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Heinz Kohut - Análise do Self-Imago (1971)

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I 
I MAGO 
' j !) I•' 
t' 
CIP-13rasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 
Kohut, Heinz, 1913-1981 
K85a Análise do self: uma abordagem sistemática do tratamento 
88-0554 
psicanalftico dos distúrbios narcísicos da personalidade I 
Heinz Kohut; tradução de Maria Tereza Búrigo Marcondes 
Godoy.- Rio de Janeiro: lmago Ed., 1988. 
Tradução de: The analysis of lhe sei f. 
ISBN 85-312-0012-1 
1. Self (Psicologia). 2. Narcisismo. 3. Psicanálise. 
I. Tftulo. 
CDD - 155.2 
- 616.8582 
616.8917 
CDU - 159.964.2 
616.89 
HEINZ 
(Sélie Analytica) 
Revisão Técnica 
PAULO ROBERTO SAUBERMAN 
Direção de 
JAYME SALOMAO 
IMAGO EDITORA LTDA. 
- Rio de Janeiro -
Título odginal 
THE ANA LYSfS OF THE SELF 
Copydght © 1971, by lnternational Universities Press Inc. 
by anangement with Mark Paterson 
Produção editorial: Celso Fernandes 
Tradução: Maria T. B. M. Godoy 
Copidesque: Ricardo Cruz 
Revisão: Pedrina Ferreira, 
Angela G. Castello Branco e 
Maira Parulla 
Capa: Perez Zambelli 
Direitos adquiridos por !MAGO EDITORA L TOA. 
Rua Santos Rodrigues, 201-A- Estácio 
CEP 20250- Rio de Janeiro- RJ 
Tels.: 293-1092- 293-1098 
Todos os direitos de reprodução, divulgação e tradução são reservados. 
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, 
microfilme ou outro processo fotomccânico. 
Impresso no Brasil 
Printed in Brazil 
Para E . e G. 
SUMÁRIO 
Agradecimentos 11 
Prefácio 13 
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 17 
Parte I 
A ativação te•·apêutica do objeto onipotente 
2. A TRANSFERÊNCIA IDEALIZADORA 45 
3. UMA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA DA TRANSFERÊNCIA 
IDEALIZADORA 60 
4. ASPECTOS CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS DA 
TRANSFERÊNCIA IDEALIZADORA 73 
A transferência idealizadora diferenciada de formas maduras 
de idealização 73 
Variedades de transferência idealizadora 76 
O processo de elaboração e outros problemas clínicos na 
transferência idcalizadora 82 
P arte 11 
A ativação terapêutica do sclf grandioso 
S. TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS ESPECULARES: UMA 
CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM CONSIDERAÇÕES 
EYOLUTIV AS 97 
A fusão por meio da extensão do self grandioso 104 
A transferência alter-ego ou gemelaridade 104 
A transferência especular no sentido mais resllito 105 
Exemplos clínicos 113 
- 7 -
6. TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS ESPECULI-\RES: UMA 
CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM CONSIDERAÇÕES 
GENÉTICO-DINÂMICAS 119 
A transferência especular primária 119 
A mobilização reativa do self grandioso 120 
A transferência especular secundária 122 
7. O PROCESSO TERAPÊUTICO NAS TRANSFERÊNCIAS 
ESPECULARES 126 
Acting out nas transferências narcfs icas: o problema elo 
ativismo terapêutico 135 
Os objetivos elo processo de e laboração referentes ao self 
grandioso ativado 145 
As funções do analista na análise da transferência especular 150 
A importância da transferência especular como instrumento 
elo processo ele elaboração 162 
Observações gerais sobre os mecan ismos que provocam o 
progresso terapêutico na psicanálise 167 
Parte III 
Pr·oblcmas clínicos e técnicos nas tJ·ansferências narcísicas 
8. OBSERVAÇÕES GERA IS SOBRE AS TRANSFERÊNCIAS 
NARCÍSICAS 173 
Considerações teóricas 173 
Considerações clfnicas 186 
Estados traumáticos 193 
9. ILUSTRA ÇÃO CLÍNICA DAS TRANSFERÊNCIAS 
l..JARCÍSJCAS 201 
10. ALGUMAS REAÇÕES DO ANALISTA À 
TRANSFERÊNCIA JDEALIZADORA 217 
11. ALGUIV!AS REAÇÕES DO ANALISTA ÀS 
TRANSFERÊNCIAS ESPECULA RES 225 
-8-
12. ALGU MAS TRANSFORM AÇÕES T ERAPÊUTICAS NA 
ANÁLISE DE PERSONALIDADES NARCÍS ICAS 245 
A umenlo e expansão do amor objetai 245 
Desenvolvimentos progressivos e integradores den tro da 
área narcfsica 
Empatia 
Criatividade 
Humor e sabedoria 
Bibliografia 
Relação de Casos 
Índice 
-9-
246 
248 
254 
266 
270 
283 
284 
AGRADECIMENTOS 
O psicanalista que apresenta o que espera serem válidos insights da psi-
cologia profunda deve, em primeiro lugar, render sua gratidão a seus pa-
cie ntes, de cuja cooperação e crescente autocompreensão ele se benet'i-
ciou . Em segundo lugar, eleve agradecer a seus alunos, cujas discussões e 
perguntas constituem um inestimável incentivo para o professor que co-
meça a dividir suas novas idéias c descobertas com a próxima geração de 
colegas . Por difere ntes razões, embora óbvias, conforme o caso, os agra-
decime ntos dirigidos a esses dois grupos de ajudantes devem ser gerais, e 
os destinatários dessa gratidão devem permanecer anônimos. 
Há outras pessoas a quem posso expressar diretamente minha grati-
dão. Devo um agradecimento especial a Anna Freud, que leu a primeira 
versão deste estudo . Suas pergu ntas es timularam-me em muitas direções 
importantes. Sou especialmente grato à Dr~ Marianne Kris pelo incessante 
apoio que me deu para prosseguir minhas investigações. Sou também 
grato a um grupo de colegas que me deram suas opiniões às versões pos-
teriores do manuscrito: Drs. Michael F . Basch, Ruth S. Eissler, John E. 
Gedo, Arnold Goldberg, George H . Klumpner, Paul H. Ornstein, Paul H. 
Tolpin e Jan ice Norton. O Dr. Charles Kligerman, além disso, ajudou-me 
de fom1a decisiva na elaboração do título deste livro. 
Agradeço a ajuda de colegas que se consultaram comigo e de candi-
datos a quem supervisei. O material dos casos que se me tornou ass im 
disponível petmitiu-me ampliar as bases empíricas de minha apresentação. 
Nesse aspecto, devo agradecimentos aos Drs. David Marcus, Janice Nor-
ton, Anna Ornstein e Paul H . Ornste in. 
Quero agradecer aos diretores elo J ournal of the American PJ)'Choa-
nalytic Associati.on, elo lntemational Joumal of Psycho-Analysis e de The 
PJychoanalytic Study of the Child pela permissão de usar material que 
apareceu pela primeira vez em suas publicações. 
A ajuda financeira para a preparação do manuscrito final, cuidado-
samente datilografado por Regina Lieb e Lillian Bigler, veio de: (a) Fun-
do Charlotte Rosenbaum, por intermédio da Clínica Estudanti l de Saúde 
Mental e do Departamento de Ps iquiatria da Uni versidade de Chicago; e 
(b) Fundo de Pesquisas do Instituto de Psicanálise de Chicago. 
Finalmente , desejo agradecer a Lottic M. Newman pela ajuda com a 
preparação do manuscrito para publicação. Seus sensíveis conselhos refe-
- 11-
rentes a melhorias de forma e conteudo foram .sempre voltados para achar 
a melhor maneira de comunicar minhas idéias do modo mais claro possf-
vel. Nossa cooperação foi uma experiência muito gratificante para mim. 
-12 -
PREFÁCIO 
O tema do narcisismo, isto é, da catexia do self (Hartmann) é bastante 
vasto e importante, uma vez que se pode com razão dizer que se refere à 
metade do conteúdo da mente humana - a outra metade constituindo, na-
turalmente, os objetos. Fazer uma apresentação abrangente dos problemas 
do narcisismo seria, portanto, um empreendimento de imensas proporções 
que bem poderia ultrapassar o conhecimento e a capacidade de qualquer 
colaborador isolado . 
Entretanto, mais importante ainda do que a magnitude da tarefa é o 
fato de que uma apresentação abrangente pressupõe um campo que está 
mais ou menos estabelecielo, ou cuja investigação parece, pelo menos, ter 
a ting ido um nível es tável. Em ou tras palavras, uma abordagem em forma 
de livro é particularmente adequada para aque le ponto no tempo em que 
se fez urna série de importantes avanços num campo específico e estes 
agora exigem uma avaliação e uma integração mais imparcial, na forma de 
um levantamento que tente reunir os conhecimentos recém-adquiridos e 
apresentá-los numa forma equilibrada. Essas não são as condições que 
prevalecem no momento a respeito do tema do narcisismo. 
Um avanço apare ntemente simples, mas pioneiro e decisivo, na me-
tapsicologia psicanalftica, a sepru·ação conceitual entre self e ego (Hru·t-
mann); o interesse na aquisição e na manutenção ele uma " ide ntidade", 
bem como nos pe1igos aos quais es te conteúdo mental (pré)consciente é 
exposto (Erikson); a gradual cristalização de uma existência psicobiológi-
ca separada, fora damatriz da uni ão de mãe e criança (Mahlcr); e algumas 
detalhadas e importantes contribuições clfnico-teóricas (Jacobson) e clíni-
cas (A. Reich) formuladas psicanaliticamente nos últimos anos- todo esse 
trabalho atesta o crescente interesse elos psicanalistas por um assunto que 
tendia a ser lançado para o segundo plano pelo farto material que contri-
bui para a in vcs tigaçlio do mundo dos objetos, isto é, para as vicissitudes 
d inümicas c evoluti vas elas imagos, ou - mais ele acordo com a posição 
centra l dos processos cognit ivos elo ego elo que com a dos impulsos, den-
u·o elo contexto elo id- das representações dos objetos. 
Uma das clificulclacles enfrentadas quando se abordam os problemas 
teóricos do narc isismo - uma clificulclacle que até agora tem se tornado 
maio r do que a con fu são antes generalizada entre a catexia do se lf e a ca-
texia elas fu nções do ego- é a suposição freqíiente ele que a existência de 
relações objetais exclui o narc isismo. Pelo conu·ário, conforme se enfati-
- [3 -
zará nas páginas seguimes, algumas das mais intensas experiências narcf-
sicas relacionam-se a objetos; isto é, objetos que são usados a serviço do 
self e da manutenção de :;eu investimento instintivo, ou objetos que são, 
e les próprios, vi vcnciados como parte do self. Rcferir-mc-ei a estes últi-
mos como self-objetos. 
