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A dignidade humana PUC. (Corrig. Kelly). Prof. Carlos

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1 
A dignidade humana frente à dramaticidade 
do aborto 
Fr. Carlos Paula de Moraes, osm*1 
 
Resumo: o presente capítulo tem a intenção de apresentar a relação entre 
bioética e os fundamentos conceituais da dignidade humana no ocidente para 
refletir tais conceitos a partir do prisma da mãe e do feto. Ressaltando ainda que 
na dramaticidade do aborto não se tem, como se pode pensar, somente dois 
“sujeitos” diretos (mãe e feto), mas esse drama é vivido por um grupo bem maior 
de pessoas, como o pai e a mesma comunidade. Para tanto, far-se-á um 
levantamento histórico-cultural das fontes conceituais da dignidade humana 
ocidental, propondo uma linha interpretativa, que não tem a intenção de ser a 
única via, mas um ponto de vista, que o autor retém como possível e capaz de 
fazer uma ponte de diálogo entre os posicionamentos divergentes em relação ao 
aborto. 
 
 
 
 
 
Palavra Chaves: aborto, dignidade humana, bioética. 
 
 
 
 
 
 
 
1
 O autor é frei da Ordem dos Servos de Maria, graduado e pós-graduado em Filosofia pela Pontifícia 
Universidade Católica do Paraná. Graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade Marianum de Roma, com 
Master em Bioética Pelo Ateneo Regina Apostolorum de Roma, mestrado e doutorado pela Accademia 
Alfonsiana de Roma. Atualmente é professor da Universidade Federal do Acre- UFAC; Faculdade Diocesana 
São José- FADISI. E-mail: profcar@bol.com.br. 
 
2 
INTRODUÇÃO 
 Dentro das discussões sobre bioética, um dos temas mais debatidos, nos 
dias de hoje, é o conceito de “dignidade humana”. Ainda que exista diversidade 
de interpretações, seja no campo jurídico como no campo da bioética, tal conceito 
é fundamental para a defesa da vida e da proteção do ser humano. Até mesmo as 
intervenções do magistério católico, no que diz respeito à bioética, se justificam 
com base numa certa interpretação do que seja a dignidade da pessoa humana. 
 Muitas diferenças ideológicas entre os militantes “pró ou contra” o aborto se 
deve a uma visão antropológica divergente, muito mais do que uma posição 
“teológica”. É claro, no entanto, que as raízes dos diversos modelos 
antropológicos, não estão isentas de influências dos vários contextos da 
existência humana, entre eles, também o teológico. 
 De forma geral, encontramos “militantes” dos “direitos da escolha”, que são 
muito perspicazes ao defender o direito das mulheres nas questões do aborto, 
como se o feto fosse um “órgão” da mãe, podendo ela se desfazer quando 
convier. Como se a questão da maternidade, fosse algo extremamente 
personalizado, deixando de se frisar outros fatores preponderantes e decisivos 
para o processo de maternidade, como a figura do pai, da família, da comunidade 
e até mesmo do Estado. 
Em direção extremamente oposta, encontramos alguns movimentos 
organizados e “militantes” do “direito à vida”, que congregam, no Brasil, um 
número crescente de membros religiosos. Tal perspectiva frisa de forma 
contundente o direito de nascer, do feto, onde não se considera tanto os conflitos 
psicossociais que a mãe pode estar passando, mas se frisa muito mais a 
dignidade da vida ameaçada, ou seja, do feto e do seu direito de nascer. 
A posição do magistério da Igreja, ao contrário do que se poderia pensar, 
foi sempre de uma firmeza da condenação do aborto, mas nunca da mulher ou da 
mãe que praticou o aborto, como penalidade isolada. De fato, no próprio Direito 
Canônico da Igreja, o crime do aborto tem sua penalidade a todos que estiveram 
direta ou indiretamente envolvidos no aborto, isso inclui o pai, que não assumiu 
sua responsabilidade, como também os médicos, e pessoas envolvidas que se 
omitiram. Assim, o cân. 1041 afirma: “Quem tiver praticado homicídio voluntário, 
ou provocado aborto, tendo-se seguido o efeito, e todos os que tiverem 
cooperado positivamente”; e o cân. 1398 apresentará a condenação da 
 
3 
excomunhão Latae Sententiae, para quem provocar o aborto. No próprio 
Catecismo da Igreja, também se relata: 
A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com 
a pena canônica da excomunhão este delito contra a vida humana. 
Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre 
em excomunhão latae sententiae (49), isto é, «pelo facto mesmo de se 
cometer o delito» (50) e nas condições previstas pelo Direito (50). A 
Igreja não pretende deste modo, restringir o campo da misericórdia. 
Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo 
irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a 
sociedade (cf. CIC n. 2272). 
 
 O drama do aborto não deve ser tratado como se existissem somente 
dois “personagens”, ou seja, a mãe e o feto, mas é um drama que conta com um 
número bem maior de participantes! 
 
1. O CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA NOS VÁRIOS HORIZONTES 
CULTURAIS 
Depois do nascimento das ciências humanas, não se pode mais ignorar a 
influência do meio cultural nas diferentes visões de mundo. Por isso, faremos de 
forma sintética uma rápida ponderação sobre alguns aspectos culturais que pode 
influenciar na axiologia das diferentes concepções da dignidade da pessoa 
humana. A escolha de “alguns desses lugares culturais” se deve pela influência 
que exercem, ainda hoje, na cultura ocidental, ou seja, o contexto hebraico-cristão 
e o greco-latino. 
 
1.1 O horizonte cultural hebraico-cristão, o homem como: Imagem e 
semelhança 
O mundo como criação (ex-nillo) é uma categoria teológica de origem 
hebraica, diferente do referencial grego de “natureza”, de matriz mais filosófica. A 
narrativa bíblica apresenta duas grandes versões da origem do homem, a 
primeira (sacerdotal) é colocada depois da criação de todas as coisas (Gn 1,26-
27) e a segunda (“tradição javista”) o ser humano teria sido criado antes dos 
animais e das plantas (Gn 2,7). Na primeira versão, se frisa mais a natureza em 
função do homem e na segunda a relação de responsabilidade de cuidar ou 
administrar o dom recebido, a criação como dom de Deus ao homem, único 
criado a sua “imagem e semelhança”. 
 
