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Seja bem Vindo! Curso Direito II Constitucional CursosOnlineSP.com.br Carga horári 60a: hs CONTEUDO Direito Constitucional: Parte Geral ............................................................................. Pág.6 Controle de Constitucionalidade ................................................................................ Pág.19 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ........................................ Pág.29 Direitos e Garantias Fundamentais ........................................................................... Pág.33 Da Organização do Estado ......................................................................................... Pág.53 Organização dos Poderes .......................................................................................... Pág.69 Poder Legislativo ......................................................................................................... Pág.69 Poder Executivo ........................................................................................................... Pág.89 Poder Judiciário ........................................................................................................... Pág.93 Ministério Público .......................................................................................................... Pág.108 Do Estado de Defesa e Do Estado de Sítio ................................................................. Pág.113 Da Ordem Econômica e Financeira ............................................................................. Pág.116 Ordem Social ............................................................................................................... Pág.121 1. DIREITO CONSTITUCIONAL: PARTE GERAL 1.1. CONSTITUCIONALISMO Os movimentos constitucionalistas surgiram diante da necessidade de limitação do poder dos governantes. É por isso que as Constituições guardam normas impeditivas do poder autoritário, bem como resguardam os direitos e garantias fundamentais das pessoas. A origem do constitucionalismo é remota, podendo se apontar um tímido movimento com desenho constitucionalista entre os hebreus, ainda no estado teocrático. Mas, sem dúvida, o grande marco constitucionalista da Idade Média é a Magna Carta de 1215, na Inglaterra, enquanto que os marcos constitucionalistas da Idade Moderna são: as Constituições Francesa de 1791 e a estado-unidense (norte-americana) de 1787. A Constituição brasileira de 1988, por sua vez, já apresenta elementos que a colocam dentre as Constituições da Idade Contemporânea, caracterizadas estas pelo totalitarismo constitucional, donde extraem-se normas com relevante cunho social, normas estas, em grande parte de caráter programático. 1.2. NEOCONSTITUCIONALISMO Passado o tempo em que a Constituição destinava-se apenas a limitar o poder autoritário dos governantes e a resguardar direitos, sem maiores preocupações com a efetividade destes, o fenômeno neoconstitucionalista é aquele que visa dar eficácia real às normas constitucionais. O Direito Constitucional evolui paralelamente à sociedade. A Constituição, neste passo, deixa de ser vista como mero documento político para assumir status de norma jurídica. A profundidade das transformações operadas por esse novo direito constitucional são bem apresentadas por Luís Roberto Barroso, o qual indica como principais transformações: a centralidade dos direitos fundamentais, a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova dogmática de interpretação da Constituição. Destes processos decorreu o fenômeno da constitucionalização do direito, isto é, da expansão normativa da Constituição sobre todos os ramos do direito. 6 1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Matéria que merece atenção especial para o exame da OAB e demais concursos públicos se refere às classificações atribuídas às Constituições. Embora existam inúmeras classificações, verifica-se a incidência de questionamento apenas quanto às principais, que por isso serão primeiramente expostas. 1) Classificação quanto à mutabilidade (ou estabilidade, ou, ainda, alterabilidade). A. Constituição rígida: a alteração do texto constitucional exige um processo legislativo mais dificultoso que o da legislação infraconstitucional. É rígida a Constituição brasileira de 1988, estando no artigo 60 a fundamentação da rigidez referida. Mas também é indicativo da rigidez constitucional: a) o quorum necessário para aprovação da emenda (três quintos), bem como a exigência de votação em dois turnos, em cada casa do Congresso Nacional; b) rol restrito de legitimados para apresentar iniciativa de projeto de emenda constitucional; c) impossibilidade de reapresentação, na mesma sessão legislativa, de matéria constante de projeto de emenda constitucional rejeitado ou havido por prejudicado; d) impossibilidade de apresentação de proposta de emenda constitucional tendente a modificar as matérias mencionadas pelo artigo 60, §4º (cláusulas pétreas). Em razão da imutabilidade de algumas matérias constitucionais (cláusulas pétreas), Alexandre de Moraes classifica a Constituição Federal de 1988 como SUPER-RÍGIDA, pois além da exigência de processo legislativo mais dificultoso para sua alteração, existem algumas matéria que não podem ser objeto de proposta de emenda quando estas pretenderem a abolição de algum conteúdo explicitado pelo artigo 60, §4º da CRFB/88. B.Constituição flexível: é aquela que permite a alteração de seu texto pelo mesmo processo legislativo utilizado para alteração da legislação infraconstitucional. Logo, pode-se afirmar que não há hierarquia entre a Constituição e a legislação infraconstitucional, pois no caso de contradição de uma lei nova com a Constituição, estar-se-á diante de hipótese de mera revogação. C. Constituição semi-rígida (ou semi-flexível): é a Constituição que exige um processo legislativo mais dificultoso quando se pretender a alteração de determinadas matérias que ela expressamente mencionar, e, para as demais, exige processo legislativo idêntico ao necessário para alteração da legislação infraconstitucional. 7 Pedro Lenza, em seu famoso “Direito Constitucional Esquematizado”, ainda elenca outras classificações, oportunas para concursos públicos. D. Constituição fixa: são as Constituições que somente podem ser alteradas por um poder idêntico ao que lhes criou, isto é, só há que se falar em alteração pelo constituinte originário. E. Constituição transitoriamente flexível: durante período determinado, a constituição pode ser alterada por um processo legislativo idêntico ao de alteração da legislação infraconstitucional. Findo esse período, a constituição apenas pode ser alterada por um processo mais dificultoso, passando, então, a ser classificada como rígida. F.Constituição imutável: é a Constituição absolutamente inalterável. 2) Classificação quanto à origem. Atenção especial deve ser atribuída às duas primeiras. a) Constituição outorgada: é a Constituição imposta à sociedade por um agente ou grupo revolucionário que não recebeu do povo a legitimidade de representação. b) Constituição promulgada: é a Constituição elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita pelo povo e com legitimidade para atuar em nome dele. Novamente é de Pedro Lenza a menção a outras classificações, interessantes aos candidatos de concursos públicos, mas pouco relevantes para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil. c) Constituição cesaristaou bonapartista: é a Constituição formada (ratificada) por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por Imperador ou Ditador. d) Constituição pactuada: é a Constituição fruto de um acordo entre forças políticas rivais, estabelecendo um ponto de equilíbrio precário, e por isso instável. É característica de determinadas épocas históricas. 8 3) Classificação quanto à forma. Esta classificação dispensa maiores delongas e é auto-explicativa. a) Constituição escrita (ou instrumental): todas as normas constitucionais estão organizadas em um único documento, como a Constituição Federal de 1988. b) Constituição costumeira (ou não-escrita): as normas de âmbito constitucional estão espalhadas pelo ordenamento jurídico, baseando-se em costumes e práticas jurisprudenciais. Exemplo típico é a Constituição inglesa. 4) Classificação quanto à extensão. A Constituição Federal de 1988 é extensa, e muito. Basta recordar o artigo 242, §2º, que estipula que permanecerá na órbita federal o Colégio Pedro II, situado na cidade do Rio de Janeiro/RJ. a) Constituição sintética: é a Constituição concisa, que veicula apenas princípios fundamentais e estruturais do Estado. b) Constituição analítica: ao oposto da sintética, a Constituição analítica insere no texto constitucional todos os assuntos tidos por fundamentais, o que estende demasiadamente seu conteúdo, tal como a Constituição Federal de 1988. 