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GRADUAÇÃO 2016.1 FINANÇAS PÚBLICAS AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA Sumário Finanças Públicas PLANO DE ENSINO ............................................................................................................................................... 3 AULA 1 — PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. ........................................................ 6 AULA 2 — ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO NA FEDERAÇÃO. ................................................................................... 26 AULA 3 — O ESTADO FINANCEIRO, A REPÚBLICA E O FEDERALISMO FISCAL. A DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES95. 43 AULA 4 — O PLANEJAMENTO E AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS (PPA, LDO E LOA) .................................................................... 65 4.2 INICIATIVA, ELABORAÇÃO, APRECIAÇÃO E VOTAÇÃO DOS PROJETOS ........................................................... 70 4.3 PRAZOS DE APRESENTAÇÃO E A VIGÊNCIA DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS ........................................................ 77 AULA 5 — OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS ........................................................................................................... 89 AULA 6 — OS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS ............................................................................................ 97 AULA 7 — A DESPESA PÚBLICA, A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO E A RESPONSABILIDADE FISCAL. ........................................ 112 AULA 8 — O FINANCIAMENTO DOS GASTOS, AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO E A DÍVIDA PÚBLICA EM FACE DO EQUILÍBRIO FISCAL. 129 AULA 9 — AS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E A PARTILHA DE RECEITA TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO .....146 AULA 10 — A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS INGRESSOS PÚBLICOS. .............................................. 164 AULA 11 — A RECEITA PÚBLICA E A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL ....................................................................... 182 AULA 12 — O TRIBUNAL DE CONTAS E O CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA. ........................................................ 186 ANEXO — REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E EXERCÍCIOS .......................................................................................... 199 PLANO DE ENSINO DISCIPLINA: Finanças Públicas CÓDIGO: PROFESSOR: Leonardo de Andrade Costa CARGA HORÁRIA: 30 horas EMENTA AS NECESSIDADES PÚBLICAS. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. HISTÓRI- CO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. FEDERAÇÃO. FEDERALISMO FISCAL. DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES. PLANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO. LEIS ORÇAMENTÁRIAS. CRÉDITO ORÇAMENTÁRIO. ADICIONAIS. DESPESA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE FISCAL. FINANCIAMENTO DE GASTOS. OPERAÇÕES DE CRÉDITO. EQUILÍBRIO FISCAL. PARTILHA DE RECEITAS. RECEITA PÚBLICA. INGRESSOS PÚBLICOS. CONTROLE DE EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA. TRIBUNAL DE CONTAS. OBJETIVOS GERAIS Conhecer as noções fundamentais de Finanças Públicas: a atividade financeira do Estado, o federalismo fiscal, o planejamento e as leis orçamentárias, assim como os princípios que orientam o orçamento. Examinar a forma de financiamento dos gastos estatais, a partilha de receitas tribu- tárias, a atuação do Tribunal de Contas e o controle da execução orçamentária, com destaque para os controles das despesas públicas. Compreender as múltiplas faces das receitas públicas e as suas diversas espécies, além de noções gerais acerca do poder de tributar e da competência tributária. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: METODOLOGIA A disciplina será conduzida por meio da combinação de exposições dialogadas com o método socrático de ensino. A participação dos alunos será amplamente estimulada, além da exigência de leituras prévias indicadas. O conteúdo também será desenvolvido com a realização de exercícios em sala. PROGRAMA 18/02/16 – Aula 1 – Pré-compreensão do tema. As Necessidades Públicas e a Atividade Finan- ceira do Estado. Breve histórico dos Tributos e das Finanças Públicas em face da evolução social 25/02/16 – Aula 2 – Atividade Financeira do Estado na Federação 03/03/16 – Aula 3 – O Estado Financeiro, a República e o Federalismo Fiscal. A distribuição de funções entre os Poderes 10/03/16 – Aula 4 – O Planejamento e as Leis Orçamentárias (PPA, LDO e LOA) 17/03/16 – Aula 5 – Princípios Orçamentários 31/03/16 – Aula 6 – Os Créditos Orçamentários e Adicionais 07/04/16 – P1 19/04/16 – Revisão da P-1 28/04/16 – Aula 7 – A Despesa Pública, a Execução do Orçamento e a Responsabilidade Fiscal 05/05/16 – Aula 8 – O Financiamento dos Gastos, as Operações de Crédito e a Dívida Pública em face do equilíbrio fiscal 12/05/16 – Aula 9 – As transferências constitucionais e a partilha de receita tributária no Fede- ralismo Fiscal Brasileiro 19/05/16 – Aula 10 – A Receita Pública no âmbito da teoria geral dos Ingressos Públicos 02/06/16 – Aula 11 – A Receita Pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal 09/06/16 – Aula 12 – O Tribunal de Contas e o Controle da Execução Orçamentária 16/06/16 – P2 30/06/16 – Prova Final CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Duas provas de igual peso. BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA COSTA, Leonardo de Andrade Costa. Finanças Públicas – Material Didático FGV DIREITO. Rio de Janeiro. 2016.1. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 19ª ed. Rio de Janeiro: Reno- var, 2013.1. HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 5ª ed. ver. e atual. São Paulo: Edi- tora Revista dos Tribunais, 2013. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 6 1 Nos termos em que será examinado nesta aula, as Finanças Públicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a disciplina jurídica é normativa e emi- nentemente prática, ao passo que a ci- ência das finanças é especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a perma- nente interação com os outros campos do conhecimento formal e da realidade que se interpenetram. De fato, a ca- pacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmentações dos objetos e relações sob exame e bem assim a cria- ção de modelos simplificados e parciais para a sua análise. 2 Vide artigo 2º da Constituição da Re- pública Federativa do brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título iV intitula-se “Da Organi- zação dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4. 3 No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está expressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, i, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 ocasião em que será iniciado o estudo do Capítulo ii, do Título Vi, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Federação brasileira será aprofundado na Aula 9 e a apresentação do sistema de atri- buição de competências tributárias entre os entes políticos no brasil será realizado na Aula 13, ocasião em que será iniciada a análise do Capítulo i, do Título Vi, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” — art. 145 a 162 da CR-88. 4 O estudo da dinâmica e da ratio subja- cente ao processo político democrático é de fundamental importância para a compreensão de quaisdeveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atri- buições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade bra- sileira. 