Alguns esclarecimentos conceituais básicos devem ser feitos de iní-
cio. Por um lado, as noções de self, e por outro, de ego, superego e id, 
bem como as de personalidade e identidade , são abstrações que per tencem 
a níveis diferentes de formação conceitual. O ego, o id e o superego são 
os componentes na psicanálise de uma abstração especffica, de alto nível, 
isto é, distante da experiência: o aparelho psíquico. Personalidade, embo-
ra muitas vezes útil no sentido geral, como identidade, não é inerente à 
psicologia psicanaHtica; pertence a uma estrulUra teórica diferente, que 
está mais de acordo com a observação do comportamento social e com a 
descrição da experiência (pré)consciente da própria prova na interação 
com os outros do que com as observações da psicologia profunda . 
O self, entretanto, surge na situação psicanalítica e é conceituado na 
fom1a de uma abstração psicanaHtica de um nível relativamente baixo, isto 
é, relativamente próxima à experiência, como um conteúdo do aparelho 
mental. Embora não seja, dessa forma, uma instância da mente , é urna es-
tru tura dentro da mente, pois (a) está catexizado com energia instintiva e 
(b) tem continuidade no tempo, isto é, é duradouro. Sendo uma esu·utura 
psfquica, o self tem também, além disso , uma localização psf4uica . Mais 
especific~mente, várias - e freqüentemente inconsistentes - representa-
ções do self estão presentes não somente no id, no ego e no superego, mas 
também dentro de uma única instância da mente. Podem existi.J·, por 
exemplo, representações conu·aditórias do self, conscientes e pré-cons-
cientes - por exemplo, de grandiosidade e inferioridade - lado a lado, 
ocupando locais delimitados dentro do ego ou posições setoriais na esfera 
da psique na qu al id e ego formam um contín uo. O self, assim, bastante 
análogo às representações dos objetos, é um conteúdo do aparelho mental, 
mas não é um dos seus constituintes , isto é, não é uma das instâncias da 
mente. 
Tais esclarecimentos teóticos fornecem uma estrutura para o princi-
pal tema deste livro que tenta integrar dois objetivos: a descrição em pro-
fundidade de um grupo de fenômenos específicos normais e anormais 
denu·o da esfera do narc isismo e a compreensão da fase evolutiva especf-
fica que está geneticamente ligada a eles. 
O campo desta monografia, apesm· de extenso, forma somente parte 
de um estudo mais amplo do narcisismo. Especificamente, este estudo 
concentra-se quase com exclusividade no papel das forças libidinais na 
-14-
análise de persona lidades narcísicas; a discussão do papel da agressivida-
de será vista em separado . Por outro lado, este livro é uma continuação e 
expansão de uma série de estudos, publicados em 1959, 1963 (com Seitz), 
1966 e 1968. O mate1·ial dos casos, as conclusões tiradas a partir dele, e 
as conceituações contidas nesses trabalhos, foram livremente usados nas 
páginas seguintes. Esta monografia constitui o burilamento e a fi nalização 
da investigação dos aspectos libidinais do narcisismo que haviam sido ini-
ciados nesses ensaios anteriores. 
- 15-
CAPÍTULO l 
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 
O tema desta monografia é o estudo de certos fenômenos de transferência, 
OLJ semelhantes à transferência, na psicanálise de personalidades narcísi-
cas, e das reações do analista a eles, inclusive de suas contratransferên-
cias. O foco básico de atenção não se concentrará em esquizofrenias e de-
pressões, que estão sendo tratadas por diversos psicanalistas com especial 
interesse e talento neste campo, ou mesmo em formas mais brandas ou 
disfarçadas de psicoses, às quais muitas vezes são citadas como estados 
fronteiriços, mas nos distúrbios de personalidade específicos, contíguos, 
de menor gravidade, 1 cujo tratamento constitui uma considerável parte da-
prática psicanalítica atual. Sem dúvida, nem sempre é fácil estabelecer 
uma linha demarcatória entre essas condições e as graves perturbações 
com que elas parecem estar relacionadas. 
Durante 011cilações regressivas temporárias no decorrer da análise de 
alguns desses pacientes, podem surgir sintomas que possivelmente parece-
riam, à primeira vista, ser indicativos de psicose para aqueles que não es-
tão acostumados com a análise de graves perturbações narcísicas de per-
sonalidade. No entanto, estranhamente, nem o analista nem o paciente 
tendem a ficar muito alarmados por essas experiências regressivas tempo-
rárias, mesmo que seu conteúdo (desconfiança paran6ide, por exemplo; ou 
sensações físicas delirantes e mudanças profundas na autopercepçüo), se 
julgado isoladamente, justifique mesmo a apreensão de ser iminente um 
sério rompimento com a realidade. Mas o quadro total continua tranqliilo, 
em particular o fato de que costuma ser possível identificar o even to que 
precipitou a regressão, e de que o próprio paciente logo aprende a procu-
rar pela perturbação na transferência (um mau acolhimento da parte do 
analista, por exemplo), quando o desenvolvimento regressivo está aconte-
cendo. Uma vez que o analista tenha se acostumado com o paciente- e, 
em particu lar, logo que e le observou que uma das formas da u·ansferência 
narcísica estabeleceu-se espontaneamente - em geral, ele será capaz de 
1 Dos diferentes casos rcfcritlos neste livro, somente um (paciente G.) era psicótico. Todos os 
outros eram pessoas ativas, re lativamente bem ajustadas~ sociedade, com desempenho razoavel-
lllCntc bom, e cujos disnlrl>ios de personalidade, no entanto,_ interferiam de forma mais ou menos 
stria em sua capacidade para u·al>alhar c produzir, c com a feli cidade e a paz interior. 
- 17-
chegar à confiante conclusão de que a pcrLUrbação dominante do paciente 
não é uma psicose, e mais tarde ele manterá sua convtcção apesar da ocor-
rência dos fenômenos acima mencionados no decorrer da análise, grave-
mente regressivos , mas temporários. 
Como se deve diferenciar entre a psicopatologia das perturbações 
narcísicas da personalidade analisáveis e as das psicoses e dos estados 
fronteiriços? A partir de que características identificáveis do comporta-
mento do paciente, ou de sua sintomatologia, ou do processo analítico po-
demos obter a sensação de relativa segurança experimentada por analisan-
do e analista; apesar da presença de a lguns sintomas iniciais aparente-
mente agourentos e de algumas oscilações regressivas aparentemente pe-
rigosas durante a análise? Estou discutindo essas questões com alguma 
relutância a esta altura, não somente porque confio em que esta monogra-
fia, como um todo, gradualmente esclarecerá a questão do diagnóstico di-
ferencial à medida que a compreensão teórica e a descrição clfnica se in-
tegrem na mentedo leitor, mas especialmente em vista do fato de que mi-
nha abordagem da psicopatologia é guiada por uma 'orientação de psicolo-
gia profunda que não me leva a ver os fenômenos clínicos de acordo com 
o tradicional modelo médico, ou seja, como en tidades de doença ou sfn-
dromes patológicas que devem ser diagnosticadas e diferenciadas com ba-
se em critérios comportamentais. Para auxiliar na exposição, entretanto, 
fornecerei agora um resumo prévio dos pontos essenciais da patologia 
desses pacientes analisáveis em termos d inâmico-estruturais e genéticos, e 
um esboço de como as queixas desses indivíduos podem ser compreendi-
das tendo como pano de fundo uma compreensão metapsicológ ica de sua 
perturbação de personalidade. 
Esses pac ientes estão sofrendo de perturbações espec(ficas na esfera 
do self e na daqueles objetos arcaicos catexizaclos com libido nmcfsica 
(self-objetos) que ainda estão em íntima co nexão com o self arcaico (isto 
é, objetos que não são vivenciados como separados e independentes do 
selt). Apesar do fato de gue os pontos de fixação da psicopatologia domi-
nante destes casos estão situados num período bastante antigo do eixo 
temporal do desenvolvimento psíquico, é importante enfatizar não so-
mente as deficiências da organ ização psíquica desses pac ientes , mas ta-
bém as qualidades. 2 
2 É importante ressaltar que a natureza da psicopatologia não está necessariamente relacionada~ 
gravidade do distúrbio. Existem condições clfnicas incapacit;ullcs (por exemplo, estados histéri-
cos de fuga em proporções psic6Licas), causadas pela maciça intrusão das catcxias de objetos in-
fantis que dominam o ego- realidade; c há breves disfunções de porções circunscritas do ego (por 
exemplo, certos atos falhos) que se devem ao efeito da c.,tex ia narcfsica. Um exemplo nolável de 
tal ato falho narcfsico encontra-se em Kohut ( 1970a). 
- 18-
No lado negativo, podemos dizer que esses pacientes pe1maneceram 
fixados em configurações arcaicas grandiosas do self e/ou em objetos ar-
caicos, superestimados e narcisicamente catexizados. O fato de que essas 
configurações arcaicas não tenham ficado integradas com o resto da per-
sonalidade tem duas conseqüências principais: (a) a personalidade adulta 
e suas funções maduras são empobrecidas porque são privadas das ener-
gias que estão investidas nas estruturas antigas; e/ou (b) as atividades 
adultas, realistas, desses pacientes são tolhidas pela ruptura e pela intru-
são das estruturas arcaicas e de suas arcaicas ·reivindicações. Em outras 
palavras, o efeito patogênico do investimento dessas contigurações arcai-
cas é, em ce1tos aspectos, análogo ao efei to exercido pelo investimento 
instintivo de objetos incestuosos inconscientes reprimidos nas clássicas 
neuroses de transferência. 
Apesar de sua psicopatologia poder ser desconcertante, é importante 
perceber que esses pacientes têm qualidades específicas que os diferen-
ciam das psicoses e dos estados fronteiriços. Ao contrário dos pacientes 
que sofrem destes tíltimos distúrbios, os pacientes com perturbações nar-
císicas ela personalidade conseguiram na essência um self coeso e cons-
truíram objetos arcaicos idealizados coesos. E, ao contrário das cçmdições 
que prevalecem nas psicoses e nos estados fronteiriços, esses pacientes 
não estão seriamente ameaçados pela possibilidade de uma desintegração 
iiTeversível do self arcaico ou dos objetos arcaicos narcisicmne nte catexi-
zados. Em conseqüência da obtenção dessas configurações psfquicas, coe-
sas e estáveis, esses pacientes são capazes de estabelecer transferências 
narcísicas estáveis e específicas, que p~.!rmitem a reativação terapêutica 
das esu·uturas arcaicas sem o perigo de sua fragmentação por meJO de ou-
tra regressão: são, assim, analisáveis. Pode-se acrescentar, a esta altura, 
que o estabelecimento espontâneo de uma das transferências narcfsicas 
estáveis é o melhor e mais confiável s inal diagnóstico que diferencia esses 
pacientes elos psicóticos ou dos casos frontei riços por um lado, e elas neu-
roses de u·ansferência comuns, por outro. Em outras palavras, a avaliação 
de uma amílise de prova tem maior valor diagnóstico e prognóstico do que 
as conclusões resu ltantes elo exame de sintomas e manifestaç.ões compor-
Lamentais. 