5) Classificação quanto ao conteúdo. a) Constituição material: será considerado constitucional a norma que apresente conteúdo de tal natureza, independente de estar situada em textos esparsos. b) Constituição formal: é aquela que determina o caráter da norma por seu processo legislativo, como a Constituição Federal de 1988. Assim, observados os requisitos para apresentação e aprovação de emenda constitucional, a norma terá o status de constitucional, ostente ou não matéria de tal relevância. Novamente pode se utilizar o Colégio Pedro II como exemplo, já que a disposição do artigo 242, §2º é constitucional por estar no bojo da Constituição Federal, pouco importando que tal dispositivo não seja materialmente relevante, do ponto de vista constitucional. Pedro Lenza opina que no Brasil há um sistema misto quando o assunto é o artigo 5º, §3º da CRFB/88. Segundo o autor, ao mesmo tempo em que a recepção de tratados e convenções que versem sobre direitos humanos apresenta características formais (exigência de quorum idêntico ao de aprovação de emendas constitucionais), apresenta também 9 características materiais, já que não basta o quorum, devendo o conteúdo (a matéria) do tratado ou convenção versar sobre direitos humanos. 6) Classificação quanto ao modo de elaboração. a) Constituição dogmática: é a Constituição elaborada a partir de dogmas jurídicos e políticos contemporâneos, de uma só vez, por uma Assembléia Constituinte. b) Constituição histórica: são constituições formadas pelo decurso do tempo, aproximando-se das constituições costumeiras, posto que reflete os costumes e tradições da sociedade ao longo dos anos. 7) Classificação quanto à dogmática. É importante não confundir a classificação quanto à dogmática (gênero) com Constituição dogmática (espécie, do gênero classificatório que tem por prisma o modo de elaboração). Mas elas não são classificações isoladas, vez que a presente (quanto à dogmática) decorre da classificação anterior, isto é, ao dizer que a Constituição Federal de 1988 se classifica como dogmática, quanto ao seu modo de elaboração, já que adota dogma político e jurídico contemporâneo (ao invés do histórico), torna-se necessário uma nova classificação para que se possa identificar se a Constituição se vale de uma única ideologia quando normativa suas matérias, ou se para uma mesma matéria várias ideologias são ao mesmo tempo utilizadas. Por isso a classificação abaixo. a) Constituição ortodoxa: é a Constituição formada por uma única ideologia. b) Constituição eclética: é a Constituição que concilia ideologias. Por isso se diz que a Constituição eclética se aproxima da compromissária, isto é, aquela que resguarda um compromisso entre interesses colidentes e convergentes, pautados pela parcimônia e tolerância de um Estado Democrático de Direito. Por exemplo, a CRFB/88 alberga a livre iniciativa e também a intervenção do Estado no domínio econômico, sem que se possa falar na adoção de apenas uma ideologia. Neste caso, adotados interesses divergentes, encontra-se na própria Constituição a necessária disciplinação da intensidade da incidência de um e outro, sem que se fale na supressão completa de qualquer deles. 8) Classificação quanto à correspondência com a realidade. Esse critério de distinção dos textos constitucionais é uma criação de Karl Loewenstein e é apresentado por Pedro Lenza em seu “Direito Constitucional Esquematizado”. A presente classificação parte da ótica da 10 “correspondência entre a realidade política do Estado e o texto constitucional” (2009, p. 45). a) Constituição normativa: é aquela que disciplinam as relações políticas de forma que os agentes políticos se subordinam, efetivamente, às determinações do conteúdo constitucional, como a Constituição Federal de 1988. b) Constituição nominalista: é aquela que, embora apresentem disposições de limitação e controle das relações políticas, possui insuficiente concretização prática. c) Constituição semântica: é a que sequer possui a pretensão de limitar e controlar as relações políticas, servindo, na verdade, como mero instrumento das elites políticas para detenção de formal legitimidade para o exercício do poder. 9) Classificação quanto ao sistema. a) Constituição principiológica: é a que possui a predominância de princípios no texto constitucional, dotados de alto grau de abstração, como a Constituição de 1988. b) Constituição preceitual: é aquela que possui a predominância de regras concretizadoras de princípios, revestidas de pouco grau de abstração. 1.4. CONCEITOS DE CONSTITUIÇÃO Após classificar, é necessário conceituar a Constituição. Essa conceituação pode ser oferecida por diferentes óticas. Dentre as mais conhecidas estão os conceitos nos seguintes sentidos: a) sociológico, por Ferdinand Lassale; b) político, por Carl Schimitt; c) material e formal; d) jurídico; e e) culturalista. 1) Constituição em sentido sociológico: é a “somatória dos fatores reais de poder dentro de uma sociedade”. Para Ferdinand Lassale, uma Constituição só seria legítima se representasse o efetivo poder social, como reflexo das forças sociais que o constituem. 2) Constituição em sentido político: é a “decisão política do titular do poder constituinte”. Carl Shimitt distingue “Constituição” de “lei constitucional”, asseverando que Constituição só se refere à decisão política fundamental, ao passo que os demais dispositivos constantes do texto constitucional, que não contenham matéria de decisão política fundamental, são apenas “leis constitucionais”. 11 3) Constituição em sentido material e formal. Do ponto de vista material, o que deve ser levado em conta para definição da existência ou não de caráter constitucional de uma norma é o seu conteúdo, pouco importando a forma pela qual a mesma foi inserida no ordenamento jurídico. Do ponto de vista formal não interessa o conteúdo da norma, mas sim a forma pela qual a mesma foi inserida no ordenamento jurídico. Note-se que pelo exposto, se estuda ao mesmo tempo, o conceito de constituição e a classificaçãoda mesma, quanto ao seu conteúdo. 4) Constituição em sentido jurídico. Hans Kelsen aloca a Constituição no mundo do dever-ser, e assim adota dois sentidos para o termo: a) sentido lógico-jurídico; b) sentido jurídico-positivo. No sentido lógico-jurídico, Constituição significa norma hipotética fundamental, a qual vale como fundamento lógico transcendental de validade da Constituição jurídico-positiva, sendo esta, por sua vez, o fundamento de validade de todas as normas infraconstitucionais, isto é, a Constituição em si, positivada. 5) Constituição em sentido culturalista. Segundo esta conceituação, “Constituição é o produto de um fato cultural produzido pela sociedade e que sobre ela pode influir” (LENZA, 2009, p. 29). Em sentido culturalista, a Constituição é a união de fatores e valores de toda a sociedade, sendo ao mesmo tempo, condicionada pela cultura, e condicionante da mesma. As Constituições são um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder político (TEIXEIRA, apud LENZA, 2009, p. 29). 1.5. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO Quanto aos autores que tratam dos elementos da Constituição, é de José Afonso da Silva, em seu “Curso de direito constitucional”, a mais completa classificação. As normas constitucionais albergam diversos valores, sendo divididas em grupos, de acordo com as finalidades que apresentam. Segundo o autor, os elementos da Constituição podem ser separados em 5 grupos: 1) Elementos orgânicos: são as normas que regulam a estrutura do Estado e do poder. Por exemplo: Título III – Da organização do Estado; Título IV – Da organização dos Poderes e do Sistema de Governo. 12 Elementos limitativos: são as normas que limitam a atuação do poder estatal. Por exemplo: Título II – Dos direitos e garantias fundamentais. Elementos socioideológicos: são as normas que revelam o compromisso entre o Estado individualista e o intervencionista (social). Por exemplo: Título II, Capítulo II – Dos direitos sociais; Título VII – Da ordem econômica e financeira; Título VIII – Da ordem social. Elementos de estabilização constitucional: são as normas destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, bem como a defesa do Estado, da Constituição e das instituições democráticas. Por exemplo: Artigo 102, I, “a” - Ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade; Título III, Capítulo VI – Da intervenção; Título V, Capítulo I – Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio. Elementos formais de aplicabilidade: são normas que estabelecem regras de aplicação das constituições. Por exemplo: Preâmbulo, Artigo 5º, §1º e ADCT. 1.6. PODER CONSTITUINTE Quando se classificou a Constituição quanto à origem, viu-se que a mesma pode ser outorgada, promulgada, pactuada ou cesarista (estas duas últimas, pouco relevantes para o exame da OAB). Qualquer que seja a forma pela qual a Constituição ingressa no ordenamento jurídico, ela advém de um poder constituinte, tenha ele a legitimidade para atuar em nome do povo ou não. Dessa forma, é originário o poder constituinte que inaugura uma ordem jurídica, lhe sendo características, segundo Luiz Alberto de Araújo e Vidal Serrano N. Júnior, a autonomia, a inicialidade (já que há inauguração de uma nova ordem, com a revogação da Constituição anterior e das normas infraconstitucionais incompatíveis com a nova Constituição), a ilimitação, e a incondicionalidade. Sabendo-se que a Constituição Federal de 1988 é fruto de promulgação e que a mesma foi elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte (representante do povo brasileiro), ali atuou o Poder Constituinte Originário. Após a promulgação da Constituição elaborada pelo constituinte, extinguiu-se o poder constituinte originário e abriu-se espaço para o Poder Constituinte Derivado, que se subdivide em Reformador e Decorrente. O poder constituinte reformador é o responsável por eventuais alterações no texto constitucional, enquanto que o decorrente surge em razão do pacto federativo e é responsável pela organização dos Estados-membros, através de Constituições Estaduais, as quais devem guardar simetria com a Constituição Federal. Assim, o princípio da simetria indica que os princípios magnos e os padrões estruturantes do Estado, segundo a disciplina da Constituição Federal, sejam, tanto quanto possível, objeto de reprodução simétrica nos textos das Constituições estaduais (ARAUJO, 2005, p. 14,15). Em outras palavras, o princípio da simetria indica que as Constituições dos 13 Estados-membros devem estar atentas e reproduzir os elementos de maior importância, consagrados pelo constituinte de 1988. 