ainda como características uma rígida divisão social do trabalho,
com atribuições e tarefas divididas entre masculinas e femininas; o controle da
sexualidade feminina e uma dupla moral sexual, em que a mulher sofre um
rígido controle sobre seus desejos e posturas, que vamos ver mais
detalhadamente na Aula 03.
Esse modelo foi o ponto de partida da história da instituição familiar de todo o
Ocidente, incluindo-se aí o Brasil, e se estendeu a toda a sociedade, sendo
reforçada por outras instituições disciplinadoras, a exemplo da Igreja e do
Estado, e mais tarde pelas representações sociais postas em circulação pela
mídia (e isso é assunto da Aula 04).
Isso fez com que o modelo de família patriarcal fosse acolhido como verdadeiro
e desejado como um ideal de vida doméstica, e assim todos os outros arranjos
familiares que não fossem similares a ele - como as famílias matrifocais, em que
a mãe é o centro - passaram à esfera do “anormal”, “desestruturada” ou
“incompleta”.
Assim, esse padrão familiar impôs suas normas e fez com que os indivíduos
aceitassem os papéis designados a eles e naturalizassem condutas que, na
verdade, são socialmente construídas e normatizadas, a exemplo da autoridade
e da violência do homem e da sujeição e da passividade das mulheres, como
lembra Sa�oti (2015, p. 37): “elas são socializadas para desenvolver
comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao contrário, são
estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas, que revelem força e
coragem”.
Dentro da estrutura social em que vivemos, indivíduos da
comunidade LGBTQ+ são alvo de constantes violências. E o Brasil
tem uma das maiores taxasmundiais de mortes entre essa
comunidade. De acordo com dados do monitoramento do GGB -
Grupo Gay da Bahia, publicados pela Folha de São Paulo, em
17/05/2019, de janeiro a maio deste ano foram registradas 141
mortes de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Se �zermos a
conta por mês, teremos uma pessoa da comunidade LGBTQ+
assassinada a cada 23 horas no país. E a pesquisa também mostra
uma realidade ainda mais cruel: o número de vítimas mortas
dentro de casa foi maior do que na rua - 36 contra 28 -, o que
revela a intolerância dentro das próprias famílias das vítimas.
Diferença leva à
desigualdade, que leva à
violência
Podemos perceber que a construção da diferença entre os gêneros se dá através
do que Pierre Bourdieu (1999) denomina “ocultação dos mecanismos básicos de
diferenciação”. O autor aponta que a diferenciação costumeiramente de�nida
como natural - masculino ou feminino - que parece algo concreto, pois assim a
conhecemos durante séculos, nada mais é que um trabalho de eternização de
uma diferença criada pelas instituições que permeiam nossa vida, a exemplo da
família, da igreja e da escola, como já dissemos, com o objetivo de criar padrões
de controle e disciplina.  
O problema é que esse sistema de diferenciação acaba levando a desigualdades,
já que é usado para estabelecer uma hierarquia e criar privilégios. Assim, quem
está fora do padrão torna-se vulnerável e discriminado.
No caso do gênero, a intolerância a outros tipos de identidade que não se
enquadrem no padrão binário acaba por provocar o isolamento social e
di�culdades de relacionamento, já que, por sentir-se excluído do modelo
construído pela sociedade, o indivíduo se isola por medo de ser rejeitado ou por
medo que outras pessoas descubram sua situação. É muito comum também que
a pessoa esconda sua identidade para não magoar as pessoas queridas ou para
proteger a família dos comentários dos outros.
Outro problema é o desemprego, já que muitas empresas não contratam
homossexuais ou transexuais, por exemplo, o que acaba empurrando esses
indivíduos para a prostituição ou para o trá�co de pessoas. Quem está fora do
padrão binário também acaba sendo alvo de todos os tipos de violência, seja
física, sexual, moral ou psicológica. Vamos ver melhor cada tipo de violência na
Aula 03.
Como respeitar as diversas identidades de gênero:
NUNCA:
Comentários preconceituosos.
Presumir que uma pessoa é homossexual ou heterossexual pelo modo de
se vestir.
Divulgar a orientação sexual de uma pessoa; é a intimidade dela que está
em jogo.
Fonte: Manual Orientador sobre Diversidade 2018 - Ministério dos Direitos
Humanos. Acesse o link Disponível aqui
SEMPRE:
Respeitar, não importa se você concorda ou não.
Tratar pelo nome social.
Aplicar pronome e etiqueta social de acordo com o gênero com que a
pessoa se apresenta.
https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/dezembro/ministerio-lanca-manual-orientador-de-diversidade/copy_of_ManualLGBTDIGITAL.pdf
Violência Simbólica – Uma
Agressão Invisível
AULA 03
Quando ouvimos alguém falar em violência, o que logo nos vêm à cabeça são as
agressões ao corpo, como socos, tapas, perfurações por armas de fogo, facas e
objetos cortantes, estupros, violações, assassinatos, etc. Mas existem outros
tipos de ações que nos agridem tanto ou mais que a violência física.