Os dois sonhos típicos que se seguem podem nos fomecer uma com-
preensão prévia da natureza das transferências narcfsicas na análise das 
perturbações narcísicas da personalidade, em particul~u· elo fato de que a 
psicopatologia espec ífica que é mobilizada na transferência não ameaça o 
paciente com a desintegração psicótica. 
Sonho 1: O paciente está num foguete, girando em tomo do Globo, 
distante da Terra. No e ntanto, está protegido de um arremesso para o es-
- 19 -
paço fora de conu-ole (psicose) pela invisfvel mas fonemente e ficaz au-a-
ção da Terra (o analista nal'cisicamente catexizado, isto é , a transferência 
narcfsica) no centro de sua órbita. 
Sonho 2: O paciente es tá num balanço, balançando-se para frente e 
para tiás , cada vez mais al to - no entanto, nunca há um sério perigo de o 
paciente voar para o espaço ou balançar-se sem controle fazendo um cír-
culo completo. 
O primeiro sonho foi sonhado de forma quase idêntica por dois pa-
cientes que não são mais mencionados neste tiabalho. O segundo sonho 
foi sonhado pela srta. F num período em que se sentia ansiosa graças à 
estimulação causuda por seu intenso exibicionismo arcaico que havia sido 
mobilizado em meio ao trabalho analítico. /\ transferê ncia narcfsica prote-
geu os dois primeiros pacientes contia o perigo de uma potencial perda 
permanente do self (isto é, contra a esquizofrenia), um perigo que havia 
surgido em conseqüência da mobilização de fantasias arcaicas grandiosas 
durante a terapia. No segundo caso, a transferência narcfs ica protegia o 
paciente contra uma superestimulação potencialme nte perigosa do ego 
(um estado lhipo)manfaco) - uma superestimulação que se havia tornado 
uma ameaça como resultado da mobilização da libido exibicionista arcaica 
durante a análise. O relacionamento tiansferencial com o analista que é 
retiatado nesses sonhos, em todos os três exemplos é impessoal (a atração 
impessoal da gravidade, o paciente estando ligado ao centro do balanço) -
uma notável demonstração da natureza narcfsica do relacionamento. 
Embora a psicopatologia essencial das perturbações narcfsicus da 
personalidade difira substancialmente da psicopatologia das ps1coses, o 
es tudo da primeira contribui para nossa compreensão desta última. O 
exame das oscilações específicas, terapeu ticamente contioladas e limita-
das, te ndentes à fragmentação do self e dos self- objetos e os fenômenos 
quase-psicóticos correlatos que ocorrem não poucas vezes no decorre r da 
análise de perturbações narcfsicas da personalidade oferece, em particular, 
um acesso promissor à compreensão das psicoses - assim como pode ser 
proveitoso examinar, em profundidade e detalhe, a reação de algumas cé-
lulas malignas ou quase malignas dentro do tecido saudável do organismo, 
em vez de abordar o problema do carcinoma pela atenção exclusiva sobre 
os pacientes que estão morrendo de metástases generalizadas. Dessa for-
ma, embora esta monogra11a não tiate das psicoses e dos estados fronteiri-
ços, farei agora algumas afirmações acerca das perspectivas adquiridas a 
partir dessas g raves formas de psicopatologia à luz dos distúrbios analisá-
veis com os quais estou lidando. 
Como acontece com as penurbações narcísicas da personalidade, os 
distúrbios psicóticos devem não somente (e talvez nem mesmo prcdoml-
- 20-
nantemente) ser examinados à luz da investigação de sua regressão (a) do 
amor objetal (b) para o narcisismo (c) para a fragmentação auto-erótica e 
(d) restituição secundária (delirante) da realidade. Em vez disso, é espe-
cialmente proveitoso examinar a psicopatologia das psicoses - em harmo-
nia com o pressuposto de que o narcisismo segue uma linha independente 
de desenvolvimento -- à luz da investigaçãode sua regressão ao longo de 
um caminho parcialmente diferente que conduz através das seguintes esta-
ções intermediárias: (a) a desin tegração de fom1as mais altas de narcisis-
mo; (b) a regressão a posições narc{sicas arcaicas; (c) o colapso das posi-
ções narcfsicas arcaicas (incluindo a perda de objetos arcaicos narcisica-
mente catexizados), portanto a fragmentação do self e dos self-objetos ar-
caicos; e (d) a ressurreição secundária (restituliva) do self arcaico e dos 
objetos narcfsicos arcaicos numa forma manifestamente psic6tica.3 
A última fase mencionada s6 é encontrada de passagem durante a 
análise de perturbações narcísicas da personalidade; mas os importantes 
fenômenos efêmeros permitem a observação de detalhes que estão escon-
didos nas posições patológicas rigidamente estabelecidas nas psicoses. 
Por exemplo, é particularmente instrutiva a comparação das configurações 
narcísicas arcaicas coesas (o self grandioso e a imago parenta! idealizada) 
(a) com suas formas regressivamente alteradas à medida que se movem em 
direção à fragmentação, e (b) com suas contrapartidas res titutivas quando 
a condição ríg ida e crônica de uma psicose mais ou menos manifesta se 
estabeleceu. 
Detalhes de algumas das expedências do paciente com fragmenLos 
hipercatexizados e desconexos do corpo, da mente, e de funções fís icas e 
mentais podem, por exemplo, ser observados durante as regressões tera-
pêuticas temporádas a partir do self grandioso coesivamente catexizado e 
a partir da imago parenta! idealizada que podem não ser acessíveis nas re-
gressões correspondentes das psicoses em que a capacidade de comunica-
ção fica gravemente per turbada e a auto-observação é diminuída ou gran-
demente distorcida. Por meio de leves oscilações regressivas, entretanto, 
que ocorrem durante a análise de perturbações narcísicas da personalida-
de, temos acesso a muitas sutilezas dessas transf01mações regressivas. 
Podemos ver detalhadamente , e estudar com relativa calma, os vários 
distúrbios de sensação física e au topercepção, a degeneração da lingua-
3 Para uma abordagem recente da mctapsicologia das psicoses, vide Arlow c Brenner ( 1964). Em 
oposição à tese aqui advogada, esses autores acreditam que us psicoses (c assim, por implicação, 
também as perturbações) podem ser ndcqundrunente elucidadas explicando-se os sin tomas c os 
disnlrbios comportamcntais do paciente psicótico como uma conseqüência de seus conllitos e 
defesas, istQ é, em essência, dentro do quadro de referência da metnpsicologia das neuroses de 
transferência. 
-21 -
gem, a concreuzação do pensamento e a <.:Jivagem de processos de pensa-
mento antes sinteticamente cooperantes, bem como a reação do ego ob-
servador à fragmentação temporária das configurações narcfsicas (vide no 
Diagrama 2, Capítulo 4, um levantamento de algumas das oscilações que 
ocorrem durante a análise desses dis túrbios). E é especialmente provei toso 
comparar as configurações narcfsicas arcaicas relativame nte saudáveis (o 
self grandioso; a imago parenta! idealizada) com suas contrapartidas ps"i-
cóticas (grandiosidade delirante; a "máquina influenciadora" [Tausk, 
1919]) . 
As características diferenciadoras decisivas entre as psicoses e os 
estados fronteiri ços, por um lado, e os casos analisáveis de perturbações 
mu·cfsicas da personalidade, por outro, são as seguin tes: C l) os primeiros 
tendem ao abandono crônico das configurações narcísicas coesas e a sua 
substituição (a fim de escapar do intolerável estado de fragmentação e 
perda de objetos narcfsicos mcaicos) por delírios; (2) o último mostra so-
mente oscilações mer,ores e temporárias, geralmente tendendo à fragmen-
tação parcial, com no máximo uma indicação de rápido de lírio rcstitu ti vo. 
É muito importante para nossa çomprcensão te6rica, tanto das psicoses 
como das perturbações narcísicas da personalidade, es tudar as semelhan-
ças e as diferenças entre a grandiosidade arcaica relativamente saudável, 
que a psique é capaz de manter nesses últimos distúrbios, e os frios e ar-
rogantes delírios psicóticos de grandeza, que oconem naqueles; e compa-
rar, do mesmo modo, a elaboração relativamente saudável de uma imago 
parenta! narcisicamente catexizada, onipotente e onisciente, admirada e 
idealizada, emocionalmente sustentadora, nas transferências formadas 
pelos pacien tes com perturbações narcfsicas da personalidade com o todo-
poderoso persegu idor e rnanipulador do self nas psicoses: a máquina in-
t1uenciadora cuja onipotência e onisciênc ia tornaram-se frias, sem empatia 
e desumanamente más. E, last but not least, o exame da personalidade 
pré-psic6tica do ponto de vis ta da vulnerabilidade de suas formas mais 
altas de narcisismo (e não somente do ponto de vista da fragilidade de 
seus relacioname ntos maduros com os objetos amados) pode con tribuir 
enormemente para a compreensão das psicoses e dos estados fronteiriços e 
explicará , por exemplo, as duas segui ntes características típicas: ( J) os 
eventos prec ipitadores que se in troduzem nos prime iros e decisivos passos 
dos movimentos regressivos repousam freqüe ntemente na área da ferida 
narcfsica e não do amor objetai; e (2) mesmo em alguns graves d istúrbios 
psi.cóticos, o amor objetai pode permanecer relativamente es tável, e n-
quanto uma profunda perturbação no domrni o do narcisismo nunca está 
ausente. 
O seguinte diagrama propõe-se a fornecer um esboço prel iminar das 
-22-
etapas evolutivas de duas configurações narcfsicas fundamentais e, ao 
mesmo tempo, de suas contrapartidas, isto é , as estações intermediárias da 
transformação regressiva dessas configurações em (a) narcfsicas da perso-
nalidade e (b) psicoses (esquizofrênico-paran6ides) e estados fronteiriços. 