4 
Segundo Raponi (1980, p.215), a distinção entre imagem e semelhança 
seria uma preocupação de alguns padres da Igreja. Irineu de Lion e Clemente de 
Alexandria seriam mais favorável a uma visão que a semelhança é mais perfeita, 
pois tem a capacidade de elevar a imagem ao estado de perfeição. A imagem 
seria permanente e, mesmo depois da “queda” (pecado) não perderia sua 
condição de divinizar-se ou assemelhar-se. No entanto, a patrística não 
diferenciou de forma clara estes dois termos, mas conservou o binômio, o sentido 
de divinização. 
Já Simonetti (1968, p. 221) Orígenes, por exemplo, defendia que a 
passagem da imagem para a semelhança se daria na imitação de Deus, ou seja, 
agindo segundo a vontade de Deus. De forma geral, no horizonte cultural 
hebraico, o homem foi criado segundo a vontade divina. Cabendo a ele progredir 
rumo à perfeição a qual foi chamado. Nesse empenho, o Espírito Santo teria, 
dentro da visão antropológica cristã, uma função especial. 
Segundo Souza (2009, p. 132), os Padres da Igreja, de maneira particular, 
Irineu de Lion, atribuem a terceira pessoa da Trindade um papel fundamental. O 
sopro de vida e o Espírito Santo são questões importantes da antropologia antiga, 
pois tocam na questão do Espírito Santo e da Trindade, duas realidades que 
repercutem na característica própria da fé cristã. 
 
1.2 O horizonte cultural grego 
Mesmo tendo presente todas as diferenças filosóficas do mundo grego, 
pode-se afirmar também que a base filosófica ofereceu um referencial de 
pessoa, e consequentementede “dignidade da pessoa humana”. Se o horizonte 
hebraico era permeado pela força da religião, o horizonte grego será permeado 
pela força da filosofia, ainda que não tenha uma unidade filosófica total, oferece-
nos uma base que a partir de Platão se fundamenta e segue influenciando o 
ocidente. De fato na obra Crátilo, de Platão temos: 
 
Dir-te-ei. O nome antropos indica que os outros animais não investigam 
ou consideram, ou examinam quaisquer das coisas que veem, ao passo 
que o ser humano tão logo vê algo, ou seja, examina e considera o que 
viu. Portanto todos os animais, exclusivamente o ser humano é 
corretamente chamado de antropos (=voltado para o que vê) porque 
examina o que viu (Platão, Grátilo n. 399c). 
 
Wanderlei
Nota
A vida humana é digna por ela ser a imagem semelhança de Deus. E pesar do que houver com o indivíduo , ele ainda será o que Deus criou.
Wanderlei
Nota
Aqui o homem e digno por ser o único capaz de se indagar sobre os fenômenos do seu redor.
 
5 
Para Palumbieri (2000, p. 24), partindo da compreensão socrático-
platônica, se tem uma visão do ser humano como um ser capaz de perceber as 
coisas, se dar “conta” e que pede “conta” das coisas na busca do sentido do que 
ele vê. Teria assim a capacidade de consciência e valorização de tudo o que lhe 
vem ao campo da visão. Teria o “poder” da consciência e da autoconsciência. 
Porém, para Palumbieri, a origem da palavra antropos, se explicaria melhor na 
raiz de “én-trépo-phós”, ou seja, literalmente, como: ser que se orienta verso a 
luz, ou voltado para a luz. Dai se daria ênfase à posição ereta do homem e da sua 
necessidade de iluminação. De qualquer forma, nas duas raízes gregas, se 
evidencia o aspecto positivo da capacidade humana em relação aos outros seres, 
não por ser imagem e semelhança de algo maior, mas por ser ele mesmo, uma 
“fonte” em si de diferença. 
Na visão de Brugnera (1998, p. 91), uma das grandes dificuldades na 
filosofia antiga grega é justamente o conceito de “natureza humana”. Parece que 
a noção de natureza humana deveria ser ligada a elementos sociais, políticos e 
culturais presentes em determinada forma de comunidade ou sociedade. 
A questão da escravidão natural em Aristóteles também era um diferencial 
que representa, de forma emblemática, a cultura grega, que tanto defendeu o 
aspecto positivo do Logos humano, ou seja, da razão, mas que defendeu também 
a natureza da escravidão. Para o homem livre, este não poderia ser um escravo 
ontológico, em si mesmo, pois este teria um valor em si, que seria independente 
do reconhecimento do outro. No entanto, defendia, também, a existência de 
classes de homens, que mesmo sendo racionais, não possuíam esse mesmo 
direito. De fato, na obra, Política, de Aristóteles, pode se ler: 
 
Pois é naturalmente escravo quem é capaz de ser de outro (e por isso é 
realmente de outro) e participa da razão na medida suficiente para 
reconhecê-la, porém sem possuí-la, enquanto que os demais animais 
não se dão conta da razão, senão que obedecem a seus instintos. Na 
utilidade diferem pouco: tanto os escravos como os animais domésticos 
subministram o necessário para o corpo” (Política, 1254b). 
 
O livre rege o escravo de outro modo que o varão à fêmea e o homem 
ao menino; em todos eles existem as partes da alma, porém de modo 
distinto: o escravo carece em absoluto da faculdade deliberativa; a 
fêmea a tem desprovida de autoridade; o menino a tem, porém 
imperfeita” (Política, 1260a.). 
 
