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A imagem corporal na psicose uma analise atraves de tecnicas de desenho CLISTENES

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CLÍSTENES ARAUJO ANTUNES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A IMAGEM CORPORAL NA PSICOSE: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DE 
TÉCNICAS DE DESENHO 
 
 
 
 
 
 
Artigo apresentado ao curso de Pós-
Graduação em Psicopatologia e 
Psicodiagnóstico da Universidade 
Católica de Brasília, como requisito 
parcial para obtenção do Título de 
Especialista em Psicopatologia e 
Psicodiagnóstico. 
 
Orientadora: Profª. MSc. Mirna Dutra e 
Pinto 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2010 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Artigo de autoria de Clístenes Araujo Antunes, intitulado “A IMAGEM 
CORPORAL NA PSICOSE: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DE TÉCNICAS DE 
DESENHO”, apresentado como requisito parcial para obtenção do título de 
Especialista em Psicopatologia e Psicodiagnóstico pela Universidade Católica de 
Brasília, aprovado pela banca examinadora abaixo assinada: 
 
 
 
 
 
 
_________________________________________________________ 
Profª. MSc. Mirna Dutra e Pinto 
Orientadora 
Professora do curso de Especialização em Psicopatologia e Psicodiagnóstico – Pós-
Graduação Latu Sensu – UCB 
 
 
 
 
 
 
 
 
__________________________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2010 
 
 
 
AGRADECIMENTO 
 
 
As oportunidades da vida e aqueles que encontro quando olho para o lado, nos 
meus momentos de refazimento. Como vocês são importantes para mim. 
3 
 
A IMAGEM CORPORAL NA PSICOSE: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DE TÉCNICAS 
DE DESENHO 
 
 
CLÍSTENES ARAUJO ANTUNES 
 
 
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir a importância das técnicas gráficas no 
processo de psicodiagnóstico, a possibilidade de fazer um diagnóstico diferencial por meio 
destas e investigar a sensibilidade da técnica para demonstrar a fragilidade egóica e a 
organização corporal em pacientes psicóticos. A pesquisa foi realizada a partir da análise do 
caso de uma paciente psiquiátrica com hipótese de transtorno psicótico seguido de episódios 
de delírio e alucinação encaminhado à clínica-escola da Universidade Católica de Brasília 
(UCB) para realização de avaliação psicodiagnóstica. Para a discussão desse estudo foram 
utilizados, com ênfase, o HTP e o Desenho da Família, como instrumentos de análise e 
avaliação. A realização do trabalho confirma achados teóricos pesquisados. A projeção em 
técnicas menos estruturadas traz uma riqueza de expressão incontestável. Desta forma, 
verifica-se, através do recorte instrumental de técnicas gráficas projetivas, a fragilidade da 
percepção de si e de seu corpo, que a psicose apresenta como característica estrutural. 
 
