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lingüistica funcional: teoria e pratica Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Este livro apresenta-se com quatro palavras pesadas: IingüÎstica, funcional, teoria e pratica. Os pesos sac ponderados nas duas primeiras, com complicaçao para 0 intérprete habituado a lidar cam as ciências humanas, pois a funcional da lingüistica é distinto do funcional da antropologia. Aqui se trata de um tipo de abordagem que privilegia 0 contato empfrico com os dados, sem comprometer-se com os pressupostos do funcionalismo c1assico. o terceiro termo, teoria, dissipa parte das duvidas do profissional da linguagem e das pessoas interessadas na tematica da ecologia da linguagem. A teoria abordada e elaborada neste livra origina-se de uma reaçao à Iingüfstica formalista, desencadeada na Costa Geste dos Estados Unidos nos anos 1970, tendo camo figuras de praa Talmy Giv6n, Sandra Thompson e, mais recentemente, Joan Bybee. A teoria construiu-se e constr6i-se mais em termos reativos do que proativos, pois os squisadores avançam num constante rcfcio de ensaio-e-erro, a partir dos tulados formulados por Giv6n em 1979, sua monumental On understanding mar. Figura/fundo, transitividade, icidade e gramaticalizaçao apresentam- como pedras de toque do movimento. termo pratica é mais ambicioso e, portanto, mais prablematico. Em sua ., primeïra acepçao, pratica aponta para as analises empfricas de fenômenos sintaticos Lingüistica funcional: teoria e pratica Lingüistica funcional: teoria e prâtica Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Revisao de provas Daniel Seidl Projeta grâfico, diagramaçao e capa Carolina Falcâo Gerência de produçiio Maria Gabriela Delgado CIP-BRASIL. Catalogaçao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livras, RJ Lingüistica funcional: teoria e pratica / Maria Angélica Furtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 144p., 14 x 21 cm Inclui bibliografia ISBN 85-7490-240-3 1. Lingüistica 2. Comunicaçâo 1. Titulo. Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Lingüistica funcional: teoria e pratica Eduar Kenedy Areas Lucia aria Alves Ferreira arcos Antonio Costa Maria Maura Cezario Victoria Wilson Coelho ~APER.I ~~"'ChII!I-R""'''''__ra• Poo.qu.... RIo .... --.... •~DP&A.. edi1::ora.. © DP&A editora Ltda. Proibida a reproduçâo, total ou pardal, por qualquer meio ou processo, seja reprogrâfico, fotografico, grâfico, microfilmagem, etc. Estas proibiçôes aplicam-se também às caracterîsticas graficas e/ou editoriais. A violaçâo dos direitos autorais é punîvel como crime (Côdigo Penal art. 184 e §§; Lei 6.895/80), corn busca, apreensâo e indenizaçôes diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais - arts. 122,123,124 e 126). DP&A editora Rua Joaquim Silva, 98 - 2fd andar - Lapa CEP 20.241-110 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel./Fax: (21) 2232-1768 E-mail: dpa@dpa.com.br Home page: www.dpa.com.br Impresso no Brasil 2003 j / Para Sebastiiio Votre, criador do grupo de estudos Discurso & Gramâtica, amigo emestre de todos nos Sumario Prefacio Anthony Nara Introduçâo A visâo funcionalista da linguagem no século XX Mârio Eduardo Martelotta Eduardo Kenedy Areas Pressupostos teôricos f1.ndamentais Maria Angélica Furtado da Cunha Marcos Antonio Costa Maria Maura Cezario ) A mudança lingüistic Mârio Eduardo rtelotta Estabilidade e continuidade semântica e sintatica Lucia Maria Alves Ferrei ra Lingüistica funcional aplicada ao ensino de português Mariangela Rios de Oliveira Victoria Wilson Coelho Rumos da lingüistica funcional Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mârio Eduardo Martelotta Bibliografia comentada Referências bibliograficas Sobre os autores 9 11 17 29 57 73 89 123 129 131 139 Prefacio Ao final da década de 1970 surgiu no Rio de Janeiro uma nova corrente de pesquisa lingüîstica orientada sobretudo para 0 estudo do uso da lîngua em situaçoes diversas no mundo real. No inicio, as pesquisas concentravam-se principalmente na ârea de sociolingüistica e varia -0, corn um certo direcionamento para questoes relacionadas a s reflexos da diacronia na sincronia. A principal fonte intelectual era a obra de William Labov. Ja na década seguinte, 0 espectro de estudo ampliou-se corn a inclusao da orientaçao teôrica funci nalista norte-americana e, mais tarde, corn um interesse especia ara 0 fenômeno da gramaticalizaçao. o grupo ori . al, comprometido corn essas pesquisas, hoje é conhecido coma Programa de Estudo sobre 0 U50 da Lîngua (Peul). Na década de 1990, um de seus fundadores, 0 professor Sebastiao Josué Votre, estimulado pela professora canadense Dianne Vincent, criou outro grupo mais especific31nente voltado para investigaçoes funcionalistas sobre 0 relacionamento entre Discurso e Gramâtica (D&G), nome que adotou para 0 novo projeto. Esse nova grupo inspirou-se principqlmente nas idéias de Sandra Thompson, Wallace Chafe e Talmy Givôn. o grupo D&G, em 1996, publicou um considerâvel toma de pesquisas intitulado Gramaticalizaçiio no português do Brasil: uma abordagem funciona1. Essa obra era dirigida aos niveis de graduaçao e pâs-graduaçao das universidades e apresentava uma sintese das pesquisas originais do grupo. 0 presente livro, por suavez, constitui uma tentativa de dialogo corn os professores de lîngua materna interessados nas recentes contribuiç6es da lingüîstica à sua pratica DP&A editora Anthony Nara Professar titular de Lingüîstica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pedagôgica. Além dissa, oferece um resumo de suas principais descobertas e conclus6es sobre 0 funcionamento do português do Brasil em situaçao de comunicaçao. Trata-se de uma abordagem de cunha didâtico, corn introduç6es te6ricas a cada subârea de estudo e aplïcaç6es ao português do Brasil. Tenho certeza de que a livra possibilitarâ a introduçaa de orientaç6es p6s-gerativistas à camunidade acadêmica mais ampla. 10 LingüÎstica funcional: teoria e pratica Introduçâo Lingüîstica funcional: teoria e prtitica, como 0 titulo informa, contempla duas faces ia investigaçao do uso da Hngua: 0 "tratamento introdut6rio de prindpios e pressupostos do funci~.r:!alisI!l9....:D-Q!te-am~~icano~a$-IP-panhados de consideravel cxemplificaçao, e a exerdC~',O de aplicaçao desse aparato ao ensino- é.1prendizagem de lîngua m terna no Brasil. A produçao desta obra teve coma ponto de parti a um relat6rio, com 0 mesmo titulo, produzido par Sebastiao Josué Votre em 1992, e que até hoje tem sida muito utilizado em squisas voltadas para a anâlise fundonal. ~ ~. A relevânciadest 'vro configura-se, prindpalmente, devido à é~~~~de - rial correspondente ou afim em circulaçâo no ., '-', _...~,~._"~~., ...,.... mercado editorial nacional. Via de regya, a referência bibliogyafica de orientaçâo funcionalista encontra-se em lîngua estrangeira, circula fundamentalmente em alguns cursos de p6s-graduaçâo stricto sensu e os resultados de pesquisa nao sao considerados em termos de sua aplicabilidade mais sistematica nas salas de aula de lîngua portuguesa e mesmo de lingilistica. Evidencia-se, pois, a importância de uma publicaçâo coma a que ora apresentamos à comunidade acadêmica, Lingüîstica juncional: teoria eprtitica é um empreendimento dos '--------,--,;------:=----:-": , membros do grupo de estudos Discurso & Gramatica (D&G), que congyega pesquisadores da UFRJ, UFRN, UFE Uerj e UniRi~rata se do resultado da fase atual de nossos estudos, mais modalizada e reflexiva, preocupada também cam as quest6es que cercam a realidade educaciànal emnosso paîs em seusdiversos nîveis. o gyupo D&G, que se dedica à pesquisa funcionalista, corn ênfase DP&A editora 12 Lingüfstica funcional: teoria e pratica nos fgDÔ.l}1~_!19~s,de continuidade, variabilidade e mudança do portuguès, telYLn~s qu~~t6~~·c~~rfossintâticâs~~~ foco deinve~tigaçao. Nessa tarefa, privilegiam-se nao so as estratégias de codificaçao mais sistemâticas e regulares do usa lingüîstico, como também san consideradas estruturas menos convencionadas, à margem da gramâtica, principalmente em relaçao ao que é proposto pela descriçao narmativa. Além da orientaçao teorica, é marca do grupo 0 tratamento de mesma fonte empîrica de pesquisa - os textos constituintes do Corpus Discurso & Gramatica: aZingua jalada eescrita no Brasil, que consiste em um banco de dados da comu;Yd estudantil de cinco cidades " brasileiras: Rio de Janeiro (RJ),/Natal (RN), uiz de Fora (MG), Rio '.' r:. ~,: !-,.----.~- .---~--,--- ..-. Grande (RS) e Niter6i (RI). Esses textos, co~~.tados e or9~nizados nos anos 1990, distribuem-se em cinco tipologias: narrativa de experiència pessoal, narrativa recontada, relata de procedimento, descriçâo de local e relata de opiniâo. Os informantes, divididos igualmente entre sexos masculino e feminino, distribuîdos em todos os nîveis de ensino, nas faixas etârias respectivas, foram convidados a produzir ~"t"l textos orais e, a partir dessa primeira etapa, redigiram 0 material . . ).' Tl.' . --;::,\ escnto correspondente. Trata-se, portanto, de um corpus relevante l' para a tratamento da interface fq!a.__ x escrita, ârea privilegiada naf!) atual fase da pesquisa sobre a funcionamento da lîngua em situaçao de comunicaçâo, além de perspectiva bastante contemplada nos recentes documentos legais sobre 0 ensino-aprendizagem de lîngua portuguesa no Brasil. Nos parâgrafos a segllir, apresentamas uma sîntese do conteûdo de cada capîtulo. Yale ressaltar que, embara sob a responsabilidade de distintos autores, todos membros do grupo D&G, os capitulos compôem um so projeta, um todo orgânico, que se inicia na clâssica distinçâo entre os polos formalista e funcionalista dos estudos lingüisticos, passa pela apresentaçâo dos pressupostos teoricos do ûltimo pâlo na vertente norte-americana, discute e exemplifica a mudança e seu contraponto, a continuidade, de acordo corn essa il q~~~~~Ç;~~?j;,s;!:~~n~~;7~a~~J~,ce:,;;~Jâ~(;n~~~~~e~ta~âZ kb r- t r_~/'II'..." eJc, e 1 S~J ({liC, tC>~..