Desenvolvimento e re-
gresstio 110 esfera do se/f 
gra11dioso 
(I) Forma madura de 
auto-estima positiva; 
autocotlfiança 
(2) Reivindicações solip-
sislas de atenção: est~gio 
do sclJ grandioso 
(3) Ntklcos (fragmentos) 
do self gmndioso: hipo-
condria 
(4) Reconstituição deli-
rante do sclf grand ioso: 
gmndiosidade paranóidc 
fria 
o • o : • & 
o 
G 
o • • • • • • • 
I • 
I • 
I 
i 
• 
I 
DIAGRAMA 1 
Desenvolvimemo e re-
gresstío IUI eJfera do ob-
jeto onipotente 
(I) f-orma madura de . 
admiração po.r outros; 
capacidade pm11 ter 
entusiasmo 
(2) Necessidade premen-
te de fusrto com o objeto 
poderoso: fase da imago 
parenta] idealizada 
l 
(3) Nllcleo (frdgmentos) 
do objeto onipotente 
ide;llizado: sentimentos 
rcügiosos mlslicos des-
conexos; vago terror 
(4) Rcconsliuliçilo deü-
1 
nulle do objeto onipo-
tente: o perseguidor po-
\..11 dcroso, a m~quina in-
VI llucnciadora 
Normalidade 
Perturbações Narcfsicus 
da Personalidade 
Psicoses 
A seta conúnua indica as oscilações das configurações narcfsicas no decorrer do tratamento psica-
nal!tico das pcrturba~õcs narcfsicas tia personalidade (vide Diagrruna 2, Capítulo 4); a seta ponti-
lhada indica a direção do processo de cura na análise desses uistllrbios. A parte alt.crnadamentc 
ponliUmda e interrompida da seta longa indica a profundidade ainda revcrsfvcl da regressão em 
direção 1\ psicose; a parte interrompida significa aquela pro fundidade da regressão tendente li psi· 
cose em que a n:gressi\o psic6Lica tornou-se irrcvcrsfvcl. 
As estruturas psfquicas regressivas, sua percepção pelo paciente e o 
relacionamento des te com elas podem tornar-se sexualizadas tanto nas 
psicoses como nas perturbações narcfsicas da personalidade. Nas psico-
-23 -
ses, a sexualização pode envolver não somente o self grandioso arcaico e 
a imago parenta! idealizada, uma vez que essas estruturas são levemente 
catexizadas antes de serem destruídas (fragmentação auto-erótica), mas 
também as réplicas delirantes restitutivamente constru(das dessas estrutu-
ras que formam o conteúdo da psicose manifesta. Seria um trabalho inu; -
gante comparar as sex ualizações nas psicoses, que foram prime iro descri-
tas e metapsicologicamente elucidadas por Fre ud (1911), com as sexuali-
zações dasvárias formas de transferências narc{sicas que não poucas ve-
zes ocorrem na análise das perturbações narcfsicas da personalidade. As 
versões sexualizadas de transferência narcísica são encontradas (a) no iní-
cio da análise, em geral como uma continuação direta de tendências per-
versas que já estavam presentes antes do tratamento (vide especialmente a 
extensa discussão da sexualização da imago pmental idealizada e da va-
riante alter-ego ou gemelar do self grandioso no caso do sr. A, no Capí-
tulo 3) ou (b) rapidan1ente durante as exacerbações da fase final na análi-
se das perturbações narcfsicas da personalidade (vide Capflulo 7). 
Este não é o lugar para se fazer um exame abrangente da teoria psi-
canaHtica de fom1ação de alucinações e delú·ios nas psicoses. Entretanto, 
dentro do quadro das presentes considerações, dever(amos enfatizar que 
seu estabelecimento segue a desintegração do self grandioso e da imago 
parenta! idealizada. Nas psicoses, essas estru turas são dcstru(das, mas 
seus fragmentos desconexos são secundariamen te reorganizados, redis-
postos em delírios (vide Tausk, 1919; Ophuijsen, 1920), c en tão raciona-
lizados por meio dos esforços das fu nções integradoras remanescentes da 
psique. Como resu ltado das mais graves osc il ações regressivas na análise 
de perturbações narcísicas da personalidade, ocasionalmente e nfrentamos 
fe nômenos que se parecem com os delfrios e as aluc inações do psicótico. 
O sr. E, por exemplo, sob a tensão de uma separação iminente do analista 
no início do tratamento, sentiu temporariamente que seu rosto se havia 
tornado o rosto de sua mãe. Em contraste com as psicoses, entretanto , tais 
alucinações e delírios não se devem à elaboração de estruturas patológicas 
es táveis que o paciente eonsu·ói a fim de escapar da insuportável expe-
riência de fragmentação prolongada de seu self-corpo-mente. Elas ocor-
rem rapidamente no momento de uma desin tegração inicial, parc ial e tem-
porária das estruturas narefsieas em resposta a perturbações espec(ficas da 
transferência narcfsica específica que se estabeleceu na terapia. 
A avaliação da função de fa tores ambientais especCficos (a persona-
lidade dos pais, por exemplo; certos eventos u·aumáticos externos) na gê-
nese da parada do desenvolvimento, ou das fixações específicas e propen-
sões à regressão que constituem o centro da perturbação narcfsica da per-
sonalidade, será considerada adiante nesse estudo. Entretanto,-uma obser-
-24-
vação breve, de orientação genética, pode a esta altura ajudar a solidificar 
as bases conceituais da diferenciação entre as psicoses e os es tados fron-
teiriços, por um lado, e as perturbações narcfsicas da personalidade, por 
outro. Do ponto ele vista genético, somos levados a pressupor que nas psi-
coses a personalidade dos pais (e diversas outras circunstâncias ambien-
tais) colaboraram com fatores herdé!dos para evitar a fom1ação de um self 
nuclear coeso e de um self-objeto nuclear idealizado, na idade apropriada. 
As estruturas narc(sicas que são erguidas numa idade posterior devem, 
portanto , ser visual izadas como ocas, e portanto como quebrad iças e frá-
geis. Dadas essas condições (isto é, dada uma personalidade propensa à 
psicose), as feridas narc ísicas podem precipilar-se num movimento regres-
sivo que tende a ir além do estágio de narcisismo arcaico (além das for-
mas arcaicas do self grandioso coeso ou da imago parenta! idealizada coe-
sa) e levar a um estágio de fragmentação (auto-erótica). 
Neste ponto serão colocadas duas elaborações das atlrmações prece-
dentes, com re lação (a) ao efeito dinâmico e (b) à estrutura gené tica da 
personalidade pré-psicótica (ou melhor, propensa à psicose). A prime ira é 
predominantemente de importância cl(nica; a segunda é de maior interesse 
teórico. 
A primeira moditicação das conscqiiências dinâmicas de uma fra-
queza espec(fica nas configurações narc fsicas básicas da personalidade re-
fere-se a um modo particular de defesa contra o perigoso po tencial regres-
sivo que está associado com o defeito central, uma defesa que costuma re-
sultar no que se c hama personalidade esquiz6ide. Essa organização de-
fensiva (que deveria ser incluída entre os estados frontei riços) é caracte-
ris ticamente encontrada em personalidades c uja propensão patológica bá-
sica se dá em d ireção ao desenvolv imento da psicose; entre tanto , não é 
encontrada em pac ientes com pertu rbações narcísicas da personalidade 
anal isáveis. A organização defensiva esquizóide é o resultado da percep-
ção (pré)consciente por parte de uma pessoa, não somente de sua vulnera-
bilidade narcfsica mas também, e especificamente, do perigo de que uma 
ferida narc ísica pudesse iniciar uma incontro lável rcgrcss:io que a empur-
raria i rrcv~rs i velml.!nt~ para além do estágio das configurações narcisistas, 
coesas, nuc leares. Dessa forma, tais pessoas apre nderam a distanciar-se ele 
outras a fim de evitar o pe rigo especffico ele se exporem a uma ferida nar-
c ísica. 
Em oposição à explicação precedente, poder-se-ia afirmar que o 
afastamen to dt!ssas pessoas ela intimidade com ouu·as é causado por sua 
incapacidade de amar e é moti vado por sua convicção de que serão tra ta-
das sem empatia, com frieza ou com hostilidade. Essa suposição, no en-
tanto , não está corretu. Mu itos pacientes esquizóides que tentam manter 
-25-
num grau mfnimo seu envolvimento com outras pessoas são, na verdade , 
capazes de contatos significativos e não suspeitam, em geral, que os ou-
tros tenham animosidade contra eles. Seu distanciamento é simplesmente 
uma conseqüência da avaliação correta de sua vu lnerabilidade nardsica e 
propensão à regressão. Por esta razão, é importante para o psicoterapeuta 
perceber que a concentração de seus recursos libidinai s freqüe nteme nte 
consideráveis e m atividades que minimizem o contato humano (tais como 
interesse e trabalho na área de es té tica; ou o estudo de tópicos abstratos, 
teóricos) reside numa correta avaliação de suas qualidades e fraquezas. 
Assim, o te rapeuta não deveria ser um macaco em casa de louças para o 
delicado equilfbrio psíquico de um in di v f duo imporlantt::, c tal vt::z criativo, 
mas deveria focalizar sua a te nção sobre as imperfeições nas estruturas de 
defesa; as imperfeições nos processos existentes do dt::senvolvimento de 
libido no trabalho, nos interesses e nas relações mtcrpessoais; e na psico-
patologia central , isto é , na propensão do paciente à regrt:ssão. Com rela-
ção a este último tópico, o foco da terapia deveria ser micialmcnte a cui-
dadosa e lenta investigação dos afastamentos emocionais menores do pa-
ciente que ocorrem em conseqüência de feridas narcfsicas mfnimas . I\ 
subseqüente reconstrução do contexto genético relevante, enu·ctanto, que 
deveria comple mentar a investigação da vulnerabilidade aqui-e-agora do 
paciente, fornecerá outra ajuda a seu ego em suas lutas para alcançar um 
maio r domínio nesse setor essencial da personalidade. 
Portanto, de acordo com a esu·atégia terapêutica requerida pela es-
trutura da:. psicoses que serão rapidamente d iscutidas, em geral a terapia 
adequada para pacientes esquizóides não é a psicanálise, mas um método 
de psicote rapia de base ps icanalftica. A psicanálise como uma forma de 
psicoterapia não deveria ser, em minha opinião, ne m essencialmente defi-
nida pela aplicação pelo terapeuta da teoria ps icanalítica na si tuação te ra-
pêutica , nem por seu fornecime nto de insights e explicações - mesmo in-
cluindo as genéticas - que aumentam o domínio do paciente sobre si 
mesmo . Embora todas essas características façam parte da psicanálise te-
rapêutica, deve-se acrescentar algo mais que produza sua qualidade es-
sencial: o núcleo patogênico da personalidade do analisando fica ativado 
na s ituação de tratame nto e esse mesmo núc leo en tra nu ma transferência 
específica com o anal ista an tes de ser gradua lme nte dissolvido no proces-
so de elaboração que permite ao ego do paciente obter domínio nessa áreaespedfi ca . Tal processo não deve, entretanto, ser inic iado se a regressão 
da u·ansferência levar a uma grave fragmentação do self, is to é, a um es-
tágio pré-narc fs ico crônico em que mesmo os vínculos narc ísicos com 'I 
terapeuta (que são caracteristicamente estabelecidos na análise de pertur-
bações nardsicas da personal idade) são destruídos. Uma vez que o perigo 
- 26-
de tal desenvolvimento adverso encontra-se, na verdade, no centro moti-
vacional da personalidade esquizóide, o tratamento aqui indicado não é 
psicanálise em si, mas uma forma de terapia de insight psicanal iticamente 
sofisticada que não requer a mobilização terapêutica de uma regressão 
fragmentadora do self. (Esses problemas terapêuticos serão discutidos de 
novo, de um ponto de vis ta diferente, no tina! deste capítulo.) 