Palavras-chave: Psicodiagnóstico. Psicose. Imagem Corporal. Técnicas Gráficas. 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O presente artigo visa discutir a imagem corporal na psicose com base em testes que 
utilizam as técnicas de desenho e de projeção, tendo como parâmetro o embasamento teórico 
psicanalítico. Para realização da avaliação que deu fruto a este artigo foram utilizados testes e 
técnicas projetivas como: HTP (House-Tree-Person) e Desenho da Família. A expressão 
psíquica das técnicas gráficas chamou atenção pela forma e pelo simbolismo, assim, estas 
serão analisadas e discutidas em relação ao diagnóstico de psicose. Frente aos achados elegeu-
se a concepção de imagem corporal na constituição psíquica do sujeito. 
As técnicas projetivas gráficas são, em sua utilidade, amplamente reconhecidas no 
campo do psicodiagnóstico. A quantidade de obras publicadas que destacam o seu valor tanto 
na investigação da personalidade como na prática psicoterapêutica é ampla e diversa. Autores 
como Violet Oaklander (1980), John Stevens (1976) e a psiquiatra Nilse da Silveira, 
reconhecidos por seus trabalhos nessa área, não só corroboram com essa proposição, como 
também revelam que o mero fato de desenhar é, por si só, terapêutico. 
Assim, o ato de desenhar traz em si importante contribuição para o entendimento da 
subjetividade do sujeito, de sua forma de expressão psíquica com o mundo externo. Uma 
característica importante dos desenhos em fornecerem dados menos suscetíveis a várias 
distorções e restrições que afetam a comunicação verbal, o classificam como uma ferramenta 
de linguagem mais independente dos fatores conscientes, promovendo, assim, a projeção da 
personalidade do indivíduo. 
Dessa maneira depreende-se melhor a perspectiva da Teoria das Relações Objetais 
feita por Grassano (1996, apud Siqueira, 2003, p.72), ao descrever que por meio das condutas 
verbais, gráficas ou lúdicas do paciente observa-se sua capacidade de dar forma, de 
organização e de sentido emocional ao aspecto da realidade que o estímulo projetivo 
representa. Dessa forma, cada produção projetiva é uma criação que expressa o modo pessoal 
de estabelecer contato com as realidades interna e externa. 
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Siqueira esclarece ainda: 
As pranchas ou instruções, diz a autora, atuam dentro da situação projetiva como 
objetos mediadores das relações vinculares pessoais, que mobilizam e reeditam 
diversos aspectos da vida emocional. Dessa forma, toda produção projetiva é 
produto de uma síntese pessoal. A autora esclarece que os testes gráficos são os que 
detectam, com maior precisão, as características estruturais e de integração da 
personalidade. A possibilidade de controle intelectual e de disfarce, consciente ou 
inconsciente, diminui de forma marcante em relação aos testes verbais. (2003, p. 72) 
No HTP, especificamente, o desenho da pessoa nos remete às associações de cunho 
mais consciente que os outros desenhos do instrumento, incluindo a expressão direta da 
imagem corporal. A qualidade expressa no desenho reflete a capacidade de o sujeito atuar em 
relacionamentos e submeter o seu “self” e suas relações interpessoais à avaliação crítica 
objetiva. Em alguns casos, indivíduos paranóicos e psicóticos podem se recusar a fazê-los 
devido aos sentimentos intensos despertados em sua execução. Interpretações adicionais para 
o desenho da pessoa podem se referir ao conceito do indivíduo de seu papel e atitude sexuais 
em relação a um relacionamento interpessoal específico ou a relacionamentos interpessoais 
em geral. (Buck, 2003) 
No teste do Desenho da Família temos como contribuição a percepção que o sujeito 
tem de seu ambiente, da sua relação familiar e daqueles que convivem com ele. Autores como 
Klepsh e Logie (1984, apud Cunha, 2009) sugerem, portanto, a utilização do Desenho da 
Família como técnica projetiva, pois podem ser explorados aspectos psicodinâmicos, 
principalmente no intuito de revelar precocemente seus conflitos e a percepção do ambiente 
familiar, bem como seus sentimentos e atitudes referentes aos diferentes membros do núcleo 
em que vive. 
Hummer (1991, apud Cunha, 2009) contribui com o esclarecimento da percepção 