\>,·..i,l (_;;'''/ ~ Y' ~ l ' Introduçao 13 te6rica funcionalista e sua aplicaçâo à resoluçao de quest6es atinentes ao ensino-aprendizagem de lîngua materna no Brasil, e, por fim, apresenta e discute os rumos dessa corrente, as pr6ximas tarefas a serem cumpridas na investigaçao lingüistica de carater funcional. Esses capîtulos obedecem, pois, a uma seqüência, que se orienta do menas para 0 mais especîfico, do global para 0 pontual, da teoria para a prâtica e as novas tendências. o primeiro capîtulo, sob a responsabilidade de Mârio Eduardo Martelotta e Eduardo Kenedy Areas, traça uma breve historia dos ----estudos lingüisticos na Europa e nos Estados Dnidos, demonstrando que, a partir de Saussure, as pesquisas nessa ârea caracterizaram-se pela alternância de duas grandes tendências te6ricas: uma atribuia à funçao comunicativa das 1nguas 0 papel predominante; a outra dava ênfase à forma lingüist ca, ficando suas funç6es em segundo pIano. Esse capitulo for ece material para que se possam compreender melhor as te dências funcionalistas da atualidade e as opç6es te6ricas e met ol6gicas que as distanciam dos estudos formalistas. No segun capitulo, elaborado por Maria Angélica Furtado da Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario, sao introduzidos os pr~_!"!<:Jp~~~!~~~cos do funcionalismo, tais coma iconicidade, marcaçao, transitividade, pIanos discursivos, informatividade, gramaticalizaçâo, discursivizaçâo, cielo funcional e unidirecionalidade. Esses princîpios sao apresentados, primeiramente, em sua formulaçao original e, em seguida, em sua versâo refarmulada, praposta pela grupo D&G a partir da aplicaçâo dos mesmos nas pesquisas desenvolvidas. Cada um dos canc~itasé exemplificado corn dadas dos trabalhos jâ realizados pelos membras dogrupa. o terceiro capîtulo, redigida por Mârio Eduardo Martelotta, apresenta uma proposta de a~~!i_~~_~~J!d~~alingüistica corn base em prindpios funcionalistas, demanstrando que, no que se refere à trajet6ria hist6rica das lînguas, determinadas estruturas modificam-se, enquanto outras se mantêm intactas. 0 capîtulo , /' ~~,,'J /A--' ,- f<J (1' /le C3, /' 14 LingüÎstica funcional: teoria e pnHica prop6e que 0 fenômeno da mudança lingü:istica nao pode ser entendido segundo uma diacronia linear, ja que existem tendências de natureza cognitiva e conversacional, que agem regularrnente sobre os elementos lingilisticos, levando-os a ter seus valores modificados. No quarto capitulo, Lucia Maria Alves Ferreira reune evidências de estabilidade sintatica e semântica na lingua portuguesa, a partir da analise contrastiva de enunciados representativos de diferentes sincronias, e na üngua latina. Nos exemplos, observa-se a natureza sistematica e estavel das relaç6es polissêmicas, dos usos e das construç6es em que se encontram os itens focalizados. A analise problematiza 0 prindpio da unidirecionalidade concreto > abstrato na derivaçâo, no curso do tempo, de novos sentidos e usas para os itens lingü:isticos. o capitulo quinto, dedicado à apli~~ao do funcionalismo ao e~~~Il5?=.~J?!~~.dizagemdo português, elaborado par Mariangela Rios de Oliveira e Victoria Wilson Coelho, tem camo um dos objetivos predpuos farnecer aos professores de Hngua portuguesa e aos estudantes de graduaçâo e pôs-graduaçao uma releitura de alguns fenômenos e categorias lingüisticas tematizados ao longo dos capitulas anteriores. Sao abordados alguns objetivos do ensino de Hngua partuguesa de acordo corn os prindpios postulados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que, ao privilegiarem uma perspectiva gramatical de natureza interativa e produtiva, vêm ao encontro da orientaçao funcionalista que concebe a gramâticae a l:ingua em funçâo do usa, ou seja, numa perspectiva pragmatica. Dessa forma, propôem-se algumas sugest6es de atividades que envalvem 0 binômio fa la x escrita, além daquelas que tratam dos gêneros discursivos, a fim de proporcionar ao leitor uma possibilidade de allar a teorizaçâo lingü:istica à prâtica pedag6gica em sala de aula. 1:,~. ~~EfiIE, Maria Angéllca Furtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e Mario Eduardo Martelotta apresentam e discutem os ru~9.~ da pesquisa lingüistica de orientaçâo funcionalista no Brasil. Apôs apontar para as tendências atuais da referida area de lntroduçao 15 iIlvestigaçâo, os autores destacam os desafios a serem enfrentados neste nova milênio, fundamentalmente os relativos ao viés multi- e 1ransdisciplinar que deverâ marcar os estudos da linguagem, em termos tanto internos, coma a interface corn a sociolingüistica e os l'studos de pidgins e crioulos, quanta externos, par intermédio do diâlogo corn a filosofia, a antropologia e a educaçâo. 1 A visâo funcionalista da linguagem no séculoXX Mario Eduardo Martelotta Eduardo Kenedy Areas A lingüîstica do século XIX, em suas pesquisas de ordem eminentemente hist6rico-c mparativa, deixou um importante legado teôrico, sobretudo po intermédio dos neogramâticos e de lingüistas comoHumboldt, oreen e Svedelius (MALMBERG,1974). Entretanto,o surgimento lingüîstica moderna é normalmente identificado corn 0 apa, imento do Cours de linguist_ique générale de Saussure, em~ partir de entâo, conforme prop6em Dirven c Fried (1987), très noçoes bâsicas passaram a caracterizar a evoluçâo da lingüîstica no século XX: sistema, estrutura e junçtio. '00 _o, _oooo __ o .,.L .0._._. . A noçao de sistema deve-se a Saussure. De acordocorn Benveniste (1976), a novidade da doutrina saussu~na reside L'xatamente na visâo de lîngua como sistema, que (prevê uma prioridade do todo em relaçao aos elementos que 0 comp6em. o terma sistema mais tarde foi substituîdo pelo termo estrutura: Illna vez aceita a visan de que a Zingua constitui um sistema - um conjunto cujos elementos agrupam-se num todo organizado -, ('umpre analisar-lhe a estrutura. Foi a tendència que se desenvolveu !la lingüîstica a partir da publicaçao do Cours, tendo sua primeira t 'xpressao nos trabalhos do Circulo Lingüistico de Praga, a partir de 1028. 0 estruturalismo foi, entâo, adquirindo novos adeptos, como ()s que fundaram a Escolaode Copenhague. Hjelmslev (ap. BENVENISTE, J976) define novamente 0 dominio da lingüistica estrutural: DP&A eclitoril ct ( 18 Lingüfstica funcional: teoria e pratica Compreende-se por lingüistica estrutural um conjunto de pesquisas que se apôiam numa hipotese segundo a quaI é cientificamente Iegitimo descrever a linguagem coma sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra, uma, estrutura. ,-, r}: .. , .r +., Î'" / Svl-M ; L. ..s?;! c·e. î ~ 1 1 " A anâlise lingüîstica estava, entao, restrita à rede de dependências internas em que se estruturam os elementos da lîngua. No que se refere ao Cîrculo Lingüistico de Praga, Fontaine (1978) indica outras influências, além das provenientes de Saussure, que levaram os lingüistas a se dedicar ao estudo da lôgica interna do sistema da lingua. Essas outras influências provinham do filôsofo Husserl e, principalmente, da teoria da Gestalt (KoFFKA, 1935), que se deu par meio de seu freqüente contato corn a psicôlogo alemao Karl Bühler. A estreita relaçâo corn Bühler parece ter dada à lingüîstica de Praga uma feiçao diferente das outras escolas estruturalistas européias. Nas palavras de Fontaine (1978, p. 40), ele foi 0" avalista filosôfico do aspecta funcionalista do estruturalismo praguense", ja que via a funçâo corna um elemento essencial à linguagem. Essa concepçao nao pode ser atribuîda a Saussure, que deixou de fora dos estudos lingüîsticas os aspectos relacionados à funçao, a partir do momenta em que propôs a distinçao entre langue e parole, fazendo da primeira 0 objeta de estudo da lingüîstica. Essa estratégia teôrica retirou da âmbito dos estudos lingüîsticos 0 interesse por passîveis influências sofridas pela estrutura gramatical das lînguas, provenientes de aspectas pragmatico-discursivos. A noçâo de funçiio é um pouco mais problematica, na medida em que varios autares a utilizam para caracterizar suas analises, que nem sempre apresentam caracteristicas semelhantes. Segundo NichaIs (1984),funçiio é um termo polissêmico e nao uma coleçao de homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se relacionam, par um lado, à dependência de um elemento estrutural corn elementas de outra ordem ou dOffiinio (estrutural ou nao- estrutural) e, par outro lado, ao papel desempenhado por um J\ visao funcionalista da linguagem no século XX 19 ~ 'Iemento estrutural no processo comunicativo, -ou seja, a funçao ~ '( Hllunicativa do elemento. Os te6ricos de Praga utilizaram a noçao de funçao nesses dois ~;l'ntidos.De acordo corn Nichols (1984), a Escola de Praga praticou lima variante do que ela chama fJlnçiio/!!!J!zçfio, na medida em que f( lCalizou a relaçao do elemento cam 0 sistema lingüistico coma um lodo. A noçao de funçao como relaçao, tal coma proposta por Nichols (1984), prevê a relaçao de um elemento estrutural corn ou (lentro de uma unidade estrutural maior. 0 status de funçâo/relaçao Çc 1 (lp6e-se ao status categorial, nao fazendo este ûltimo referência a y 1 lIIua ordem maior, mas simplesmente caracterizando a entidade l ('omo um portador de propriedades. !:v,! tI U Ir, Y l'co. fl'J ( N' Nao é essa, entretanto, marca do funcionalismo dos lingiiistas de Praga. 