A segunda elaboração das proposições dinftmico-genéticas que fo-
ram apresentadas antes é ainda mais especificamente re levante no presente 
contexto de comparação das psicoses com as perturbações narcfsicas da 
personalidade do que a compreensão das funções das atitudes de afasta-
mento elo esqu izóicle; refe1:e-se ao papel dos fatores inatos, herdados, na 
produção ela tendência à fragmentação do se.lf encontrada nas psicoses e 
na produção da tendência à manutenção de um self coeso que existe nas 
penurbações narcfsicas da personalidade. Naturalmente, nenhuma afirma-
ção definitiva referente à relativa importância de falOres herdados pode 
ser feita com base na experiência psicanalítica. No entanto, depois de 
tem1os reconstruído o ambiente familiar em que o paciente se criou, in-
cluindo especialmente a psicopatologia de seus pai s, às vezes parece ine-
vi táve l concluinnos que o paciente deveria ser mais gravemente perturba-
do do que é na realidade. Em outras palavras, em tais casos somos leva-
dos a supor a existêncta de fatores inatos que mantêm a coesão do self 
grandioso arcaico e da imago parenta! idealizada apesar dos traumas ca-
tastróficos a que a criança foi exposta durante fases decJsi v as de seu de-
senvolvime nto inicial. Neste contexto, lembramo-nos especialmente do 
famoso relatório de Anna Freud e Sophie Dann· ( 195 I ), que fornece um 
notável exemplo da discrepância enu·e a limitada patologia real das crian-
ças examinadas e a grave patologia que deveríamos esperar com base no 
ambiente extremamente traumático em que se criaram (campo de concen-
tração). 
Entre os pacientes citados neste trabalho, o Sr. E, julgado com base 
em seu ambiente de criação traumático, pareceria ser do mesmo modo um 
candidato a uma perturbação mais grave do que o dis túrbio analisável de 
personalidade do qual ele soüia realmente.4 Ele havia sido um "bebê de 
incubadora", separado de sua mãe por diversos mt::ses. Sua mãe, que ha-
via desenvolvido uma hipertensão maligna, nunca sentiu qualquer intimi-
dade com a criança depois que esta foi levada para casa. Parecia que qua-
se ninguém o pegara porque o consideravam frágil. Ele também foi rejeJ-
Lado pelo pai e nunca se tomou Integrado com a ramflw. No entanto, ape-
4 Vide a Relação de Casos, que mostra o nde cada paciente~ discutido 11cs ta monograria. 
-27-
sar de todas essas agourentas ci rcunstâncias, a organizaçüo psíquica desse 
paciente não era ps1cótica, e as osci lações tendentes à desintegração da 
configuração do self coeso que ocorreram durante sua análi se l'oram tem-
porárias e contornáveis . E le parecia , por exemplo, ter sido capaz, no iní-
cio da vida , de desviar sua necessidade de estimulação táti l para a área vi-
sual. Esse desvio, entretanto, resu ltou maiS tarde não somente em ati vida-
des voycuristas pervertidas, mas também em importantes possibilidades 
sublimadoras no domínio visual. De qualquer l'orma, a estunulação VISual 
parece ter sido suficiente para sus tentar o núcleo de um self que em geral 
manteve sua coesão, ou que, após uma fragmentação temporána, pôde 
pelo menos reformar-se rapidamente. 
Agora quero dizer algumas palavras sobre certos aspectos da sinto-
matologia apresentada pelos pacientes que sofrem de distúrbios de perso-
nalidade no campo narcísico, particularmente com referência à compara-
ção entre as perturbaçõés narcísic.as (analisáveis) e as ps icoses c os esta-
dos fronteiriços. Quais são as manifestações das perturbações narcísicas 
da personalidade que permitem ao analista difere nciar esses dis túrbios das 
psicoses c dos estados fronteiriços? Menc ionei inicialmente que minha 
abordagem nessa área em geral não se coaduna com o propósi to médico 
tradicional de obter um diagnóst ico clfnico em que uma doença é identifi-
cada por g rupos de manifestações recorrentes. Mas uma vez que fiz ante-
riormente um esboço da psicopato logia essencia l em Lermos rnc tapsicoló-
g icos, a sintomatologia dos distúrbios que será d iscu tida ao longo desta 
monografia pode ser examinada não s6 em termos de sua aparência ex ter-
na, mas também com relação a sua importância. 
A sintomatologia de pacientes com perturbações narcfsicas da per-
sonalidade (como pode também acontecer durante certas fases nas psico-
ses e para certos tipos de estados fronteiriços) te nde a ser mal definida, e 
e m geral o paciente não é capaz de se concentrar em seus aspectos essen-
c iais, mas pode reconhecer e descrever as q ueixas secundárias (tais como 
inibição no trabalho ou tendências para a ti vidades sexuais pervertidas). A 
imprecisão da queixa inicial do paciente pode estar relacionada à proxi-
midade das es truturas patologicamente perturbadas (o sclf) com o local 
das funções auto-observadoras no ego. (V ide, neste contex to, as obser va-
ções de Freud para Binswanger, e m sua carta ele 4 ck: j ul ho de 19 12 
[B inswanger, 1956, p. 44s.J). O olho, por assim dizer, não pode se obser-
var. 
Entre tan to, apesar da inde finição inicial da st ntomatologia que se 
apresenta, em geral as característ ic as s intomáticas m<II S importantes po-
dem ser discernidas com crescente clareza à mccltcla que a amíltse progri -
de, especialmente quando a transferência narcísica aparece em uma de 
-28-
suas fonnas. O paciente descreverá sensações de vazio e depressão sutil-
mente viveneiadas, e no entanto pervas ivas, que, em contmste com as 
condições nas psicoses e nos es tados frontetriços, são aliviadas tão logo a 
transferência narcísica tenha se estabelecido - mas que se tomam Intensi-
ficados quando o re lacionamento com o analista é perwrbado. O pac1ente 
ten tará comunicar ao analista que, ao menos ?1s vezes, espet: ialmente 
quando a transferência mucísica sofreu uma ruptura, ele tem a impressão 
de não ser totalmente real, ou ao menos que suas emoções estão embota-
das; e e le pode acrest:entar que está fazendo seu u·abalho sem prazer, que 
ele procura a rotina para conduzi-lo, uma vez que parece não ter miciati-
va. Essas e mullas outras queixas semelhantes são indicadores do esgota-
mento do ego, porque ele tem de se fortificar contra as re1vmdicações Ir-
reais de um self grandioso arcaico, ou conu·a a intensa fome de um pode-
roso fornecedor externo de auto-esuma e ouu·as formas de sustentaçüo 
emocional na área do narcisismo. 
Entretanto, em contraste com os fe nômenos análogos encontrados 
nas psi<.:oses e nos estados fronteiriços, esses s intomas não são estabeleci-
dos rigidamente aqu i. Enq uanto evidências inequfvocas para o caráter 
transitório dos sintomas do paciente são faci lmente obtidas dentro do qua-
dro de uma análise em andamen to, elas podem também ser re un idas com 
respeito a suas reações fora da análise c antes de es ta haver começado, 
isto é, por meio de um exame cu idadosamente concenu·ado da história 
passada do pacien te. Idéias hipocondr(acas d ifusas, por exemplo, podem 
subitamente desaparecer c (normalmente em conseqüência de ter recebido 
um e logio ele rora ou de ter se benericiado elo interesse por parte do meio 
;unbientc), o paciente sente-se subi tamente vivo e feliz e, ao menos por 
algum tempo, mostra iniciativa e tem uma sensação de participação pro-
funda c ativa nomundo. Entretanto , essas osc ilações para cima costumam 
ter curta duração. Tendem a se transl'ormm na causa de uma desconfortá-
ve l agitaçiio; despertam ansiedade e são cntiio logo novame nte seguidas 
por uma sensação crônica de embotamento c passividade, vive nciacla 
abertamente ou disfarçada por longas horas ele atividades real izadas de 
forma mcciin ica. Além do ma is, normalmente não deveria ser d if'fcil -pe lo 
menos para o ana lista - reconhecer a presença de g rande vulne rabilidade 
n;u·cfsica que, além do desconforto causado pela agitaçí10 ansiosa acima 
menc ionada, é responsável pe lo fato de que o maior prazer elo paciente 
consigo mes mo logo fica submerso de novo c a crescente vita l idade de 
suas ações não pode ser mantida por muito tempo. Um mau acolhimento, 
a ausê nc ia da aprovação esperada, a falta de interesse do meio ambiente 
pe lo pac iente e ouu·os fatores seme lhantes logo ocasiomu·ão o estado ante-
rior de esvaziame nto. 
-29-
As páginas anteriores contêm um esboço da psicopatologia das per-
turbações narcfsicas da personalidade e de certas caracterfsticas clfnicas 
desses distt~rbios que têm relação com sua psicopatologia básica. O esbo-
ço foi delineado principalmente pela comparação das perturbações narcf-
sicas da personal idade com as psicoses e os estados fronteiriços, isto 6, 
pelo co ntraste da psicopatologia essencial de duas classes de d istúrbio 
psíqu ico e pela comparação de suas manifestações cl(nicas.5 
Os casos de que me ocupm·ei, entretanto, apresentam não some nte 
dificuldades d iagnósticas com relação às psicoses, mas Lambém com rela-
ção ao outro ex tremo do espectro dos esL.1dos ps icopatológicos, as neuro-
ses de transfe rência. E deve-se admitir que, em virtude da complexidade 
das cond ições clfnicas, de infc io muitas vezes não é fácil decidir se um 
caso especfiico deve ser co nsiderado de ntro da área das perturbações nar-
cfsicas. As c<uactcrfsticas narcfsicas são e ncontradas nas neuroses de 
transferência clássicas e, inversame nte, mecanismos circunscritos carac te-
rfsticos das neuroses de u·anfcrência ocorrem nos distúrbios narcfsicos -
sejam graves psicoses ou moderadas perturbações narcfs icas da personali-
dade. 