corporal do sujeito ao analisar em seus casos os aspectos formais e estruturais de cada figura, 
em especial da que representa o próprio sujeito, integrando dados relativos ao grupo familiar 
com hipóteses interpretativas do desenho da figura humana. Nota-se, portanto, que a formação 
da percepção do “eu” e, também da noção de corpo psíquico do sujeito passa pela influência 
familiar, não somente da relação com seus membros, mas também pela forma como os outros 
o vêem e declaram como e quem ele é. 
A psicose apresenta uma fragilidade na constituição do ego que reflete a 
desorganização psíquica, a qual pode ser analisada pela organização da imagem corporal. Tal 
aspecto é discutido por Freud (1914) em uma de suas afirmações conhecidas em relação ao 
“eu”, em que postula que o eu é antes de tudo um eu corporal. Dessa forma, sua constituição 
passa pela via do corpo, seus limites e delineamento entre o que é dentro/fora o eu/outro. 
Diante disso Goidanich (2003) alerta que para o melhor entendimento da psicose, como uma 
estrutura diferenciada, devemosobservar a maneira como os psicóticos constituem seu corpo 
e se relacionam com ele, o que pode ser um exemplo das grandes variações encontradas 
dentro de um mesmo quadro estrutural amplo, ou seja, não falamos de uma estrutura 
rigidamente determinada, falamos de psicoses. 
Assim, a psicose pode ser pesquisada no desenho da família, através da maneira como 
são representados os membros constituintes da família do analisando, pois fornecem dados 
importantes para a composição da análise perceptiva de como o sujeito se vê e como vê o 
outro. Já no HTP é o desenho da Pessoa (Person) que, também, nos fornece uma rica análise 
da constituição da imagem corporal nas psicoses, visualizada no teste por meio do mecanismo 
projetivo. 
Em Laplanche encontramos como foi introduzido o termo psicose: 
O termo “psicose” foi introduzido em 1845 por Feuchterseleben no seu Manual de 
psicologia médica (Lerhbuch der ärztlichen Seelenckun-de). Para ele o termo 
designa a doença mental (Seelenkrankheit), ao passo que neurose designa as 
afecções do sistema nervoso, das quais só algumas podem ser traduzidas em 
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sintomas de uma “psicose”. Qualquer psicose é ao mesmo tempo uma neurose 
porque, sem intervenção da vida nervosa, nenhuma modificação do psíquico se 
manifesta; mas nem toda neurose é também uma psicose.(Hunter e Malcapine apud 
Laplance,2001, p. 393) 
No entanto, é Freud que através de seus trabalhos sobre a oposição neurose-psicose 
contribui de forma veemente para a definição coerente e estrutural da psicose. Em seus 
primeiros escritos, o autor procura nos mostrar o conflito defensivo em ação contra a 
sexualidade, especificando os mecanismos originais que operam na relação do sujeito com o 
exterior: a rejeição e a projeção. 
No Caso Schereber, Freud (1911) retoma a questão da psicose através da relação entre 
os investimentos libidinais e os investimentos das pulsões do ego no objeto, o que trazia a 
verificação e o cuidado para que a idéia da perda da realidade não fosse encarada de forma 
generalizada nas psicoses. Ainda em Freud (1911), portanto, o estado psicótico é uma doença 
da defesa, ou seja, é uma expressão desesperada do eu para se preservar de uma representação 
inassimilável, rejeitada, que ameaça sua integridade. 
Nasio (2001) esclarece ainda que as manifestações psicóticas, o delírio ou a 
alucinação, são conseqüências que derivam do conflito travado pelo “eu” para se defender de 
uma dor insuportável causada por uma idéia intolerável, a qual deve ser rejeitada e expulsa a 
todo custo para sua proteção. 
Esse jogo do desejo, inerente ao psiquismo humano, que relaciona o mundo simbólico 
com a linguagem, acaba por ter, na psicose, uma rejeição do simbólico, que terá seu 
surgimento no real. 
Lacan denominou esse movimento de foraclusão, dando sua contribuição ao 
entendimento da psicose, pois em sua teoria do significante a regulação do sujeito com seu 
desejo se dá através da formalização do processo da substituição significante, ou seja, a elisão 
do desejo da mãe, colocando em seu lugar a função do pai. (Ramirez, 2003, p.108) 
 