0 que caracteriz u suas analises foi a adoçao de uma Iloçao~~ de funça (para eles, a lingua deve ser entendida ('omo um sistema funcion , no sentido de que é utilizada para um; determinado fimjNas pa vras de Fontaine (1978, p. 22), referindo- st' ao Cîrculo Lingiils· de Praga, lia intençao do locutor apresenta- se coma a expli çao 1 mais natural' em analise lingüistica: essa intençao do locutor é que fundamenta 0 discurso". Dessas informaç6es, pode-se concluir que 0 estruturalismo nao foi um movimento unificado, apresentandol ao contrariol aspectos distintos de acordo corn diferentes autores. Dirven e Fried (1987) prop6em que as varias abordagens da lingüistica estruturat herdeiras da concepçao saussuriana da linguageml variavap-\ lambém de acordo corn a ênfase dada à significância da funçfio em seus modelos te6ricosl podendo dividir-se em dois grandes p6los: il) pâlo formalista, no quaI a analise ressalta a forma lingüîstical ) (Y\ ficando sua funçao num pIano secundârio; (cR9 b) p6lo funcionalistal no quaI a funçâo que a forma lingüfstica desempenha no ato comunicativo tem papel predominante. Essa visao bipartida das tendências dalingüistica atual, embora desconsidere algumas divergências, é compartilhada por outros 'lUtores, como Schiffrin (1994) e Kato (1998). 20 Lingü[stica funcional: teoria e prMica o polo formalista o pâlo formalista caracteriza-se/ em termos gerais/ pela tendência a analisar a Hngua coma um objeto autônomo/ cuja estrutura independe de seu usa em situaç6es comunicativas reais. Segundo Dirven e Fried (1987)/ a tendência para a pâlo formalista pode ser vista entre os lingiiistas da Escala de Copenhague. ADinamarca tem forte tradiçâo nos estudos da linguagem/ cam lingiiistas coma Rask/ Madvig/ Noreen e Jespersen/ mas foi cam Hjelmslev/ Uldall e, anteriormente, Br0ndal que a lingüîstica tornou-se mais formaI e abstrata. Nota-se nos trabalhos desses lingüistas "um marcante interesse filosâfico e, em particular, lâgico" (LEPSCHY, 1971/ p. 61). Hjelmslev (1975, p. 3) prop6e que a lîngua nao deve ser interpretada coma a reflexo de um conjunto de fatos nâo- lingiiîsticos/ mas coma uma "unidade encerrada em si mesma, camo uma estrutura sui generis". Assim considerada, a lîngua apresenta um carater abstrato e estatico, ja que é dissociada do ato comunicativo. o pâlo formalista teve sua mais forte expressâo no descritivismo americano (Bloomfield/ Trager/ Bloch, Harris, Fries)/ mas foi aplicado mais rigorosamente nos sucessivos modelas de gerativismo. Embora os estudos lingüîsticos tenhmn sida dominados pela gerativismo, que mantém uma forte tradiçâo até os dias de hoje/ a polo funcionalista permaneceu vigoroso. Abordagens gerativas alternativas/ coma a semântica gerativa, ou a gramatica dos casas padem ser vistas coma um esforço/ no paradigma formalista/ de questianar algumas das propastas desse paradigma, par UID ângula semântica-funcionalista (DIRVEN e FRIED, 1987). o polo funcionalista o pâla funcionalista caracteriza-se pela concepçâo da lîngua camo um instrumenta de camunicaçao, quel coma tal, nao pode ser analisada coma um objeto autônomo/ mas coma uma estrutura maleavel, sujeita a press6es ariundas das diferentes situaç6es comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gyamatical. A visao funcionalista da linguagem no século XX 21 o p6lo funcionalista também pode ser visto em algumas escolas lingüisticas p6s-saussurianas da Europa no século XX. Saussure influenciou mais de perto a Escola de Genebra, cujas principais representantes sao Charles BaUy, Albert Sechehaye e Henri Frei. Enquanto Sechehaye limitou-se basicamente a discutir as idéias de Saussure, BaUy, nas palavras de Leroy (1982, p. 94), atacando 0 dificil problema da relaçao entre 0 pensamento e sua expressâo lingüîstica, renovou a estilîstica, definindo-a como 0 estudo dos elementos afetivos da linguagem e dedicando sua atençao aos desvios que 0 usa individual (a fala) é levado a impor ao sistema (a lîngua). Essaproposta baseia-se no fato de que nao ha separaçao intransponivel entre esses dois aspectos da linguagem, posiçao te6rica por definiçao funcionalista. Por sua vez, Frei notabilizou-se par sua analise referente aos desvios da gramatica normativa, que, segundo sua proposta, nao sao fortuitos, mas constituem tendências conseqüentes da necessidade de comunicaçâo, constituindo, portanto, uma rica fonte de estudos lingüisticos. Frei se fez 0 promotor da lingüistica de base funcionat que associa os fatos lingüisticos a determinadas funç6es a eles relacionadas. Essa influência chegou até Mar'tinet, que, de acordo corn Mounin (1973), manteve freqüente contato corn os principais lingüistas de Praga, sobretudo corn ITubetzkoy, parquem foi bastante influenciado. Para Lepschy (1971, p. 101), Martinet e Jakobson sao "os dois herdeiros mais importantes, no pensamento lingüistico internacional, da Escola de Praga". A herança funcionalista deixa também suas marcas nas escolas de Londres, em que, por meio de Halliday, desenvolveu-se uma tendência a estudar as linguas de um ponto de vista funcionaI. Mathiessen (ap. NEVES, 1997, p. 58) afirma que a gramatica funcional de Halliday esta baseada no "funcionalismo etnogrâfico e [no] contextualismo desenvolvido por Malinowski nos anos 1920 [MACEDO, 1998], além da lingüistica firthiana da tradiçao etnognifica de Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de Praga". 'j 0 lj 22 Lingüfstica funcional: teoria e pratica l ~••, j A propensâo a analisar a lingua de um ponto de vista funcional também estâ presente no grupo holandês. Reichling adotou a postura funcionalista, influenciando a gramâtica de Dik (NEVES, 1997), que trabalha corn uma concepçâo tele?16gic~?~linguagem. Para Dik, 0 principal interesse de uma lingüîst1ca funcionalista estâ nos processos relacionados ao êxito dos falantes ao se comunicarem por meio de expressôes lingüîsticas. o funcionalismo nos Estados Unidos Como visto anteriormente, a lingüîstica norte-americana foi dominada por uma tendência formalista, que se enraizou corn Leonard Bloomfield e se mantém até hoje corn a lingüîstica gerativa. Entretanto, houve paralelamente uma inclinaçâo para 0 pâlo funcionalista. Franz Boas nao influenciou apenas 0 descritivismo, principal vertente lingüîstica dos EVA, mas também a tradiçâo etnolingüîstica de Sapir e Whorf, assim como os trabalhos de Bolinger, Kuno, Del Himes, Labov e muitos outros etno- e sociolingüistas. Certamente, os ûltimos passos dados por antigos gerativistas, como Langacker e Lakoff, que aderiram à gramâtica cognitiva,l devem servistos como uma franca caminhada em direçâo ao pâlo funcional (DIRVEN e FRIED, 1987). A lingüîstica cognitiva caracteriza-se por adotar alguns pressupostos contrârios à tradiçâo formalista. Entre esses pressupostos estâ, por exemplo, a idéia de que asigni~se ------=baseia numa relaçâo entre sîmbolos e dados de um mundo real de vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados no contexto, 0 que implica a noçâo de que ;SConceitos decorrem de padr6es criados culturalmente. 1 Salomao (1999) admite que a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu uso aproximaria 0 enfoque cognitivista à tradiçao funcionalista, mas acrescenta que as analîses funcionalîstas da Costa Oeste americana e dos grupos centralizados par Halliday e Dik na Europa estao ainda influenciadas pela tradiçâo estruturalista, apresentando as seguintes caraeterîsticas: a) mantêm o foco no significante; b) nao desenvolvem a importância do contexto, reduzindo-o a um conjunto de variaveis inorgânicas; c) prop6em, de um modo geral, uma abordagem estatica do significado. r.........-------------------- A visâo funcionalista da linguagem no século XX 23 Os cognitivistas propôem também que 0 pensamento provém da canstituiçao corporal humana, apresentando caracteristicas derivadas da estrutura e do movimento do corpo e da experiência ffsica e social que os humanos vivenciam por meio dele. Além dissa, o pensamento é imaginativo, 0 que significa dizer que, para compreender conceitos que nao sao diretamente associados à experiência fîsica, emprega metaforas e metonîmias que levam a mente humana para além do que se pode ver ou sentir. Senda assim, a sintaxe nao é autônoma, mas subordinada a mecanismos semânticos que nossa mente processa durante a produçao lingilistica em determinados contextos de usa. Por outro lado, determinadas areas de pesquisa, coma a mudança lingüîstica e crioulîstica,2 pareciam indicar as 1~:t!litgç6.et? teorl~i~.fj~~~~âtica gerativa. Portanto,lingüistas de formaçao .... ,-.-,.,., ~"._..