5 Vide art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exem- plo, para a compreensão dos possíveis efeitos sobre o exercício da compe- tência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em AULA 1 — PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. 1.1 PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA A compreensão de cada parte que compõe o objeto de estudo das Finan- ças Públicas1 (juízo deôntico prescritivo do dever-ser), assim como da inte- ração de seu conjunto e a realidade social (juízo ôntico descritivo do ser), pressupõe o entendimento de alguns elementos de natureza estruturante da atividade financeira do Estado e bem assim do caráter multifacetado dos or- çamentos, das despesas públicas, dos tributos e das demais receitas públicas não tributárias. Conforme será visto, esses temas podem ser examinados a partir do ponto de vista estritamente normativo, do enfoque exclusivamente econômico ou, ainda, da perspectiva em que o Direito, a Economia e a Política se correlacio- nam e interpenetram. Destacam-se entre esses elementos, todos essenciais ao entendimento da matéria e cuja análise efetivar-se-á ao longo do curso: 1. os princípios fundantes do ordenamento jurídico brasileiro volta- dos para a pulverização e contenção do exercício dos poderes esta- tais, destacando-se entre eles o sistema de distribuição de funções, de independência e de harmonia entre os denominados “Poderes” da República2, assim como a Forma de Estado3 Democrático4 de Direito, usualmente denominados de Princípios Republicano, Fe- derativo e Democrático, respectivamente, além da Forma e do Sis- tema de Governo5 implementados; 2. a função de planejamento exercida pelo Estado6 e a sua ligação com as finanças públicas por meio dos orçamentos,7 instrumentos neces- sários para a realização da atividade financeira pública; 3. as diversas estratificações, fases e dinâmica dos gastos públicos bem como das múltiplas fontes para o seu financiamento; 4. os limites à atuação do Estado atual em face dos direitos e garantias do cidadão contribuinte; A necessidade do prévio entendimento desses elementos, que englobam múltiplas disciplinas, decorre do fato de que as Finanças Públicas e a Tri- butação são subsistemas tanto do Direito como da Economia, e, ao mesmo tempo, expressão e resultante de um longo processo de sedimentação Polí- tica e Cultural de determinado povo, localizado em território definido em 1. Nos termos em que será exami- nado nesta aula, as Finanças Pú- blicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a dis- ciplina jurídica é normativa e eminentemente prática, ao passo que a ciência das finanças é espe- culativa, não possuindo caráter discipli- nador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a permanente interação com os outros campos do conhecimento for- mal e da realidade que se interpene- tram. De fato, a capacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmenta- ções dos objetos e relações sob exame e bem assim a criação de modelos sim- plificados e parciais para a sua análise. 2. Vide artigo 2º da Constituição da República Federativa do brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR- 88, cujo Título iV intitula-se “Da Orga- nização dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4. 3. No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está ex- pressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, i, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 oca- sião em que será iniciado o estudo do Capítulo ii, do Título Vi, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Fe- deração brasileira será aprofundado na Aula 9 e a apresentação do sistema de atribuição de competências tributárias entre os entes políticos no brasil será realizado na Aula 1 do próximo semes- tre, ocasião em que será iniciada a aná- lise do Capítulo i, do Título Vi, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” - art. 145 a 162 da CR-88. 4. O estudo da dinâmica e da ratio subjacente ao processo político demo- crático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atri- buições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade bra- sileira. 5. Vide art. 2º dos Atos das Dis- posições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exemplo, para a compreensão dos pos- síveis efeitos sobre o exercício da com- petência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em que os tratados internacionais de natu- reza tributária firmados pelo presiden- te da República Federativa do brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado — da República Federativa do brasil, estabeleçam isenções e benefícios fis- cais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado no curso intitulado Sistema Tributário Nacional 6. O Estado atua, além do pla- nejamento, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regula- dor da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da ati- vidade econômica (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma denominada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcio- nada com status de lei complementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9). 7. O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 7 que os tratados internacionais de natu- reza tributária firmados pelo presiden- te da República Federativa do brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado — da República Federativa do brasil, estabeleçam isenções e benefícios fis- cais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado no curso intitulado Sistema Tributário Nacional 6 O Estado atua, além do planejamen- to, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regulador da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da atividade econômi- ca (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício dopoder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma deno- minada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcionada com status de lei com- plementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9). 7 O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). 8 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Di- reito i. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem- pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi- dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami- nhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con- sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional. 9 Para a compreensão do tema reco- menda-se a revisão da Aula 3 do Ma- terial didático de Direito Constitucional i (2010.2) — intitulada Conceito de Sistema. dado momento histórico, sob as inevitáveis influências das múltiplas intera- ções dinâmicas de âmbito local, regional e global. No entanto, se por um lado existe o requisito do exame multidisciplinar e interdisciplinar das questões envolvidas, deve-se destacar que as normas eco- nômicas não possuem caráter impositivo formal por força de sua simples existência, razão da indispensabilidade da norma jurídica, pois somente esta reveste a coercitividade muitas vezes necessária à realização e disciplina da atividade financeira estatal e, ao mesmo tempo, pode, também, fixar os limi- tes e os parâmetros para a atuação do Estado de Direito, reduzindo o risco de descumprimento8 das “regras do jogo” pelas partes que interagem nas rela- ções financeiras e tributárias. Cumpre, ainda, ressaltar que o estudo das Finanças Públicas possui cará- ter expeculativo e abrange toda a atividade financeira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tribu- tos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público. Destaque-se, entretanto, que, diferentemente do que ocorre com o Direito Financeiro, o estudo das Finanças Públicas não tem caráter nor- mativo, tendo em vista ter como objetivo precípuo a análise econômica e o estudo dos possíveis impactos da atividade financeira do Estado. Em suma, apesar do Direito Financeiro e as Finanças Públicas possuírem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado (AFE), a primeira disciplina é eminentemente normativa e a outra marcadamente es- peculativa. Em sentido análogo, o estudo dos tributos é objeto de exame tanto do Direito Tributário como da Tributação, apesar do enfoque do pri- meiro ser jurídico e do segundo ser econômico. Inquestionável, entretanto, que somente é possível compreender os tributos e a tributação no contexto das Finanças Públicas em sua interação com a Política, o Direito e a Econo- mia, fenômenos indissociáveis9 e usualmente analisados separadamente por comodidade ou questões de ordem didática. O quadro abaixo sumariza de forma esquemática o objeto de estudo do curso bem como a interação com o direito tributário e as diversas disciplinas mencionadas: 8. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito i. Rio de Janeiro: Edições Tempo brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem- pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi- dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami- nhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con- sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional. 9. Para a compreensão do tema recomenda-se a revisão da Aula 3 do Material didático de Direito Constitu- cional i (2010.2) — intitulada Conceito de Sistema. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 8 10 FERREiRA, Aurélio buarque de Ho- landa, Novo Aurélio Século XXI: o di- cionário da língua portuguesa/ Aurélio buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finanças. A situação econômica de uma instituição, empre- sa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo líquido; ou con- dição financeira”. 11 O artigo 48, ii, da Constituição da Re- pública de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o arti- go 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pa- gas no vencimento, em moeda corren- te pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções pre- vistas na legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito in- ternacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigên- cias dos órgãos competentes. 12 Sob o ponto de vista jurídico Caio Má- rio da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfeitamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em razão de não ter o direito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, pa- trimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o conjunto de bens. (...) Noutros termos, o patri- mônio se compõe de um lado positivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se te- rem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o sal- do positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista in- teressa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem inda- gação de uma eventual subtração ou de um balanço”. in. PEREiRA,Caio Mário da 1.2 AS FINANÇAS EM SEUS MÚLTIPLOS ASPECTOS Fixadas essas noções preliminares, torna-se importante salientar o sentido e o alcance da expressão finanças para melhor compreensão da matéria. Em sentido comum10, as finanças expressam a situação de uma pessoa naturalou jurídica, de direito público ou de direito privado, relativamente aos recursos econômicos disponíveis. Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais variados desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de liquidez, ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional11 ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências legais para a autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado. Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de que seja também identificada, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades, isto é, se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio).12 Assim, a determinação da posição econômica e financeira de uma pessoa, de direito público ou privado, requer: (1) a definição de mecanismos para a quantificação monetária13 dos ativos e passivos, à exceção daqueles valores mantidos em caixa ou depositados em instituições financeiras, bem como dos passivos já expressos em moeda corrente; e (2) de um sistema para a sua evi- dência, controle e gerenciamento ao longo do tempo. Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que possibilitem o eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação: 10. FERREiRA, Aurélio buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portugue- sa/ Aurélio buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finan- ças. A situação econômica de uma insti- tuição, empresa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo lí- quido; ou condição financeira”. 11. O artigo 48, ii, da Constituição da República de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o artigo 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda cor- rente pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções pre- vistas na legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito in- ternacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigên- cias dos órgãos competentes. 12. Sob o ponto de vista jurídico Caio Mário da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfei- tamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em razão de não ter o di- reito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, patrimônio seria o complexo das rela- ções jurídicas de uma pessoa apreciá- veis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o con- junto de bens. (...) Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado posi- tivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se te- rem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o sal- do positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista in- teressa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem inda- gação de uma eventual subtração ou de um balanço”. in. PEREiRA,Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume i. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2002. p. 245. 13. Princípio Contábil do denomina- dor comum monetário. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 9 Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume i. Rio de Janeiro. Ed. Foren- se, 2002. p. 245. 13 Princípio Contábil do denominador comum monetário. (a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as suas variações entre períodos determinados (mutações ou variações patrimoniais); (b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de li- quidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financia- mento das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e (c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento- programa) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento das ações e as finanças, permitindo a operacionalização efetiva e concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza, isto é, quantifica-os em moeda permitindo o estabelecimento de cronogramas físico-financeiros. Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos mecanis- mos de quantificação monetária dos bens, direitos e obrigações, assim como das respectivas demonstrações financeiras que os evidenciam, é pressuposto à compreensão das Finanças Públicas e, em especial, de aspectos essenciais da tributação da renda, que ao lado do consumo e do patrimônio consubstan- ciam os substratos econômicos de incidência tributária (vide nota 8). Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois modelos de medidas adotados em análise econômica, denominadas, respectivamente, (1) stock measure, relacionado ao conceito de estoque, e (2) flow measure, vin- culado à quantificação de fluxos. O fluxo é definido ao longo de um período específico de tempo (por ano, mês, dia etc.), ao passo que o estoque refere-se a um dado momento no tempo, e não durante e ao longo de um dado perí- odo de tempo. Essa análise permite o acompanhamento da execução do que foi programando, por meio da verificação da execução dos orçamentos, o que explicita a situação patrimonial e financeira em um dado momento do tempo e ao longo do período. Assim, em termos gerais e de forma esquemá- tica, visando à compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação patrimonial e financeira de uma organização, pode-se representar o que se deseja alcançar no momento da seguinte forma: FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 10 Fluxo de Receita (por dia, mês etc.) – situação dinâmica Tempo tempo 1 tempo 2 situação estática 1 situação estática 2 momento no tempo Fluxo de Despesa (por dia, mês etc) situação dinâmica 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Ativo = 150 Patrimônio Líquido = 100 Passivo = 50 Ativo = 550 Patrimônio Líquido = 500 Passivo = 50 Total = 800 Total = 400 Receitas 800 Despesas <400> Resultado +400 Balanço Patrimonial2 Balanço Patrimonial 1 Ao fluxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período, o que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao final do cada exercício, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos determi- nados no tempo. Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fluxo fi- nanceiro sem impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado durante o curso. No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do perí- odo a fim de facilitar essa análise inicial. Saliente-se, que parte da dificuldade da gestão e do controle financeiro e patrimonial, público e privado, decorre do fato de que a despesa ou a receita gerada em determinado exercício — sob o ponto de vista jurídico ou econômico — nem sempre é realizada financei- ramente no mesmo período, podendo ocorrer, portanto, desconexões entre: (1) o fluxo monetário; e (2) a contabilização do evento que altera a situação patrimonial líquida. Nesse sentido, importante frisar que o curso deste semestre se inicia com uma visão geral da matéria e da Atividade Financeira do Estado ao longo da história. Precipuamente, serão abordados os diversos temas atinentes ao campo tradicionalmente definido como pertinente ao Direito Financeiro e às Finanças Públicas, tais como o Financiamento dos Gastos e a Receita Pública no âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos, a Despesa Pública, a Res- ponsabilidade Fiscal, os Orçamentos (a Lei do Orçamento Anual — LOA, a Lei do Plano Plurianual —PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO), o Controle da Execução Orçamentária, a Dívida Pública e o sistema de Repartição Constitucional de Receitas Tributárias.. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 11 14 Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a necessidade públi- ca não se confunde com necessidade individual (cujo grupamento dá lugar às necessidades gerais que são, por ex- celência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogenei- dade e que surge da contraposição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTi, Márcio Faria. Direito Financeiro sim- plificado para concursos públicos. São Paulo: impactus, 2008. p. 19. 15 importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adota- da pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circuns- tância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será realizado pelo Poder Público. SCHWAbE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Consti- tucional Federal Alemão. Tradução Leonardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.bVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvimento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as provi- dências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de buenos Aires, na medida dos recur- sos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” 16 bALEEiRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4. 17 Art. 3º i, ii, iii e iV da CR-88. 1.3 AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. Os indivíduos possuem interesses e demandas variadas, as quais, em seu conjunto, formam o que se denomina de necessidades gerais ou sociais14. Nesse sentido, as demandas coletivas seriam a resultante abstrata do soma- tório das necessidades individuais. O Estado, entretanto, considerando, por um lado, a limitação15 dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tecnoló- gicos, financeiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais infini- tas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conteúdo no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu aten- dimento: são as chamadas necessidades públicas. Assim, uma vez fixado normativamente o dever do Estado em realizar apenas algumas demandas coletivas politicamente determinadas — as políticas públicas-, o que ocorre modernamente por meio dos orçamentos, conforme será estudado nas pró- ximas aulas, as mesmas se convolam e transmudam em necessidades públi- cas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qualificam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado. Os serviços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos fins a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por meio da utilização da atividade financeira do Estado. Nesse sentido ensina Alio- mar Baleeiro16 que: se, em tempos remotos, foi usual, e hoje, excepcionalmente, ainda se verifica a requisição pura e simples daquelas coisas e serviços dos súditos, ou a colaboração gratuita e honorífica destes nas funções go- vernamentais em verdade, na fase contemporânea, o Estado costuma pagar com dinheiro os bens e o trabalho necessários ao desempenho da sua missão. É o processo da despesa pública, que substitui, com vantagem, o da requisição, o da gratuidade de cargos, o do apossa- mento dos cabedais dos inimigos vencidos, embora de tudo isso ainda perdurem resquícios, notadamente em tempo de guerra. A regra, hoje, é o pagamento em moeda e, por isso, constitui atividade financeira a que o Estado, as províncias e municípios exercem para obter dinheiro e aplicá-lo ao pagamento de indivíduos e coisas utilizadas na criação e manutenção de vários serviços públicos. No atual contexto brasileiro, de determinação pelo processo político demo- crático das denominadas necessidades públicas, a serem atendidas pelo insubs- tituível instrumento da atividade financeira do Estado moderno, é importante destacar que o poder constituinte originário definiu ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil17: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a 14. Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a neces- sidade pública não se confunde com necessidade individual (cujo grupa- mento dá lugar às necessidades gerais que são, por excelência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogeneidade e que surge da contra- posição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTi, Márcio Faria. Direito Fi- nanceiro simplificado para concursos públicos. São Paulo: impactus, 2008. p. 19. 15. importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adotada pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circunstância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será rea- lizado pelo Poder Público. SCHWAbE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Tradução Le- onardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.bVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Di- reitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, apro- vada no brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvi- mento progressivo”, que:“os Estados partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacio- nal, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apro- priados.” 16. bALEEiRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4. 17. Art. 3º i, ii, iii e iV da CR-88. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 12 18 VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCiA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91. 