 
1.1 TÉCNICAS GRÁFICAS: IMAGEM CORPORAL NA PSICOSE 
 
As técnicas projetivas veiculam estímulos invariavelmente pouco estruturados, 
exigindo do examinado, como conseqüência, um intenso grau de criação e elaboração pessoal, 
podendo expressar sua maneira natural e inconsciente de perceber a si, sua formação e seu 
mundo (Anzieu, 1978; Güntert,2000). 
É importante, no entanto, ater-se às especificidades da produção de cada indivíduo 
com o objetivo de captar o padrão que lhe é peculiar. Sua produção deve ser avaliada 
qualitativamente, considerando o máximo de informações possível, especialmente de sua 
história clínica. 
Observa-se, então, que a utilização de técnicas projetivas é de cunho investigativo da 
personalidade e da estrutura do sujeito que se submete a ela, não sendo adequado descrevê-las 
como um teste que tem por objetivo medir algo. 
Dessa maneira, seja qual for a técnica aplicada no processo de psicodiagnóstico, é 
fundamental ter em mente que ela não passa de uma ferramenta, como é apontado por Mayer 
e colaboradores: 
Os testes não pensam por si nem se comunicam diretamente com os pacientes. 
Como um estetoscópio, um aparelho para medir pressão ou tomografia, o teste 
psicológico é um instrumento obtuso e seu valor não pode ser dissociado da 
sofisticação do clínico que levanta inferências a partir dele (Mayer ET AL, 2001, 
p.153). 
Desse modo, pensar na ligação existente entre a representação da imagem corporal 
através das técnicas projetivas gráficas nos remete à constituição da estrutura da 
personalidade de cada sujeito. O inconsciente acaba por se fazer presente através da projeção 
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eliciada nos desenhos. O corpo, portanto, lugar e palco em que se encenam as relações entre o 
psíquico e o somático nos revela, através dos desenhos projetivos realizados pelos 
examinandos, a percepção que eles têm de si em sua forma mais direta e profunda. 
Nas psicoses, segundo Queiroz (2008), o corpo é invadido pelo gozo, não 
experimentando a passagem da indiferenciação para a diferenciação, não distinguindo o 
externo do interno, o “eu” do “outro”. A autora nos remete ainda que na estrutura psicótica o 
próprio corpo do indivíduo ou o corpo do “outro” se torna o espaço a destruir ou aquele que 
se funde. Nessa estrutura, o processo secundário não trará atribuição de sentido às coisas, mas 
tornará dizível um mundo que apenas reflete um corpo que se auto-rejeita. 
Dessa forma, percebemos que a psique do psicótico paga um alto preço por trabalhar 
numa figuração que se serve das imagens da corporais traduzindo uma posição de mutilado e 
uma sensação de agressão que parte do corpo materno. 
Mesmo assim, um fato é comum na estrutura psicótica: há um grande estranhamento 
do psicótico em relação ao corpo dele. Goidanich (2003) relata que: “os sujeitos psicóticos 
parecem estar muitas vezes alheios de seu próprio corpo. Relacionam-se com ele como se 
fosse um outro, um objeto estranho. Tomam o corpo quase como uma carcaça da qual 
pudessem prescindir”. 
No entanto, nos momentos de crises, Goidinich (2003) afirma que quando acometidos 
pelo ápice dos surtos, muitas vezes a problemática passa a ser radicalmente distinta. Nesses 
períodos os sujeitos psicóticos ficam totalmente tomados pelas afecções que sentem atingir 
seu corpo, que podemos explanar por meio das alucinações e delírios. Outro autor como 
Metzger (2006) nos aponta em seu estudo uma dessas verificações. Ao apresentar em seu 
artigo o acompanhamento terapêutico de uma adolescente psicótica que apresentava um 
comportamento auto-agressivo: batia em si mesma. 
A autora nos remete, ainda, a uma das principais questões referentes ao “eu” na 
psicose, sua fragmentação, característica que será explorada futuramente na análise dos testes 
aplicados na paciente aqui estudada. 
Vale ressaltar que o corpo evidenciado pela análise psicanalítica trata-se do corpo 
pulsional, e que o corpo biológico, ainda que seja do interesse das ciências biológicas, é visto 
por Freud como a origem das pulsões, sendo que, seu interesse não está na origem das pulsões 
e sim em seu destino. Sua constituição, portanto, se dá através dos caminhos percorridos pelas 
pulsões, pela libido e pela relação com o outro, o outro cuidador. 
A estrutura psicótica, portanto, segundo Vaisberg e Machado (2000) é o resultado do 
enfrentamento de frustrações muito precoces, em uma fase de vida em que não foram 
satisfatoriamente alcançadas e consolidadas a integração da personalidade, a diferenciação 
eu/não-eu e estabelecidas relações objetais (Winnicott, 1945/1878ª apud Vaisberg e Machado, 
2000, p.4). 
Vaisberg e Machado (2000) concluem por meio de citação de Winnicott: "... a 
importância do meio ambiente é tão vital neste estágio inicial, que se chegaà inesperada 
conclusão de que a esquizofrenia é uma espécie de doença de deficiência ambiental" (1948, p. 
294). 
Vemos, portanto, que a família do sujeito é o primordial componente ambiental que 
corrobora com sua formação e desenvolvimento estrutural, influenciando em sua auto-
percepção como na percepção do mundo que o rodeia. 
 