- gerativista foram buscando alternativas teôricas que abordassem melhor os fenômenos por eles estudados. É 0 casa de Elizabeth Closs Traugott, que, devido ao seu interesse por fenômenos relacionados à mudança lingüîstica, passou a adatar a teoria da gramaticalizaçao, focalizando os aspectos semântico-pragmaticos da mudança. Segundo essa teoria, as formas lingüîsticas têm seus usos estendidos por p~~._!1nidirecionais~_ml;Lq.l!.nça, motivados pelo uso e por fatores de ordem cognitiva. o termo juncionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir da década de 1970, passando a servir de rôtulo para 0 trabalho de lingüistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givôn, que passaram a advogar uma lingüistica baseada no uso, cuja tendência principal é observar a lingua do ponto de vista do contexto lingüistico e da situaçâo extralingüîstica. De acordo corn essa concepçao, a sintaxe é uma estrutura em constante mutaçâo em conseqüência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe tem a 2 Ârea de investigaçao de crioulos,linguas que se desenvolveram historicamente de um pidgin. Em poucas palavras, 0 pidgin é uma forma relativamente simplificada de falar que se desenvolveu pelo contato de grupos lingüisticos heterogêneos, como 0 tok pisin (lingua de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Australia). ct- 24 Lingüistica funcional: teoria e pratica , " ", fonna que tememrazao das estratégias de organizaçao dainformaçao empregadas pelos falantes no momento da interaçao discursiva. Dessa maneira, para compreender 0 fenômeno sintatîco, seria preciso estudar a lingua em usa, em seus contextos discursivos espedficos, pois é nesse espaço que a gramatica é constituîda. o texto considerado pioneiro no desenvolvimento das idéias da escola funcionalista norte-americana foi flThe origins of syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives", pliblicado par Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Nesse traballio, as autoras fornecem evidências das motivaç6es discursivas geradoras das estruturas sintaticas de relativizaçao do tok pisin, lîngua de origem pidgin de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Austrâlia. Em 1979, Talmy Givon, influenciado pelas descobertas de Sankoff, publica "From cliscourse ta syntax: grammar as a processing strategy", texto programatico da lingüîstica funcional, explicitamente antigerativista, que afirma que a sintaxe existe para desempenhar uma certa funçao, e é esta funçâo que determina sua maneira de ser. Iconicidade, fala e pancronia Uma maneira interessante de compreender 0 espîrito da lingüistica funcional norte-americana é observar a refutaçâo, proposta par Givon (1995), em relaçâo ao que ele caracteriza cama t \'~J(;\' o~~s~~i~ da lingüîstica estrutural: a arbitrariedade do \1'\ ---signa lingüistico, a idealizaçâo relacionada à distinçao entre langue e parole, e a rigida divisâo entre diacronia e sincronia. A dautrina da arbitrariedade separa, no signa lingüistica, a significante do seu correlata mental, 0 sigtÜficada, deixando apenas os dois termas observaveis da equaçaa: 0 signa e seu referente, a que Givon caracteriza coma uma triste caricatura da visâa pasitivista e behaviorista do significado coma referência externa. Essa posiçâo parece dever-se ao fatode os estruturalistas (sabretudo os narte- americanos) tenderem a naa trabalhar corn entidades mentais vagas e pouco acessiveis à anâlise empirica, cheganda mesmo a negar a A visao funcionalista da Iinguagem no século XX 25 existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada, preexistente à linguagem. Par outra lado, a pr6pria noçâo de arbitrariedade do signa, ao menas em sua farmulaçâo mais radical, é questionâvel, de acordo corn Bolinger (1975), para quem as lînguas saa em parte arbitrârias, em parte icônicas - ou nao-arbitrârias. Saussure reconheceu que havia exceç6es ao seu principio da arbitrariedlllie do signo lingüistico, mas,s~~ann(1977, p. 169),"desprezou-as por serem pouca importantes", assumindo uma postura diferente, nesse aspecta, de lingiiistas camo Schuchardt eJespersen./ c' f De fato, se c~ E~~'.l~~.~.~f9.E.~1!~E?9:~a.__!.~~.I_~~.~.~~.~t.~~_?!! seja, à \ maneira formalista de obs ar a lingua fora de seu contexto de usa, i. a que inevitavelmente merge diante da visâo do analista é uma relaçao nâo-necessâ ·a - arbitrâria ou nâo-natural- entre uma estrutura sa e um si·g~ifi~~ë.îo---(ouu~-ôbjetoreferente). Entretanto, quando se muda a foco de anâlise para uma abordagem voltada ao uso da lingua, observa-se a existência de mecanismos recorrentes, que refletem um pracesso mais funcional de criar r6tulos novos para novos referentes. Ocone que, para c~iar novos rôtulos, 0 falante naa inventa arbitrariamente séqfrências novas de sons, mas tende fortemente a utilizar material jâ existente na Hngua, estendendo 0 sentido de palavras, no que Ullmann (1977) chama motivaçiio semântica ('pé da mesa", "coraçiio da cidade"), ou criando palavras novas, pelos processos de derivaçâo ("apagadar", "leiteiro") ou camposiçâo CUaguardente", "pâra-quedas"), utilizando um mecanismo que Ullmann (1977) chama de motivaçiio morfol6gica. A esses dois junta- se um terceiro mecanismo, chamado motivaçiiofonética, caracterizada pelas anomatapéias ('cacoracô","tilintar"), em que 0 sam da palavra c1aramente imita a caisa designada. Esses très mecanismas têmemcomum 0 fato de serem motivadas na sentido bâsico do termo: a palavra assume uma forma especîfica por um motivo determinado. Assim, a palavra pé, par exemplo, apresenta uma relaçao semântica corn as partes da mesa, destinadas 26 Lingüfstica funcional: teoria e prÉltica 1V" à sua sustentaçâo, ou 0 tenno apagador deve-se ao fato de tratar-se de um instrumenta utilizado para apagar 0 quadro, normalmente em uma sala de aula. Esses mecanismos sao mais comuns porque funcionam bem do ponto de vista comunicativo e cognitivo, no sentido de que um processo baseado em decis6es puramente arbitnirias seria mais custoso para 0 falante e, sobretudo, para 0 ouvinte. Em muitos casos, essa motivaçâo se perde quando a mudança semântica faz a palavra afastar-se de suas origens. No campo da sintaxe, os funcionalistas consideram mais aceitavel a idéia da nâo-arbitrariedade. Para citar um exemplo, quando narramos seqüências de aç6es coma "Cheguei em casa, tomei um banho e fui dormir", nâo ordenamos as clausulas arbitrariamente, mas de acordo corn a ordem em que elas ocorreram na realidade. A essas tendências, que se manifestam paralelamente à arbitrariedade, refletindo algum tipo de motivaçâo, os funcionalistas chamam iconicidade. Também sao explicados pelo prindpio da iconicidade aspectos relacionados à extensâo da sentença, assim coma àordenaçâo e à proximidade dos elementos lingüisticos que a comp6em, dependendo de fatores como complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes no contexto e proximidade semântica entre conceitos. Outro dogma estruturalista refere-se à idealizaçâo associada à distinçâo entre langue e parole. Corn essa dicotomia, Saussure estabeleceu uma diferença entre 0 que é geral e 0 que é individual e, conseqüentemente, entre 0 que é essencial e 0 que é acidental, ou entre 0 que é regular e 0 que é fortuito. Para 0 trabalho do lingüista, importavam somente os fatas relativas à langue, senda dispensada atençâo diminuta à fala individual. TaI perspectiva difere muite pauca da lingüistica gerativista no que se refere à distinçâa entre competência e performance. Ambas as concepç6es priorizam a lingua em detrimento da fala, considerando esta nao mais que mera manifestaçâo das possibilidades de um sistema independente. o pasicionamento funcianalista em relaçâo a esse aspecto consiste em dar nova relevo ao discurso individual, passando a A visao funcionalista da linguagem no século XX 27 compreendê-Io coma nîvel gerador do sistema hngüîstico. Este, por sua vez, é definido à maneira de um corpo moldâvel e em constante transformaçao. Nesse sentido, nao hâ coma separar a langue da parole: 0 acidentaI ou casuaI que caracteriza 0 discurso passa a ser a gênese do sistema, que, por sua vez, alimenta 0 discurso. A proposta de Lichtenberk (1991), segundo a quaI existe uma relaçâo simbi6tica entre discurso e gramâtica, é um 6timo exemplo dessa r~; concepçao de linguagem. .....\' . A dicotomia sincronia x diacronia, compreendida coma dois'" ~ eixos separados e nao-intercambiâveis, é a terceiro dogma àc: estruturalista a ser revisto pelo funcionalismo. Para Saussure, os princîpios e as consideraç es da anâlise sincrânica e da anâlise diacrânica nao se confu em e devem restringir-se a seu domînio espedfico de aplicaç- . Ou seja, 0 trabalho sincrânico lida com fenômenos do' ma que nao têm relaçao necessâria, sendo, por vezes, incompativel com 0 trabalho diacrônico. Entretanto, pesquisas em gyamaticalizaçao têm demonstrado que, ao lado de fenômenos que mudam corn 0 tempo, existem determinados aspectos que parecemmanter-se ao longo da trajet6ria das lînguas. Em outras palavras, hâ um conjunto de processof de mudança que atuam corn relativa regularidade sobre os eleme~tos lingüisticos, estendendo-Ihes 0 sentido. De uma perspec'tiva hist6rica, esses processos podem dar a impressao de uma seqüência de mudanças ocorridas no tempo; de uma perspectiva sincrônica, a que se observa é UID conjunto de polissemias coexistindo. A tendência que se percebe do funcionalismo norte-americano a partir dos trabalhos sobre gramaticalizaçâo (HEINE, CLAUD! e HüNNEMEYER, 1991; TRAUGOTI e HEINE, 1991; HOPPER e TRAUGOTI,1993) é focalizar os mecanismos que geram a mudança camo senda alicerçados emfatores comunicativos e cognitivas. Nesse sentido, pode-se dizer que 0 funcionalismo tende a adotar uma cancepçâa pancrônica de mudança (SAUSSURE, 1916/1973), observando naa as relaç6es sincrônicas entre seùs elementos ou as mudanças percebidas nesses elementos e nas suas relaç6es ao longo do tempo, mas as 28 LingüÎstica funcional: teoria e pratica forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivîduo no momento concreto da comunicaçao e que se manifestam de modo universal, jâ que refietem os poderes e as limitaç6es da mente humana para armazenar e transmitir informaç6es. Para resumir a visao funcionalista da linguagem, é interessante o grupo de premissas com que Givôn (1995) caracteriza essa concepçao: • a linguagem é uma atividade sociocultural; • a estrutura serve a funç6es cognitivas e comunicativas; • a estrutura é nao-arbitrâria, motivada, icônica; • mudança e variaçâo estâo sempre presentes; • 0 sentido é contextualmente dependente e nâo-atômico; • as categorias nao sao discretas; • a estrutura é maleâvel e nao-rigida; • as gramâticas sao emergentes; • as regras de gramâtica permitem algumas exceç6es. 1 Pressupostos te6ricos fundamentais Maria Angélica Furtado da Cunha Marcos Antonio Costa Maria Maura Cezario o funcionalismo r güistico contemporâneo difere das abordagens formalista - estruturalismo e gerativismo - primeiro par conceber a lin~ em coma um instrumento de interaçao social e segundo par seu interesse de investigaçao lingüistica vai além da estrutura gramatical, buscandono contexto discursivo