As complexidades das formas mi stas de psicopatologia e as questões 
resultantes de classificação diagnóstica serão discutidas adiante (por 
exemplo, no Capftulo 7). Nesta allura , enu·etan to, deve-se enfatizar que, 
embora clin icamente as neuroses de transferência c as perturbações narcf-
sicas tenham diversas caracterfsticas em comum, as estruturas patogênicas 
5 A discussão preccocntc roc:tlizou preoominantemente a cli rcrenciaçiio entre as perturbações 
narcfsicas <la personalidade a.nalis~vcis c as psicoses esquizofrênicas (n5o analis~veis), especial-
mente a part ir dos exemplos velados ou afastados destes tll li mos disttlrhios aos quais geralmente 
nos referimos como "casos rronlc iriços". 
A comparação difcrcnciaoora <le talhaoa entre pcrlurbaçúcs narcfsicas da pcrsonalioaoc 
analis~vcis c psicoses manfaco-deprcssivas (não analis~veis) não ser~ considerada aq ui, mesmo 
que certas oscilações durante a amilisc de perturbações narcfsicas <la personalidade possam ser 
examinadas c estudadas como r6plicas fugazes c menores <las psicoses manfaco-dcprcssiv:Ls . lVI as, 
analogamenle ns comli~ócs que prevalecem com rcspt.:ito à comparação com casos esquizofrêni-
cos c fronteiriços, a capacidade do pacien te de mrullcr uma transrcrência narcfsica cs t~ ligaoa ao 
fato de que seu exibic ionismo c sua grandiosidadc m·caicos permanecem bem in tegrados dentro da 
cstrulura total de seu sclf grnnoioso coeso, c que, do mesmo modo , a onipotência arcaica <lo en-
grandecido sclf-objcto trans icio na l pcnuanccc altamente integrada dentro <la es trutura tol<ll da 
i mago parcntal idealiz:ula c coesiva. As oscilações de excitação hipomanfaca c oc humor ocprcs-
sivo que o.:urrcm em resposta ns vicissitudes <la transrerência terapêutica são, portanto, somente 
tcmpor~rias , c o cquilfbrio narcfsico anterior 6 rnpidamcntc restabe lecido. N<ts psicoses mnnfaco-
dcprcssiv:ls, cn!J"CI<tnto, us duas estruturas narcfsicas IJ{Is icas são só llrccariamente estabe lec idas 
c tendem a fragmenta r-se sob o impacto de diversos traumas. Tornam-st: então incapazes de con-
ter a catcxia arcaica: o e.~ibicion ismo c a gr<tnd iosioatle do selr granoioso, assim, começam a 
inu ndar o ego (mania), c a agrcssivioaoe oni potente da i mago p:trcntal idealizada destrói a auto-
estima rcalist:1 do paciente (ocprcssão). 
-30-
essenciais dessas duas c lasses de distúrbios psíquicos, e portanto algumas 
das importantes manifestações que se apresen tam, não são idênticas. As 
dife renças podem ser enunciadas pela referência aos seguintes fatos. 
Em casos sem complicação de neurose de transferência, a psicopa-
tologia não reside primariamente nem no self nem nos self-obje tos narcí-
sicos arcaicos. A psicopatologia central refere-se a conflitos estruturais 
sobre impulsos libidinosos (incestuosos) e impulsos agressivos que ema-
nam de um sclf coeso e bem delimitado e são dirigidos a objetos da infân-
cia que se tornaram, em essência, totalmente diferenciados elo self.6 A 
psicopatologia central das perturbações narcísicas ela personalidade, por 
outro lado, refere-se basicamente ao self e aos objetos narcísicos arcaicos. 
Essas configurações narcfsicas estão relacionadas ao nexo causal da psi-
copatologia na área narc ísica das seguintes maneiras: ( 1) podem estar in-
suficientemente catexizadas e são, portanto, sujeitas à fragmentação tem-
porária ; e (2) mesmo que estejam suficientemente catexizadas ou hiper-
catexizadas e retenham, ass im, sua coesão, não estão inle!,Tfadas com o 
resto da personalidade, e o self maduro e outros aspectos da personalidade 
madura são privados de um suprime nto suficiente ou confiável de inves-
timentos narcísicos. 
Em casos não complicados de neuroses de transferência, o ego reage 
com angústia aos perigos a que se sente expos to quando é ameaçado pelo 
aparecimento de impu lsos ins tintivos-objetais proibidos (incestuosos-edi-
pianos ou pré-edipianos). O perigo pode ser vivenciado como uma ameaça 
de punição física ou como uma ameaça de abandono emocional ou Hsico 
(isto é, como angústia de castração, ou como medo da perda do amor do 
objeto, ou como medo ela perda do objeto [Freud, 1926]). Nas perturba-
ções narcfsicas da personalidade, por outro lado, a angústia do ego rela-
ciona-se basicamente a seu conhecimento da vulnerabilidade do self ma-
duro; os perigos que enfrenta referem-se à fragmentação temporália do 
self ou às intrusões, nesse domínio, quer de formas arcaicas de grandiosi-
dade ligada ao sujeito, quer de self-objetos arcaicos narcisicamente e n-
grandecidos. Portanto, a principal fonte de desconforco resulta da incapa-
c idade da psique de regular a auto-estima e de mantê-la em níveis nor-
mais; e as experiências espec(ficas (patogênicas) da persona lidade que 
estão correlacionadas a esse defeito psicológico central situam-se clent..ro 
elo domfnio narcís ico c caem num espectro que se estende, por um lado, 
da grandiosidade e da agitação angustiadas, e por ouu·o a leve embaraço e 
constrangimento, ou grande vergonha, hipocondria e dcpn::ssão. 
6 Vide no Capftulo 2 a diferenciação entre o sclf-objt:to arcaico (um precursor da estrutura psf-
quica), a estrutura psfquica c o objeto propriamente dito. 
-3 1 -
Os pacientes c uja psicopatologia dominante s itua-se na área das 
perturbações narcfsicas c.Ja personalidade podem, além dos desconfortos 
psfquicos especfficos acima mencionados, parecer estarem expostos ao 
medo da perda do objeto, da perda do nmor elo objeto, e à angústia de 
castração. Pode-se afirmar, além disso- e com um certo grau de justifica-
ção - que, ao passo que a angústia de casu·ação é a fonte principal· de 
desconforto nas neuroses de u·ansferênc ia, seguida do medo da perda do 
amor do obje to, e, após o último, o medo da perda do objeto (em freq üên-
cia deocorrência e em importância), nas perturbações narcfsicas da per-
sonalidade a ordem é invertida, isto é, o medo da perda do objeto é o pri-
meiro em freqüência e importância, e a angústia de castração é a última. 
Embora tal afirmação comparativa seja verdadeira, ela é incompleta 
e superficial. A preponderância (1 ) da vergonha, (2) da perda-do-amor-
do-objeto, (3) das experiências de perda-do-objeto nos distúrbios na.rc!si-
cos sobre (a) a culpa, (b) experiências de ansiedade-de-castração nas neu-
roses de transferência, não é somente um diagnóstico psicológico, já que 
não pode ser mais explicado, mas é uma conseqüência direta do fato es-
sencial de que os self-objetos que desempenham o papel principal na psi-
copatologia dos distúrbios narcfsicos não são equi valentes aos objetos nas 
neuroses de transferência. Os objetos nas perturbações nardsieas da per-
sonalidade são arcaicos, narcisicamentc catexizados, e pré-estruturais 
(Vide Capftulo 2). Portanto, quer eles ameacem castigar ou a retirada do 
amor, ou confrontem o paciente com sua nusência temporária ou seu de-
saparecim ento pennanente- o resultado é sempre um desequillbrio ou de-
fe ito narcfsico no paciente que cslivcra enredado com eles de dive rsos 
modos e cuja manutenção da coesão do self e ela auto-estima, e de uma 
relação que fornecia uma recompensa para ideais canalizados paru um 
objetivo , dependia c.Je sua presença, de sua aprovação coJtfinnatória 7, ou 
outras formas de apoio narcfsico . Nas neuroses de transferência, entre-
tanto, os eventos psicológicos análogos levam ao medo elo castigo por 
parte de um objeto q ue é catexizado com energias inslintivo-objetais (isto 
~. um objeto que é vivcnciado como separado e inclcpcndentc), às tensões 
refere ntes ao falo de que o nmor de alguém não est..'l tendo rcspost.a, à 
possibilidade de um anseio solitário por um objeto ause nte, c assim por 
diante - somente com uma queda secundárin da aulo-est i ma. 
De que modo as cons iderações precedentes njudam-nos a nvaliar as 
queixas que os pacientes apresentam? Em outras palavras, como podemos 
inicialmente estabe lecer um diagnóstico psicanal(tico n fim c.Je adapt<u· 
7 l'odcrfamos dizer que, em alguns casos, nflo é a Jll:r<la do :u11or do ubjclo que é rcspons(lvd pel a 
diminuiçflo da nulo-csLir11a do pacicrllc, r11as a perda da ndmi.ra) flo do objclo. 
- 32-
nossa estratégia psicanalftica (a diTeção de nossas interpretações) às exi-
gências particulares da perturbação psicológica? Como reconhecemos que 
a perturbação do paciente situa-se no domfnio das perturbações narcfsicas 
ela personalidade e não no clom{nio elas neuroses de transferência co-
muns? 
A abordagem sugerida anterionnente com relação à diferenciação 
entre os distt~rbios narcfsicos da personalidade por um lado, e as psicoses 
.e os estados fronteiriços por outro, é a abordagem adequada aqui também: 
a diferenciação deveria ser primariamente baseada na compreensão meta-
psicológica, pelo analista, da psicopatologia central e não em seu exame 
de manifestações superficiais. 
É verdade, naturalmente, que a presença ele inibições e sintomas psi-
coneur6ticos circunscritos (fobias, obsessões, compulsões, manifestações 
histéricas) podem apontar na direção das neuroses de transferência, ao 
passo que vagas queixas sobre estados depress ivos, falta de prazer e ini-
ciativa na área do trabalho, embotamento da experiência interpcssoal, 
desconforto elo paciente sobre seu es tado ffsico ou me ntal, rmUtiplas ten-
dências pervertidas, e tc. apontmão piu·a a área ela pertu rbação nmcfsica . 
No en tanto, es tas queixas manifestas não são um guia confi <~vel. Por trás 
de urna vaga queixa sobre falta de iniciativa ou de prazer, o analista às 
vezes pode, depois ele algum tempo, cletectru· uma inibição ou fobia bem 
ci.rc unscrita; e, a inda com mais rreqiiênc ia, ele descobrirá a presença ele 
vulnerabi lidade narcfs ica d ifusa, e ele defeitos circ unscritos na au to-esli.ma 
ou na regulação da auto-estima, ou de amplas perturbações no sistema de 
ideais elo paciente, apcs1u· do fato de que origirt<Llmente ele se queixava de 
inibições especfficas, ou angt~stias aparentemente bem dclimitaclas, e ele 
ou tras perturbações que parec iam situar o clistt~rbio no domínio elas neuro-
ses de transferência. 