2. HISTÓRIA CLÍNICA 
 
A paciente do presente estudo, chamada aqui de J. é a terceira filha de uma prole de 
doze, sendo que um de seus irmãos morreu no parto e o outro, aos 2 anos, por complicações 
de saúde agravadas pela negligência de seus pais. É natural do interior de GO, tem 43 anos, 
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uma filha de 5 anos e é solteira. O nascimento da paciente e seu desenvolvimento motor 
foram normais, não apresentando nenhuma patologia neurológica durante a fase de 
desenvolvimento. Durante a adolescência, disse-me ter tido uma convivência satisfatória com 
os seus colegas, no entanto, aos 15 anos, apresenta os primeiros relatos de ecolalia (conversas 
consigo mesma). 
Na vida acadêmica, J. concluiu o ensino médio com especialização no Magistério. 
Àquela época pretendia exercer a profissão de professora, porém, não foi o que aconteceu. 
Acabou atuando como cabeleireira, durante algum tempo, em salão de beleza próprio, no 
município de GO, em que residia. 
Aos 22 anos morou, pelo período de 1 ano, com seu companheiro na casa de seus pais. 
Durante o tempo em que viveram juntos foi obrigada a praticar dois abortos, provocando 
brigas familiares, pois alegavam que ela fazia tudo o que era imposto pelo companheiro, 
mesmo trazendo prejuízos à própria vida. Após a prática dos abortos o relacionamento chegou 
ao fim: “antes disso eu me sentia uma pessoa completa” (sic). Aos 38 anos firmou contrato de 
união estável com um homem mais velho do que ela 21 anos. O relacionamento iniciou-se por 
interesses políticos e financeiros da família dela, sem que houvesse interesse sentimental por 
parte da paciente. Quando a família percebeu que não receberia o status político e o dinheiro 
prometido pelo companheiro de J., foi providenciada, por seus pais, a retirada dela da casa 
onde morava com seu companheiro. Do relacionamento resultou o nascimento da única filha. 
A menor mora com os avós maternos e por esse motivo o convívio das duas é restrito, diante 
disso, a paciente relata episódios de rejeição em que a filha a dispensa, por exemplo, virando 
as costas para ela quando tenta se aproximar. Atualmente, J. diz gostar de uma pessoa de sua 
cidade, que conheceu quando tinha 15 anos de idade: “se ele arrumar outra pessoa eu perco a 
esperança”. 
Há dois anos em Brasília, mora na casa de um dos irmãos para realizar o tratamento 
pelo CAPS. A busca por esse acompanhamento se deu devido ao aumento da ecolalia e alguns 
eventos de delírio e alucinação, que a atrapalham em seu trabalho e no convívio com as outras 
pessoas, sintomas que se iniciaram há 10 anos. Na atual moradia, quem cuida de J. é a 
cunhada dela, acompanhando-a em todas as sessões e relatando ser, a paciente, explorada e 
desrespeitada pela família. Contudo, J. diz que gosta de morar na casa do irmão e da cunhada, 
mas sente muita falta dos pais e da casa dela em GO. 
Em relação à sua condição de saúde, relata ter ”uma depressão em cima da outra e uma 
agressividade pelo pensamento, ser aquela pessoa nervosa, esse aí que é meu problema” (sic), 
relatou também, “que sente rancor, uma raiva grande, esquisita e que por causa das críticas da 
família em relação aos seus comportamentos” (sic), inclusive a ecolalia, “a família não gosta 
de mim muito conversadeira” (sic). Dessa forma vê-se obrigada a se controlar e reprimir seus 
sentimentos. J. não apresenta ideação suicida e não percebe ganhos com seus sintomas e sim o 
contrário: “perco muitas coisas, alguma coisa na memória, tenho certeza que é a memória” 
(sic). 
É a primeira vez que J. é submetida ao processo de Psicodiagnóstico. É acompanhada 
pelo CAPs de Taguatinga/Brasília, faz uso dos medicamentos Haldol, Fenergan, Propanol e 
Hidroclorotiazida, dos quais os dois últimos são para hipertensão. 
Em relação ao Psicodiagnóstico, J. apresenta expectativas de cura para os seus 
sintomas, podendo retornar à sua casa no município de Posse e ao convívio de seus pais. É 
importante ressaltar, que no momento da entrevista inicial, J. trabalhava como empregada na 
casa de uma amiga de sua cunhada e durante o desenvolvimento do processo, por iniciativa 
própria, ela procurou e conseguiu outro emprego, de cabeleireira em um salão, onde se sente 
bem, no entanto, disse-me que precisa se adaptar às outras pessoas. Durante as sessões foi 
possível observar características infantilizadas em seu modo de se vestir e de falar. 
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Outro ponto de importante observação é o conhecimento de sua família de que J. está 
se submetendo voluntariamente ao processo de Psicodiagnóstico na Universidade Católica de 
Brasília (UCB) e ao tratamento no CAPS de Taguatinga, porém, não aceitam contato com o 
Psicólogo que a acompanha na Universidade, nem com o CAPS; também não acreditam em 
tratamentos psicológicos e em outros referentes à saúde mental, tendo, portanto, o 
acompanhamento familiar de sua cunhada. 
 