a motivaçâo para os fatos da lîngua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas nouso interativo da lingua analisando as condiç6es discursivas em que se verifica esse usa. Os dominios da sintaxe, da semântica e da pragm~icasao relacionados e interdependentes. Ao lado da descriçâo sit\ltâtica, 1 cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as estruturas lingüisticas e seus contextos espedficos de uso. Segundo a hip6tese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso que se faz da lingua, ou seja, a estrutura é motivada pela situaçâo comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variâvel dependente, pois os usas da lingua, ao longo do tempo, é que dao forma ao sistema. A necessidade de investigar a sintaxe nos termos da semântica e da pragmâtica é comum a todas as abordagens funcionalistas atuais. Iconicidade e marcaçâo Em lingüistica, iconicidade é definida coma a correlaçao natural entre forma e funçâo, entre a c6digo lingüistico (expressâo) e seu DP&A editora 30 Lingüistica funcional: teoria e pratica designatum (conteudo). Os lingüistas funcionais defendem a idéia de que a estrutura da lingua reflete, de algum modo, a estrutura da experiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, a suposiçâo geral é que a estrutura lingüîstica revela as propriedades da conceitualizaçâo humana do mundo ou as propriedades da mente humana. As discuss6es em toma da motivaçâo entre expressâo e conteudo na lîngua remontam à Antigiiidade clâssica, corn a famosa polêmica que dividiu os filôsofos gyegos em convencionalistas e naturalistas. Enquanto os primeiros defendiam que tudo na lîngua era convencional, mera resultado do costume e da tradiçâo, os naturalistas afirmavam que as palavras eram, de fata, apropriadas por natureza às coisas que elas significavam. Essas especulaç6es filos6ficas têm seus desdobramentas no debate posterior entre anamalistas e analogistas acerca da (ir)regularidade da estrutura lingüîstica. No inîcio do sécula XX, essa controvérsia foi retomada por Saussure, que adotau pasiçâo favorâvel à concepçâo convencionalista, reafirmando 0 carâter arbitrârio da lîngua: nâo existe relaçâo natural entre a "imagem acûstica" do signo lingüîstico (0 significante) e aquilo que ele evoca conceptualmente (0 significado) .1 o fil6sofo Peirce (1940) discorda parcialmente da idéia de total arbitrariedade, recuperando, em certa medida, a posiçâo adotada pelos antigos naturalistas e conjugando-a à postura dos canvencionalistas. Segundo ele, a sintaxe das linguas naturais nao 1 Nao parece haver uma correspondência estrita entre naturalistas x convencionalistas, por um lado, e analogistas x anomalistas, par outro. Apesar de aigumas afinidades, eles tinham preocupaç6es distintas e, de certa forma, independentes. Enquanto naturalistas e convencionalistas discutiam a relaçào entre as U coisas do mundo" e suas designaç6es, anaiogistas e anomalistas discutiam as regularidades do sistema lingüistico. Tomemos Saussure camo exempio. Em reIaçao à conexâo entre significado e significante, ele se alinha aos convencionalistas (arbitrariedade do signo lingüistico); quanta ao carater regular e sistematico da lingua, ele se posiciona junto aos analogistas (a lingua é um sistema). é totalmente arbitrâria, e sim isomârfica ao seu designatum mental. No entanto, esse isomorfismo da sintaxe, ou correlaçâo transparente entre fonna e funçao, nao é absoluto, e sim moderado. Na codificaçâo sintâtica, principios icônicos (cognitivamente motivados) interagem corn prindpios mais simbâlicos (cognitivamente arbitrârios), que respondem pelas regras convencionais. Peirce estabeleceu dois tipos de iconicidade: a imagética e a diagramâtica. A primeira diz respeito à estreita relaçao entre um f ri. item e seu referente, no sentido de um espelhar a imagem do outro 1 (p. ex., pinturas, estâtuas); jâ a segunda refere-se a um arranjo icônico de signos, sem necessâria intersemelhança. Ambos os tipos de relaçâo icônica têm interessado a pe quisadores de orientaçâo funcionalista. É corn Bolinger (1977 que a isomorfismo lingüîstico revela sua face radical, quando R stula que a condiçao natural da lîngua é preservar uma for para um sentido, e vice-versa. Estudos sobre os proœ variaçao e mudança lingüîsticas, ao constatar a existência de duas ou mais formas alternativas de dizer"a mesma coisa", levaram à reformulaçâo dessa versao forte. Na lîngua que usamos diariamente, especialmente na lîngua escrita, existem por certo muitos casos em que nao hâ uma relaçâo clara, transparente, entre forma e conteûdo. Ha contextos comunicativos emque a codificaçao morfossintâtica é opaca em sua funçâo. Tom~das sincronicamente, determinadas estruturas exibem acentuado grau de opacidade em relaçâo aos papéis que desempenham. Assim, encontramos correlaçâo entre uma forma e vârias funçoes, ou entre uma funçâo e vârias formas. 0 uso do sufixo -inho ilustra 0 primeiro caso. Essa forma, que originalmente indica tamanho diminuto, coma em criancinha, desenvolveu-se para marcar afetividade, camo em paizinho, pejoratividade, como em gentinha, ou ainda um valor de superlativo, como em devagarzinho (R.J. SILVA, 2000). A funçâo de impessoalizaçao do agente da açao verbal pode ser codificada, em português, por vârios recursos: verbo na terceira pessoa do plural (Construîram uma ponte na cidade"); particula se apassivadora CConstruiu-se uma ponte na cidade"); voz passiva (Uma ponte·foi construîda na cidade"); pronome indefinido ('i\lguém construiu uma Pressupostos te6ricos fundamentais 31 ponte na cidadefl); pronome de terceira pessoa do plural sem referente explicita ("Eles construiram uma ponte na cidadefl), entre outros. Em sua versâo mais branda, 0 prindpio de iconicidade manifesta-se em três subprincîpios, que se relacionam à quantidade de informaçâo, ao grau de integraçâo dos constituintes da expressâo e do conteûdo e à ordenaçâo linear dos segmentos. Segundo a subprincipio da quantidade, quanta maior a quantidade de informaçâo, maior a quantidade de forma, de tal modo que a estrutura de uma construçâo gramatical indica a estrutura do conceito que ela expressa. Isso significa que a complexidade de pensamento tende a refletîr-se na complexidade de expressâo (SLüBIN, 1980): aquilo que é mais simples e esperado expressa-se corn 0 mecanismo morfol6gico e gramatical menos complexo. o subprincfpio da integraçiio prevê que os conteudos que estâo mais pr6ximos cognitivamente também estarao mais integrados no nivel da codificaçâo - 0 que esta mentalmente junto coloca-se sintaticamente junto. o subprincfpio da ordenaçiio linear diz que a informaçâo mais importante tende a ocupar a primeiro lugar da cadeia sintatica, de modo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem de importância para 0 falante. Vejamos aIgumas aplïcaç6es da versâo branda do principio de iconiddade. No estudo danegaçâo (FURTAOO DA CUNHA, 1996), a negativa dupla fomece evidência favoravel ao principio icônico da quantidade: \ 32 Ungüistica funcional: teoria e pratica 1) ...um motorista dele... nesse tempo ele... num era... num era um motorista dele nao... era do hote!... porque ele fkau sem motorista... (corpus D&G;Natal, p. 244).2 2 Na transcriçâo desse exempla, e nos demais de modalidade falada, foram utilizados os seguintes critérios: a) ... - qualquer pausa; b) ( ) - incompreensâo de palavra ou segmenta; c) / - truncamento; d) :: - alongamento; e) « )) - comentarios descritivos do transcritar; f) [ ] ~ inforrnaçâo elucidativa cornplernentar; g) (...) - trecho saltado; h) eh - fâtico; i) l}) - sintagrna ellptico. É importante observar que na transcriçâo de falas adota-se 0 usa de minûsculas, ao passo que na reproduçâo de textos escritos usam-se normalmente as maitisculas quando necessario. 1 Na exemplificaçâo da modalidade escrita, os textossao apresentados exatamente coma produzidos par seus autores. 3) ...0 pai dele tava... tava tomando banho... 0 gato apareceu na... na janela lâ do... do... do banheiro ele tava tomando banho nabanheira . ele pulou dentro e rasgou 0 ... 0 0 pai dele todinho num matou nao . 56 fez arranhar né?... depois ele pegou um cabo de vassoura... meteu no gato e 0 gato foi embora... (corpus D&GINatal, p. 28). 2) Hâ pouco tempo atrâs, dois Mrbaros assassinatos, 0 da atriz Daniela Perez e 0 da menina que foi queimada pelos sequestradores ressuscitou a polêmica da Pena de Morte (corpus D&G/Natal, p. ~1).3 \ Em relaçâo ao principio da ordenaçâo linear, a dâssico exem~lo citado é "Vim l vi, vend"l cuja distribuiçâo das palavras na ora~âo corresponde à seqüência cronolôgica das aç6es descritas. Ainda outro exemplo: 0 trecho a seguir foi retirado de uma narrativa recontada, em que 0 falante reproduz 0 filme Cemitério maldito. Note-se que a apresentaçâo dos eventos narrados obedece à ordem cronol6gica e 16gica em que ocorreram na trama: 33l'n~ssupostos te6ricos fundamentais No discurso falado, a pronuncia do niio tônico que precede 0 vl'rbo freqüentemente se reduz ao num atono, ou mesmo a uma si mples nasalizaçâo. Para reforçar a idéia de negaçâo, 0 falante utiliza Il III segundo nao no fim da oraçâo, como uma estratégia para suprir () cnfraquecimento fonético do niio pré-verbal e 0 conseqüente l'svaziamento do seu conteûdo semântico. Assim, 0 acréscimo do segundo niio tem motivaçâo icônica: quanta mais imprevislvel se 1orna a informaçaol mais codificaçâo ela recebe. Em seu trabalho sobre os procedimentos de manifestaçâo do sujeito, Costa (2000) utiliza 0 prindpio icônico da proximidade para l'xplicar a ausência de concordânciaverbal em oraç6es em que sujeito (' verbo encontram-se estrutur ente distanciados. Aintroduçâo de material de apoio entre 0 suj . 