19 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade financeira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, sur- gindo na idade Média por derivação da palavra finare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.” 20 HARADA, Hiyoshi, Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4. marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais mandamentos constitucio- nais, o poder público disciplina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política macroeconô- mica, cujos objetivos, correlatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualificados, podem ser sumarizados como: (a) a busca de alto nível de empre- go; (b) a estabilidade de preços; (c) a distribuição equitativa da renda; e (d) o crescimento econômico. Os principais instrumentos utilizados na condução da política macroeconômica para atingir esses fins são “as políticas fiscal, mone- tária, cambial e comercial, e de rendas”18, todas integrantes da denominada atividade financeira do Estado, caso adotado um conceito amplo19 para o termo. De fato, inquestionável a relevância e a interpenetração de cada uma dessas políticas econômicas, em especial para atingir consistência e coordena- ção entre as políticas públicas que ensejam as despesas do governo e as metas macroeconômicas, matéria cujo exame detalhado extrapola o objeto deste cur- so. Nessa toada, serão abordados nesse semestre apenas os aspectos mais rele- vantes dessas questões, na medida em que o estudo dos instrumentos direta- mente relacionados (1) à obtenção das receitas e financiamento dos gastos, (2) à realização das despesas, (3) ao planejamento orçamentário e à gestão fiscal e patrimonial do Poder Público suscitem uma análise mais detalhada dos aspectos macroeconômicos que se imbricam. Assim, pode-se representar graficamente o objeto de estudo das próximas aulas pela figura que se segue: Nessa mesma linha de pensamento, Kyoshi Harada20 conceitua a “atividade financeira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à consecução das finalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum” (grifo nosso). 18. VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCiA, Manuel E. Fundamen- tos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91. 19. TORRES, Ricardo Lobo. Cur- so de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade fi- nanceira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, surgindo na ida- de Média por derivação da palavra fi- nare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.” 20. HARADA, Hiyoshi, Direito Fi- nanceiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 13 21 bALEEiRO. Op. Cit., p. 4. 22 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualiza- da. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constitui- ção de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômi- ca e a Política” 23 ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civilization run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thousand years ago in Su- mer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay cones excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy taxation during a ter- rible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collectors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was destroyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso). Aliomar Baleeiro21, por sua vez, adotando conceito mais amplo, define que a “atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o di- nheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público” (grifo nosso). De fato, a própria CR-88 estabelece a competência da União para emitir moeda, atri- buição a ser exercida exclusivamente por meio do Banco Central, em seu ar- tigo 164, dispositivo inserido no Capítulo II, do Título VI, da CR-88, inti- tulado “Das Finanças Públicas”. Dessa forma, tanto o eminente autor como a Constituição incluem a política monetária diretamente no escopo da análi- se da atividade financeira do Estado, o que será realizado neste curso apenas de forma tangencial. Pode-se concluir pelo que foi até aqui exposto, que a atividade financeira é meramente instrumental, na medida em que apenas viabiliza a consecução das políticas públicas, as quais traduzem os objetivos estatais fixados pelo processo político (ex: educação, saúde, segurança pública, transporte etc.). Portanto, a atividade finanaceira não constitui uma finalidade do Estado ten- do em vista não possuir um fim em si mesma. Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, o objeto de estudo do semestre será a Constituição Financeira, a qual, segundo a melhor doutrina, é compos- ta pelas Constituições Tributária, Orçamentária e Monetária22 (artigos 145 a 169 da CR-88), além dos dispositivos pertinentes à fiscalização orçamentária dos Municípios (artigo 31 da CR-88); ao controle interno, externo e social da execução orçamentária e da Administração Pública (artigos 70 e seguintes da CR-88), ao orçamento do Poder Legislativo (artigos 51, IV, e 52, XIII, da CR-88), do Poder Judiciário (artigo 99) e do Ministério Público (artigo 127). Antes, porém, serão examinados, de forma sucinta, os principais períodos e características mais relevantes da história dos tributos e das finanças públicas, o quecertamente auxiliará a compreensão da realidade e o atual estágio de desenvolvimento da matéria. 1.4 BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS. A leitura de diversos episódios marcantes em todo o curso da história da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do lu- gar objeto da pesquisa, os tributos as finanças públicas sempre tiveram e continuam a ter influência determinante no curso das civilizações. A primeira civilização de que se tem conhecimento23 concreto, cerca de seis mil anos atrás, era denominada Sumer, uma localidade entre os rios Tigre e Eufrates, no que hoje é o Iraque. Os acontecimentos históricos lá ocorridos revelam a grande influência dos tributos já naquela época, e estão gravados em hieróglifos encontrados em escavações em Lagash, localizado em Sumer. 21. bALEEiRO. Op. Cit., p. 4. 22. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volu- me V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tri- butária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o qua- dro maior da Constituição de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômica e a Política” 23. ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of ta- xes on the course of civili- zation. 2nd ed. United States: Madi- son books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civiliza- tion run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thou- sand years ago in Sumer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay co- nes excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy ta- xation during a terrible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collec- tors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was des- troyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso). FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 14 24 ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highli- ghted by its enduring length. An advan- ced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”. Após um período de incidência tributária de forma generalizada e bastante gravosa, um rei, chamado Urukagina, determinou a “liberdade”, por meio da extinção dos coletores do rei. O que parecia ser a solução de todos os proble- mas ensejou um final amargo para o bondoso monarca e àqueles até então submetidos à tirania fiscal: a localidade, após alcançada a almejada “liberda- de”, foi totalmente destruída por invasores externos. Abaixo, reproduz-se a figura (extraída do livro de Charles Adams, p. 2, vide nota 21) contendo os símbolos que registraram e informam a existência da lei libertadora de Urikagina. Esse exemplo reflete um problema crucial, a necessidade de recursos para implementação de uma organização mínima e de proteção contra invasores — questão que, mesmo após a criação dos denominados Estados-Nações Absolutistas continuou a se fazer presente. Já na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade24, em contra- ponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identificar, após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fiscais dos faraós para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles per- tencentes. Constata-se por meio de figuras e escritos milenares que nada era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves. 24. ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highlighted by its en- during length. An advanced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 15 25 CiCERO, Marcus Tullius. On Duties ii. in: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Disponível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009. 26 CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdici- zação dos impostos: Garantias de Ter- ceira Geração. in: MARTiNS, ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisci- plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero25 (106 — 43 a.C) di- fundiu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos dire- tos, nos seguintes termos, um ano antes de sua morte (44 a.C): When constant wars made the Roman treasury run short, our fore- fathers often used to levy a property tax. Every effort must be made to prevent a repetition of this; and all possible precaution must be taken to ensure that such a step will never be needed … But if any govern- ment should find itself under necessity of levying a tax on property, the utmost care has to be devoted to making it clear to the entire popula- tion that this simply has to be done because no alternative exists short o complete national collapse. Cabe salientar, entretanto, que o Império Romano é um exemplo clássico de como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referência ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de servi- dões sobre o homem, conforme assevera o professor Diogo Leite Campos26: Eis, pois, o legado de Roma em matéria fiscal: o imposto como pro- duto e instrumento da opressão, crescendo à medida que se desenvolve a máquina político-administrativa; assente na força pura, sem referên- 25. CiCERO, Marcus Tullius. On Du- ties ii. in: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Dispo- nível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009. 26. CAMPOS, Diogo Leite de. A Ju- risdicização dos impostos: Garantias de Terceira Geração. in: MARTiNS, ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 16 27 GALVÊAS, Ernani. breve História dos Tributos. in: MARTiNS, ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisci- plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318. 28 ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos ca- pítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the purpose of buying and selling, wi- thout payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normativa foi seguida pelos Estados Unidos e Ca- nadá: “the United States and Canadian constitutions adopted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Fre- edom to travel in and out the country cannotbe curtailed. The Russians find difficult to understand why the West em- phasizes this basic human right. Magna Carta is the source.” 29 Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: bem de Família do Fiador e o Direito Hu- mano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e positivação dos di- reitos humanos, pode-se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direi- tos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obstante, a questionável legitimi- dade da referida Constituição — pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da bur- guesia -, ela representa um capítulo da história do constitucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da le- galidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato. 30 ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept expanded. A rising class of wealthy commoners were cal- led to meet in a House of Commons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was needed, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxation, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 31 GALVÊAS. Op. Cit., 318. cia à justiça. O imposto ‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça que realiza- vam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocle- ciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampa- mento militar. O imperador estabelece a coacção como único instru- mento de estabilização. Impõe-se uma escala de preços máximos para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para infractores, a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma máquina administrativa e militar crescente, aumentaram rapidamente. Criou-se um conjunto de impostos para financiar o apa- relho administrativo e militar; um imposto geral sobre as vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações de serviços obrigató- rias (transporte, fabrico de pão etc.). As atividades profissionais foram organizadas em corporações, elementos e instrumentos do Estado, com carácter coactivo e hereditário. Na última fase da sua história, a roma- nidade transforma-se numa comunidade em que todos trabalham, mas ninguém para si próprio. A propriedade mantém-se, é certo, como o ‘fundamento inamovível das relações humanas’; mas a sua função dei- xou de ser ligada ‘naturalmente’ à satisfação das necessidades de seu titular, para satisfazer os interesses públicos. Dando um salto na cronologia da história, outro momento merece desta- que na abordagem que se estabelece neste curso é o século XIII d.C., o qual, para alguns autores27, representa o início da sistemática tributária que se con- sagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Magna inglesa de 121528 que a legalidade ascendeu como princípio norteador das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar li- mites para a criação de tributos. Na realidade, tal documento29 é decorrência da indignação dos barões proprietários de terras que forçaram King John a assinar a Magna Carta, pois já não concordavam com os constantes desres- peitos do monarca aos costumes tributários da realeza impondo-lhes excessi- va carga tributária. De fato, tributação adicional somente poderia ser exigida com consentimento30, cujo conceito foi se alterando e expandindo ao longo do tempo, haja vista que a anuência da classe comum então ascendente eco- nomicamente passou também a ser exigida. No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, conforme ressalta Gal- vêas31, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a 27. GALVÊAS, Ernani. breve História dos Tributos. in: MARTiNS, ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Mul- tidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318. 28. ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos capítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the pur- pose of buying and selling, without payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normati- va foi seguida pelos Estados Unidos e Canadá: “the United States and Canadian constitutions adop- ted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Freedom to travel in and out the country cannot be curtailed. The Russians find di- fficult to understand why the West emphasizes this basic human right. Magna Carta is the source.” 29. Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e posi- tivação dos direitos humanos, pode- -se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direitos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obs- tante, a questionável legitimidade da referida Constituição - pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da burguesia -, ela repre- senta um capítulo da história do cons- titucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da legalidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato. 30. ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept ex- panded. A rising class of we- althy commoners were called to meet in a House of Com- mons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was nee- ded, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxa- tion, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 31. GALVÊAS. Op. Cit., 318. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 17 32 idem. ibidem. p. 318-319. 33 TORRES. Op. Cit. p. 3-4. qual “nenhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebispos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”. Alguns séculos depois, já no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Ri- ghts, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without representation (aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos americanos no período da revolução americana). Conforme preleciona Galvêas32a referi- da norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos dos países modernos. Destaque-se, no entanto, nos termos apontados pelo pro- fessor Ricardo Lobo Torres33 que: É inútil procurar antes das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII a figura do orçamento. No mundo patrimonial já surgia a au- torização dos estamentos e das cortes para a cobrança de impostos. Na Inglaterra a partir de 1215 e em Portugal, mas remotamente, tornava- se necessário o consentimento para que o Rei pudesse lançar tributos, que tinha o caráter extraordinário e só se justificavam quando insufi- cientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a rigor, não se con- fundem com os que permanentemente passam a ser cobrados a partir da instauração da estrutura liberal de Governo, posto que eram apro- priados privadamente, sem a nota da publicidade que marca os tributos permanentes. Era difícil distinguir a Fazenda do Rei e a do Estado, as despesas do Rei e do Reino, as rendas da Coroa e do Reino. Assim sendo, não havia necessidade nem de autorização para a cobrança dos ingressos dominiais nem para a realização da despesa, pelo que descabe cogitar de orçamento no Estado Patrimonial. (grifo nosso) Portanto, o período denominado de Patrimonialismo é caracterizado pelo Estado protetor contra as guerras e invasões externas, sendo as finanças fun- damentadas em rendas patrimoniais e dominiais dos príncipes bem como da exploração das colônias. A receita extrapatrimonial de tributos nesse período é secundária e excepcional, não havendo a necessidade de autorização parla- mentar para a sua efetivação, como regra geral, tampouco para a realização das despesas, motivo pelo qual não existia orçamento sequer em sua concepção tradicional, confundindo-se e entrelaçando-se as finanças do Rei e a do Estado. O século XVIII, por sua vez, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos huma- nos fundamentais — em especial a propriedade e a liberdade —, uma vez que o Estado era visto como “inimigo da liberdade individual, e qualquer restri- 32. idem. ibidem. p. 318-319. 33. TORRES. Op. Cit. p. 3-4. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 18 34 DALLARi, Dalmo de Abreu. Elemen- tos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 233. 35 Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320. 36 SiLVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocá- bulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou ligado ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a exe- cução de certas leis, preceitos ou regu- lamentos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em cer- tos estabelecimentos públicos ou par- ticulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou pratica- dos por outrem”. ção ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”, preleciona Dallari.34 A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America, de 4 de julho de 1776, proclama entre as razões da insatisfação com o King of Great Britain: “For imposing taxes on us without our consent”. A Constituição dos Estados Unidos, por sua vez, ratificada em julho de 1787, estabelece em seu artigo 1º, seção 8, que: The Congress shall have the Power 1. to lay and collect taxes, du- ties, imposts and excises, to pay the debts and provide common de- fense and general welfare of the United States; but all duties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States. (grifo nos- so) Na mesma linha, a Constituição francesa de 03.09.1791 foi categórica na contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de reno- vação anual da autorização parlamentar para tributar: Titre V, art. 1 er: Les contributions publiques seront délibérées et fixées chaque année par le Corps Legislatif, et ne pourront subsister au dela du dernier jour de La session suivante, si elles n’ont pás été expressément renouvelée. Se com o constitucionalismo nasce a idéia de orçamento incorporando as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a liberda- de contratual como um direito natural das pessoas. Com efeito, o pensador Adam Smith sustentava que as relações econômicas deveriam ser regidas pelo princípio da liberdade de negociar, sem a participação do Estado. Era a de- nominada fase do Estado Liberal — caracterizado como Estado Mínimo ou Estado de Polícia —, cuja premissa sob o aspecto econômico era por alguns denominada como a primazia da mão invisível do mercado para reger a eco- nomia. A Revolução Industrial também merece realce, porquanto trouxe mudan- ças de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitando a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade, acentua Galvêas35. A visão clássica e mais difundida desse contexto, que perdura desde a fase final do século XVIII, todo o século XIX até o início do século XX, é no sentido de que a atividade financeira do Estado Liberal era neutra, geralmen- te classificada como finanças neutras ou fiscais36, pois tinha apenas a função de arrecadar para fazer face às despesas decorrentes das prestações por ele exerci- 34. DALLARi, Dalmo de Abreu. Ele- mentos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Pau- lo: Editora Saraiva, 1991. p. 233. 35. Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320. 36. SiLVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocá- bulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou ligado ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a exe- cução de certas leis, preceitos ou regu- lamentos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em cer- tos estabelecimentos públicos ou par- ticulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou pratica- dos por outrem”. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 19 37 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu- tário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5. 