É a violência simbólica, um tipo de agressão que, apesar de não ser visível no
corpo da pessoa, geralmente causa um dano irreparável em suas vítimas. Em
seu espectro se encontram a discriminação, os constrangimentos, os insultos, as
humilhações, e todos os tipos de agressões verbais, morais e psicológicas. Além
desses casos, completa o rol de violências simbólicas um tipo de perseguição
moral em que estão incluídos o bullying, o assédio sexual e o assédio moral.
Violência simbólica – uma
desconstrução moral
Bourdieu (1989) chama de violência simbólica o método de desmoralização que
investe contra o indivíduo de forma tão ou mais cruel que a violência física, já
que objetiva a imposição de poder por via moral ou psicológica.  Para o autor,
ela é consequência do poder simbólico, um poder invisível, construído por
relações de poder muito arraigadas na sociedade, e que têm como principal
função impor o modo de vida e a ideologia de uma classe ou grupo sobre outro.
O poder simbólico atua como uma autoridade oculta que regula os
comportamentos e as práticas dos membros de uma sociedade e tem força
su�ciente para moldar a identidade desses indivíduos, pois se fundamenta na
construção de valores, regras e normas de conduta que induzem essas pessoas
a se comportar segundo os critérios da classe que tem o poder, e normalmente
sem ter a percepção de que são ideias impostas.
Assim, a violência que esse tipo de poder traz consigo também é simbólica, por
se apresentar de forma camu�ada, sutil, sem que a vítima perceba que se trata
de uma violência. Bordieu (1989, p. 47) explica que a violência simbólica se
realiza como um tipo de agressão “invisível às suas próprias vítimas e exercida
pelas vias mais sutis de dominação”.
O autor ainda a�rma que nesse sistema o oprimido não vê a violência como um
instrumento de imposição ou de legitimação da dominação, mas sim como um
tipo de respeito que "naturalmente" se exerce de um para outro e pela
incapacidade crítica de reconhecer a arbitrariedade das regras estabelecidas. É
por isso, que, como explica Bourdieu, a violência simbólica é consentida: “os
dominados não se opõem ao seu opressor, já que não se percebem como
vítimas deste processo” e neste círculo a violência simbólica continua.
Existem diversos tipos de violência simbólica, a exemplo da violência de gênero,
como vimos na Aula 02, que inclui também a violência doméstica, que no Brasil é
um dos tipos que mais mata.
Violência doméstica
Trata-se de qualquer tipo de agressão que acontece dentro do espaço
doméstico, ou seja, dentro do lar de uma família. Normalmente está relacionada
às agressões dos homens contra as mulheres. Esse tipo de violência começa com
a degradação da vítima com insultos e humilhações e pode se intensi�car até
chegar ao assassinato. É o chamado feminicídio, um tipo de crime designado
pela morte de uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher, e, como aponta
Bandeira (2013), “representa a última etapa de um continuum de violência que
leva à morte”.
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o
controle da vida e da morte. Ele se expressa como a�rmação irrestrita
de posse, igualando a mulher a um objeto(...); como subjugação da
intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual
associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher,
pela mutilação ou des�guração de seu corpo; como aviltamento da
dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou
degradante (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência
contra a Mulher/Relatório Final, CPMI-VCM, 2013).
Dados do Atlas da Violência (CERQUEIRA, 2018) mostram que os números
computados em todo o Brasil são assustadores: em 2016, último ano aferido
pelo Atlas, 4.645 mulheres foram assassinadas no país em razão do gênero, e é
sempre cometido por homens contra mulheres que fazem parte de sua vida
íntima - esposas, companheiras ou namoradas - e têm como motivações o ódio,
o desprezo ou a perda do controle sobre elas.
Em episódios de violência doméstica contra a mulher, a identidade, o
comportamento, as ideias, os direitos e os corpos femininos passam a ser vistos
como inferiorizados ou submissos em discursos e ações dos homens, sendo que
esta dinâmica de opressão é concretizada pela família patriarcal, como a�rma
Bourdieu (2018, p. 120): “é, sem dúvida, à família que cabe o papel principal na
reprodução da dominação e da visão masculinas”.
E, assim, os valores criados dentro da família - de distinção arbitrária entre o que
deve ser igual ou diferente dos homens - são incorporados pela sociedade a
partir do reforço criado pelas diversas instituições que perpassam nossas vidas,
como a família,a igreja, a escola.
Um bom exemplo para entendermos como essas diferenças são arbitrárias é a
crença sobre a existência de uma intuição feminina, normalmente reconhecida
como uma característica natural que diferencia as mulheres dos homens. Mas
Bourdieu (2018) a�rma que a intuição não é uma habilidade natural, mas sim, a
consequência de um comportamento feminino imposto pelos homens: a mulher
tornar-se imperceptível. Ele explica que a intuição vista como uma habilidade de
se prever o que poderá acontecer no futuro deve-se ao fato de que as mulheres
- frente a essa imposição de se tornarem “invisíveis” na sociedade - passaram
séculos sendo aconselhadas a não opinar, a olhar para baixo quando encaradas
ou não interromperem um homem -, o que acabou por causar um re�namento
na observação de comportamentos e atitudes de outras pessoas. E assim, esta
observação contínua levou as mulheres a aprender rapidamente como seriam as
reações mais comuns a determinados comportamentos, o que é muito diferente
de um poder mágico de previsão - a tal intuição.