0 e 0 verbol como 0 aposto do exemplo <lbaixo, enfraquece a int açâo entre sujeito e predicado no pIano do con 0 resulta na falta de concordância verbal: Do que foi exposto, conclui-seque a lingua nao é um mapeamento arbitrârio de idéias para enunciados: raz6es estritamente humanas de importância e complexidade refletem-se nos traços estruturais das lînguas. As estruturas sintâticas nao devem ser muito diferentes, na forma e na organizaçao, das estruturas semântico-cognitivas subjacentes. Como opçâo teôrica, 0 principio da iconicidade, em sua formulaçao atenuada, permite uma investigaçâo detalhada das condiç6es que governam 0 uso dos recursos de codificaçâo morfossintâtica da lîngua. o principio de marcaçiio, herdado da lingüîstica estrutural desenvolvida pela Escala de Praga, estabelece três critérios principais para a distinçâo entre categorias marcadas e categorias nao-marcadas, em um contraste gramatical binârio: a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa (oumaïor) que a estruturanao-marcada correspondente; b) distribuiçao de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menas freqüente do que a estrutura nao-marcada correspondente; c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do que a estrutura nao-marcada correspondente. Incluem-se, aqui, fatores coma esforço mental, demanda de atençao e tempo de processamento. Hâ uma tendência geral, nas lînguas, para que esses três critérios de marcaçâo coincidam. Admite-se que a correlaçâo entre marcaçao estrutural, marcaçâo cognitiva e baixa freqüência de ocorrência é 0 reflexa mais geral da iconicidade na gyamâtica, dada que representa o isamorfismo entre correlatos substantivos (de natureza comunicativa e cognitivaj"·~· ~~;~~ï~t~~f~;~~i~·d~~a;câçao:Assim, • ,_.U'" .•_ ..~__ '""~""''-+'. ''W. '-••..,."."..........~••_.,.....,., ....,'"'- as categorias que sao estrutura1mente mais marcadas tendem também a ser substantivamente mais marcadas. Givôn (1995) adrnite que Ulla mesma estruturapode sermarcada num contexto e nâo-marcada em outro, e acrescenta que, desse modo, a marcaçao é um fenômeno dependente do contexto, devendo, portanto, serexplicada cornbase em fatores comunicativos, 34 Lingüfstica funcional: teoria e prética Essas três estruturas negativas nao se op6em binariamente, mas se distribuem num contî:fiuo, exibindo diferentes graus de marcaçao quanto à freqüência d'e uso, à complexidade estrutural ou à l' ,1 i (1 ../ l' /CO pi .~; (; ,:,,9· /)"( C:,' \" .c' 1 ~ 4) ...a nova regente... ela naD tava sabendo reger direito a regente do coral... tava errando lâ um monte de coisas... né? (corpus D&G/ Natal, p. 278). 5) •••e teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... l'Gerson . você aceita fkar no cargo e tudo fl num sei que... eu disse... nao . num aceito naD (corpus D&G/Natal, p. 178). 6) •..tudo eu faço sabe? tem isso comigo naD... (corpus D&G/Natal, p. 264). socioculturais, cognitivos oubiolôgicos. Cita, C011'\O exemplo, que a lendência para a~erçao do agente como sujeito e tôpico da oraçao \rc l ransitiva, que representa 0 cason~cado, provavelmente reflete !,,~: r c Lima norma cultural de falar egocentricamente mais acerca de seres \~ humanos volitivos do que sobre objetos inanimados. Outra observaçao importante feita por Givôn é que a marcaçao nao se restringe apenas às categorïas lingilisticas, mas pode estender- se a outros fenômenos, como a distinçao entre 0 discurso formal e a '~:\, conversaçao espontânea. Por tratar de assuntos mais abstratos e complexos, 0 discurso formaI é mais marcado em relaçao à conversaçâo informaI, que é cognitivamente processada corn mais rapidez e facilidade, por se referir, em geraI, a assuntos comuns e fisicamente perceptiveis do tidiano social. A titulo de exemplo, 0 ntraste entre afirmaçao e negaçao ilustra 6 bem a atuaçao dos c . érios de marcaçao. Como afirmar algo é cognitiv mais simples e esperado, portanto mais frequente li na interaçâo verbal, isso se reflete também na estrutura lingüistica, l representando a (orma nao-marcada. A negaçao, ao contrario, por ser mais complexa emtermos cognitivos e menos esperada, é também menos freqüente e estruturalmente maior (tem, no minimo, um morfema a mais que a afirmativa), constituindo 0 casa marcado. Entretanto, essa marcaçâo sera relativizada se considerarmos as diferentes estruturas negativas em português (FURTADü DA CUNHA, 2000), tais coma: 35l 'ressu postas teôricos fundamentais Lingüfstica funcional: teoria e pratlca36 complexidade cognitiva. Considerando esses très critérios de distinçâo entre estruturas marcadas e nao-marcadasl podemos estabelecer a seguinte hierarquia que ordena as oraç6es negativas de acordo corn 0 seu grau de marcaçao: negativa-padriio (ex. 4) > negativa dupla (ex. 5) > negativafinal (ex. 6). Apesar de a negativa- padrao ser marcada em relaçao à afirmatival esta clara quel das trèsl ela é a menas marcadal sob todos os aspectos: a) quanta à freqüência l é a que registra maior ocorrència; b) quanto à complexidade estruturall é a morfologicamente mais simples; c) quanta ao contexto de USOI é a menos marcada pragmaticamentel pois pode ocor~rnos contextos que favorecem tanto a negativa dupla quanta a final Dado \ 0 carater fluido e criativo da lingual é necessario adotar parâmetros ~r' de gradualidade na analise da marcaçaol em vez de considerar as \ categor~as lingüîsticas em termos discretos ou binarios. j A necessidade de superar a dicotomia marcado x niio-marcadol redefinindo 0 prindpio de marcaçao l também é questionada por Oliveira (2000)1 em seu trabalho sobre as oraç6es adjetivas. Exemplos camo 7 e 81 em que se combinam informatividade do nûcleo SN4 (menor integraçao) e definiçao da adjetiva (maior integraçao)1 sao os de maior freqüència nos corpora pesquisados: 7) As pessoas que 0 acusam confundem 0 ato de governar com disposiçao e honradez (carta de leitor, Jornal do Brasil). 8) ...meu primo estava dirigino umacamionete que estava sem Jreio... (lîngua escrita, quarta série, corpus D&GlNiterôi). ".. 'Z: Os resultados preliminares a que Oliveira chegou na pesquisa (; sobre a clausula adjetiva levaram-na a um impassel assim expresso\,,~ , por ela: se a freqüència é 0 parâmetro de maior visibilidade e saliència _\:: perceptual para a aferiçao da marcaçaol entao teremos de admitir que ..... as adjetivas restritivasl que sao mais integradasl configuram-se coma "'-, ~ as nao-marcadas. Por outro ladol seu maior vînculo semântico- sintatico é traço caracterizadorde complexidade estrutural e cognitival o que as classificaria como formas marcadas face às explicativas. 4 SN = sintagma nominal. " d 1 l rj 1 cl,r\ '. .,,,\_,e(- t i~ '( /:-.l f..,A.\ ;' ", _ !t: G\: \.. 'Id) Batman derrubou 0 Pingüim com um soco. '!h) A Mulher Gato nao gostava do Batman. 'JI} Esse rio tem uma forte correnteza. 37 _ ..v~ Transitividade alta Transitividade baixa ticipantes / dois ou mais um ~'~_~'~._------~ _~.~~ ese / açao nao-açao .-.~ ... " ~_--- ------- -- .- - "._..•...•.. ,..." .-'---"-"-- ,._,_.~ ----- --_. '-'~_- ecto do ver perfectivo nao-perfectivo .= .-._'------ " .- ctualidade do verbo punctual nao-punctual .u______ ncionalidade do sujeito intencional nao-intencional -----,.• '.-'-.-" "' ._--------------------_. ------_._-,---,-- ~.~_.....__._-_._..._.. aridade da oraçâo afirmativa negativa _~~___~·~~___.o.o_f---.- -_....._.. ._- dalidade da oraçâo modo reafis modo irrealis -_._~ __~_----~-~_- -------_. ntividade do sujeito agentivo nao-agentivo _"_0 "'~ _________ -----,--___0-.___- --_. tamento do objeto afetado nao-afetado ......:;,;,,,, .. dividuaçâo do objeto individuado nao-individuado ...-----t=. / fJ u rCi 1". I/r!·{· ·;CC: " ! l 'IüSSUPOStos te6ricos fundamentais S.Age 9. Afe 10. In 4. Pun 5.lnte 3. Asp 6. Pol 2. Cin 1. Par 7. Mo Transitividade e pianos discursivos Para a gramatica tradicional, transitividade refere-se à 1l'a nsferência de uma atividade de um agente para um paciente. J':, portanto, uma propriedade dos verbos, classificados camo 1ransitivos, quando acompanhados de objeto direto ou indireto, ou ÎIl transitivos, quando nao ha complemento. Segundo a formulaçao t Il' Hopper e Thompson (1980), a transitividade é concebida camo lima noçao continua, escalar. Trata-se de um complexo de dez C! IllHâmetros sintatico-semânticos independentes, que focalizan1 ,.,-,.---~,----------~ ........, (1iferentes ângulos aa transferência da açâo em uma porçâo diferente da sentença. Sao eles: 1 <: ~.....------...--... '""-.,------ ....----".,.:;:s> <II }' M t At!'> ,..? ri. r l.-.Y... Cada um desses parâmetros contribui para a ordenaçao de ()raç6es numa escala de transitividade. Assim, é toda a sentença que (; classificada com9 transitiva, e nao apenas 0 verbo. A tîtulo de ilustraçao, vejamos alguns exemplos, extraidos de uma narrativa (lue reconta a filme Batman: 38 Lingüistica funcional: teoria e pratica Pela classificaçao da gramatica tradicional, as trés primeiras sentenças sao transitivas, pois apresentam nm objeto coma complemento do verbo. Segundo a formulaçao de Hopper e Thompson, 9a é a que ocupa lugar mais alto na escala de transitividade, uma vez que contém todos os dez traças do complexa: dois participantes (Batman e Pingüim); verbo de açao (derrubou); aspecto perfectivo (verbo no passado); verbo punctual (açao completa); sujeito intencional; oraçao afirmativa; oraçaorealis (modo indicativo); sujeito agente (Batman); objeto afetada e individuado (Pingüim - referencial, humano, pr6prio, singular). Ocupando 0 segundo lugar na escala de transitividade, temos 9d, clàssificada coma intransitiva pela gramâtica tradicional. Essa oraçao contém sete traços: cinese; aspecto perfectivo; verbo punctual; sujeito intencional; polaridade afirmativa; modalidade realis; sujeito agente. A oraçao 9b esta mais abaixo na escala, pois apresenta quatro traços positivos: dois participantes (Mulher Gato e Batman), objeto individuado (Batman), perfectividade do verbo e modalidade realis. Por ultimo, a oraçao corn menor grau de transitividade é 9c, que s6 apresenta os traços modalidade (realis) e polaridade (afirmativa). Hopper e Thompson associam a transitividade a uma funçao ( discursivo-comunicativa: 0 maior ou menor grau de transitividade de uma sentença reflete a maneira coma 0 falante estrutura 0 sen discurso para atingir sens prop6sitos comunicativos. A universalidade do complexo de transitividade parece residir no fato de que os parâmetros que 0 comp6em estao relacionados ao . J.. .event()5~~sa.1 pfototlpico, qu~_~..