Wanderlei
Realce
 
6 
As definições aristotélicas de homem mais comuns são as de animal 
racional e animal político. Porém, sabe-se que apenas uns 10 a 12 % da 
população ateniense poderiam gozar desses atributos de “cidadãos”, o que 
deixava de fora as mulheres, mesmo as livres, da questão dos direitos de 
cidadania. Somente por influência do próprio cristianismo, é que as categorias de 
dignidade humana serão alargadas, de forma popular, a todos, onde não existirá 
mais escravo ou livre, homem ou mulher, mas todos iguais em dignidade, por 
serem filhos de Deus e redimidos por Cristo (Cf. 1 Cor 1, 17-25). 
 
1.3 O horizonte cultural latino 
Para Palumbieri (2003, p. 70), o pensamento latino designa a realidade 
humana com o termo “homo”, que se faz derivar da raiz latina de “humus” (terra 
molhada). Coloca-se em evidência, neste horizonte cultural, a fragilidade humana, 
a sua limitação, condição de instabilidade no tempo e espaço. Colocada como um 
paradoxo, os horizontes culturais das duas definições (antropos e homo) 
representam a evidência da dialética humana, o homem é luz e sombra, é ser e 
não ser ainda, ser chamado ao transcendente e limitado também pela imanência 
da vida. 
Segundo Dias (2009, p.42), os filósofos estóicos, do ponto de vista 
intelectual, foram os primeiros teóricos da doutrina da igualdade entre os homens 
na sua antropologia e na sua ética. A ideia principal seria a da existência do “reino 
da razão” junto à comunidade real. Mais tarde, sob a influência do Império 
Romano, os principais conceitos estóicos conheceriam uma reelaboração e uma 
concreta aplicação política pelos intérpretes da cultura grega. Entre eles, 
podemos citar Marcus Tullius Cicero (103-43 a.C) e os estóicos romanos Lucius 
Annaeus Seneca (4-65 d.C). 
Ainda na visão de Dias (2009, p. 40), Aristóteles afirmava a desigualdade 
entre os homens e os povos, justificando assim, a atitude dos gregos para com os 
“bárbaros”. Os autores do horizonte latino sustentavam uma natureza humana 
comum, uma relação de igualdade com a inteira espécie humana. Nessa visão, 
todo homem também seria unido aos outros mediante o Direito, devendo seguir a 
própria natureza humana. Para Cícero, o homem pertenceria à “Civitas Maxima”, 
composta pela humanidade inteira, dotada de ratio. A Lex naturae, enquanto 
verdadeira Lex, sempre teria existido, antes mesmo que surgisse o Direito positivo 
Wanderlei
Nota
Os romanos viam os homens como seres frágeis, pois não viam o como um ser inabalável.
Wanderlei
Realce
Wanderlei
Realce
Wanderlei
Nota
Faz parte do homem ele ser frágil.
Wanderlei
Nota
o direito é necessário para proteger o mais fraco.null 
 
7 
e fosse fundado o Estado. Talvez por este substrato, o da necessidade de tutelar 
este bem, o homem e sua “fragilidade”, é que a cultura latina desenvolveu e 
aprimorou tanto o Direito positivo. 
Na visão de Dias (2009, p. 53), para se compreender a gênese e a 
evolução da categoria filosófica dos direitos humanos, se faz necessária uma 
referência a Santo Agostinho (354-430), já que tal categoria filosófica residiria 
tanto na doutrina do Direito, revestida pelo Estoicismo, quanto nas 
reinterpretações agostinianas das questões da política e do Estado. Para o 
referido autor, na visão agostiniana da defesa da Lex naturalis, o mesmo defendia 
que está não é sobrenatural, mas está escrita em maneira natural e indelével no 
coração de cada homem, em outras palavras, na sua ratio. Para fundamentar 
essa interpretação, é apresentado um fragmento da obra: “De Ordine”, onde 
Agostinho afirmava que na razão de todo homem que já seja livre de querer surge 
uma lei já impressa, por natureza, no seu coração que o admoesta de não fazer 
aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito. A Lex naturalis seria então o 
fundamento da igualdade, natural, de todos os seres humanos, impressa em cada 
um, seja, cristão, hebreu ou pagão. 
Dias (2009, p. 54) cita, ainda, a importante contribuição de Santo Tomás de 
Aquino (1225-1274), para o aprofundamento filosófico do conceito de dignidade 
humana. A apropriação operada por ele de alguns temas fundamentais do direito 
estóico-aristotélico, aponta o homem como um ser dotado de razão e na lexnaturalis o seu elemento de participação à Lex Aeterna. 
Giovanni Reale (2007, p. 228) interpreta a relação entre a Lex Aeterna, lex 
naturalis, lex humana e lex divina, no pensamento tomista, apresentando uma 
relação e certa autonomia entre estas leis. Ou seja, a Lei eterna é dada pela 
própria natureza, por exemplo, é natural de o fogo queimar e ser “quente”; a lei 
natural está incluída dentro da lei eterna, que por sua vez é diferente da lei divina. 
A lei eterna é gerada da lei divina, mas não se confunde com esta. A lei humana é 
tipicamente da sociedade humana, que legisla sobre os assuntos da sociedade. 
Porém, será ilegítima se for contra a natureza dos seres que vivem na sociedade. 
Seria completamente ridículo o ser humano fazer uma lei humana que 
determinasse a proibição do fogo de queimar! 
Na interpretação de Dias (2009, p.55), foi Santo Tomás que, recorrendo à 
ideia clássica da consciência, desenvolverá o conceito de pessoa capaz de 
Wanderlei
Riscado
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Texto digitado
Lei eternanull
Wanderlei
Riscado
Wanderlei
Texto digitado
Lei Naturalnull
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Realce
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8 
autônoma decisão moral. Maturando o conceito de autonomia pessoal como 
elemento fundamental da dignidade pessoal de todo homem. O homem não 
deveria agir contra a própria consciência, como suprema instância ética, nem 
obedecer a nenhuma outra ordem. Essa mesma visão poderá ser “sentida” 
durante todo o percurso da tradição cristã, do período medieval até o século XX, 
no Concílio Vaticano II, principalmente no documento Gaudium et Spes n. 16. 
 Apesar das limitações do pensamento tomista quanto à legitimidade da 
escravidão, que custou muito aos negros e indígenas da América, não se pode 
negar que foi nesse período da Idade Média que se operou uma importante 
mudança quanto à liberdade. Esta deixava de ser um tema metafísico e passava 
a ser faculdade pessoal do ser humano, em sua dimensão social. Ficando 
estipulados os três direitos de liberdade, ou seja, o da propriedade, à pessoa e à 
vida, fundamento de todo o poder justo. 
 
2. OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL 
DOS DIREITOS HUMANOS 
 
2.1 As raízes da declaração universal dos direitos humanos 
Para Ribeiro (2007, p. 26), o cristianismo foi fundamental para que não só 
do ponto de vista político, como no campo geral das valorações, se fundasse a 
dignidade do homem como ser individual, racional e livre, criatura de Deus, 
chamada a uma vida sobrenatural e imortal. Tal fato se fundaria na doutrina cristã 
do homem como imagem e semelhança de Deus. Outro fato teria sido a defesa 
da igreja de que todo o poder derivaria de Deus e, dessa forma, para qualquer 
outro tipo de poder existiria limites. 
No entanto, não podemos ignorar a história, que nos revela que em alguns 
momentos críticos, até mesmo sociedades ou poderes tidos como “cristãos” 
desrespeitaram a dignidade da pessoa humana. O caso da inquisição, da 
conquista das Américas, são casos emblemáticos das contradições humanas. Até 
mesmo as revoluções sociopolíticas se dão quando a consciência de direitos 
desrespeitados ou da dignidade violada atinge um grau de insatisfação, gerando a 
mobilização social e a consequente transformação ou, até mesmo, a ruptura de 
paradigmas. De fato, o homem na sua dignidade não constitui uma entidade 
isolada; não pode viver e desenvolver todas as suas potencialidades fora de um 
Wanderlei
Realce
Wanderlei
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Nota
Dignidade para o Latino é a a fragilidade única dele.
 
9 
“ambiente humano” digno. O homem é um ser dependente do social e da 
comunidade humana para ser plenamente humano! A sociedade tem direitos e 
deveres sobre o ser humano, mas a recíproca também é verdadeira. Por isso se 
justifica uma declaração universal dos direitos do homem, uma tentativa de 
salvaguardar esse compromisso que cada vez mais consegue a adesão da 
sociedade contemporânea. 
Para Ribeiro (2007, p. 35), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 
de 10 de dezembro de 1948, foi fruto de um longo processo de amadurecimento 
da consciência de igualdade entre todos os seres humanos. O cenário dos 
horrores da II Guerra Mundial serviu para aflorar ainda mais a urgente 
necessidade de tutelar a existência humana, garantindo ao homem o direito à 
vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, à plena igualdade, à presunção de 
inocência, ao lazer, à saúde, do acesso à justiça, entre tantos outros. Entretanto, 
a mera enumeração e declaração formal dos direitos humanos não garantiram a 
efetividade da proteção, pois esta depende de cada país e comunidade. Hoje, em 
muitas partes do mundo, existem pessoas sendo desrespeitadas, e até mesmo 
dentro de países que se dizem defensores dos direitos humanos, ou se 
apresentam como “modelos de democracia”. É uma contradição conceitual 
desmembrar dignidade humana de vida humana. A base da dignidade do ser 
humano engloba também a vida humana vivida e defendida na sua integridade. 
Os vários ordenamentos jurídicos se baseiam na Defesa dos Direitos 
Humanos, porém, dependendo da cultura e dos agentes formadores de opinião, a 
interpretação dessa defesa pode assumir um caráter de total contradição e 
oposição, como no caso das legislações pró ou contra o aborto, por exemplo. 
 
2.2 As críticas do islamismo 
Segundo Rouland (2003, p. 278), o diálogo com o Islã parece difícil quando 
tocamos no tema dos direitos humanos e nos restringimos, erroneamente, aos 
manifestos radicais. Estes impressionam a opinião pública nos países ocidentais. 
As dificuldades são significativas. Algumas provêm de diferenças de costumes a 
priori inconciliáveis, a condição da mulher, por exemplo, ou a influência de uma 
visão teológica nos aspectos jurídicos. Dentro dessa visão, apenas os religiosos 
teriam plena proteção da Lei divina, pois esta não se aplica aos politeístas e aos 
ateus. 
Wanderlei
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10 
Nos dias de hoje, a acentuada extensão da ordem islâmica, inquieta ainda 
mais os ocidentais, mormente quando estes constatam que numerosos Estados 
muçulmanos não aplicam os direitos do homem definidos por nossa modernidade. 
Enfim, os fundamentos atribuídos aos direitos do homem parecem profundamente 
divergentes dentro da tradição ocidental e Islâmica. Na primeira, seria o império 
da razão “à teológica”, uma razão “liberta das coerções da tradição religiosa”, uma 
razão fundada somente no poder do Estado. Na visão Islâmica, a lei e os direitos 
do homem só podem encontrar sua fonte na revelação divina. A garantia deles 
resulta da obediência à Palavra de Deus, não ao Estado. 
Segundo a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos de 1981, 
se percebe que os juristas islâmicos, que criticaram várias vezes a Declaração 
Internacional dos Direitos Humanos “ocidentais”, reelaboraram uma declaração 
que contempla os direitos básicos: à vida; à liberdade; igualdade; justiça, etc. 
Porém, não se pode negar que as interpretações são complicadas quando o 
reconhecimento dos direitos das “mulheres casadas” e do grande silêncio sobre a 
igualdade dos gêneros. A pretensa declaração islâmica, é na realidade uma 
tentativa de oferecer uma outra base de “dignidade” que pode ser perigosa no 
processo de crescimento do respeito por qualquer ser humano, seja, homem ou 
mulher, crente ou não. 
 