A mídia também é uma das responsáveis pela perpetuação da violência
simbólica, já que a todo o momento veiculam modos de comportamentos e
per�s “adequados” com os quais as mulheres devem se espelhar, ou, ao
contrário, devem fugir.  São as representações sociais e estereótipos que vamos
abordar na Aula 04.
Hoje, de acordo com Bilac (1995), a família é fruto de contínuas negociações e
acordos entre seus membros, resultado de mudanças em sua organização
geradas pelo acesso da mulher à instrução e por sua entrada no mercado de
trabalho e no âmbito político. Mas para Bourdieu (2018, p. 137), essas mudanças
na condição feminina, na verdade, “mascaram a permanência de estruturas
invisíveis” no âmbito familiar, como os resquícios do poder patriarcal.
Romanelli (1995) concorda com a ressalva de Bourdieu quando a�rma que ainda
hoje a capacidade de negociação dentro de um núcleo familiar não é a mesma
para todos os seus membros. Principalmente quando essas aspirações partem
de uma das mulheres da família e faz com que os homens se vejam
confrontados com seu pátrio poder.
Desse modo, apesar do visível de�nhamento da família patriarcal, os homens
ainda partem para a violência quando as mulheres não concordam com a
submissão, tentando, assim, garantir o pátrio-poder conquistado há séculos.
  Como lembra Castells (1999, p. 278), “o patriarcalismo dá sinais no mundo
inteiro de que ainda está vivo e passando bem”.
O problema é que muitas mulheres acabam por acreditar que as agressões
psicológicas e morais de que são vítimas são normais, “são assim mesmo”, não
veem a violência como um instrumento de legitimação da dominação masculina
sobre elas, mas sim como um tipo de respeito que "naturalmente" se exerce
para o homem, seguindo seus princípios sem questioná-los, como se fossem
cúmplices.
Diversos tipos de violência simbólica recheiam uma pesquisa
realizada pelo Instituto Avon em 2015: foram entrevistados 1823
universitários de todo o país, de instituições públicas e privadas,
sendo 40% homens e 60% mulheres. A pesquisa levantou
números expressivos sobre distintos tipos de violência simbólica
sofridas pelas universitárias, tais como:
assédio sexual (56%)
coerção (18%)
desquali�cação intelectual (49%)
agressão moral e/ou psicológica (52%)
A pesquisa apontou, todavia, que apenas 10% delas relataram
espontaneamente que sofreram algum tipo de violência simbólica.
Somente quando estimuladas com uma lista de vários tipos de
agressões este número subiu para 67%, o que indica que muitas
vezes que a violência simbólica não é vista como tal pelas
estudantes, rea�rmando a observação de Bourdieu (2018) de que
tem a “cumplicidade” de suas próprias vítimas. Esta naturalização
também esteve presente nas respostas dadas pelos homens:
somente 2% admitiram ter cometido algum tipo de violência
contra as colegas, mas, ao serem confrontados com a lista de
violências o número subiu para 38%. Mas, ainda assim, eles não
reconheceram seus atos como agressões e, sim, brincadeiras ou
simples respostas ao comportamento das colegas.
Fonte: Disponível aqui
Outros tipos de violência
simbólica
Violência emocional, moral e psicológica
Causar medo, ameaçar, humilhar, magoar ou qualquer tipo de comportamento
que denigra uma pessoa são os tipos mais comuns de violência simbólica.
Também está neste rol o controle social, em que o agressor di�culta uma
pessoa de ter convívio com outras, impedindo-a de visitar familiares ou amigos,
fazer ligações telefônicas, ou, em casos extremos, trancá-la em casa.
https://pixabay.com/pt/photos/ovo-martelo-amea%C3%A7ar-viol%C3%AAncia-medo-583163/
Fonte: Disponível aqui
Violência patrimonial ou econômica
Este tipo de violência pode se apresentar de duas maneiras: como uma perda
clara de bens de uma pessoa, como no caso de furtos, golpes ou assaltos, em
que a vida �nanceira é afetada; ou de maneira menos explícita, a exemplo
daquela praticada pelo sistema econômico de um país ou dos altos juros
cobrados pelos bancos, ou ainda pelo mercado de trabalho, que exclui de forma
ilegal e injusta aqueles que não tiveram chance de ascensão pro�ssional.
Violência política
Tipo de violência relacionada à exclusão do indivíduo de seus direitos políticos,
ou de manobras de governos ou partidos que induzem à crença de
determinados posicionamentos de seu interesse, sem levar em conta as
necessidades de uma população ou grupo.
https://pixabay.com/pt/photos/m%C3%A3o-marionete-boneco-pol%C3%ADtico-alex-784077/
Violência institucional
Trata-se da violência praticada por uma instituição com seus clientes ou
parceiros, como é o caso de serviços mal prestados por uma empresa. Aqui
também podemos enquadrar a violência hospitalar: caso de hospitais, planos de
saúde e outras instituições médicas que minimizam a dor ou a importância da
dor de seus pacientes.