~~.~!l.i.g..2.E??:10 um evento em que ~ um agente animado intencionalmente causa uma mudança nsica e , perceptivel de estado ou locaçao em um objeto. Sao esses os eventos que a criança percebe e codifica gramaticalmente mais cedo. Ha, portanto, nma correlaçao entre os traços que caracterizam 0 evento causal prototipico e os parâmetros que identificam a oraçao transitiva canônica. Desse modo, por refletirem elementos cognitivamente salientes, ligados ao modo pela quaI a experiência humana é ',~ 1 Pressupostos te6ricos fundamentais 39 apreendida, os parâmetros da transitividade assinalam elementos salientes no discurso. A transitividade oracional esta relacionada a uma funçâo ~-------- --., pragmâtica. 0 modo como 0 falante organiza seu texto'é ..,.'".....'~ ......_--~ determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em parte, pela sua percepçâo das necessidades do seu interlocutor.· Nesse sentido, a texto apresenta uma distinçâo entre 0 que é central e a que é periférico. Para que a comunicaçâo se processe satisfatoriamente, ou seja, para que os interlocutores possam partilhar a mesma perspectiva, 0 emissororienta a receptora respeito ,. ."",\.~ do grau de centralidade e de perifericidade dos enunciados que C' \1 constituem seu discurso. Em termos de estrutura de texto, ou de plan~s,a divisâo entre centr~l?..~lj.cocorresponde à y},!f distinçâo entre figura e fundo. 0 grau de transitividade de uma rR/2-; oraçâo reflete sua funçâo discursiva caracterfstica, de modo que oraç6es cam alta transiti~dade assinalam porç6es centrais do texto, correspondentes à fi,gufa, enquanto oraç6es combaixa transitividade marcam as porç6es periféricas, correspondentes ao fundo. Hâ, portanto, uma correlaçâo forte entre a marcaçâo gramatical dos parâmetros da transitividade e a distinçâo entre figura e fundo. Por figura entende-se aquela porçâo do texto narrativo que àpresenta a seqüência temporal de eventos concluidos, pontuais, afinnativos, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicaçâo central. Jâ fundo corresponde à descriçâo de aç6es e eventos simultâneos à cadeia da figura, além da descriçâo de estados, /;, da localizaçâo dos participantes da narrativa e dos comentârios avaliativos. Vejamos a seguinte fragmenta, extraido de uma narrativa falada de um informante do ensino médio:' . \ 10) .••al quando vinha aH no rio Tietê... num sei se você conhece... jâ ouviu falar... lâ de Sâo Paulo... quando vinha lâ do rio Tietê... tava chovendo muito..: a pista escorregadia né? ai 0 carro perdeu 0 controle... 0 motorista perdeu 0 controle né?... aî quando ele viu que 0 carro ia cair dentro do rio... ai eIe... colocou 0 carro num... pra cima de outro carro... que tava um casaI de namorado assim ... namorando... (corpus D&G/Natal, p. 222). 40 Lingüistica funcional: teoria e pratica Figura Fundo ...al quando vinha ali no rio Tietê... num sei se você conhece... ja ouviu falar... la de Sao Paulo... quando vinha la do rio Tietè... tava chovendo muito... a pista escorregadia... né? ai 0 carro perdeu 0 controle... o motorista perdeu 0 controle... né? .. ai quando ele viu que 0 carro ia cair dentro do rio... ..~--_._---ai ele... colocou 0 carro num... pra cima de outra carro... - que tava um casal de namorado assim... namorando... - --~----- o texto acima mostra oposlçao de tempo, aspecto e dinamicidade: as sentenças da coluna da figura contêm perdeu e colocou, verbos punctuais no tempo perfeito, enquanto no fundo apresentam-se oraç6es que contextualizam 0 evento narrado, corn comentarios descritivos e avaliativos do narrador. o fundamento cognitivo para plana discursivo, corn suas 'fimens6es originais de figura e fundo, provém da psicologia ;gestaltista: identifican10s mais prontamente as entidades que se !apresentam em primeiro pIano, coma figuras bem-recortadas e fi 1 focalizadas, em oposiçao a tudo 0 mais, que passa a ser percebido contrastivamente como em plana de fundo. Tipologicamente, a lingua portuguesa é classificada como sendo de ordenaçao SVO (sujeito-verbo-objeto), ou seja, a posiçao tipica, nao-marcada, do sujeito é anterior à do verbo. As construç6es oracionais em que 0 sujeito é deslocado, ocupando posiçao posterior à do verbo, parecem limitar-se a certos contextos discursivos. Par exemplo, a estrutura VS corresponde, normalmente, às circunstâncias que estao fora da seqüência narrativa propriamente dita (fundo), conforme a seguinte exemplo: Il) 0 drama começa quando a secretaria de um empresario descobre que 0 seu patrao quer construir uma usinanuc1ear, nao para gerar energia, e sim para sugar energia da cidade. 0 patrao chega repentinamente no escrit6rio e flagra a secretaria mexendo em seus documentos. Temendo ele que a secretaria resolvesse contar a todos, ele tratou de mata-la empurrando-a pela janela do escrit6rio que ficava no andar muito alto de um edificio (corpus D&G;Natal, p. 317). Extrapalanda a daminio da narrativa, Martelatta (1998) testa a( possibilidade de aplicaçâo dos parâmetros da transitividade a outras lipos de gênero textual, demonstrando que as noç6es de figura e fundo também podern ser extremamenteuteis naanalise de desoiç6es, C relatas de procedimento ou relatas de opiniâa. Mostra que um tipo 6 de texto pode servir de fundo a outro tipo textual. Dm trecha narrativo, \~ por exemplo, em um contexto maior nào-narrativo, pode servir de \ fundo, pois, neste caso, esta em posiçao secundaria em relaçaa ao foco central do texto. Em situaç6es como essas, a seqüência narrativa ('In segundo plana pode apresentar-se, ao mesmo tempo, camo figura l'm relaçâo a outra nao-narrativa de nîvel inferior. Para ilu~traresse 1)(mta, tomemos 0 segtiinte fragmenta de um relata de opiniào falado, dl' um aluno da oitava série do ensino fundamental: ~ Pressupostos te6ricos fundamentais Figura Fundo o drama começa quando 1------'---- , a secretâria de um empresârio descobre que a seu patrao quer construir uma usina nuc1ear, nao para gerar energia, e sim para sugar energia da cidade. - o patr"o chegn rcpentinan~, no escrit6rio e flagra a secre' ria mexendo em seus docum tos. / Temendo cie que a secretâriaresolvesse contar a todos, .-~--~ eie tratou de mata-la empurrando-a pela janela do escrit6rio i --1-------------------- 1 que ficava no andar muito alto 1 de um edifîcio. 1 --_._-- --,----...... ,.....--,--" -._--,-_._----,---,.,--_.".. , ---, ,-- -_ ..... , ____________ - _ •• 0___ - . ". -_.~~_.._-,_ ....,."._~._ ...,._--'"--".- 41 42 Lingüfstica funciona/: teoria e prâtica \ 12) E: Emerson... quaI é... a sua opiniâo acerca da pena de morte? você acha que é um... uma forma correta de... de... punir por um crime? você acha que se a pessoa comete um crime barbaro até hediondo coma a gente... coma a gente vern... tem ouvido falar você acredita que a pena de morte é... é uma soluçâo? 1: eu acho que nao... ha pouco tempo... ha pouca tempo atras houve dois casos que... fez corn que ressuscitasse a polêmica da pena de morte no Brasil... foi 0 assassinato da Dan! da atriz Daniela Perez e de uma menina que foi seqüestrada e depois queimada... as pessoas... pela emoçao... achavam que deveria ser implantado a pena de morte ... mas cada casa é um caso... (corpus D&G/Natai, p. 313). Respondendo à pergunta do entrevistador, 0 informante da sua opiniao sobre a pena de morte. Nesse caso, a seqüência narrativa encontra-se num pIano de fundo em relaçao ao foco principal do texto. Contudo, essa mesma seqüência sobressaicomo figura quando comparada ao trecho em que ele faz 0 esc1arecimento quanta à opiniao das pessoas acerca dos acontecimentos narrados. Atualmente nao se trabalha mais corn a concepçao dicotômica de figura e fundo. AIgumas pesquisas (TOMLIN, 1987; SILVElRA, 1991) mostraram a necessidade de redefinir a categoria pIano discursivo, nao mais em termos binarios, e sim como um continuum, cujos pâlos seriam a superfigura, do lado mais :?aliente oUJelevante, e < '-.. ~- ··--'--"'C"_' .-",-, ~- .....·_.c. _____ superfundo, do lado mais difuso ou vago. Observe-se nesse sentido nm fragmenta do corpus de Silveira (1991), sobre a mae que acorda a filha para a escola: 13) Ai... ela acordou... ela tava dormindo... aî ela levantou... penteou 0 cabelo... aî fol foi la onde tava a filha dela aî €la acordou a filha dela... aî vestiu ela... pôs a mesa para 0 café elas tomaram café... Figura Fundo Ai... ela acordou... ai ela levantou... ela tava dormindo...penteou 0 cabelo... al fol foi la onde tava a filha dela... ..---" ai ela acordou a filha dela... al vestiu ela... pôs a mesa para 0 café... elas tomaram café... ---- 1nformatividade fÎ ~A A }~f J /"? ..,/"" S Na coluna da figura, a clâusula aî ela acordo1faftlh~ dela tem um nîvel mais proeminente do que aî ela acordoû~ Podemos perceber também que as duas clâusulas em fundo têm graus distintos de fundidade, jâ que uma apenas localiza a filha, enquanto a outra dâ T conta de uma caracteristiça a mais, ao identificar 0 estado progressivo de dormir. 