2.3 As críticas à “igreja” por não respeitar a dignidade humana 
“moderna” 
Na visão de Fontanella (2006, p. 28), é necessária a delimitação conceitual 
entre: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Tal distinção seria importante, 
pois existiria na seara doutrinária certa confusão entre os dois termos.Os Direitos 
Fundamentais são os direitos reconhecidos e positivados pelo Direito 
Constitucional de um Estado. Os Direitos Humanos guardam relação com o 
Direito Internacional, posto que se faça referência a uma validade universal. 
Sendo assim, a criação dos Direitos Fundamentais e a correspondente 
positivação nas primeiras Constituições nascem na esteira das transformações 
ocorridas pelas necessidades da sociedade em razão das transformações 
sociopolíticas e tecnológicas. Esse fato torna-se emblemático, pois não é difícil 
perceber em alguns campos atuais, seja sociopolítico ou, até mesmo, de certos 
“cientistas” a crítica à Igreja como uma grande ameaça aos direitos humanos. 
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11 
Basta participar de um debate com alguns grupos de minorias, ou até mesmo, nos 
debates políticos que envolvam questões polêmicas como o aborto, por exemplo. 
A Igreja, sendo caracterizada com a tradição, passa em alguns setores a ser 
identificada como retrógada e conservadora. 
Na visão de Dias (2009. Fundamentação ôntico-teológica dos Direitos 
humanos, p. 369), historicamente a Igreja Católica não foi a primeira, nem esteve 
em primeira linha em enunciar e reivindicar os direitos humanos, sobretudo certos 
direitos, como a liberdade. Os seus documentos orgânicos são muito posteriores 
às declarações dos estados ou dos organismos internacionais. Principalmente a 
partir da encíclica Pacem in terris de 11 de abril de 1963, do Papa João XXIII. 
Porém, não podemos esquecer que apesar do “aparente atraso” da Igreja 
no campo da defesa dos direitos humanos, ela nunca deixou de se preocupar e 
defender o homem concreto, o seu “Ser” individual, a sua dignidade humana, as 
suas finalidades e os seus valores. O Magistério eclesiástico ordinário e 
extraordinário sempre defendeu o homem das manipulações e das degradações, 
defende inclusive hoje. Neste sentido, podemos dizer que seu “silêncio”, por 
décadas, se explica como um silêncio da defesa quanto à parte “teórica”, mas que 
quanto à prática essa nunca ficou silenciada totalmente. 
Sendo assim, os que criticam a Igreja por “não respeitar os direitos 
humanos”, como afirmam alguns grupos das “minorias”, na realidade o que seria 
mais correto afirmar é que a visão da Igreja não é de acordo com a interpretação 
dos direitos humanos de tais correntes, que muitas vezes negam uma ontologia 
positiva, aberta ao transcendente do ser humano. Uma prova material que 
denuncia essa distorção é o fato de, às vezes, os grupos que se dizem 
defensores dos direitos humanos, com uma visão a-religiosa, estarem mais 
propensos em apoiar os grupos abortistas. 
 
3. OS DOIS GRANDES MODELOS DE PESQUISA EM BIOÉTICA E A ÁREA DA 
SAÚDE 
Segundo Calvetti (2008, p. 115), o modelo de bioética que é empregado 
nas intervenções em psicologia da saúde e que deveriam nortear a assistência e 
a pesquisa do profissional da saúde diante das questões da vida humana, seriam: 
beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. Tais princípios são válidos e 
de eficaz emprego na prática da saúde, como também se pode pensar que 
 
12 
estejam subjacentes nos vários Códigos de Ética Profissional da saúde. No 
entanto, tais princípios não são únicos, e talvez fosse necessária uma 
complementação com base no modelo de bioética do, assim chamado, 
personalismo ontologicamente fundado, já que os atuais Códigos de Ética indicam 
claramente suas preocupações com a defesa dos direitos e integridade da pessoa 
humana nas várias pesquisas que o mesmo é envolvido. 
 
3.1 Princípios da Bioética Norte Americana 
Na literatura específica em temas de bioética, sobretudo naquela de 
língua inglesa, é fácil encontrar referimento aos princípios que deveriam guiar os 
médicos e os profissionais da saúde na sua relação com os pacientes e, em geral, 
em qualquer escolha no campo biomédico, chegando a constituir a própria “base 
para o juízo ético ou bioético”. Os princípios frisados seriam: Primeiro, o princípio 
da autonomia, tratando com respeito à pessoa envolvida na experimentação, que 
implicaria tratá-la como sujeito autônomo, entendendo por autonomia a 
capacidade de agir conscientemente e sem constrições, tutelando a um 
responsável quando tal autonomia é totalmente ausente. A consequência mais 
imediata desse modelo é o famoso “consenso informado”, onde o profissional da 
saúde deveria seguir a orientação de sua ação de acordo com a vontade do 
paciente. 
O segundo seria o princípio de beneficência nas intervenções 
experimentais, isto é, de não produzir danos, procurando minimizar os riscos e 
maximizar as vantagens, considerando previamente a relação risco/ benefício em 
cada experimentação; quanto ao terceiro, é conhecido como princípio de justiça, 
que atuaria na divisão das despesas e dos riscos das experimentações. Esses 
princípios ficaram conhecidos como linha “principialista de bioética”, com o passar 
do tempo o segundo princípio se “desdobrou em dois”, gerando o de “não 
maleficência”, assim ficaram ao todo quatro princípios (Autonomia, beneficência, 
não maleficência e justiça), porém, para os estadunidenses o princípio “rei” é o 
princípio da autonomia. 
A aplicação prática do modelo de bioética americana é caracterizada pelo 
consenso informado, essencial nas pesquisas em saúde. O princípio da 
beneficência, não maleficência e justiça também estão presentes nas áreas de 
saúde, porém, uma das características gerais desse modelo, é o caráter de 
 
13 
prevalência da “autonomia”, que é empregada, em alguns casos, como uma 
garantia do respeito pela pessoa humana, no direito da pessoa de decidir. Chega 
a quase identificar pessoa humana com a capacidade de autonomia, mas esse 
entendimento entra em crise nos casos de perplexidade, ou seja, nos casos que o 
grau de autonomia é incerto, principalmente no início e no fim da vida humana. O 
“Testamento em vida” tem sido uma das consequências da aplicação desse 
modelo, ou seja, o doente (ou qualquer pessoa) poderia registrar um testamento 
manifestando a sua vontade, em casos extremos, para garantir sua autonomia e 
aspiração, em casos de acidentes ou doenças degenerativas. 
 