Violência cultural
Os meios de comunicação em geral (televisão, cinema, jornais, rádios) e a
publicidade costumam propagar estilos de vida que se tornam padrões para
muitas pessoas. O problema é que nem todos podem seguir esses padrões, seja
por aspectos econômicos ou por diferenças culturais e físicas. Isso se torna uma
violência porque aqueles que não se encaixam no modelo veiculado acabam
sendo alvo de desprezo, intolerância, e muitas vezes de violências. Vamos falar
mais sobre esses padrões na Aula 04.
Violência racial
É o tipo de violência que exclui pessoas de etnias fora do padrão racial imposto -
o padrão “branco” - a exemplo dos negros, que durante séculos têm sofrido
discriminações em todos os âmbitos da sociedade: político, cultural, religioso,
escolar, empresarial, etc. Hoje vemos crescer a discriminação aos contra os
árabes, que estão sendo perseguidos em todo o mundo, como já vimos na Aula
01.
Fonte: Disponível aqui
Violência religiosa
Ocorre quando alguns grupos religiosos e seus adeptos tentam impor a outras
pessoas suas crenças e costumes. Como na violência cultural, esta imposição de
um modelo acaba por gerar violência pela via da intolerância. Outro tipo de
violência religiosa é a obrigatoriedade de contribuição �nanceira por todos os
�éis, mesmo aqueles que não podem arcar com esse tipo de gasto, utilizando da
exclusão ou do medo para mantê-los na obrigação de contribuir.
Violência virtual
Prática que utiliza as redes sociais contra uma pessoa ou um grupo e se
dissemina por meio de comentários pelas redes sociais como Facebook,
Instagram, Youtube, sites e blogs da internet. Também chamado de cyberbullying,
consiste em utilizar o espaço virtual para ofender, difamar ou intimidar pessoas
https://pixabay.com/pt/photos/racismo-pe%C3%A3o-balan%C3%A7as-xadrez-2779943/
Fonte: Disponível aqui
e grupos de pessoas. Vale lembrar que o anonimato que con�gura as redes
sociais, que não necessita de uma interação face a face, possibilita uma série de
violências, que vão desde as divergências religiosas e políticas até o racismo e as
brincadeiras sobre a aparência, a exemplo da gordofobia.
Para alémdo bullying entre alunos, a própria escola pode ser uma
fonte de violência simbólica ao privilegiar estudantes mais ricos ou
mais bonitos, excluindo aqueles com de�ciências físicas ou
intelectuais, ou ainda não incluindo no plano de ensino atividades
relacionadas ao contexto social de todos os alunos, como, por
exemplo, excluindo as manifestações culturais da periferia.
https://pixabay.com/pt/photos/ass%C3%A9dio-moral-cyberbullying-insulto-4378156/
Acesse o link: Disponível aqui
O �lme “Bullying Virtual” (EUA, 2011) conta como a estudante
Taylor, vivida por Emily Osment, passa a ser alvo de humilhações
por parte de estudantes de sua escola quando começa a fazer
parte das redes sociais. Mas, consegue superar as di�culdades ao
se aproximar de colegas que passaram pela mesma experiência.
https://www.youtube.com/watch?v=tkDvyfSeziE
Representações Sociais E 
Estereótipos Veiculados Pela 
Mídia
AULA 04
Antes de falarmos sobre o que são as representações sociais, temos que
entender como os meios de comunicação tentam ganhar a adesão dos
espectadores para conseguir mais audiência para seus programas e sua
publicidade. Esta adesão pode ser consciente, quando colocamos a razão para
escolher o que queremos ver e ouvir. Mas a adesão também pode ser
inconsciente, quando nossa emoção e nossos desejos nos impulsionam a nos
identi�car com um programa ou comercial em especial sem que a gente saiba
bem o porquê. Vamos ver como isso acontece!
Meios de comunicação e os
processos do inconsciente
As pessoas vivem normalmente em dois mundos: o das obrigações (trabalho,
casa, contas, etc.) e o da fantasia, em que se entregam a sonhos e devaneios. E é
o mundo da fantasia que algumas vezes move o chamado mundo real, já que
suportamos nossas vidas porque sempre sonhamos sobre o que queremos que
se realize no futuro. Quem nunca se pegou imaginando o que faria se ganhasse
um prêmio de uma loteria; mesmo que nunca jogue?
É aí onde entram as revistas, os �lmes, os vídeos, os programas de televisão e de
rádio, a publicidade: são narrativas que consumimos durante toda a nossa vida e
que muitas vezes nos guiam sobre o que fazer quando temos dúvidas,
di�culdades ou necessidades, pois funcionam como uma ligação entre o mundo
“real” e nosso “mundo interno” por meio da fantasia veiculada em suas imagens,
sons, tramas e personagens.
Assim, o espectador de telenovela, por exemplo, se alegra quando vê em sua
trama pessoas de classes sociais diferentes se casarem, ou quando os
personagens maus são sempre vencidos pelo bem. O espectador, de modo
inconsciente, “joga” no personagem e nas situações com as quais se identi�ca
aquilo que almeja para si; ou seja, ele projeta seus desejos na fantasia veiculada
e se sente mais feliz, como explica Coelho (2003, p. 39): “a forma utópica como as
telenovelas mostram o cotidiano, permite que o receptor se projete na imagem,
na fantasia, como uma esperança por uma melhora na autoestima perdida no
mundo real”.