3 METODOLOGIA 
 
O presente estudo baseou-se nos pressupostos metodológicos do modelo clínico-
qualitativo, através de um estudo de caso com base na compreensão psicanalítica. Define-se o 
estudo de caso como um ensaio detalhado de única situação, com objetivo de determinar 
dados singulares sobre o sujeito analisado, em busca da compreensão de situações similares, 
sendo utilizado tanto na pesquisa qualitativa quanto na quantitativa. (THOMAS; NELSON, 
2002). 
Assim, ao optar-se pela metodologia de estudo de caso obteve-se a oportunidade de 
estudo aprofundado para um aspecto específico de um problema, em um período de tempo 
limitado. Além de ser apropriado para investigação de fenômenos quando há uma grande 
variedade de fatores e relacionamentos que podem ser diretamente observados e não existem 
leis básicas para determinar quais são importantes (Ventura, 2007). 
 
3.1 PARTICIPANTES 
 
 O estudo foi realizado a partir da análise do caso de uma paciente psiquiátrica, com 
idade de 43 anos, separada, mãe de uma filha de 5 anos, natural do interior de GO, com 
hipótese de transtorno psicótico com episódios de delírio e alucinação. A paciente foi 
encaminhada à clínica-escola da Universidade Católica de Brasília (UCB) para realização de 
avaliação psicodiagnóstica a partir da solicitação da psicóloga responsável por seu 
acompanhamento na instituição psiquiátrica em que se encontrava para tratamento. 
 
3.2 INSTRUMENTOS 
 
 Foram utilizados como instrumentos da avaliação psicológica: Entrevista Clínica, 
Genograma, Raven Matrizes Progressivas – Escala Geral, Mini Exame do Estado 
Mental,HTP, Desenho da Família e Rorschach. Sendo assim, vale salientar que os principais 
instrumentos avaliativos para a construção do presente estudo, foram os testes projetivos HTP 
e Desenho da Família. Em seguida, os dados foram compilados e analisados, visando 
identificar o funcionamento dinâmico da personalidade do sujeito sob o referencial teórico 
psicanalítico. 
 
4. DISCUSSÃO 
 
A seguir serão discutidos a análise, os indicadores e a contribuição do desenho da 
figura humana em relação aos indícios de estrutura psíquica, a partir de um estudo de caso 
realizado com uma paciente, que chega à clínica-escola da Universidade Católica de Brasília 
(UCB) visivelmente acanhada e introvertida, na companhia de sua cunhada. Sua situação de 
introversão e acanhamento transforma-se ao longo da avaliação, pois com a formação do 
vínculo, a paciente expressa acreditar que o processo de psicodiagnóstico tratava-se de 
"provas como as da escola" e que ao finalizá-los considerava para si, haver passado em todas 
com excelente nota. É, portanto, imprescindívela observação da riqueza oferecida pelo 
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mecanismo projetivo investido na forma e no resultado da execução dos desenhos aqui 
analisados. 
 