3.2 Alguns princípios da bioética personalista 
Para Screccia (2003, p. 105), o personalismo ontologicamente fundado, 
apresenta alguns princípios e orientações muito úteis para uma proposta de 
bioética verdadeiramente personalista, ou seja, que defenda a vida da pessoa 
humana nas intervenções do homem sobre a vida humana em campo biomédico. 
Estes princípios englobariam e alargariam os horizontes da própria bioética 
principialista americana, sendo focada, não simplesmente em “princípios” 
abstratos, mas na pessoa humana concreta. 
De certa forma, os católicos (mas não só estes) se identificaram muito 
com essa visão de bioética, uma das razões pelas quais hoje, no mundo, 
principalmente europeu, se está desenvolvendo pesquisas na tentativa de aplicar 
o “modelo personalista” nas decisões médicas, filosóficas, psicológicas e 
jurídicas, o que proporcionou uma tomada de posição diferenciadora dos adeptos 
de tal visão em temas polêmicos, como aborto e eutanásia. Dentro dessa visão, 
os “princípios” são fundamentados na pessoa humana, na sua existência concreta 
e dando todas as possibilidades de esta se desenvolver. Identificando vida 
humana com a pessoa humana, daí a o nome de “personalismo ontologicamente 
fundado”. Até o momento, esta linha da bioética ficou caracterizada pelos 
seguintes princípios: em primeiro lugar, o princípio da defesa da vida física; 
segundo, princípio de liberdade e responsabilidade; e terceiro, o princípio da 
totalidadeou terapêutico. 
A aplicação prática desse modelo busca trabalhar com a formação de 
uma consciência nas pessoas, estruturada em três pontos. Primeiro, o ponto de 
vista verdadeiramente científico (tentando eximir-se ao máximo das ideologias 
 
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que imperam também no campo científico); segundo, focar sempre a dignidade do 
ser humano concreto que está em situação de maior necessidade e fragilidade; 
terceiro, o horizonte de sentido, ou seja, o porquê da ação ou intervenção, qual o 
sentido maior, quem será mais beneficiado ou prejudicado. Dentro dessa 
perspectiva, o valor básico a ser assegurado seria o da vida física, depois da 
liberdade e responsabilidade, e por fim o da totalidade ou terapêutico. Uma das 
reivindicações em ascensão desse modelo é o do “Estatuto Jurídico dos 
Embriões”. 
 
4. A DIGNIDADE HUMANA NA DRAMATICIDADE DO ABORTO, QUEM 
MERECE PROTEÇÃO? 
 Na visão de Faggioni (2006, p. 263), ainda que de maneira não científica, 
as preocupações com a vida, saúde e direitos do embrião fazem parte da história 
da humanidade. Como também, no mesmo horizonte, faz parte dessa história o 
debate sobre o aborto, prática bastante corrente nas várias culturas. Com este 
quadro de fundo se entende melhor a força com a qual o “estatuto do embrião” 
vem se impondo nas discussões de cunho ético. Subjacente a esta problemática 
encontra-se a intrincada questão de precisar quando a vida merece o qualificativo 
de “humana”. O presente capítulo não pretende apresentar um tratado sobre o 
início ou fim do qualitativo de uma “vida humana”, deseja apresentar um rápido 
panorama dos “focos” de debate neste campo. 
Diniz (2008, p.16), citando a constituição federal do Brasil, afirma que os 
bioeticistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana, 
que é o fundamento do Estado Democrático de Direito e o cerne de todo o 
ordenamento jurídico. 
 A pessoa humana constitui fundamento e fim da sociedade e do Estado. 
Sendo assim, a bioética e o biodireito passam a ter um sentido humanista, 
estabelecendo um vínculo com a justiça. Os direitos humanos, decorrentes da 
condição humana e das necessidades fundamentais de toda a pessoa humana, 
referem-se à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos e à 
plena realização de sua personalidade. Tal compreensão está na base, não só 
da legislação brasileira, mas da grande maioria das legislações ocidentais, até 
mesmo as que são pró ou contra o aborto possuem a mesma base. 
Wanderlei
Realce
Wanderlei
Realce
 