Outro exemplo são os comerciais que tentam fazer com que o receptor
“acredite” que se ele comprar o produto anunciado poderá viver uma situação
parecida com a que está sendo mostrada. Nos dois casos - telenovelas e
comerciais - este processo de persuasão que recorre ao inconsciente do
espectador é chamado de identi�cação projetiva, que vamos ver mais
detidamente no próximo item.
Antes, é importante lembrar que essa manipulação dos desejos do espectador,
por acontecer de maneira inconsciente, não tem a mesma e�cácia para todos os
indivíduos. O grau de resistência àquilo que a narrativa oferece, isto é, o grau de
“sedução” que faz com que o receptor acredite ou não no que está vendo,
depende do repertório cultural de cada um (características psicológicas,
experiências pessoais, traços culturais, educação formal, etc.). É isso que faz a
diferença entre quanto somos seduzidos ou não pelas peças ou programas dos
meios de comunicação.
Pessoas com um repertório cultural restrito, com baixo grau de educação formal
e menos informação, certamente são mais manipuladas. Mas a mesma
mensagem não terá o mesmo efeito ao atingir um indivíduo que tem um amplo
repertório cultural, a�nal, a capacidade de discordar, rejeitar e argumentar é
maior.
Identificação projetiva
Antes do advento do cinema, no �nal do século XIX, os trabalhadores satisfaziam
suas fantasias com romances populares, vendidos aos milhões às populações de
baixa renda. Esses livretos apaixonavam as pessoas, faziam-nas sonhar;
fabricavam, en�m, sensações de prazer.
Mas quando o cinema começa a se estabelecer como indústria nos Estados
Unidos, nos anos iniciais do século XX, seus primeiros espectadores - os
operários e camponeses, geralmente imigrantes europeus que chegavam aos
Estados Unidos fugindo da iminência da Primeira Guerra e tentando uma vida
mais próspera -  queriam mesmo era uma fonte de consolo e divertimento, pois
levavam uma vida muito difícil no novo país, sem dinheiro su�ciente para prover
suas famílias.
Antes de prosseguirmos, temos que entender quais foram os motivos que
�zeram com que os Estados Unidos se �xassem como o maior produtor de
cinema do mundo. O primeiro motivo é que a Primeira Grande Guerra
aconteceu na Europa, então os EUA ganharam terreno com a exportação dos
�lmes. O segundo é que, como ainda não existia o som, não havia a barreira da
língua. O terceiro motivo é que as necessidades emocionais dos espectadores
eram as mesmas em todo o mundo, já que quase todos os países estavam, de
uma forma ou de outra, envolvidos com a Guerra. Então, nada melhor para
aplacar a insegurança e o medo das populações do que um �lme no qual o bem
sempre vencia o mal, assim funcionando como uma grati�cação às mazelas da
guerra.
Portanto, com a constatação de que o público muitas vezes utilizava o cinema
como um entretenimento que o acalmasse de um cotidiano tenso, a produção
cinematográ�ca norte-americana passou a se pautar naquilo que o público mais
gostava para ganhar mais público. Tudo o que induzisse o espectador a se sentir
“vingado” ou “realizado” era utilizado no conteúdo dos �lmes: tombos que
levassem ao riso, policiais enganados por pessoas humildes, pancadaria,
pornogra�a, romance e temas heroicos.
Esse mecanismo do inconsciente chama-se “identi�cação projetiva”: o
espectador se identi�ca com as emoções vividas pelo personagem da história e
nele projeta seus sonhos, aquilo que não tem e gostaria de ter, ou aquilo que
não é e gostaria de ser. Assim, o espectador procura compensar emocional e
afetivamente as pressões cotidianas.
A identi�cação projetiva sempre delimitou o conteúdo dos �lmes norte-
americanos, a exemplo daqueles que �zeram a fama e a fortuna de Charlie
Chaplin, que como seu personagem mais famoso - Carlitos ou Vagabundo (The
Tramp, no nome original em inglês) - também era um imigrante pobre, vindo da
Inglaterra devastada pela guerra, e que por isso mesmo sabia como ninguém de
que o público necessitava.
A partir de 1910 os produtores perceberam que o público se identi�cava
especi�camente com as ações dos personagens dos �lmes, então teve início um
processo de valorização dos atores e atrizes que �cou conhecido como star
system: “por meio de publicidade, revistas especializadas, colunas de fofocas em
jornais, escândalos inventados ou não, começaram a se criar estrelas e astros da
noite para o dia”, como explica o sociólogo Edgar Morin (1989).
O público, então, começou a projetar seus sonhos nesses personagens e levá-los
para sua vida amorosa. E foi a partir daí que o comportamento das estrelas na
tela - e principalmente em sua vida privada - começou a in�uenciar o
comportamento do espectador.
Além disso, a vida das estrelas e de seus personagens também tinha sua e�cácia
publicitária: apresentava perfumes, sabonetes, cigarros, etc., compondo uma
imagem de beleza e status que os espectadores almejavam, assim agregando à
renda da bilheteria dos �lmes o valor dos anúncios dos produtos que eram
inseridos nas tramas. Hoje chamamos este recurso publicitário de merchandising.