38 ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333. das, de caráter essencial, como as relacionadas à justiça, política, diplomacia, defesa contra agressão externa e segurança da ordem interna. Os tributos, conforme assevera Luiz Emygdio F. da Rosa Jr37, também eram caracterizados pelo fim exclusivamente fiscal, posto que a exigência dos mesmos objetivaria tão-somente a obtenção de recursos para financiar a atividade financeira. Assim sendo, a atividade financeira exercida pelo Estado somente visava à obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas pú- blicas, isto é, as finanças públicas tinham finalidades exclusivamente fiscais. Gaston Jéze resumiu de maneira lapidar o alcance da atividade financeira desenvolvida pelo Estado no período clássico, ao enunciar: ‘Il y a dês dépenses publiques; Il faut lês couvrir’. Assim, as despesas tinham um tratamento preferencial sobre as receitas, uma vez que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse período, portanto, o tributo tinha fim exclusivamente fiscal porquevisava apenas a carrear recursos para os cofres do Estado. Percebe-se que a expressão fiscalidade é utilizada em dois âmbitos e con- textos distintos, isto é, tanto no que se refere ao papel das finanças públicas ao longo da história como também em relação às possíveis funções do tribu- to, que é atualmente, na maioria dos países, a principal fonte de receita pú- blica. Sob o ponto de vista histórico das finanças públicas em geral, referida doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel da ativida- de financeira do Estado sobre as ordens econômica e social ao longo dos di- ferentes períodos, enfatizando características que seriam distintas em cada época. É possível vislumbrar alguns pontos positivos na aludida segmentação sob o ponto de vista didático, haja vista marcar de forma clara e precisa, em períodos cronologicamente distintos (1) a fiscalidade — finanças neutras e tributos somente com finalidade arrecadatória — de um lado; e a (2) extra- fiscalidade e a parafiscalidade — finanças ativas e os tributos com finalida- de não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX-. No entanto, apesar dessa vantagem pontual, conforme será examinado abaixo, o estudo de determinados fatos isolados da história nos permite afirmar que a dissociação temporal entre a fiscalidade de um lado e a extrafiscalidade de outro apenas facilita a compreensão da ênfase da intenção com que os tribu- tos foram utilizados em cada período da história, na medida em que os mes- mos também foram exigidos com outros objetivos que não meramente arre- cadatórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem-estar Social intervencionista, ou seja, de forma não neutra ou com fins outros que não meramente “fiscais”, ainda que não qualificada a política tri- butária com a denominação referida (“extrafiscalidade” ou “parafiscalidade”). Nesse sentido apresenta Adams38 diversos exemplos históricos, dentre os 37. ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Finan- ceiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5. 38. ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 20 quais duas passagens emblemáticas, e que se referem, respectivamente: (1) à utilização de tributos para influenciar a religião, como no caso do islamismo na Idade Média e, também, (2) das tarifas aduaneiras e o conflito Norte e Sul que marca a confederação americana no período que antecedeu a guerra civil: (1) The humanity in the tax policy of the Moslems was of utmost importance. The Arabs brought peace and gentleness to an overtaxed world. They liberated the old Roman world from decadent, oppres- sive, and corrupt taxation. Nothing illustrates better than the tax re- funds they made to Christians and Jews in Palestine in A.D. 636. At that time the Moslems had conquered most of the lands of Judea, but their forces were overextended, and large body of Roman troops was on the march from Antioch. At a war council the Moslems decided to evacuate most of the conquered territories. After this decision made the Moslem leader called in the chief tax collector and gave him these instructions: ‘ You should therefore refund the entire amount of money realized from them that our relations with them remains unchanged but that as we are not in a position to hold ourselves responsible for their safety, the pool tax, which is nothing but the price of protection, is reimbursed to them’. Accordingly, the entire sum collected from the Christian and Jewish communities was refunded to them. This affected the Christians to such a degree that tears trickled down their faces and, one and all, they passionately exclaimed: ‘May God bring you back to us.’ The effect on the Jews was still more marked. They cried out with vehemence: ‘By the law ant the prophets, the Roman emperor shall not take this city as long as the spark of life scintillates in our bodies’. It’s too bad the Jews and Moslems today don’t feel that way. The Moslems used taxation to bring converts into the faith. The spread of Islam has been attributed to the sword and many historians harp on the Mos- lem cry of ‘Death to the infidel. The Koran (9:29) certainly justifies that course of action. In practice, the Moslems acted to the contrary. Slaughter was not the normal modus operandi of even the most fanati- cal Moslems. Vanquished people were given three choices: death, taxes, or conversion to the faith. With these options it was not necessary for conquered people to lose their heads or their religion. (…) (2) The tariff of 1828 was called ‘the tariff of abomination,’ a biblical term meaning the greatest evil. Prior to that time the tariff was needed to repay the national debt from the wars of 1812 and the revolution itself. By 1832 the national debt was paid and there was no jus- tification for the import taxes at high rates, except to promote a monopoly in the hands of Northern industrialists to raise prices for Southern consumers. The South exported about three-quarters of its FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 21 39 bALEEiRO. Op. Cit., p. 30-31. goods and in turn used the money to buy European goods which car- ried the high import tax. This means that the South paid about three- quarters of all federal taxes, most of which were spent in the North. If they didn’t buy foreign goods and pay high taxes the alternative was to buy Northern manufactured products at excessively high prices. Ei- ther way Southern money ended up in the North. The injustice of this arrangement dominated Southern hostilities toward the North. Said one historian: ‘Indignation against the tariff as an unfair tax injurious to their economy was general throughout the South’ A southerner, a year after the Civil War ended expressed that indignation in a book appropriately clalled The lost Cause: ‘ In every measure that ingenuity of avarice devise the North exactes from the South a tribute, which could only pay at the expense and the character of an inferiour [sic] in the Union’. Nessa toada, analisando as finanças funcionais e a utilização dos impostos alfandegários com fins extrafiscais em períodos remotos Aliomar Baleeiro39 pontua: Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impul- so que lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da atividade finan- ceira, segundo os preceitos dos financistas clássicos. Ao invés das ‘finanças neutras’ da tradição, com seu código de omis- são e parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de ‘finanças funcionais’, isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica. Destarte, o setor público — ‘a economia pública’ não se encolhe numa vizinhança pacífica e tímida junto às lindes da economia privada. A benefício desta é que deve invadi-la, para modificá-la, como elemen- to compensador nos desequilíbrios cíclicos. Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a ‘Política Fiscal’ é apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros para fins ‘extrafiscais’. A Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o protecionismo por meio de impos- tos alfandegários. Alguns advogam para fins “sócio-políticos”, como preferia dizer Seligman referindo-se às tendências de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política anticíclica de mo- dificação da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em finanças extrafiscais. 39. bALEEiRO. Op. Cit., p. 30-31. FiNANçAS PúbLiCAS FGV DIREITO RIO 22 40 ROSA JR. Op. Cit., p. 5-6. Ademais, sob o ponto de vista econômico, os tributos, em regra, ainda que seja possível instituí-los com
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