1.7. EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS As normas constitucionais têm eficácia jurídica (ou formal) e social (ou material). Tem eficácia social a norma que efetivamente surte efeitos práticos, isto é, aquela que de fato passa do plano do dever-ser para o ser. Já a eficácia jurídica indica: a) a aptidão para produção de efeitos diante de situações concretas; e b) a pronta produção de efeitos (jurídicos), uma vez que seu simples ingresso no ordenamento já implica na revogação das normas incompatíveis. José Afonso da Silva, em sua obra “Aplicabilidade das normas constitucionais”, informa que a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade. Esta é, portanto, a medida da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se ao produto final (SILVA, 1998, p. 66). É de José Afonso da Silva a classificação mais aceita quanto à aplicabilidade das normas constitucionais, estando divididas em: 1) normas de eficácia plena: são as que produzem todos os efeitos necessários imediatamente após sua entrada em vigor. Não dependem de qualquer atividade legislativa infraconstitucional e não podem ter seu alcance restringido por ela ou pela Administração Pública. Por exemplo, os artigos 19 e 20 da CRFB/88. 2) normas de eficácia contida: também chamadas, por Michel Temer, de normas de eficácia restringível, são as que produzem todos os efeitos necessários imediatamente após sua entrada em vigor, mas que podem ter seu alcance restringido pelo legislador infraconstitucional ou pela Administração Pública. Há que se estar atento de que há possibilidade de restrição do direito, mas não de sua supressão. Por melhor exemplo de norma de eficácia restringível (ou contida) tem-se o artigo 5º, inciso XIII, da CRFB/88 (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer) e a atual exigência do exame da OAB para inscrição no respectivo quadro de advogados. 3) normas de eficácia limitada: são as que não produzem seus efeitos imediatamente, necessitando da atuação do legislador infraconstitucional ou da Administração Pública para que possa surtir os efeitos necessários. Sem a atuação do legislador infraconstitucional ou da Administração Pública, estas normas surtem efeitos mínimos, mas ainda assim podem ser utilizadas como fundamento à declaração de inconstitucionalidade de normas que atentem contra elas. 14 José Afonso da Silva divide as normas de eficácia limita em dois grupos: a) normas de princípio institutivo (ou organizatório); e b) normas de princípio programático. As primeiras indicam esboços gerais sobre instituições eórgãos, as quais serão organizadas definitivamente quando forem efetivamente implantadas. Por exemplo, o artigo 224 da CRFB/88 (para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei). Já as normas de princípio programático, como sugere a expressão, apresentam programas de atuação, em sentido amplo, permitindo a integração do legislador infraconstitucional quando de sua disciplinação, a qual deve estar sempre atenta às finalidade traçadas pelo constituinte ao eleger princípios de natureza programática. Por exemplo, artigos 196 (direito à saúde) e 205 (direito à educação), ambos da CRFB/88. 1.8. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Para interpretação do texto constitucional, ao lado dos métodos tradicionais de interpretação de normas jurídicas, contribuem princípios específicos. Por métodos tradicionais entenda-se a interpretação literal, a sistemática, a histórica e a teleológica. Assim, ao lado destes, será imperiosa a utilização de princípios de índole estritamente interpretativa, quando o objeto de análise for o Direito Constitucional. Dentre os princípios interpretativos elencados pela doutrina, são os principais: 1) Princípio da unidade da Constituição. A Constituição deve ser sempre interpretada como um todo, devendose afastar aparentes antinomias. O princípio da unidade deve ser considerado sempre que alguma tensão entre normas constitucionais se fizer presente, harmonizando-as dentro da unidade que compõem. É em razão do princípio da unidade que não se aplica às normas constitucionais, o elemento interpretativo de hierarquia, sendo, ademais, extremamente frágil tentar resolver aparentes antinomias constitucionais pelos critérios da cronologia (Constituinte Originário versus Constituinte Originário), ou da especialidade (já que a maioria das normas constitucionais é dotada de proposições gerais e não específicas). Por essa razão, não pode uma norma constitucional originária ser declarada inconstitucional em face doutra que possua a mesma natureza, mas o que não impede que uma norma constitucional reformadora (fruto da atuação do Constituinte Derivado) seja declarada inconstitucional em face doutra, fruto da atuação do Constituinte Originário, já que neste caso a natureza das normas é diversa (Constituinte Originário versus Constituinte Derivado). 2) Princípio do efeito integrador. Na interpretação e resolução de problemas, deve-se dar preferência aos critérios que favoreçam a integração política e social e o reforço da 15 unidade política (em razão disso, é normal integrar o presente princípio ao princípio da unidade). O princípio do efeito integrador é decorrência de uma Constituição que prega uma sociedade plural, por isso deve o intérprete integrar as partes com interesses antagônicos, tendo em mente o presente conceito. 3) Princípio da máxima efetividade (ou eficiência ou da interpretação efetiva). O sentido da norma constitucional deve ter a mais ampla efetividade social. As normas jurídicas comportam análise em três órbitas distintas: da existência, da validade e da eficácia. No entanto, atualmente é pacífico a existência de uma quarta órbita, qual seja, a da efetividade. Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. É a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. 4) Princípio da justeza (ou da conformidade funcional). O intérprete máximo da Constituição (o Supremo Tribunal Federal), ao concretizar a norma constitucional, será responsável por estabelecer sua força normativa, não podendo alterar a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo Constituinte Originário. 5) Princípio da concordância prática (ou da harmonização). Os bens jurídicos constitucionalizados devem coexistir de forma harmônica quando em colisão ou concorrência, buscando-se evitar o sacrifício de um em detrimento do outro, sob o fundamento de inexistência de hierarquia entre os princípios. 6) Princípio da força normativa. Na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve-se dar prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituição (normativa), contribuem para a melhor eficácia da lei fundamental. Conseqüentemente, deve-se dar primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantido, ao mesmo tempo, eficácia e permanência. 7) Princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade). Deriva dos idéias de justiça, equidade, prudência, bom senso, moderação, proibição do excesso e outros, precedendo e condicionando a positivação jurídica, inclusive no âmbito constitucional, e, ademais, enquanto princípio geral de direito, serve como regra interpretativa para todo o ordenamento jurídico. 8) Princípio da supremacia da Constituição. Com a promulgação da Constituição, a soberania popular se converte em supremacia constitucional. A Constituição será sempre superior 16 às demais normas do sistema. O controle de constitucionalidade é o meio pelo qual a Constituição assegura que nenhuma outra norma lhe infringirá o sentido. 9) Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos. As leis e atos normativos desfrutam de presunção de validade, isso porque elaboradas com base na atuação legítima de agentes públicos eleitos, os quais tem o dever de atuar na promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais. Essa presunção é iuris tantum, admitindo prova em sentido oposto, portanto. O Poder Judiciário não é o único que atua na interpretação da Constituição, embora possua a última palavra sobre a mesma. Logo, Legislativo e Executivo também o fazem, devendo o Judiciário considerar tais interpretações sem se opor (salvo, se provocado). A presunção de constitucionalidade é uma decorrência do princípio da separação de Poderes, e funciona como fator de autolimitação da atuação judicial. 10) Princípio da interpretação conforme a Constituição. Esse princípio alberga, simultaneamente, uma técnica de interpretação e um mecanismo de controle de constitucionalidade. Diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas (que possuem mais de um significado e, portanto, albergam mais de uma interpretação), deve-se proferir a interpretação que mais se aproxime da Constituição. Em resumo, a interpretação conforme a Constituição pode envolver a mera interpretação adequada dos valores e princípios constitucionais, a declaração de inconstitucionalidade de uma das interpretações possíveis de uma norma ou, ainda, a declaração de não-incidência da norma a determinada situação de fato, por importar em violação da Constituição. 1.9. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL A modificação da Constituição pode ocorrer por duas vias: a) formal; b) informal. A via formal se manifesta por meio da reforma constitucional, por meio dos procedimentos previstos na própria Constituição. Já a alteração pela via informal ocorre pela mutação constitucional, mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance das normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação de seu texto. O presente tópico será apresentado segundo Paulo Roberto Barroso, que bem apresenta os mecanismos de mutação constitucional, quais sejam: 1) interpretação (judicial e administrativa); 2) atuação do legislador; 3) costumes. A mutação constitucional por via de interpretação consiste na mudança de sentido da norma, em contraste comentendimento preexistente. A mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando, por exemplo, o STF atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara 17 anteriormente, seja pela mudança da realidade social, seja por uma nova percepção do direito. A mutação constitucional é muito mais profunda que a mera alteração de jurisprudência, a qual pode ocorrer com mera alteração do ponto de vista ou alteração na composição do tribunal. Haverá mutação constitucional por via legislativa quando, por ato normativo primário, procurar-se modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional. A mutação terá lugar se, vigendo um determinado entendimento, a lei vier a alterá-lo. O costume como fonte do direito positivo assenta-se em uma prática reiterada, reconhecidamente válida e, em certos casos, até mesmo obrigatória. O nepotismo no Judiciário era um exemplo de costume contrário à Constituição, afastado por ato administrativo (Resolução n.º 7 do Conselho Nacional de Justiça), o qual fora declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADC n.º 12). Outra prática que pode ser apontada o costume como instrumento de mutação constitucional é a expansão dos poderes das CPI's, tendo passado a se admitir a determinação de providências que antes eram rejeitadas pela doutrina e jurisprudência, como a quebra de sigilos bancários, de dados telefônicos e fiscais. 1.10. FENÔMENOS DECORRENTES DE UMA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL Com o surgimento de uma nova ordem constitucional, revoga-se a Constituição anterior, naturalmente. Mas qual será o tratamento quanto às normas infraconstitucionais? Acerca do tema serão expostos sucintamente os fenômenos que decorrem de um novo texto constitucional, em relação à legislação infraconstitucional que lhe é anterior. 1) Recepção: com o surgimento de uma nova ordem constitucional não ocorre a revogação de toda a legislação infraconstitucional que lhe era anterior. Só há que se falar em revogação das normas que guardarem incompatibilidade com o novo texto constitucional. Por exemplo, o Código Tributário Nacional foi aprovado como lei ordinária sob a vigência da Constituição anterior, mas como era compatível com a Constituição Federal de 1988 foi recepcionado como se lei complementar fosse, já que a nova Constituição exigia esta espécie de lei para disciplinar a matéria contida no artigo 146 da CRFB/88. Importante frisar que quando há incompatibilidade entre a nova ordem constitucional e a legislação infraconstitucional estar-se-á diante de hipótese de revogação, não se admitindo no Brasil a chamada inconstitucionalidade superveniente. 2) Repristinação: não é admitida no Brasil. Significa a revalidação de norma incompatível com a Constituição anterior, mas compatível com a vigente. A revalidação só é possível, no atual ordenamento jurídico brasileiro, com expressa previsão nesse sentido, não se operando automaticamente (caso em que ter-se-ia a ocorrência do fenômeno repristinatório, não admitido no país). 18 3) Desconstitucionalização: possui pouca relevância prática. Ocorreria a desconstitucionalização se diante de uma norma constante em Constituição anterior, não abordada pela nova Constituição, voltasse à vigência na nova ordem constitucional como lei ordinária. Na prática, a Constituição nova revoga completamente a Constituição anterior, ainda que não mencione determinadas matérias que constavam na anterior. 2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Partindo da classificação da Constituição Federal de 1988 quando à mutabilidade, tem-se que a mesma é rígida, como já se teve oportunidade de expor. Assim sendo, e como também já se expôs, segundo o princípio da supremacia da Constituição, a mesma está posta no ápice da pirâmide normativa vigente no Brasil. Todo ato normativo, dessa forma, deve guardar compatibilidade (formal e material) com a Constituição, sob pena de ser eliminado (controle repressivo) do ordenamento ou de sequer ingressar nele (controle preventivo). Se diz que há compatibilidade formal com a Constituição quando o ato normativo respeita as regras relativas ao processo legislativo. Por exemplo, se uma lei complementar for aprovada mediante maioria simples, contrariando o artigo 69 da CRFB/88, que exige quorum de maioria absoluta, tal lei será inconstitucional, sendo formal a natureza da inconstitucionalidade. Já a compatibilidade material diz respeito ao conteúdo da norma, que deve observar e atender às determinações constitucionais, sob pena de ser taxada de inconstitucional. Por exemplo, uma lei que estipule a perda da nacionalidade aos brasileiros natos que forem condenados por tráfico de drogas será inconstitucional, sendo material a natureza da inconstitucionalidade, por lesão direta ao artigo 5º, XLVII, alínea “d” CRFB/88, que veda a pena de banimento no país. 2.1 CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE É exercido sobre o projeto de lei (em sentido amplo), tendo por objetivo evitar o ingresso de norma inconstitucional no ordenamento. Pode ser exercido pelo Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário. O Poder Legislativo exerce o controle preventivo quando analisa os projetos de leis em suas comissões de constituição e justiça, as quais tem poder para, uma vez emitido parecer pela inconstitucionalidade, gerar a rejeição e arquivamento definitivo do projeto inconstitucional. O Poder Executivo exerce o controle preventivo quando o Presidente da República veta projeto inconstitucional submetido à sua análise (para sanção ou veto). Por fim, o Poder Judiciário também exerce controle preventivo de constitucionalidade quando julga mandado de segurança, impetrado por parlamentar em razão, por exemplo, de projeto de emenda constitucional tendente a abolir cláusula pétrea. Possui legitimidade para impetração de mandado de segurança, nesta hipótese, apenas o parlamentar, faltando legitimidade ad causam 19 (segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal) para terceiros que pretendam o mesmo. 2.2 CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE É exercido sobre a lei (em sentido amplo) e não mais sobre o projeto da mesma. Pedro Lenza menciona três formas de controle repressivo em seu “Direto Constitucional Esquematizado”, quais sejam: a) o político; b) o jurisdicional; e c) o híbrido. O controle político é exercido por órgão diverso dos três poderes, o que não acontece no Brasil, órgão este que se prestaria à garantia da supremacia da Constituição. O controle jurisdicional é método adotado pelo Brasil, segundo o qual cabe ao Poder Judiciário a guarda da supremacia da Constituição, seja pela via concentrada (através do Supremo Tribunal Federal), seja pela via difusa (através de qualquer juiz ou tribunal). Por fim, o controle híbrido, como o nome sugere, é um misto dos dois sistemas anteriores, garantindo-se a supremacia da Constituição por um órgão específico, apartado dos três poderes, bem como pelo Poder Judiciário. Em sendo relevante ao candidato do exame da OAB, bem como de concursos públicos, o sistema atualmente vigente no país (o de controle jurisdicional), cabe análise das vias desse controle. Antes, porém, é importante mencionar um importante princípio, alvo de reiteradas questões: o princípio da reserva de plenário. Segundo este princípio, os tribunais (inclusive o STF) somente podem declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou do órgão especialmente designado para análise de constitucionalidade, seja pela via difusa,seja pela via concentrada. O fundamento de mencionado princípio é o artigo 97 da CRFB/88, mas há uma exceção, dispensada-se a reserva de plenário para declaração de inconstitucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma lei ou ato normativo, sendo indiferente se o fez pela via difusa ou pela via concentrada. 