Do cinema ostar system passou à televisão, e pouco a pouco a estratégia invadiu
todos os outros meios de comunicação. Na televisão, programas do gênero
reality show, como “Big Brother” e similares, também são exemplos de projetos
que exploram o processo de identi�cação projetiva. Apesar de se vender como
“realidade”, a construção desses programas funciona como qualquer �cção: ao
se identi�car com algum personagem, o receptor se projeta e se sente
representado por ele, como se também participasse do que acontece. Assim, ao
acompanhar e torcer pelo brother de sua preferência, tem-se a sensação de
também ter a oportunidade de “modi�car” sua vida se chegar a ganhar o prêmio.
Nesse tipo de programa o processo também é chamado de voyeurismo, termo
aplicado na prática de observar a intimidade de pessoas a distância quando elas
não sabem que estão sendo vistas.
Catarse
A identi�cação projetiva provoca a catarse, que é uma descarga de tensão
emocional. O processo é realizado através do subconsciente, onde se escondem
nossos medos, fantasias, desejos e censuras. Para a psiquiatra Maria Rita Khel
(2000, p. 136), “realizar um desejo através da catarse é encontrar uma
representação para um desejo inconsciente”.
Mas a catarse realizada por meio de programas de televisão, comerciais ou
�lmes pode levar à alienação da realidade, isto é, a um processo em que o
indivíduo acredita que sua vida vai seguir o mesmo caminho que a vida dos
personagens sobre os quais projeta seus desejos. Por isso, segundo a autora, os
meios de comunicação podem se tornar o oposto da psicanálise: enquanto nesta
o indivíduo procura ajuda para se conhecer e trabalhar seus problemas, nos
programas ele busca esquecer, ignorar ou eliminar os sofrimentos que o
atormentam.
A �cção é o gênero que mais remete o espectador à catarse, pois sua narrativa
pode se adequar àquilo que os espectadores mais gostariam de viver. E mesmo
os programas jornalísticos, considerados mais próximos da realidade - o que não
é realmente uma verdade, já que também têm sua narrativa construída a partir
dos interesses de seu público - também levam o receptor à catarse.
O melhor exemplo vem dos programas sensacionalistas, cujo foco são as
pessoas necessitadas, que buscam ajuda para seus problemas mais íntimos,
como as brigas em família, problemas no casamento, pessoas desaparecidas,
etc. Este tipo de programa trabalha como se fosse um espelho da realidade,
mostrando algo familiar ao espectador, isto é, apresenta situações próximas
daquilo que ele vê em seu cotidiano, mas nem sempre vividas, como a violência
urbana, as catástrofes e as misérias.
Assim, ao assistir a essas cenas angustiantes, o receptor sente dor ao imaginar o
sofrimento das pessoas que vê na imagem, mas também sente um grande alívio
por ele próprio não estar vivendo aquilo que viu na tela da TV. Por isso, esses
programas servem como um mecanismo de minimização do sofrimento e da dor
encontrada no indivíduo, funcionando também como uma catarse emocional,
isto é, como uma oportunidade para dar vazão ao medo gerado por uma
sociedade violenta.
Consequências da adesão aos processos
inconscientes
Ao aderirmos aos processos do inconsciente acima descritos temos como
consequências a distorção da realidade e a alienação, já que na mídia muitas
vezes os problemas do cotidiano são “maquiados” para que o espectador entre
em um mundo irreal, ou seja, um mundo que não é possível para grande parte
das pessoas.
Ao distorcer sua realidade, o público pode acabar acreditando que, sem fazer
grandes esforços, um dia sua vida poderá ser diferente. Pode �car esperando
que, sem fazer força, situações como as vistas nas telenovelas, nos �lmes e nas
propagandas se tornem reais, a exemplo da ascensão social e �nanceira através
do casamento, o mal vencendo o bem, o amor que atravessa qualquer
obstáculo, etc. Assim, o receptor torna-se alienado de sua situação, ignorando o
contexto social e �nanceiro em que vive e aceitando tudo o que encontra na tela,
buscando na fantasia sua realização e a materialização dos seus sonhos.
Representações sociais como
veículos de identificação
projetiva
Representações sociais são o conjunto de ideias e crenças que circulam na
sociedade e que são construídas a partir de signi�cados partilhados por seus
membros. A circulação destes signi�cados, isto é, a maneira como eles chegam
até nós, é realizada a partir de diversas formas de expressão da cultura desta
sociedade - sua língua, sua arte, sua religião, seus meios de comunicação, etc.
Um exemplo de representação social é a forma como a mulher é vista em nossa
sociedade: para muita gente uma mulher deve se casar quando se torna adulta,
deve ter �lhos e deve cuidar bem de sua casa. A representação funciona mais ou
menos como uma fotogra�a: no caso das mulheres, seria uma ”fotogra�a” que
materializasse o papel que elas devem exercer na sociedade, como a ilustração
que abre esta aula.
O problema das representações é que elas podem provocar a identi�cação
projetiva de muitas pessoas ao reforçar um modelo de comportamento, de
corpo ou de concepção de mundo - que não necessariamente é verdadeiro para
todos os membros da sociedade. Como o caso das mulheres que não se
enquadram na representação de mulher “ideal” - casada, com �lhos e zelosa de
sua casa -, e se sentem excluídas ou envergonhadas por não desejarem ou não
conseguirem adequar-se a esse papel. Por isso, o sociólogo Stuart Hall (2016, p.