15 
O que difere nas várias legislações, é quem se considera “pessoa 
humana”, já que em algumas legislações, como no Brasil, os embriões não são 
considerados “pessoas”, têm apenas os chamados direitos do “nascituro”, que 
garantem em certa medida o direito à vida que é protegida por norma jurídica 
penal, uma vez que o aborto, com exceção de alguns casos particulares (como 
estupro e risco de vida, agora também entra nesses casos a limitação do próprio 
feto, ou seja, o caso das crianças com má formação cerebral) é proibido por lei. 
 Nos três casos, que no Brasil se permite o aborto, se observa uma 
crescente visão unilateral da questão, ou seja, a partir do prisma das mães que 
sofreram uma violência física, o risco de vida, e agora o da violência psicológica 
de saber que seu filho está condenado a morrer. Este mesmo princípio poderá 
chegar a justificar a eliminação de qualquer criança, feto ou nascituro que tenha 
algum problema de má formação, tudo isso escondido num falso manto de 
“caridade”. 
É claro que do ponto de vista antropológico, o estupro, o risco de vida e 
os traumas psicológicos são questões sérias que devem ser olhadas com 
caridade e despertar em todos, os melhores sentimentos de sustentar quem 
sofreu estas violências. Até mesmo o Estado é chamado a sustentar e ajudar a 
estas pessoas, utilizando todos os meios disponíveis para preservar a vida em 
todas as suas formas, com apoio psicológico, auxílio médico e social. Porém, às 
vezes, os Estados se preocupam somente com a saída mais fácil, ou seja, não 
oferecem verdadeiro auxílio e decidem apoiar a via mais econômica do aborto. 
Para Faggioni (2006, p. 236), antes de se fazer a afirmação que o 
embrião é uma pessoa, se faz necessária uma passagem delicada do 
considerado “humano” em sentido biológico, um sujeito aparentemente da 
espécie humana homo sapiens, para o considerado “humano”, em sentido 
ontológico, sujeito de natureza racional. Então, seria uma passagem do plano 
empírico da aparência aquele ontológico, do ser em si, no qual nenhum estágio 
teria uma pretensão de definição completa, mas seria marcado pela 
transcendentalidade do seu próprio ser. 
Na prática, estabelecer o que seja uma pessoa e quem mereça ser 
considerada pessoa é mais fácil no caso de um adulto sadio e inteligente, porém, 
quanto maior a fragilidade do ser, suas limitações da ordem da autonomia e 
racional, como no caso do embrião, ou de um adulto em estado vegetativo, ou 
 
16 
mesmo um doente terminal, este limite se torna muito variado na literatura 
bioética moderna, principalmente entre os dois grandes modelos de bioética, ou 
seja, o norte americano com sua bioética “principialista”, dos quatro grandes 
princípios: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, e os princípios da 
bioética de inspiração do personalismo ontológico: defesa da vida física, liberdade 
e responsabilidade, totalidade ou terapêutico. 
 
5. A DIGNIDADE HUMANA A PARTIR DO JURAMENTO HIPOCRÁTICO 
Na visão de Reale (2007, p.121), o nascimento da medicina como saber 
autônomo tem sua origem na Grécia, como símbolo desse saber é apresentado o 
grande médico grego Hipócrates (século IV a.C), cujo juramento, até os dias de 
hoje, ainda é feito pelos profissionais da saúde. De fato, no juramento hipocrático 
se faz um referimento claro contra o aborto e a eutanásia. Tal juramento tem 
exercido, inegavelmente, uma influência real através dos tempos, passando pelo 
período do Império Romano, com Galeno (século II d. C), outro grande médico 
que repropôs a volta dos grandes valores morais da medicina, que deveriam 
primar pela excelência e compromisso com a vida dos pacientes. 
A influência da teoria hipocrática exerceu um real fascínio sobre as 
gerações de médicos de todas as nações, revelando a elevação de seus 
conceitos e a pureza de suas intenções, que dignificam a profissão médica. 
Porém, é verdade que hoje, devido aos desafios de uma sociedade consumista, 
todas as profissões sofreram certos desgastes nos valores e se encontram um 
tanto nubladas pelos interesses econômicos. Até mesmo a medicina, hoje, vive 
certo conflito entre o bem dos pacientes e a exploração dos mesmos por 
profissionais que não se preocupam com o bem do próximo, mas pretendem se 
servir do próximo ao invés de servir ao próximo. 
O juramento hipocrático está passando por certas críticas próprias do 
nosso tempo, algumas até justas, como é o caso de algumas controvérsias a 
respeito do segredo profissional e a questão da autonomia do paciente que não é 
considerada no corpus hipocraticum. Cabe, no entanto, um sério questionamento 
sobre o conceito que parece ser decisivo para o respeito da dignidade humana na 
área da saúde, ou seja, o que se entende como autonomia? Pode existir algo 
verdadeiramente autônomo? Ou, a autonomia não seria sempre relativa e 
limitada? 
 
17 
 
6. A AUTONOMIA KANTIANA: UM DIÁLOGO ENTRE OS DOIS GRANDES 
MODELOS DE BIOÉTICA 
Segundo Queiroz (2005, p.10), é comum ver atribuída a primeira 
enunciação teórica do princípio da dignidade humana “moderna” ao pensamento 
de Kant. Tal afirmação deve ser localizada no sentidode Kant ser considerado 
por muitos autores como o “pai” do princípio da autonomia, hoje tão empregado 
na bioética americana, como em toda a área da saúde e da pesquisa com seres 
humanos. O pensamento kantiano é apresentado como fundamento teórico a 
reconhecer que ao homem não se pode atribuir valor, assim entendido como 
preço, justamente na medida em que deve ser considerado um fim em si mesmo 
e em função da sua autonomia enquanto racional. 
Para Cunha (2005, p. 85), o próprio sistema internacional de proteção aos 
direitos humanos, estaria fundado na liberdade inerente aos seres humanos, 
enquanto entes racionais submetidos a leis morais, ou seja, na personalidade 
humana. Por essa razão, a filosofia kantiana seria identificada como a mais 
radical dos pensadores modernos que serve como base para a construção da 
contemporânea filosofia dos direitos humanos. A dignidade seria inerente aos 
seres humanos enquanto entes morais: na medida em que exercem de forma 
autônoma a sua razão prática, constroem distintas personalidades humanas, cada 
uma delas absolutamente individual e insubstituível. 
Consequentemente, a dignidade seria inseparável da autonomia para o 
exercício da razão prática, sendo por este motivo que apenas os seres humanos 
seriam dotados dessa especial dignidade. Independente do reconhecimento 
social, a dignidade seria intrínseca, não depende do outro, mas esta é ontológica. 
Sendo assim, é reconhecida a vida humana como dignidade ontológica, muito 
próxima ao que se defende na visão do modelo de bioética do personalismo 
ontologicamente fundado. 
(...) O imperativo universal do dever poderia também exprimir-se da 
seguinte forma: age como se a máxima da tua ação devesse se tornar, 
pela tua vontade, lei universal da natureza. (...) Uma pessoa que, por 
uma série de adversidades, chegou ao desespero e sente desapego à 
vida, mas está ainda bastante em posse da razão para indagar a si 
mesma se não será talvez contrário ao dever para consigo atentar contra 
a própria vida. Procuremos, agora, saber se a máxima de sua ação se 
poderia tornar em lei universal da natureza. A sua máxima, contudo, é a 
seguinte: por amor de mim mesmo admito um princípio, o de poder 
 