Deve-se c nratizar novamente que as manifes tações cimas apresenta-
das pe los clisttírbios narcfsicos da personalidade não são um guia confiá-
vel para se obter a resposta à questão cliagnôstica decisiva: se o pacie nte 
eleve ou não ser tratado psicanaliticamente. No cnt.<ullo, tendo fei to a ad-
vertênc ia, enumerare i - antes de e nfatizar novamente a tinica solução con-
fiável para o problema diagnóstico - algumas elas s fnclromes encontradas 
naqueles casos em que a psicopatologia ela personalidade nare fsica é ex-
pressa em síndromes mais circ unsc ritas c vivas. Em ta is casos, o paciente 
pode verbalizar as segu intes queixas c apresentar as segu intes c<mtctedsti-
cas patológicas: ( l) na esfera sexual: rantasias pervertidas, falta de in te-
resse por sexo; (2) na esfera social: inibições no trabalho, incapacidade 
para fonnm e manter re lacionamentos importantes, alividades delinqüen-
tes; (3 ) em suas cara c tcrfsticas man i fcsléls de pcrsonal idade: falta ele hu-
- 33-
mor, falta de empatia pelas necessidades e sentimentos de outras pessoas, 
falta de um sentido de proporção, te ndência a a taques de fúria descontro-
lada, mentira patológica; e (4) na esfera psicossomática: preocupações hi-
pocondríacas com a saúde ffsica e mental , pe rtu rbações vegetativas em 
vários sistemas de órgãos. 
Embora essas que ixas e sfndromes de falo ocorram com freqüê nc ia 
em casos de perturbações narcfsicas da personalidade e embora o psica-
nalista experie nte possa ter uma forte suspeita da presença ele um subja-
cente distúrbio narcfsico da personalidade com base no exame das queixas 
elo pacie nte, o crit6rio diagnóstico decisivo de v e se basear não na a valia-
ção da sinlomatologia que se apresenta ou mesmo do his tórico de vida, 
mas na natureza da lnmsferência que se desenvolve espontaneamen te. 
Considerando que esta monografia, como Ufll todo, lida com as trans fe-
rê nc ias espccfiicas (ou es trururas semelhantes à transferência) que são 
mobi lizadas durante a análise das perturbações narcfsicas da personal ida-
de, as aflnnações precedentes levam-nos di.rc tamcnte ao centro do pre-
sente exame. 
Duas questões coligadas, entre tanto, elevem ser agora levantadas . As 
u·ansfe rências desenvolvem-se, de fato, no u·atame nlo psicanal{[ico das 
personalidades narcfsicas? E, se assim for, qual 6 a natureza elas transfe-
rênc ias que realmente ocorre m? 
1\ delimitação e o exame das transferê ncias nos distúrbios narcfs icos 
confrontam-nos com diversas questões teóricas bás icas que vão além das 
incertezas que se devem às complexidades das condições clínicas. Se 
postul<mnos a existência de u·ansferê nc ias nos distúrbios narcfsicos, pode-
re mos s intcti.zar o re levante prob lema na forma das seguin tes perguntas : 
Q ual é o conce ito de u:unsferência? Ele é e mpregado nas formu lações teó-
ricas que se referem às estru turas narcfs icas e a sua mobilização durante a 
terapia psieanalftica tão adequadame nte como nas fonnu lações análogas 
que se referem às neuroses de transferê ncia? 
De acordo com a definição inicial, metapsicologicamenle precisa de 
Freu c.J ( 1900), o termo lransfcrênc ia co no la o amálgama de anseios libidi-
nais-objetais infantis , re primicfos,S com impulsos (pré)conscientes que es-
tão relac ionados com objetos no presente. Á transferência clínica pode, 
neste contex to teó t-ico , ser compreendida como um exemplo espccffico do 
mecanismo geral: as atitudes pr6-conscientes do analisando pma com o 
analis ta tornam-se as portadoras de desejos infantis, reprimidos, dirigidos 
So conceito de narcisismo c, pon anto, o de in vcs limcnlos narcfsicos ins tintivos ainda nfio haviam 
s ido formulados por Freud qu:u1do ele definiua transferência melllpsicologicarncnlc no Ca pflulo 
V li de A llllclpr<'laçtio de Sonhos. 
- 34-
ao objeto. Tais transferências (definidas como o amálgama de impulsos 
reprimidos dirigidos ao objeto com atitudes e desejos pré-conscientes) 
estão presentes nos distthbios narcfsicos (e tomam-se mobilizadas durante 
a terapia) naqueles setores da personalidade que não pmticipm·am da re-
gressão narcfsica espedfica. No presente contexto, entretanto, estamos 
envolvidos não com o exame daquela parte da personalidade dos anali-
sanclos narcisicamente regredidos ou lixados que exibe características psi-
coneuróticas, mas com as questões de ( 1) se as próprias estruturas narcfsi-
cas (imagens arcaicas sobre o self, por exemplo) ocorrem num estado que 
cOI-rcsponcle, ao menos em certo grau, ao estado de repressão nas neuroses 
de transferência e (2) se elas tornam-se amalgamadas com atitudes pré-
conscientes da personalidade, análogas às condições dinâmicas e estrutu-
rais que existem nas neuroses de transferência. 
Tendo portanto indicado a estrutura teórica dos problemas que esta-
mos confrontando, porei de lado, a esta altura, as várias complicações da 
formu !ação do conceito de transferência no seu sentido clfnico e teórico9 , 
e voltar-me-ei a uma classificação de orientação mais clfnica e empírica 
das transferências (ou, se se preferir, das estruturas semelhantes à transfe-
rência que ocorrem nos distúrbios narcfsicos e são mobilizadas durante 
sua análise. Esboçarei rapidamente essa classificação que propus pela 
primeira vez num trabalho anterior (1966a). 
O equiHbrio do narcisismo plimário é perturbado pelas inevitáveis 
falhas do cu idado materno, mas a criança substitui a perfeição prévia (a) 
estabelecendo uma imagem grandiosa e exibicionista do self: o self gran-
dioso; e (b) abandonando a perfeição anterior por um self-objeto admira-
do, onipotente (transic ional): a irnago parenta/ idealizada . 
Os termos "grandioso" c "exibicionista" reterem-se a um amplo es-
pectro de fenôme nos , abrangendo desde a visão solipsista de mundo da 
criança e seu indisfarçaclo prazer de ser admirada, e desde os delfrios evi-
dentes do paranóico e os atos sexuais cru6is do adulto pervertido, até as-
pectos da satisfação não-erótica mais branda, mais quanto à meta inibida 
elos adultos cons igo mesmos, com seu desempenho e com suas aquisições. 
O uso do nome da mais evidente, ou ela mais claramente dc li m.itacla mani-
festação de um grupo ou série ele fenômenos relacionados evolutiva, ge-
nética ou dinamicamente, como um le tmo para todo o grupo ou s6ric tor-
nou-se uma prática bem estabelecida na psicanálise desde que Freud 
(192 1) refetiu-se a todos os elementos instintivos libiclinais como sexuais 
Y t\ discussão dos aspectos teóricos destas questões encontra-se em Kohut (1959), Kohut c Scitz 
( 1963). A discussiio da aplicabilidade clfnica destas considerações teóricas encontm-sc no Capf-
tulo 9, especialmente o c<L~o do sr. 1\. 
-35-
"a potiori c por causa de sua origem" (p. 9 1) 10. Deve-se presu mir que a 
prática de usar o fato da un idade ge né tica e d inâm ica de diversos fenôme-
nos como uma base para nomenclaLUra unitária c formação de conceito 
não de ixa de ter pe rigo. Hartmann (1960), por exemplo, ad verte contra 
abusos nessa área e refere-se aos erros lógicos por eics responsáveis como 
"erro genético" (p. 93)1 1• Por outro lado, às vezes é de gra nde importân-
cia afirmar a profunda unidade gené tica c clinfun ica de um grupo de fenô-
menos aparentemente diversos c lassificando-os pelo mesmo termo, cha-
mando-os, por exemplo, de a poli01·i. Tal termo "gené tico" evocará de 
modo mais convincente o tipo certo de signiJ icado em nós. /\lém disso, 
mobilizará as resistências inte rnas e sociais que , paradoxalmente, devem 
tornar-se (idealmente) engajadas no campo conceitual - especialme nte 
numa ciência que lida com es tados psicológicos complexos. Enu·ctanto, é 
some nte pela gradual superação de resistências emocionais adequada-
mente mobilizadas que, ?. longo prazo, pode-se alcançar a aceitação de 
novas idéias. 
O termo self grandioso será usado daqui por diante neste trabalho 
(em vez do termo antes empregado, "self narcfsico" ) para des ignar a es-
trutura grandiosa e exibicionista que é a contrapartida ela imago parenta! 
idealizada . Já que o self é, e m geral , catcxizaclo com libido narcfsica, o 
lermo " self narc fsico" pode, com alguma justificação, ser considerado 
como uma tautologia. Enu·etanto, minha preferênc ia pelo te rmo selfgran-
dioso se baseia no fa to de que tem maior poder evocativo que o te m1o 
" self nmcfsico", c não estou descartando este úllirno le rmo rundamenlal-
mente e m bases teóricas. O narcisis111o, dentro de minha concepção ge-
ral, é definido não pelo alvo do invest.imento instintivo (isto é, se ele é o 
próprio St(ieito ou ollfras pessoas) mas pela natureza 011 qualidade do 
carga inslillliva. A c riança pequena, por exemplo, in veste outras pessoas 
com catexias narcfsicas e porlanto cxpericnc ia-as narcisicamcnte, isto é, 
como self-objetos. O esperado controle sobre tai s outros (self-objetos) 
está então mais próximo elo conceito de conu·o le que o adulto espera ter 
sobre seu próprio corpo c mente do que do conceito elo controle que espc-
l O Nfio 6 fác il definir ~ conotaçfio que o termo tt f'OIÍori tinha p~ra Freud quando explicou por 
que Se havia referido a todas as forças li bidinosas eo1110 sexuais. l)enu·c os nn1i tos significados do 
termo polior, "mais importante" 6 prov~vdmcntc o mais adequado neste co nte.xt<>. Em outras 
palavras, Fremi usou o termo " sex ual" não SolltCnle para a sex ualidade genital mas lamb~m para 
dcmcntos instintivos pr6-gcnit~is (os precursores da sexualidade gen ital) porque a sexual id:u.k 
genital era a mais importante (c portanto a mais conhecida) desses dois g ru pos de fenômenos rela-
cionados. 
I I P:ua uma cxcclcnlc dcfiniçfio do termo c do conceito de " falácia )!Cnúic~··, vide L:m:;er ( 195 7, 
p. 24S). 