43Pressupostos teôricos fundamentais No exemplo 14,0 tema é acarteiro trouxe e 0 rema é uma encomenda; no exemplo 15, 0 tema é 0 sujeito e 0 rema é todo 0 predicado; no t 'xemplo 16 verifica-se 0 contrârio: 0 tema é 0 predicado e 0 rema é 0 ~';II jeito. Na lîngua oral, a ênfase é0 recurso mais usado para delimitar 1) status informacional da clâusula. Aqui a anâlise foi feita mediante t 'xcmplos descontextualizados, mas, num texto real, 0 que se verifica ('t lin freqüência éa informaçâo velha estar contida no sujeito (tema) ,'il nova,nop.redicadoou p~rte.. dopre~~ç~do (ren~a?·i. ). 1/"1'\' . \.. r /\î dll., 0 t\'(YVv1Çf.l ~t\çv'v:~ ((V l") A VOOf!C1 (i'dlAl1ffî) ' [. ,..{I. '-1'" - 1 .. L l',. ('C f C.<l " (1 (/ ! ;"... r.'-. \1 (\ li} ., li -fl C( 1/; '1 ' ~ v Il·t,(""-ï Ir- >!A,·tr(\-~ .: ' /l';" . /' ... '. , \ r '\-. -"~, JO t} ~ \j é~'(/>J v"'-' ':"/\ v ~t-l1/Vvt~1. Cf. ) if"" '. ...' '( r '. r ' .. ' l" r~ f\ "" 1r'l ...., f.\( (, .... r,· ;it \èV\) y l'\''/vv _.'. <'1 l,A informatividade manifesta-se em todos os rnveis da codificaçâc, lingiiistica e diz respeito ao que os interlocutores compartilham, ou supoem que compartilham, na interaçâo. Do ponto de vista cognitivo, uma pessoa comunica-se para informar 0 interlocutor sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do seu prôprio mundo interior, u algum tipo de manipulaçâo que pretende exercer sobre e e interlocutor. .J Tradicionalment parte da clâusula que apresenta a informaçâo velha-é-El-e Inada tema, enquanto a parte que apresenta a .... - <- informaçâo~a é denominada ~e!!!a.Alguns exemplos presentes ( cm l.lari e Geral3i (1985) s.erâo retoma~os.a.qui: .... ) l,/à qu~J;.;u~~~ ~~~~e:,J:ca~:1r~? ·~ ~{ '1 ", '} r 'I Desta vez, 0 carteiro trouxof'uma encomenda.J Gkt7 (à-f"(QA" C Vl/ Ci l) Isla que fez, desta vez})'~~;~? I-Oesta vez, 0 carteiroC~rouxe uma encomenda.J ç...;;c...o f'·'--(ij:1>!/t C L~' [ I~ 1li) rQueri\1trouxe a encomenda? ~ carteiroJtrouxe a encomenda. 44 LingüÎsticafuncional: teoria e pratica o primeiro esforço para formular um rnodelQ~cie._..Qiêcurso em - .que 0 grau de co~~~igH~!}tQ_çQmpélrtilhadodesempenha um papel essencial deve-se a :ertDs:e (1981).0 domînio que tem registrado mais avanço refere-se à coclificaçâoda informaçâo nos referentes nominais. Mesmo aquÎ, as tipologias de status inforrnadonal sâo ainda muito incompletas, e as escalas propostas como refinamento da dicotomia c1assica entre informaçâo velha e informaçâo nova nâo cobrem todos os casos e concentram-se exclusivamente nos nomes. A partir do trabalho de Prince, muitas pesquisas foram realizadas para a descriçâo do status informacional dos nomes em varias lînguas, entre as quais 0 português. Dm dos trabalhos em que 0 tema é tratado com profundidade é a obra de G6rski (1985)/ da quaI é retirada a maioria dos exemplos desta seçâo. A questâo da informatividade é abordada na lingüfstica funcionalista principalmente a partir da cIassificaçao semântica e da codificaçâo de referentes no discurso, demonstrando que a forma f como um referente é apresentado no discurso é determinada por . ,.:{J \ fatores de ordem semântico-pragmâtica. Segundo Lyons (1981)/ le a referência é a relaçâo que se estabelece entre expressôes lingüfsticas '--------\, e 0 que elas representam no mundo ou no universo discursivo. Muitos lingüistas utilizam a noçâo de referência. No entanto, 0 conceito é de diffcil formulaçâo, porque a relaçâo entre referente e ;denominaçâo envolve questôes de diferentes ordens coma quest6es / de ordem psicolôgica e social. Quando, por exemplo, uma criança 1chama gato e cachorro de au-au, ela esta tomando como parâmetro ( para a denominaçâo 0 traço Ilquadrûpede'l; ou, quando a criança . usa um sô nome para se referir a frutas camo maçâ e laranja, ela I;;J ) tem camo parâmetro os traços 11forma" (drculo) e IItamanho". A categorizaçâo dos objetos ou dos eventos nâo depende apenas da percepçâo, mas também da interpretaçâo e do desenvolvimento cognitivo. 0 adulto, devido às suas experiências, utiliza outros traços para dar nomes a diferentes seres. Chafe (1977) postula que, antes da produçâo discursiva, a falante tem em mente apenas uma idéia geral acerca do evento. À medida A partir desses elementos destacados, algumas questoes sao levantadas: 17) foi uma situaçao dificil... né? eu nao sei... eu nao sei onde que engloba isso mas eu fui a Petrôpolis corn uma amiga que nunca tinha subido a serra estava dirigindo ha poueo tempo (...) quando a gente esta voltando eomeça a chovelJ assim... torrencialmente... e fura 0 pneu do carro dela e a gente nunc 'nha trocado pneu... nenhuma das duas... e aquela serra totalmen deserta... né? aî a gente encostou 0 carro assim do lado... 0 carro" oi puxando (...) meu eoraçao assim disparado... a gente desespera ... (...) desatarraxando tudo (...) a gente... demorou umpouqu-i 0 ... né? aî a gente entrou no carro... estava tudo molhado (...) paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e tal... ai a mecânico falou que... (<p) nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((tiso)) (corpus D&GlRio de Janeiro). que produz 0 discurso, esse falante organiza e detalha 0 conteûdo ao mesmo tempo que situa os seres no evento e assinala os papéis que eles desempenham por meio de uma categorizaçao adequada (CHAFE, 1977; GbRSKI, 1985). Chafe enfatiza 0 processo criativo da verbalizaçao, uma vez que a estruturaçao da idéia dâ-se no momento da enunciaçâo. 0 estudo da codificaçao de referentes é importante para entender a estruturaçao discursiva. o trecho da narrativa oral a seguir apresenta alguns recursos morfol6gicos para a codificaçao de referentes. Entre eles, destacam- se os sintagmas nominais:· 45Pressupostos teôricos fundamentais a) 0 que levaria um informante a produzir uma anâfora zero ao invés de um SN pleno ou Ulll pronome em que ~ nao sabia quaI 0 homem que tinha feito aquilo? (0 sîmbolo q> representa urn sintagma elîptico); b) por que 0 informante apresenta um SN longo corn uma clâusula adjetiva em uma amiga que nunca tinha subido aserra? c) por que a expressâo 0 mecânico é apresentada coma uma ~ informaçao definida, se é a primeira vez que aparece no texto? d) por que a segunda mençao da expressao a carro, em ai agente encostou 0 carro assim do lado... 0 carro ja foi puxando é codificada por meio de um SN pleno mesmo quando a sua ûltima mençao estâ muito prôxima.(a informaçao é previsivel)? c) por que hâ tantos recursos gramaticais para codificar referentes? 46 LingüÎstica funcional: teoria e prâtica Essas e outras questôes saD tratadas pelos lingüistas funcionalistas no estudo do tema injarmatividade. . l', Prince (1981, p. 235) classifica os referentes (ou entidades) do 1 (') ~ discurso a partirda noçâo de conhecimento compartilhado, que é assim " descrito: "0 falante assume que 0 ouvinte conhece, admite ou pode . y inferir aIgo particular (sem estar necessariamente pensando nisso)". 1 Organiza as entidades em três grupos: novas, evocadas e infenveis. \ "~ Dm referente é nova quando é introduzido pela primeira vez no discurso (camo no exemplo 18). Quando 0 referente é {"}l inteiramente novo, é chamado novo-em-jolha. Se ja esta na mente do ...- .'! '\ ouvinte, por ser geralmente um referente ûnico (num dado X:-~ contexto), é chamado disponîvel. Sao exemplos de referentes disponiveis termos como a lua, 0 sol, Pelé ou Petrôpolis (como no 'x< exemplo 19). Os referentes novos-em-folha podem vir ancorados a outras entidades, como émostrado no exemplo 20, em que 0 referente um rapaz é novo, mas apresenta uma clausula adjetiva que Ilancora" esse referente a um referente conhecido, que é a pessoa que fala (eu). 18) Comprei um carro semana passada. 19) ...mas eu fui a Petrôpolis. 20) Um rapaz com quem trabalho foi assaltado ontem. Dm referente pode ser evocado ou velho se jâ tiver ocorrido no texto (referente textualmente evocado) ou se estiver disponivel na situaçao de fala (referente situacionalmente evocado), camo os prôprios participantes do discurso: 21) al 0 mecânico falou que... (p) nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((riso)) (corpus D&G/Rio de Janeiro). 22) Você poderia me dizer as horas? Para Chafe (1976), a distinçâo entre novo e evocado (ou velho) é determinada pelo falante e esta relacionada ao conhecimento que ! ele presume que 0 ouvinte tenha. Assim, numa frase coma IIVi seu J,\ ~::~:~~;:0~:~:::~::~~~:i~~~i;f,~;~~:;i~}~~~:t:~~, . (l' L" l ' C' 1 .• ..' " A /"' T\-r'i' " VV"\ 1''( ut "t-u (1/'\) 0\-4./) C /i1 \,'" ~ If-; a. /~() )' I.J~"{ C\ ': [, itq p.' I..J r ~. "~ c;. 1 +\]'\ ~ 1 ~V;1 n!l(>1\j Pt 1., i ~. :Q) Quando eu vinha de Turiaçu pra ca, vinha um caminhâo, entrou numa curva, entao ele acabou de entrar na curva ele pegou um ônibus. :',H) Eu tinha levado comida. 23) 0 ônibus parou e 0 motorista desceu. 24) .•.paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e ta!... ai 0 mecânico falou que... nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((riso») (corpus D&G/Rio de Janeiro). 25) A beirada da mesa esta suja. 26) ...e fura 0 pneu do carro de a... Dm referente denomina-se inferivel quando é identificado por meio de um processo de inferência (exemplos 23 e 24) a partir de outras informaçoes dadas. As entidades inferiveis padern estar contidas em outras que jâ fazem parte do modela de discurso, camo evocadas ou mesmo inferiveis, coma nos exemplos 25 e 26. Os referentes inferiveis geralmente sao codificados corn um artigo definido: 47Pressupostos te6ricos fundamentais o referente codifica a como 0 motorista é inferivel porque foi mencionado 0 refere e 0 ônibus: hâ um consenso de que ônibus têm motoristas. exemplo 24, a informante toma coma consenso que nuJU-' osto hâ mecânico e apresenta 0 referente coma inferîve1. No exemplo 25, hâ também um conhecimento compartilhado de que mesas têm
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