2.3 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE PELA VIA DIFUSA Na via difusa, o que se pretende é a resolução de um conflito, onde os interessados se valem do Poder Judiciário para prestação da atividade jurisdicional destinada à pacificação social. A declaração de inconstitucionalidade, nestes casos, não é o objetivo principal da parte que a pleiteia, mas apenas meio à obtenção da prestação pretendida. Qualquer via processual pode dar ensejo à pretensão de declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, sendo que está declaração deve anteceder a decisão de mérito que se pretende, posto que lhe é prejudicial. 20 Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nesses casos, é inter pars (entre as partes), decorrendo daí a explicação do motivo pelo qual a via difusa é comumente chamada de via de exceção, porque excepciona as partes envolvidas do restante da sociedade. E o restante da sociedade continua se submetendo a norma declarada inconstitucional, já que não afetada pela declaração processual de natureza inter pars. Qualquer juiz ou tribunal pode efetuar a declaração de inconstitucionalidade, e no caso de tribunal, deve-se estar atento ao princípio da reserva de plenário (art. 97 da CRFB/88). Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal na via difusa, deve o mesmo comunicar tal decisão ao Senado Federal, o qual pode (ou não) suspender a eficácia da norma (art. 52, X da CRFB/88), quando então toda a sociedade será afetada, não pela decisão do processo em que se prolatou a primeira declaração de inconstitucionalidade, o qual continua possuindo apenas eficácia inter pars, mas pela Resolução do Senado Federal, essa sim dotada de eficácia erga omnes. É importante frisar, portanto, que a atuação do Senado Federal quando a edição de Resolução que suspenda uma lei ou ato normativo é discricionária, não estando vinculado a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade quando do julgamento de determinado caso concreto. 2.4. CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE PELA VIA CONCENTRADA Na via concentrada pode-se controlar a constitucionalidade de leis e atos normativos através de três instrumentos: 1) a ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI); 2) a ação declaratória de constitucionalidade (ADC); 3) a ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A ADI e a ADPF foram previstas pelo constituinte originário, já a ADC é criação do constituinte derivado, fruto da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993. 2.4.1. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE A ADI (ação declaratória de inconstitucionalidade) apresenta-se mediante três espécies: 1. ADI genérica; 2. ADI por omissão; 3. ADI interventiva. 2.4.1.1. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE GENÉRICA É processo de cunho objetivo, isto é, não apresenta a subjetividade característica de processos judiciais comuns, manifestada pelo interesse concreto e antagônico das partes sobre determinado bem ou direito. Nos 21 processos subjetivos, a lei ou ato normativo serve de fundamento à obtenção do bem ou direito que se pretende, sendo que eventual pretensão à declaração de inconstitucionalidade é apenas meio para se alcançar o objeto almejado. Já no processo objetivo, a pretensão é a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, pura e simplesmente. Em sentido estrito e imediato, o objetivo da ação declaratória de inconstitucionalidade é a defesa da Constituição e de sua supremacia. Na ação direta de inconstitucionalidade se discute uma lei em tese, fora de hipóteses concretas, não admitindo-se desistência e restringindo-se a possibilidade de intervenção de terceiros. O artigo 7º da Lei n.º 9.868/99 (Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da ADI e ADC perante o STF) estipula que não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, enquanto que seu parágrafo segundo dá conta que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. Trata-se da figura conhecida como amicus curie (amigo da corte), cujo objetivo é auxiliar os julgadores, fornecendo elementos sobre o assunto discutido para contribuir no convencimento dos mesmos. A admissão do “amigo da corte” satisfaz o interesse constitucional de pluralidade, permitindo que experts apresentem diferentes opiniões sobre um mesmo assunto, visando conferir aos julgadores visões sob todas as óticas existentes. Quanto aos legitimados para ajuizamento da ADI, há divisão em dois grupos: os neutros (ou universais) e os interessados. Os legitimados interessados, para discutir a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, precisam demonstrar pertinência temática, isto é, a relação de causalidade entre as finalidades e atribuições do órgão/entidade com a lei ou ato normativo que se pretende seja declarado inconstitucional. Sem se afastar do conceito de processo objetivo, que discute uma lei em tese, os legitimados interessados devem demonstrar que há pertinência para a declaração de inconstitucionalidade que pretendem em relação a sua área de atuação. Assim, são legitimados interessados: a) Mesa da Assembléia Legislativa ou Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (art. 103, IV da CRFB/88); b) Governador de Estado ou Governador do Distrito Federal (art. 103, V da CRFB/88); c) Partido político com representação no Congresso Nacional (art. 103, VII da CRFB/88); d) Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, IX da CRFB/88). Doutro lado, os legitimados universais não precisam demonstrar qualquer pertinência temática, podendo ajuizar ADI para discussão de qualquer lei ou ato normativo. Dessa forma, são legitimados universais: a) Presidente da República (art. 103, I da CRFB/88); b) Mesa do Senado Federal (art. 103, II da CRFB/88); c) Mesa da Câmara dos Deputados (art. 103, III da CRFB/88); d) Procurador-Geral da República (art. 103, VI da CRFB/88); 22 e) Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 103, VII da CRFB/88). Cabe ação declaratória de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital (desde que o Distrito Federal esteja em exercício de competência típica dos Estados-membros e não dos municípios). Estipula o artigo 102, I, “a”, da CRFB/88: compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Fica claro, pois, que não cabe ADI de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição Federal. Quanto a este, cabe apenas o controle difuso de constitucionalidade, isto é, a discussão sobre a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal só chegará ao STF via recurso extraordinário, manejado em processo de natureza subjetiva. Observe-se que se a lei ou ato normativo municipal for questionada em relação a Constituição Estadual, cabe ADI, devendo ser a mesma ajuizadapela o Tribunal de Justiça local. Repise-se, não cabe ADI, seja perante o STF, seja perante o TJ local de lei ou ato normativo municipal questionado em face da Constituição Federal. Porém, há que se estar atento para uma questão. Se a Constituição Estadual apenas reproduziu dispositivo(s) da Constituição Federal, e a lei ou ato normativo municipal contraria mencionado(s) dispositivo(s), cabe ADI perante o TJ local (evidentemente, já que há contrariedade do ato municipal com a Constituição Estadual), e, após proferida sentença, cabe Recurso Extraordinário, já que a Constituição Estadual apenas reproduzia conteúdo expresso da Constituição Federal. Nesse caso, o STF analisará a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, e note-se que estar-se-á diante de hipótese de controle concentrado de constitucionalidade, já que o recurso extraordinário decorre de sentença prolatada em ADI ajuizado perante o TJ local. Portanto, a única hipótese em que o STF analisa a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, é aquele em que se interpõe recurso extraordinário da sentença prolatada em ADI ajuizada perante o TJ local, cuja Constituição Estadual reproduziu dispositivo da Constituição Federal. MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE Tanto a Constituição Federal (art. 102, I, alínea “p”) como a Lei n.