4.1 HTP 
 
 
 
 
 
A análise dos indicadores deste instrumento psicológico demonstrou características de 
rigidez em relação ao meio em que vive, a percepção de si e às relações interpessoais íntimas. 
No desenho da pessoa, há indicações de hostilidade encoberta (olhos fechados), assim como a 
presença de um afeto inadequado, ou uma simpatia forçada (sorriso aberto). 
O perfeccionismo foi observado durante a execução do desenho, através da 
preocupação excessiva com detalhes, como o chão dos desenhos e a força do traçado. A 
necessidade de segurança e a ansiedade se mostraram fortemente presentes no cuidado e 
extrema preocupação durante todos os desenhos da paciente. Isso coaduna com um esforço 
para manter o controle do ego. 
O desenho do tronco desproporcionalmente pequeno sugere uma negação de impulsos 
do corpo, os braços longos implicam esforço para ambição exagerada, assim como as pernas 
desenhadas de forma exageradamente longa conotam um forte esforço para autonomia. Olhos 
pequenos e cerrados conotam um desejo de ver o mínimo possível. A omissão da linha do 
queixo no desenho da pessoa implica um preocupante fluxo livre dos impulsos básicos do 
corpo com uma provável falta de controle adequado. A omissão dos pés implica fortes 
sentimentos de constrição 
Seu pensamento se mostra ligado a hostilidade encoberta e regressivo, o que foi 
possível perceber através do desenho da pessoa como figura palito e por meio de como a 
paciente se apresentava nas sessões com vestes, por vezes, caracteristicamente infantis. 
Figura 1 – HTP – Desenho da Pessoa 
 
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Algumas características sugerem possível psicose, como o detalhe do sol com olhos 
vazados, o desenho de um pescoço muito fino e olhos sem pupila (contato pobre com a 
realidade). 
No que tange à proporção do desenho é possível observar que este se localiza no 
quadrante superior esquerdo da folha sinalizando e confirmando o aspecto regressivo da 
personalidade, um possível indicador de psicose. 
 
4.2 DESENHO DA FAMÍLIA 
 
 
 
 
 
Figura 2 – Desenho da família – frente da folha 
 
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Figura 3 – Desenho da família – verso da folha 
 
O teste é iniciado com o desenho de seu pai denotando sua importância para a 
paciente, no entanto, tanto seu pai como sua mãe, a segunda pessoa a ser representada, são 
feitos de forma incompleta (sem o braço esquerdo e sem roupas), isso suscita que uma visão 
inadequada de seus pais, implicando na utilização do mecanismo de defesa da negação em 
relação a eles. 
Configura seu grupo familiar como desunido e com seus membros afastados, pois os 
posicionam distantes uns dos outros. Demonstra dúvida se pertence ou não à família e 
sentimento de desvalia em relação aos outros membros, pois ao final do desenho pergunta ao 
psicólogo se precisa se desenhar, e ao ser informada que ela é quem deve decidir, decide 
realizar seu próprio desenho como o último. 
Seu traçado se manteve lento e forte, durante todo o teste, preocupando-se 
demasiadamente com detalhes, como a quantidade dos dedos dos pés e a volta do cotovelo. 
Tal característica simboliza rigidez e uma compulsiva necessidade de controle de seus 
impulsos. 
A presença de rasuras no desenho de dois de seus familiares, um dos irmãos e uma das 
irmãs, denotam sentimentos específicos e mais fortes em relação a eles.Todos os membros 
foram desenhados nus, com os joelhos ressaltados, características de regressão e imaturidade. 
Durante todo o teste, a paciente apresentou dificuldade em lidar com as margens da folha. 
Também se representou maior que todos os outros membros levando a perceber uma postura 
de dificuldade em lidar com os limites, limites esses também corporais, em que se mostram 
complexos na diferenciação do eu e o outro. 
Observou-se que a paciente expressa sentimentos de cerceamento, pois se desenhou 
em último lugar. Há também a presença da nudez, da desproporção e da falta de noção 
espacial que apontam para dificuldade em lidar com o tempo e o espaço, aspectos clínicos que 
auxiliam o diagnóstico de psicose. 
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Os indicadores encontrados no teste do Desenho da Família, discutidos a seguir, a luz 
do HTP, corroboram com a dificuldade da organização da imagem de si nas psicoses. 
Percebemos nas figuras 2 e 3 o desenho de braços característicos em casos esquizofrênicos, 
ou seja, braços parecidos com asas em que os dedos se parecem com penas curtas e largas, 
podemos, também, notar outras características patológicas como a dificuldade em fechar a 
base da pélvis, olhos fechados conotando uma hostilidade encoberta e bocas côncavas 
demonstrando passividade e dependência, as mãos desenhadas com menos de cinco dedos 
confirmando o sentimento de inadequação. 
Dessa forma nota-se a ligação da constituição corporal da paciente com sua relação 
com o outro, verificada nesse trabalho por meio da maneira em que representa a si em seu 
ambiente familiar. A autora Queiroz colabora com essa importante visão através de seu texto: 
A constituição do corpo humano se origina por marcas que permeiam uma história 
onde a interacção com o outro acontece continuamente. “... o ego em última análise 
deriva das sensações corporais, principalmente das que se originam, da superfície do 
corpo. Ele pode ser assim encarado como uma projecção mental da superfície do 
corpo, além de... representar as superfícies do aparelho mental.”1 (2008, p.55) 
 