-36-
ra ter sobre outros. Não s~rá discutida neste trabalho a questão de se o 
suje ito pode às vezes investir-se com catexias instintivas-objetais, tais 
como a agressividade não neutralizada nas automutilações, ou com cate-
xias líbidinais-objetaís nas experiências de auto-alheamento do·s esquizo-
frênicos. Entretanto, certamente se atinge um grau de investimento do su-
jeito pelo sujeito com catexias da atenção libidinal-objetal neutralizadas 
em diversas atividades au to-observadoras. 
Mais substanciais que as questões terminológicas são as questões 
relacionadas à posição dinâmica e evolutiva das principais configurações 
narc(sicas. Os mecanismos dominantes ("Eu sou perfeito." "Você é per-
feito, mas eu sou parte de você.") que as duas configurações narc(sicas 
básicas empregam a f1m de preservar uma parte da expe1iência original de 
perfeição narc{sica são, naturalmente, antitéticos 12• No entanto, coexis tem 
desde o in(cio, e suas linhas evolutivas individuais e an1plamente inde-
pendentes es tão abertas a um exame separado. Sob condições ideais de 
desenvolvimento, o exibic ionismo e gnmdiosidade do self grandioso ar-
caico são grudualme nte domesticados, e toda a estrutura, em LHtima análi-
se, torna-se integrada na personalidade adulta e fornece o combust(vel 
instintivo para nossas ambições e propósitos ~go-sintônicos, panr o des-
frute ele nossas atividades e para importantes aspectos de nossa au to-esti-
ma. E, sob circunstâncias similarmente favoráveis, a imago parenta.! idea-
lizada também torna-se integrada na personalidade adulta. lntrojetada co-
mo nosso superego idealizado, toma-se um importante componente de 
nossa organização ps(quica sustentando para nós a liderança cond utora de 
seus ideais. (U ma discussão mais exata deste processo encontra-se no Ca-
p(tulo 2) . Se a criança, entre tanto, sofre graves o·aumas narc(sicos, então 
o self grandioso não se fu nde no relevante conteL~do do ego , mas é retido 
em sua forma inalterada c luta pela realização deseus obje tivos arcaicos. 
E se a criança vi vencia decepções traumáticas com o adulto aclrn.irado, 
então também a imago pare nta! idealizada é re tida em sua forma inalte ra-
da, não é transformada numa estruturo ps(quica reguladora de tensão, não 
12 É quase dcsncccss:hio enfatizar que no começo esses processos sfio pré-verbais c pré-concei-
tuais~ que !ais frases paradigm(ttic~s como as acin1:1 ciutdas dcwm ser compreendidas num senti-
do evocativo sonH.:nlc, como as famosas declarações de l'rcud rcfcrcnlcs aos mcc~utismos ali vos 
na paranóia ( 19 li, p. 6J ss.). ,\ ú.:scriçfio apropriada dos mcc:utismos centrais que dc lcnninam as 
duas principais corrcnlcs evolutivas do narcisismo pode scr somenrc mcr~psicológica. Entre!Hnto , 
pode ser tltil di zer que o sei f grandioso (que corrcspomlc, em caro scntiuo, ao ego do prazer pu-
rifi cado de Frcud 119 I :ia]) 1cm mais an~ logos n:1 expcricncia adulra, cot no por exemplo o o rgulho 
c o preconceito nacional c racial (lu do que é bom csrá "dentro", ludo que é mau c ruim é atribu i-
do ao "de fora") , ao passo que a rc l: ~<;fio co m a imngo parcnlal iucaliwdu pode ler seu paralelo na 
;claçi"to (incl uindo fusões mfsticas) do vcnlaúciro crcnrc com Deus. 
-37-
atinge o status de uma introjeção acessfve1!3, mas permanece um self-ob-
jeto arcaico transicional que é necessário para a manutenção da homeosta-
se narcfsica. 
As principais linhas de pensamento adotadas nesta monografia estão 
organizadas de acordo com as conceituações referentes às duas configura-
ções narcfsicas básicas esboçadas no resumo precedente. Assim, os quatro 
tópicos segujntes constituem a essência desta investigação: (1) as transfe-
rências que surgem da mobilização terapêutica da imago parenta! ideali-
zada (a ser chamada de transferência idealizadora); (2) as que surgem da 
mobilização do self grandioso (abrangentemcnte referidas como transfe-
rências especulares); (3) as reações do analista (incluindo suas contra-
transferências) que são encontradas durante a mobilização da transferên-
cia pelo paciente da imago parenta! idealizada e (4) as que são encontra-
das durante a mobilização do self grandioso do paciente. 
No entanto, devem ainda ser feitas algumas observações introdutó-
rias adicionais de natureza mais geral e diversos tópicos cHnicos e teóri-
cos devem ser rapidamente introduzidos a esta altura, antes que se empre-
enda a detalhada e sistemática discussão das transferências narc fsicas es-
pecfficas. 
Vou iniciar aímnando minha convicção, obtida com base na obser-
vação cHnica, de que, dado por parte do analista um comportamento apro-
priadamente atento, que não obsu·ua nem interfua (isto é, a atitude analíti-
ca do analista), (1) é iniciado um movimento e m direção a uma regressão 
terapêutica especf11ca nos distthbios narcfsicos da personalidade; e (2) 
estabelece-se uma corresponde nte condição especllica semelhante à u·ans-
ferência 14 , a qual consiste no amálgama de estruturas narcfsicas incons-
cientes (a imago parenta! idealizada e o self grandioso) com a representa-
ção psíquica do analista que fica atraído para essas estruturas narcisica-
mente catexizadas e terape uticamente ativadas. 
As regressões de maior alcance, como se ressaltou anteriorme nte, 
levam à ativação de experiências ele fragmentos isolados do self-corpo-
mente e suas funções e à fragmentação e à perda dos objetos arcaicos nar-
cisicamente ca tex izados. Esse estágio do se/f fragmentadol5 cotTesponde 
13 Neste contex to, vide a discussão de inlernaliz.ação tnu\Smut.adora, no Capftulo 2. 
14 Estou aqui desconsiderando as re.~istências que se opõem ao estabelecimento das transferên-
ci:L~ narcfsicas; estas serão discutidas mliante. 
15 Se dcscj;umos enfatizar o progressivo potencial evolutivo inerente para a u11ificação e coesão, 
dcverfamos tamb6m falar, numa variação da terminologia de Glovcr ( 1943) de uma fase dos mí-
cleos do se/f(Gedo c Goldberg, 1969). 
-38-
à fase evolutiva à qual Freud (1914) referiu-se como estágio do auto-ero-
tismo (vide também Nagera, 1964). Aquela parte da personalidade que 
não participou da regressão tentará lidar com a fragmentação central. O 
paciente pode, por exemplo, tentar explicar para si mesmo a experiência 
de fragmen tação (mminaçiío hipocondríaca) e pode tentar encontrar pala-
vras para descrevê-la (queixas hipocondríacas [Glover, 1939]). A parte 
saudável da psique também será capaz de estabelecer um vínculo terapêu-
tico com o terapeuta, e assim pode ser possível criar uma relação tempêu-
tica trabalhável. Entretanto , a área central da regressão, isto é, os frag-
mentos do self grandioso arcaico bem como os fragmentos do objeto 
idealizado arcaico está, em essência, além do alcance da parte saudável da 
psique do paciente. Em outras palavras, enquanto o paciente vivencia os 
efeitos da regressão sobre a psique adjacente, a experiência do self-corpo-
mente e do self-objeto fragmentados não pode ser psicologicamente elabo-
rada16. 
O que é de importância capital aqui é o fato de que a área central da 
patologia não pode entrar em amálgamas estáveis com conteúdos de pen-
samento pré-consciente, incluindo as percepções do terapeuta: a área cen-
tral da patologia não se torna disponível para a formação de transferên-
cias. Embora seja assim possível ajudar tais pacientes por meio do apoio 
psicoterápico (incluindo o fornecimento de insight), uma situação analíti-
ca não pode ser estabelecida, isto é, a área central de patologia em si não 
pode entrar num amálgama de transferência trabalhável com a representa-
ção (pré)consciente do terapeuta. Nesses casos, na verdade, é de impor-
tância decisiva para o psicoterapeuta permanecer nitidamente diferenciado 
do núcleo da psicopatologia - se ele não puder chegar a essa separação e 
ficar atraído pelos delírios do paciente, ele perde seu elo com o remanes-
cente saudável da psique do paciente e, por tanto, perde seu poder tera-
pêutico. Assim, a manutenção de um relacionamento realista, amigável, 
com o psicoterapeuta é de importância capital no tratamento das psicoses 
e estados fro nteiriços, e a atual ênfase na importância da chamada aliança 
terapêutica ou aliança de trabalho (Zetzel, 1956; Greenson, 1965, 1967) 
é totalmente justificada no que diz respeito a esses casos. 
16 É imporlanlc o falo uc o pacienlc usar lermos de conolllçfio negalivn quando 1e111a uescrcver a 
experiência dos fragmcnlos do sclf- corpo- mcnlc ou do self-oujelo. Ele senle seus l~uios "csua-
nhos", por exemplo; seu corpo !Ornou- se "alheio" a ele; seu pcnsamenlo 6 agora "csquisiiO", 
ele.- lodos lermos que expressam o falO de que as mud:u1ç:~s regressivas csliio, em sua essência, 
fora da o rgrulizução psicológica do paeienle. De um ponlo de vis l<~ evolu livo, poder-se-ia dizer 
ponanlo que esses fragmenlos são pr6-psicológicos. 
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Em contraste com a situação que prevalece nas psicoses e nos esta-
dos fronteiriços, entretanto, as perturbações da motivação terapêutica que 
ocorrem na análise das neuroses de transferência e dos distúrbios nardsi-
cos da personalidade não são, de modo geral, causadas pelo tipo de ruptu-
ra do vínculo realista entre analista e analisando que necessitaria ser ati-
vamente restabelecido, isto é, por meio de um entusiasmo incomum no 
comportamento do analista (vide Jacobson, 1967). Na maior parte dos ca-
sos, a dificuldade é uma manifestação de uma transferência instintivo-ob-
jetai ou de uma transferência narcfsica que, tendo-se tornado uma resis-
tência, preci.sa ser trazida sob o crescente controle do ego elo paciente por 
meio de interpretações que propiciem insights. Em minha opinião, seria, 
desta forma, errôneo atribuir ao rapport não especffico, não transferencial 
do paciente com o analista, uma posição de importância fundamental na 
análise dessas fonnas de psicopatologia. Tal erro residiria numa aprecia-
ção insuficiente da diferença metapsicologican1ente definível entre distúr-
bios não analisáveis (psicoses e estados fronteiriços) e formas analisáveis 
de

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