20) alerta que as representações sociais podem ser perigosas, pois penetram
nos “sentimentos, ideias, conceitos e senso de pertencimento do indivíduo”.
Ainda, precisamos estar atentos porque as representações sociais não são �xas,
não são iguais em toda a história do mundo. Elas são reelaboradas de acordo
com o período histórico em que foram construídas, isto é, se modi�cam com o
passar do tempo, já que a sociedade não pensa da mesma forma em todas as
épocas.
As representações sociais são postas em circulação através da linguagem - seja
ela oral, escrita, gestual ou sonora - e no caso dos meios de comunicação elas se
materializam em imagens, textos escritos e sons, a exemplo dos programas de
televisão e rádio, dos �lmes de cinema, dos comerciais, das ilustrações ou fotos
de revistas ou jornais, dos memes e posts da internet, e muito mais.
Às vezes as representações veiculadas pelos meios de comunicação são
positivas, como o caso de telenovelas que têm entre seus personagens pessoas
com algum tipo de de�ciência física e intelectual que ao serem mostradas
trabalhando, estudando, namorando, etc., quebram preconceitos da sociedade.
Mas em outros casos as representações podem ser negativas, ao veicularem, por
exemplo, padrões e modelos de corpos, comportamentos e ideias, o que às
vezes contribui para o reforço de preconceitos de raça, gênero, classe social, etc.,
que acabam alimentando todo tipo de violências simbólicas, como apontamos
na Aula 03.
A esse tipo de representação que iguala todos os membros de uma sociedade
por uma de suas características damos o nome de estereótipo.
Os estereótipos
Os estereótipos são imagens preconcebidas de determinados grupos sociais.
Trata-se de uma forma de percepção simpli�cada e generalizante sobre um
grupo humano ou uma determinada categoria social, e são baseados em
modelos muitas vezes herdados de gerações anteriores ou impostas pela
opinião pública e pela mídia. Preste atenção como quase sempre alguns grupos
de pessoas são retratados do mesmo modo - ladrões: pobres; policiais: brancos
gordinhos; orientais: inteligentes; loiras: burras, etc.
O problema dos estereótipos é que eles não são baseados em experiências
diretas, mas em preconceitos e julgamentos pré-estabelecidos e, portanto, são
geralmente cheios de hostilidades em relação a classes ou grupos sociais
desfavorecidos, podendo ser usados como veículos de ideologias raciais ou de
classe. Por isso os estereótipos veiculados pela mídia podem ser tão perigosos,
pois como são as representações sociais mais vistas pelos membros de uma
sociedade, são, portanto,mais passíveis de comparações, condicionando, assim,
comportamentos, formas de falar, pensar e vestir.
Existem muitas formas de estereótipos, que usualmente reduzem as pessoas em
torno de uma condição especí�ca do grupo ao qual pertence. Vamos a eles!
Estereótipos raciais: enfatizam o pertencimento a um grupo racial, e, portanto,
impõem características morais ou éticas para todos os indivíduos que dele fazem
parte. Um exemplo são os estereótipos associados aos negros, que os ligam à
sexualidade, à preguiça ou ao crime.
Estereótipos de classe: são construídos a partir do pertencimento a uma
determinada classe social. Exemplo: "Os pobres são ignorantes e os ricos são
cultos".
Estereótipos políticos: aqueles que aderem a uma posição política ou a certa
ideologia. Por exemplo: “Feministas são mulheres infelizes e feias”.
Estereótipos de gênero: são elaborados a partir de identidade de gênero ou
orientação sexual. Por exemplo: “Mulheres são menos inteligentes que os
homens, são fracas e têm menos controle emocional”, "Homossexuais têm
comportamento promíscuo”.
Veja o relatório completo na página o�cial do projeto:
Disponível aqui
O Facebook e a agência de publicidade 65/10 publicaram um
estudo sobre os estereótipos de gênero, classe, sexualidade, raça
e corpo mais usados na propaganda brasileira. A pesquisa,
denominada “Dados, diversidade e representação”, analisou
campanhas publicitárias veiculadas em meios de comunicação de
toda a América Latina.
https://www.facebook.com/business/m/ads4equality
Carta Capital – “Filmes infantis perpetuam estereótipos de raça e
de gênero”: Disponível aqui
Fórum: “Além da Disney clássica: cinco ótimos �lmes de animação
para crianças sem estereótipos raciais”: Disponível aqui
Nem sempre os �lmes infantis trazem lições positivas para as
crianças. Muitos apresentam representações que geram
preconceitos de etnias, gêneros e classe social. Exemplos são os
personagens que prevalecem em muitos desenhos: pessoas
brancas, heterossexuais, de classe média ou alta, inteligentes e
com corpos perfeitos. E os que não se enquadram neste padrão
acabam �cando em papéis secundários, como empregados,
criminosos e pessoas excluídas da sociedade. Fique atento ao
escolher um �lme, pois as crianças podem entender que quem
não se encaixa no padrão não conseguirá ser feliz. Veja mais nas
seguintes matérias destas revistas online:
https://www.cartacapital.com.br/educacao/filmes-infantis-perpetuam-estereotipos-sociais-e-de-genero/
https://revistaforum.com.br/digital/132/alem-da-disney-classica-cinco-otimos-filmes-de-animacao-para-criancas-sem-estereotipos-raciais/
Conclusão
Como dissemos na introdução, a proposta destas aulas foi deixar a você a tarefa de
pensar sobre questões que trazem sofrimento a muitas pessoas. A intenção é que por
meio de um conhecimento mais profundo sobre assuntos tão complexos, possamos
alterar os rumos de nossa sociedade, que têm se mostrado tão intolerante e violenta.