18 
abreviar a minha vida, caso esta, prolongando-se, me ameace mais com 
desgraças do que me prometa alegrias. Trata-se agora de saber se tal 
princípio do amor de si mesmo pode tornar-se lei universal da natureza. 
Mas logo, se vê que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em 
virtude do mesmo sentimento cuja determinação é suscitar sua 
conservação se contradiria a si mesma e não existiria como natureza” ( 
Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, 2004 p.52). 
Kant, na mesma obra, também acentua ainda mais a sua proximidade com 
uma visão do personalismo ontologicamente fundado, quando afirma: 
Segundo o conceito do dever necessário para consigo mesmo, o homem 
que anda pensando em se suicidar indagará a si mesmo se a sua ação 
pode estar de acordo com a idéia da humanidade como fim em si 
mesma. Se para fugir a uma situação penosa, se destrói a si mesmo, 
serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio para conservar 
até ao fim da vida uma situação tolerável. Mas o homem não é uma 
coisa; não é, portanto, um objeto passível de ser utilizado como simples 
meio, mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre em todas as 
suas ações como fim em si mesmo. Não posso, pois, dispor do homem 
em minha pessoa para mutilar, degradar ou matar (Kant, 
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 2004, p. 59). 
 
 
Do exposto acima, pode-se pensar que a filosofia kantiana necessita ser 
estudada também no prisma, não só da bioética principialista americana, mas que 
oferece base sólida também para a reflexão do personalismo ontologicamente 
fundado, esclarecendo que os dois grandes modelos de bioética não precisam ser 
contrapostos, mas que o ideal seria uma relação dialética dos dois modelos. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Na busca de ser fiel aos vários Códigos de Ética e legislações ocidentais, 
que indicam como princípio fundamental a defesa do ser humano, cabe a 
reflexão, mas qual ser humano é considerado para a decisão de ser pró ou contra 
o aborto? Qual dos dois modelos de bioética existentes hoje é mais prático para a 
proteção do ser humano e de seus direitos inalienáveis? Da análise de alguns 
Códigos de Éticas, bem como dos documentos da Organização Mundial da 
Saúde, pode-se intuir que até o presente momento, o modelo principialista da 
bioética americana é preponderante, mas isso não significa a impossibilidade de 
uma maior reflexão, por parte dos mesmos profissionais da saúde sobre esse 
tema. 
A aplicação do modelo de bioética principialista americana é geralmente 
mais tendenciada a considerar o aborto como um “direito de decisão” da mãe, a 
autonomia é interpretada somente no sentido e na perspectiva da mãe, o feto é 
 
19 
“considerado” quase como um órgão do qual a mãe pode dispor. Se, no entanto, 
fosse aplicado o princípio do personalismo ontologicamente fundado que defende 
a concomitância entre vida humana e a dignidade da pessoa humana, com sua 
natureza racional e substância individual, o feto passaria a ser tutelado, daí a 
procura da tutela jurídica do “Estatuto do Embrião”. A dramaticidade no caso do 
aborto, dentro do personalismo ontologicamente fundado é encarada a partir da 
perspectiva do embrião, o qual passa por um momento dramático de vida ou de 
morte. O Estado, na sua função de defender a vida seria, dentro dessa visão, 
encarregado de proteger os mais indefesos. 
 No debate sobre o aborto, não se poderia usar os casos individuais como 
“exemplos” para fortalecer as fileiras dos “prós ou contra” o aborto. Mas acolher 
cada pessoa que vive ou passou pelo drama do aborto, para ajudá-la na difícil 
decisão de defender a vida. O respeito pela consciência (GS16) deve ser 
essencial para salvaguardar a dignidade humana, também, nas posições 
divergentes, mas sem com isso favorecer a omissão. 
A tradição personalista funda suas raízes na razão do homem e no coração 
de sua liberdade: o homem é pessoa porque é o único ser que conhecemos em 
quem, a vida é capaz de “reflexão” sobre si mesma, em certo caso de 
“autodeterminação”; é o único ser vivente em grau de acolher e descobrir o 
sentido das coisas e de dar sentido as suas expressões e a sua linguagem 
consciente. A distância ontológica e axiológica, que diferencia a pessoa humana 
dos animais, não é comparável com aquela que diferencia a planta do réptil ou a 
pedra da planta. Em cada homem se engloba o sentido do universo e todo o valor 
da humanidade, pois cada pessoa é um ser diferente e especial. A pessoa 
humana é uma unidade, um todo e não uma parte do todo. A mesma sociedade 
tem como ponto de referência a pessoa humana: a pessoa é fim e fonte para a 
sociedade e deve ser respeitada. Essa realidade do personalismo vale para a 
mãe e o feto. A pessoa humana como fim e nunca como meio. 
O personalismo clássico, sem negar o componente existencial, ou a mesma 
capacidade de escolha, em que consiste o destino e o drama da pessoa, entende 
afirmar também, e prioritariamente, um estatuto objetivo e existencial (ontológico) 
da pessoa. A pessoa é antes de tudo um corpo “transcendentalizado”, que vale 
pelo que é e não somente pelas suas escolhas. Onde, cada escolha, a pessoa a 
toma dentro do contexto da escolha, ou seja, entra em jogo o mundo dos valores, 
 
20 
das informações, das limitações, as quais, porém, não determinam e não mudam 
o valor ontológico da pessoa em si. A vida humana não perde sua dignidade, 
mesmo nas várias situações dolorosas de uma doença terminal ou na fragilidade 
dos primeiros estágios de uma gestação.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
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