º 9.868/99 admitem a concessão de decisão de natureza cautelar em sede de ADI. Para concessão de decisão dessa natureza, salvo período de recesso, exige-se maioria absoluta na votação. De regra, o efeito da decisão é ex nunc, mas pode ser ex tunc (retroativo) por expressa 23 manifestação nesse sentido. Há, ainda, importante efeito típico da decisão de natureza cautelar concedida em ADI, que é o retorno da aplicação da legislação anterior, se existente, enquanto suspensos os efeitos da lei ou ato normativo questionado perante o STF. Esse efeito é regra na decisão que concede medida de natureza cautelar em ADI e tem nítido efeito repristinatório (pois, se a é nula, não teve o condão de revogar a que lhe era anterior), mas pode ser afastado por expressa manifestação em sentido contrário. Pleiteada a declaração de inconstitucionalidade, pode o tribunal declará-la de forma total ou parcial. Pode-se declarar inconstitucional a completude de uma lei ou ato normativo, apenas um dispositivo, um inciso ou uma palavra. Trata-se do princípio da parcelaridade. Também pode-se declarar a inconstitucionalidade em uma forma de aplicação do texto, caso em que verificar-se-á declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, isto é, o tribunal declara que o texto é constitucional, sendo que o que contraria a Constituição é determinada forma de aplicação (interpretação) do mesmo, declarando que é esta forma de aplicação (interpretação) que é inconstitucional. Ademais, como já se mencionou quando da tratativa dos princípios interpretativos da Constituição, a interpretação conforme a Constituição permite ao STF, diante de várias interpretações aplicadas a um mesmo dispositivo, declarar qual delas está em consonância com Constituição Federal, isto é, qual é a interpretação constitucional. Luiz A. D. Araújo e Vidal S. N. Júnior bem salientam que essa declaração sobre qual interpretação é constitucional deve sempre guardar contexto com seu enunciado normativo, expresso pelo legislador, caso contrário o Judiciário ferirá o princípio da separação de poderes, pois estará atuando como legislador positivo, função que não lhe foi atribuída desta forma. Há que se lembrar que o STF, atuando no controle de constitucionalidade, tem legitimidade apenas para atuar como legislador negativo, isto é, nulificar conteúdo normativo contrário à Constituição, mas não criar novo conteúdo em substituição àquele, função esta do Poder Legislativo. A eficácia da decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei tem efeito vinculante, é erga omnes e ex tunc, via de regra, mas seus efeitos podem ser modulados, isto é, podem ser ex nunc ou podem ainda ter uma data fixada para manifestação de seus efeitos, casos em que a modulação deverá ser aprovada com quorum de 2/3 (dois terços), pelo Supremo Tribunal Federal. 2.4.1.2. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCOSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO A atividade legislativa é um dever do legislador e não uma faculdade. A Constituição Federal elenca diversas hipóteses que carecem de atuação do Poder Público para efetivamente surtirem efeito. Assim, a não- atuação do Poder competente pode deixar o povo em situação de dano, ou risco de dano, daí a criação, pelo constituinte, da ADI por omissão. A inconstitucionalidade pode decorrer da prática de ato, isto é, da edição de uma lei ou ato normativo contrário a Constituição, mas também 24 pode decorrer da inércia do Poder Público. Quando o presente estudo tratou da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, apresentou-se teoria segundo a qual as mesmas dividem-se em: a) normas de eficácia plena; b) normas de eficácia contida; e c) normas de eficácia limitada. Recordando, normas de eficácia limitada são as que não produzem seus efeitos imediatamente, necessitando da atuação do legislador infraconstitucional ou da Administração Pública para que possa surtir os efeitos necessários. São estas, pois, as normas por sobre as quais recaem as declarações de inconstitucionalidade por omissão. Se a omissão for de um Poder (Executivo, Legislativo ou Judiciário), dar-se-á ciência ao mesmo do julgamento pela procedência da ADI por omissão. Se a omissão for de órgão administrativo, dar-se-á prazo de 30 (trinta) dias para que o mesmo supra a omissão e atue da maneira como lhe determina a Constituição Federal. A ADI por omissão pode ser manejada quando a omissão é completa, isto é, quando não há qualquer atuação do Poder ou órgão administrativo competente, mas também pode ser manejada quando a omissão for parcial, isto é, embora haja disciplinação da norma constitucional de eficácia limitada, a mesma é insuficiente. Os legitimados para ajuizamento da ADI por omissão são os mesmos da ADI genérica, bem como o procedimento é o mesmo, salvo por dois pontos: a) não há possibilidade de concessão de medida de natureza cautelar; b) o Advogado-Geral da União não é citado, já que não há lei ou ato normativo para que ele defenda a constitucionalidade. A competência para julgamento, por fim, é privativa do Supremo Tribunal Federal. 2.4.1.3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA Adiantando-se tema que será tratado, tem-se que a intervenção pode ser classificada em espontânea (atuação de ofício pelo chefe do Poder Executivo) ou provocada (atuação do chefe do Executivo após solicitação do Poder Legislativo ou do Executivo do Estado-membro, ou, ainda, requisição do Poder Judiciário). A ADI interventiva relaciona-se com os princípios sensíveis (art. 34, VII da CRFB/88), quais sejam: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. 25 O provimento da ADI interventiva incumbe ao Supremo Tribunal Federal, após representação do Procurador-Geral da República (único legitimado para a ação declaratória de inconstitucionalidade interventiva).Na hipótese de intervenção federal via ação declaratória de inconstitucionalidade, tem-se uma requisição do Poder Judiciário dirigida ao chefe do Poder Executivo, o qual está obrigado a emitir decreto que suspenda a execução a execução do ato impugnado (art. 36, §3º da CRFB/88), e, se a medida não bastar ao restabelecimento da normalidade, aí então a decretar a intervenção com as consequências que lhe são inerentes. 2.4.2. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE Enquanto a ADI é criação do Constituinte Originário, a Ação Declaratória de Constitucionalidade é criação do Constituinte Derivado, fruto da Emenda Constitucional n.º 3/1993. Mantendo-se o que se expôs acerca de processo objetivo, quando do estudo da ADI genérica, a ação declaratória de constitucionalidade, embora semelhante (o que motiva alguns doutrinadores dizerem que são ações de sinais trocados), tem objeto mais restrito que a ADI. Diferentemente da ADI, a ação declaratória de constitucionalidade (ou ADC), pode ser ajuizada apenas para discussão da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal. Outra relevante diferença entre a ADI e a ADC é a exigência, na última, da demonstração de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do enunciado normativo objeto da ADC. Essa demonstração de controvérsia judicial, que deve ocorrer na petição inicial da ADC, é a demonstração da existência de entendimentos divergentes acerca da interpretação do enunciado normativo questionado, por diferentes tribunais do país. Tal exigência é absolutamente pertinente, posto que o objetivo da ADC é assegurar o princípio da segurança jurídica, afastando-se quaisquer situações de dúvida sobre aplicação de lei ou ato normativo em relação à Constituição Federal. O rol de legitimados para ajuizamento da ADC é o mesmo da ADI, guardadas as mesmas peculiaridades dos legitimados universais (ou neutros) e dos legitimados interessados. Também é possível a concessão de medida de natureza cautelar em sede de ADC, desde que por decisão de maioria absoluta dos membros do STF, cujo efeito suspende os julgamentos que se relacionem à matéria discutida na ADC, até julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal. Esse julgamento pelo STF, no entanto, deve ser proferido em 180 dias, sob pena de perda da eficácia da medida concedida. Os efeitos da decisão declaratória de constitucionalidade são os mesmos da declaratória de inconstitucionalidade, isto é, ex tunc, via de regra, mas seus efeitos podem ser modulados, isto é, podem ser ex nunc ou podem ainda ter uma data fixada para manifestação de seus efeitos, casos em que a modulação deverá ser aprovada com quorum de 2/3 (dois terços), pelo Supremo Tribunal Federal. 26 2.4.3. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL A Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ou ADPF), assim como a ADC, foi criada pelo Constituinte Originário. Ao tratar da classificação das Constituições quanto ao conteúdo, viuse que as mesmas podem ser formais ou materiais. Normas constitucionais materiais são aquelas que guardam os elementos fundamentais à garantia de um Estado Democrático de Direito, como proclama-se que seja o Brasil. Toda norma que vise ao afastamento do autoritarismo, bem como ao resguardo dos direitos e garantias fundamentais são normas materialmente constitucionais. Luiz A. D. Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior lecionam que preceitos fundamentais são, pois, estas normas constitucionais de cunho material, identificando-as como: a) as que identificam a forma e a estrutura de Estado; b) o sistema de governo; c) a divisão e o funcionamento dos poderes; d) os princípios fundamentais; e) os direitos fundamentais; f) a ordem econômica; g) a ordem social (ARAUJO, 2005, p. 57). A regulamentação da ADPF advém da Lei n.