5. CONCLUSÃO 
 
A realização do presente trabalho confirma achados teóricos pesquisados. A projeção 
em técnicas menos estruturadas traz uma riqueza de expressão incontestável. Desta forma, 
verifica-se através do recorte instrumental de técnicas gráficas projetivas, a fragilidade da 
percepção de si e de seu corpo, que a psicose apresenta como característica estrutural. 
Foi possível perceber que os desenhos por terem grande poder simbólico, saturados de 
experiências emocionais e ideacionais ligados ao desenvolvimento da personalidade refletem 
como o sujeito vê a si, percebe seu corpo, seus limites, sua forma e o outro. 
Através das relações familiares, nota-se que suas representações e percepções são 
fatores importantes e constituintes na formação da estrutura psíquica do sujeito, assim como 
se apresentam como fator de grande influencia na percepção de si, de seu corpo e mais uma 
vez, do outro. 
Kolk (1984) nos ajuda a perceber o quanto a imagem corporal investigada através dos 
desenhos podem servir para a identificação da estrutura psíquica do sujeito, bem como a 
melhor e eficaz compreensão e avaliação do sujeito, pois relata que diante da solicitação de 
desenhar uma pessoa, nos vemos impelidos a projetar nosso conceito de imagem corporal, de 
forma multideterminada, podendo representar aspectos mais amplos do autoconceito, uma 
imagem idealizada, uma expressão do conceito de outros no ambiente. Também, é importante 
levar em conta que essa imagem é como a pessoa tem experienciado a percepção de si, de seu 
corpo, tanto de forma consciente como inconsciente. 
A imagem corporal, portanto, ultrapassa os limites do corpo físico. As representações 
que temos e formamos de nós mesmos, através de nosso estado psíquico, dos sofrimentos 
enfrentados, sejam eles físicos, como as doenças biológicas, ou psicológicos, como as 
doenças da psique, proporcionam uma expansão ou diminuição de nossa percepção corporal, 
no entanto, sem que as características estruturais sejam dispersas durante os processos 
projetivos. 
Dessa forma nota-se que a discussão das relações entre a imagem corporal, o núcleo 
familiar e as estruturas psíquicas ao serem investigadas através das técnicas gráficas 
projetivas é diversa e proporciona importante colaboração e elucidação àclínica psicológica e 
ao enriquecimento do processo de psicodiagnóstico. O tema, então, se mostra amplo e, ainda, 
carente de pesquisas. 
 
1 1 FREUD, S (1987) «O Ego e o Id» in Obras Psicológicas Completas. Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago,p. 40 
13 
 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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