É essencial que tenhamos informação e entendimento sobre o modo de pensar e agir
do Outro, pois o desconhecimento gera situações de con�ito. A intolerância sempre
acaba trazendo mais violência. Ao contrário, a tolerância e o respeito ao próximo, à sua
situação de desamparo, têm efeitos muito mais positivos.
Devemos lembrar que se quisermos mudanças, primeiro devemos mudar a nós
mesmos, nossas ideias e comportamentos, e re�etir muito profundamente sobre a
maneira como nos expressamos e nos comportamos com nossos vizinhos, colegas de
trabalho ou mesmo com aqueles que às vezes cruzam nosso caminho e se vão.
Levar essas questões a todos os âmbitos da sociedade, a exemplo da escola, pode
ampliar os resultados de nossa mudança interna. Discussões em sala de aula sobre os
temas aqui abordados também são muito importantes para a conscientização dos
alunos sobre o respeito às diferenças, porque somente assim conseguiremos preparar
melhor quem vai sedimentar o caminho para um futuro livre de ações racistas e
preconceitos de gênero.
Pense nisso com carinho!
Material Complementar
Livro
Bullying e Cyberbullying
Quais as fronteiras entre brincadeira, agressão e perseguição
implacável? Como contribuir para o uso responsável da
tecnologia e das redes sociais? Em “Bullying e Cyberbullying”, a
autora Maria Tereza Maldonado mostra como educadores, pais,
crianças e adolescentes podem desenvolver recursos para
prevenir as ações de bullying e cyberbullying, integrando-os em
um programa e�caz para criar um ambiente escolar em que seja
possível aprender e conviver.
Editora Moderna, 2014.
Filme
22 de julho
“22 de julho” - �lme norueguês lançado pela Net�ix em 2019 que
reconstrói os atentados de 22 de julho de 2011, na Noruega,
cometidos pelo militante de extrema direita Anders Breivik. Ele
explodiu um edifício governamental na capital Oslo, matando
oito pessoas, e horas depois alvejou jovens integrantes do
Partido Trabalhista Norueguês que acampavam na ilha de Utoya,
deixando mais 69 mortos. A cena que mostra o depoimento da
personagem Lara, uma jovem muçulmana que teve sua irmã
morta no massacre é emocionante! Leia um trecho de sua fala:
“Éramos refugiados fugindo de uma guerra. Demorou muito para
me sentir em casa na Noruega. E algumas pessoas ainda
suspeitavam de nós. Ficavam irritados por estarmos aqui. Minha
irmã, Bano, me ajudou muito. Me dizia que a Noruega era ótima.
Aqui podíamos ter segurança, e liberdade e esperança. Era isso
exatamente que sentia em volta da fogueira de Utoya na noite
anterior. Mas, no dia seguinte, quando fomos atacados e minha
irmã foi morta, perdi tudo isso. Eu fui lançada num mundo de dor e
medo e muita raiva. (...) E eu não consigo entender por que razão
alguém queria nos matar. Não entendo o que posso ter de tão
assustador”.
Filme
Gran Torino
Filme de 2008 dirigido, produzido e protagonizado por Clint
Eastwood, conta a vida de Walt Kowalski, um veterano da Guerra
da Coreia, aposentado, que perde a mulher. Rabugento e
refratário a estrangeiros, sua vida vira de cabeça para baixo
quando uma família do Laos se muda para a casa ao lado. Mas
no momento em que seu novo vizinho adolescente Thao (Bee
Vang) se envolve com uma gangue, Walt salva o garoto da
violência e acaba se envolvendo com toda a família. Uma boa
oportunidade para repensar sobre os caminhos da intolerância. 
Web
No YouTube, você pode encontrar vários vídeos para trabalhar
em sala de aula sobre a questão da identidade de gênero. Duas
dicas de produções sensíveis são o clipe da música "Light"
(2014), da cantora francesa HollySiz, que mostra os problemas
criados quando um menino resolve ir de vestido à escola. O
outro vídeo, “Vestido nuevo” (2008), de 13 minutos, é uma
produção espanhola que conta a mesma situação: em um dia de
Carnaval, Mário chega ao colégio de vestido rosa e unhas
pintadas, gerando intolerância entre colegas e funcionários. As
duas peças trazem à tona a importância da escola como um
espaço onde os preconceitos não devem existir.
“The Light”
Acesse o link
Vestido Nuevo
Acesse o link
https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=Cf79KXBCIDg
https://www.youtube.com/watch?v=ktCXZg-HxGA
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	Sumário
	Aula 01
	Aula 02
	Aula 03
	Aula 04
	Conclusão
	Referências

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