º 9.882/99. Inobstante as divergências sobre a constitucionalidade ou não, fato é que existem duas formas de arguir um descumprimento de preceito fundamental. A primeira delas é a arguição direta, principal ou autônoma, nos termos da previsão constitucional. A segunda, objeto de polêmica sobre sua constitucionalidade, é a incidental, por equivalência ou por equiparação, sendo inovação do legislador infraconstitucional quando da elaboração da Lei n.º 9.882/99. Em que pese a atual discussão sobre a constitucionalidade desta segunda hipótese, fato é que a lei que a instituiu tem plena vigência e pode perfeitamente ser questionada no exame da OAB ou em concursos públicos. Quanto a primeira forma de manejo da ADPF, isto é, a direta, o caput do artigo 1º, da Lei n.º 9.882/99 dispõe que a arguição prevista no §1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Assim, há dois objetivos na ADPF: evitar ou reparar lesão a preceito fundamental. O caráter da ação em comento, portanto, pode ser preventivo ou repressivo. Note-se, ademais, que o legislador fala de ato do Poder Público, o que dá à ADPF uma abrangência maior que a atribuída à ADI e ADC, já que estas podem ter por objeto apenas leis ou atos normativos, enquanto que aquela pode ter por objeto, além destes, atos administrativos emanados por quaisquer esferas do Poder Público. Já a segunda e polêmica possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental advém do parágrafo único, do artigo 1º da Lei n.º 9.882/99, o qual dispõe que também caberá ADPF quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Não é objeto de um módulo preparatório para o exame da OAB e concursos públicos a profunda análise do dispositivo em comento, mas 27 notese como o legislador infraconstitucional extrapolou os limites constitucionais, seja ao criar hipótese de ADPF, seja ao dispor que lei ou ato normativo municipal, bem como federais, estaduais e municipais anteriores à Constituição podem ser objeto da mesma. Essa segunda hipótese de ADPF, chamada de incidental (ou por equivalência, ou por equiparação), admite sua interposição diretamente perante o STF, após constatar-se o descumprimento do preceito em qualquer processo judicial. A ADPF incidental é uma forma por meio da qual se pulam instâncias e se leva a controvérsia diretamente ao STF (desde que o autor seja legitimado, evidentemente). Importante estar atento que a controvérsia que vai ao STF, inobstante o trâmite de um processo judicial com uma discussão qualquer, é, tão somente, o descumprimento do preceito fundamental. O caso concreto, objeto do processo subjetivo originário, sequer chega ao STF por meio da ADPF. Para propositura de ADPF incidental exige-se, diferentemente da ADPF direta, demonstração de controvérsia judicial na prática da lei ou ato normativo ensejador do descumprimento de preceito fundamental (art. 1º, I da Lei n.º 9.882/99). Os legitimados à propositura da ADPF são os mesmos legitimados para ADI, com as mesmas exigências acerca da pertinência temática para os denominados legitimados interessados. Há, no entanto, uma peculiaridade. Qualquer pessoa que esteja em litígio perante o Poder Judiciário que se encontre diante do descumprimento de um preceito fundamental, embora não possa diretamente propor ADPF (por não ser legitimado ativo), pode apresentar representação perante o ProcuradorGeral da República e solicitar que o mesmo o faça. A conduta a ser tomada pelo Procurador- Geral da República é, naturalmente, discricionária. Outro ponto que pode ser objeto de questionamento no que se refere à ADPF é o princípio da subsidiariedade, segundo o qual só cabe ADPF quando nãohouver outro meio eficaz capaz de sanar a lesividade (art. 4º, I, Lei n.º 9.882/99). Acerca do princípio em comento o STF se manifestou indicando que o mesmo deva ser interpretado na ordem constitucional global, isto é, o meio eficaz e capaz de sanar a lesividade, deve operacionalizá-lo de forma ampla, geral e imediata, assim como a ADPF o faria. A princípio, dessa forma, a possibilidade de recurso extraordinário no processo originário não exclui a possibilidade de propositura da ADPF, já que o recurso extraordinário não é dotado da amplitude, generalidade e imediatidade inerente à ADPF. É cabível a concessão de medida liminar em sede de ação de descumprimento de preceito fundamental, desde que por decisão de maioria absoluta dos membros do STF. O conteúdo da medida liminar pode determinar a suspensão do andamento dos processos que apresentem relação com a matéria objeto da ADPF. Como acontece na ADI e na ADC, a decisão proferida na ADPF é ex tunc, via de regra, mas seus efeitos podem ser modulados, isto é, podem ser ex nunc ou podem, ainda, ter uma data fixada para manifestação de seus efeitos, casos em que a modulação deverá ser aprovada com quorum de 2/3 (dois terços), pelo Supremo Tribunal Federal. 28 3. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 3.1 PREÂMBULO CONSTITUCIONAL O preâmbulo constitucional situa-se no âmbito político e não no jurídico. Também não compõe o conjunto de normas centrais da Constituição, mas por tratar-se de expositor das normas que estão espalhadas pelo texto constitucional, indubitavelmente ganha relevância, torna-se guia interpretativo, ao menos naquilo que coincide com as normas que são consagradas pela Constituição. Embora não seja dotado de força normativa, não sirva de fundamento exclusivo à declaração de inconstitucionalidade e não possa prevalecer em face de expresso texto constitucional, é certo que o preâmbulo figura como linha mestra interpretativa da Constituição, haja visto sua natureza, qual seja, a de prólogo exteriorizador das intenções ideológica, política e filosófica do constituinte de 1988. O debate acerca da força normativa do preâmbulo constitucional chegou ao Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADIn 2.076-AC22, sendo oportunas as palavras do Ministro Carlos Velloso: O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias, etc. Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local. Pelo exposto, pode-se concluir: a) o preâmbulo constitucional não goza de normatividade jurídica, eis que trata-se, ab initio, de mera exortação política; b) não se situa dentre aquelas denominadas, “normas centrais” da Constituição; c) quando, porém, representam prólogo dos princípios constantes do bojo constitucional, transmuda-se o plano anterior de irrelevância, tornando-se norte interpretativo, uma vez que reflete princípios constitucionais e, exatamente, em função deste reflexo é que passa a caracterizar-se como guia interpretativo. 3.2 ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS – ADCT Como sugere o título, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias destina-se à regulamentação do período de transição entre a antiga e a atual ordem constitucional, carregando normas de direito intertemporal, em sua maioria. Normas estas que possuem natureza jurídica de norma constitucional, e podem trazer exceções às regras estabelecidas no texto constitucional, portanto. 29 3.3 PRINCÍPIOS E OBJETIVOS FUNDAMENTAIS Para um bom desempenho em exames públicos, é fundamental a leitura reiterada dos dispositivos 1º a 4º, ambos da CRFB/88. Diante das variadas naturezas dos princípios fundamentais presentes da Constituição Federal de 1988, José Afonso da Silva faz o agrupamento dos mesmos em (SILVA, 2009, P. 94): a) princípio relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º); b) princípios relativos a forma de governo e à organização dos poderes: República e separação dos poderes (arts. 1º e 2º); c) princípios relativos à organização da sociedade: princípio da livre organização social, princípio de convivência justa e princípio da solidariedade (art. 3º, I); d) princípios relativos ao regime político: princípio da cidadania, princípio da dignidade da pessoa, princípio do pluralismo, princípio da soberania popular, princípio da representação política e princípio da participação popular direta (art. 3º, parágrafo único); e) princípios relativos à prestação positiva do Estado: princípio da independência e do desenvolvimento nacional (art. 3º, II), princípio da justiça social (art. 3º, III) e princípio da não discriminação (art. 3º, IV); f) princípios relativos à comunidade internacional: da independência nacional, do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da igualdade dos Estados, da solução pacífica dos conflitos e da defesa da paz, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, da cooperação entre os povos e o da integração da América Latina (art. 4º). É importante lembrar que o conteúdo, especialmente do artigo primeiro é de profundidade muito maior do que poderia indicar sua mera interpretação literal. O exame da OAB e os concursos públicos em geral se valem habitualmente dos princípios fundamentais para indagar seus candidatos. Em razão disso, destaque especial será conferido aos princípios mais recorrentes, quais sejam, o republicano, o federativo, o da separação de poderes e o democrático. 1) Princípio Republicano: quando o artigo inaugural da Constituição Federal de 1988 dispõe que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, não está apenas a apresentar a forma de governo adotada pelo país. Muito além. O contexto a que foi inserto o tema demonstra que se está diante de um princípio orientador do Estado brasileiro. República, no contexto constitucional, deve ser traduzida a partir de seu mais profundo sentido e essência. Ao estipular que a República Federativa do Brasil se constitui como Estado Democrático de Direito e que tem por fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, o Constituinte deixou inequívoco que estava a tratar da res publica, verdadeiramente. No Estado brasileiro, portanto, a adoção do princípio republicano indica a comunidade, 30 a igualdade, indica que este é o ponto de partida de um Estado preocupado com bem-estar social, partindo daí uma ampla projeção programática, da limitação do autoritarismo à tutela dos direitos e garantias fundamentais. 2) Princípio Federativo: a questão federativa é frequentemente objeto de questionamentos e exige atenção maior. O princípio federativo induz o bom estudo interpretativo de temas da mais variada natureza, dos territórios federais às comissões parlamentares de inquérito, muito pode ser objeto de indagação a partir do prisma federalista. A federação resulta da união dos Estados-membros, federação esta que assume personalidade jurídica autônoma em relação a cada qual e que exerce a soberania, mencionada no artigo 1º, inciso I, da CRFB/88 e que é independente internacionalmente, nos termos do artigo4º, inciso I, também da CRFB/88. É fundamental não confundir soberania com autonomia. Titular de soberania é a União, isto é, a pessoa jurídica de direito público externo formada a partir da união dos Estados-membros, enquanto que estes são titulares de autonomia. Segundo José Afonso da Silva, a autonomia federativa apresenta dois elementos básicos: (a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam de órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que seja ridiculamente reduzido. Mas atenção, há que se lembrar que os Territórios pertencem à União, não são entes federativos, e por isso não são dotados de autonomia, não possuindo a tríplice capacidade, típica dos outros entes federativos (como os Estados-membros e o Distrito Federal, os Municípios e a própria União). A tríplice capacidade é a capacidade de se autogovernar, auto-administrar e de se auto-organizar, aqui incluída a capacidade normativa. É em razão do princípio federativo que a CRFB/88 repartiu as competências de uma forma que melhor propiciaria ao Estado o alcance dos objetivos almejados. Analise a seguinte questão, extraída do exame 2009.2 da OAB, juntamente com os esclarecimentos apresentados para cada alternativa. Quanto ao tema Repartição de Competências, será oportunamente apresentado ao aluno. Considerando o sistema de repartição de competências entre os entes federativos, assinale a opção correta. a) Compete privativamente à União legislar sobre direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. Alternativa incorreta: a competência para legislar sobre esses assuntos é concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (Art. 24, I, CRFB/88). b) No exercício de sua autonomia político-administrativa, cabe aos municípios criar, organizar e suprimir distritos, independentemente de qualquer disciplina legal, de âmbito estadual, sobre o tema. Alternativa incorreta: como componente de um Estado-membro, o município só poderá criar, organizar ou suprimir distritos se estiver adequado 31 às exigências legais do respectivo Estado-membro (Art. 30, IV, CRFB/88). A autonomia que o Estado-membro possui em razão do pacto federativo inclui a legislação para controle da atuação dos municípios integrantes da sua esfera de competências. Sobre o assunto, José Afonso da Silva explica que o Estado, embora aparecendo único nas relações internacionais, é constituído por Estados-membros dotados de autonomia, notadamente quanto ao exercício de capacidade normativa sobre matérias reservadas à sua competência (SILVA, 2009, p. 101). c) É da responsabilidade da União organizar e manter o Poder Judiciário, o MP e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios. Alternativa CORRETA: A organização e manutenção do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública em Territórios e no Distrito Federal incumbe à União (Art. 21, XIII, CRFB/88). Deve-se estar atento ao texto da assertiva, que em análise superficial pode conduzir a raciocínio equivocado. d) Aos estados e municípios cabe exercer os poderes enumerados no texto constitucional, restando à União a competência dita remanescente. Alternativa incorreta: À União cabe exercer os poderes enumerados no texto constitucional, sendo a competência remanescente dos Estados-membros (Art. 25, §1º), uma vez que os municípios também possuem enumeração de suas competências no texto constitucional (Art. 30, CRFB/88). 3) Princípio da Separação de Poderes: encontra fundamento na especialização funcional, necessária ao governo do Estado e exercida mediante a divisão de funções, por meio da qual cada órgão exerce sua parcela de poder. Ao Poder legislativo incumbe a função típica de edição das leis (em sentido amplo) e de fiscalização do Poder Executivo, enquanto que lhe é função atípica a executiva e a jurisdicional para o exercício de suas atribuições. Ao Poder Executivo cabe a função típica de gerência da coisa pública, com a prática dos atos necessários, além das funções atípicas de legislar e julgar para o bom exercício de suas atribuições. Por fim, ao Poder Judiciário cabe a função típica de julgar, aplicando a norma geral, abstrata e impessoal ao caso concreto, lhe sendo função atípica a legislativa e a executiva, também no interesse de suas atribuições. 4) Princípio Democrático: resguarda uma democracia que represente os interesses de seu povo, vedada qualquer discriminação negativa ou conduta tendente a suprimir direitos ou princípios fundamentais, devendo ser interpretada no conceito em que posta pelo constituinte originário (art. 1º), isto é, em conjunto com os conceitos de soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e pluralismo político. Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º), mais que meras finalidades do Estado, constituem instrumentos que 32 penetram no sentido interpretativo dos princípios fundamentais para lhes forçar a eficácia material e evitar que os mesmos fiquem apenas dotados de eficácia formal. Tais objetivos devem ser perseguidos pelo legislador e aplicador do Direito, pois devem ser traduzidos em realidade na sociedade brasileira. 4. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Revela-se intensa a preocupação do constituinte brasileiro com o resguardo dos direitos e das garantias fundamentais. Embora o Título II da CRFB/88 expressamente disponha acerca dos direitos e garantias fundamentais, verdade é que os mesmos encontram-se dispersos por todo o texto constitucional, como será apresentado. 4.1. GERAÇÕES DE DIREITOS Historicamente, os direitos fundamentais podem ser agrupados, por mera finalidade acadêmica, em gerações (ou dimensões). Resumidamente: a) Direitos de 1ª dimensão: representam a afirmação dos direitos de liberdade, ou seja, “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado” (BOBBIO, 2004, p. 52). Com o afastamento da atuação estatal e concessão de ampla liberdade de atuação aos particulares, as classes detentoras de maior poderio econômico dele se valeram para, com base no direito à propriedade, estabelecerem verdadeiro domínio sobre as classes hipossuficientes, excluindo-as socialmente e em escalas cada vez maiores. b) Direitos de 2ª dimensão: com um Estado extremamente liberalista, emergiu a necessidade de trazer a atuação estatal novamente à tona, de modo a restringir tais liberdades, com vista à prestação de garantias mínimas de existência digna à todos do povo, sem discriminações. A Constituição mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919, marcam a transição para a denominada segunda dimensão de direitos, na qual os direitos sociais assumem o papel de destaque. A atuação estatal é chamada a voltar, a restringir a atuação dos particulares para conferir-lhes segurança social, momento em que a igualdade e o bem-comum são postos no ápice dos objetivos a serem alcançados pelo Estado. c) Direitos de 3ª dimensão: Os direitos de terceira dimensão tutelam a humanidade como um todo. Fala-se, por primeira vez, da tutela 33 aos direitos transindividuais, ou seja, aqueles que ultrapassam a esfera individual da pessoa, consubstanciando-se nos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (ALARCON, 2004, p. 81). Os direitos de solidariedade (ou fraternidade) formam o conjunto de elementos que propiciaram a elevação da dignidade humana a princípio-matriz da Constituição Federal e, por conseguinte, de todo ordenamento jurídico. A terceira dimensão
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