Buscar

Estado de coisas surreal

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Crédito @Fotolia/Jotajornalismo
Por José Rodrigo Rodriguez
Professor de UNISINOS (Mestrado e Doutorado), pesquisador do CEBRAP no Núcleo Direito e
Democracia
ste sábado no jornal O Estado de São Paulo, os eminentes
professores Raffaele Di Giorgi, José Eduardo Faria e Celso
Fernandes Campilongo discorreram sobre os riscos da decisão cautelar
do STF na ADPF 347 que demanda a declaração do estado de coisas
inconstitucional das prisões brasileiras e exige o descontigenciamento de
verbas do Fundo Penitenciário Nacional, o cumprimento da lei que impõe
a realização de audiências de custódia, entre outros pedidos mais
ousados, ainda não apreciados no mérito, como os seguintes, que
demandam que o STF:
“a) determine a todos os juízes e tribunais que, em caso de decretação de
prisão provisória, motivem expressamente as razões que impossibilitam
a aplicação das medidas cautelares alternativas à privação de liberdade,
previstas no art. 319 do Código de Processo Penal; (…)
c) determine aos juízes e tribunais brasileiros que passem a considerar
fundamentadamente o dramático quadro fático do sistema penitenciário
brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação
da pena e durante o processo de execução penal;
Estado de coisas surreal
Publicado 25 de Setembro, 2015
Estado de coisas surreal - JOTA http://jota.uol.com.br/estado-de-coisas-surreal
1 de 5 04/09/2016 15:02
d) reconheça que como a pena é sistematicamente cumprida em
condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, a
preservação, na medida do possível, da proporcionalidade e humanidade
da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que for
viável, penas alternativas à prisão;
e) aärme que o juízo da execução penal tem o poder-dever de abrandar
os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos do preso,
como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão
condicional da pena, quando se evidenciar que as condições de efetivo
cumprimento da pena são signiäcativamente mais severas do que as
previstas na ordem jurídica e impostas pela sentença condenatória,
visando assim a preservar, na medida do possível, a proporcionalidade e
humanidade da sanção;
f) reconheça que o juízo da execução penal tem o poder-dever de abater
tempo de prisão da pena a ser cumprida, quando se evidenciar que as
condições do efetivo cumprimento da pena foram signiäcativamente
mais severas do que as previstas na ordem jurídica e impostas pela
sentença condenatória, de forma a preservar, na medida do possível, a
proporcionalidade e humanidade da sanção (…)”
A ADPF 347 quer constranger o Estado brasileiro a tomar providencias
sobre uma das maiores e mais sistemáticas violações de direitos
humanos da história da humanidade. Violação ainda mais chocante por
estar institucionalizada, normalizada nas práticas do Estado brasileiro,
sem ser motivo de indignação por grande parte da sociedade.
Como mostra com precisão o artigo dos eminentes professores citados,
com quem mantenho relações de respeito e gratidão, especialmente no
caso dos professores José Eduardo Faria e Celso Campilongo, que fazem
parte de minha formação na graduação, mestrado e doutorado, há de
fato riscos na adoção deste instituto.
Se a ideia de “estado de coisas inconstitucional” for aplicada sem critério
a todo e qualquer assunto, ela pode levar à ilusão de que as decisões
judiciais seriam capazes de substituir a política e resolver todos os
problemas socais. Bastaria declarar seu “estado de coisas
inconstitucional” para que magicamente o problema parecesse ter sido
resolvido.
Os autores do texto fazem menção ao realismo mágico da tradição
literária latino-americana, não sem ironia, com o objetivo de explicitar o
suposto absurdo desta contribuição latino-americana para o
constitucionalismo mundial.
Temerariamente ouso dizer, mesmo diante da sabedoria reconhecida
internacionalmente de juristas de tão alto gabarito, agora juntos na
tarefa de levantar dúvidas sobre o instituto, que não deixa de causar
espanto o profundo receio manifestado por eles diante de uma medida
concebida como excepcional, aplicada a um caso igualmente excepcional.
Estado de coisas surreal - JOTA http://jota.uol.com.br/estado-de-coisas-surreal
2 de 5 04/09/2016 15:02
Pois mesmo que o STF, em um desejável esforço de autocontenção,
aärme explicitamente em sua decisão que o estado de coisas
inconstitucional seria aplicável apenas se boitatás e sacis passarem a
habitar a terra, mesmo assim, a ADPF 347 deveria prosperar.
Como é amplamente documentado na petição inicial da ação, a situação
de nossas prisões é inacreditável e inexplicável, mesmo levando-se em
conta os padrões mais elementares de humanidade praticados pela
civilização ocidental com seus presos.
Tudo äca mais chocante ao lembramos a existência de bilhões de reais no
Fundo Penitenciário Nacional, recursos justamente destinados a resolver
o problema, mas que permanecem sem uso diante da injustiäcável
inércia do Estado brasileiro.
Diante de tal situação, não seria difícil sustentar, por analogia, que a
situação de nossas prisões equivale, no caso, à existência dos citados
boitatás e sacis. O estado de coisas surreal de nossas prisões, aliás, é
típico das sociedades latino-americanas, em especial da brasileira.
Pois para leitores atentos, a irrealidade presente no realismo mágico
espanta, na verdade, por soar mais plausível do que a nossa realidade
real, esta sim espantosa a ponto de se mostrar como claramente
inacreditável. Uma realidade digna de alimentar histórias fantásticas e de
terror, caso o mundo por aqui estivesse em seu devido lugar.
Ainda é cedo para saber o que o STF irá decidir no mérito da ação, mas é
evidente que, acima de tudo, estamos assistindo a uma benvinda
inovação na maneira pela qual os poderes do Estado se relacionam entre
si.
A essência da separação dos poderes não está em criar uma divisão rígida
de funções entre três poderes, mas sim em evitar que um ato de poder
seja praticado autarquicamente, ou seja, sem revisão ou controle de
outro poder.
Tal instituto sempre pretendeu constranger e manter alertas os donos do
poder para evitar o arbítrio. A separação dos poderes nunca foi pensada
como regra administrativa a impor uma divisão estanque de funções
entre dois, três, quatro, ou entre quantos forem os poderes do Estado.
Se assim fosse, este princípio, basilar de nosso Direito, terminaria por
contrariar sua razão de ser. Aänal, nesta leitura, ele garantiria aos
poderosos que nada nem ninguém pudesse invadir sua seara, mesmo
diante da prática dos atos mais abjetos, como os que são discutidos neste
caso.
Tal modo de conceber a separação de poderes transformaria em cláusula
pétrea a criação de zonas de autarquia constitucionalmente protegidas,
protegendo de todo controle os poderosos de plantão.
Por todas essas razões, é importante que a sociedade preste muita
atenção na conduta de nossos Ministros e Ministras ao julgar esta ação,
Estado de coisas surreal - JOTA http://jota.uol.com.br/estado-de-coisas-surreal
3 de 5 04/09/2016 15:02
que pode vir a ser histórica. Tudo dependerá de sua capacidade de mudar
de fato as políticas do Estado brasileiro em relação às prisões.
Esta é uma oportunidade única para que a irrealidade de nosso mundo
diminua um pouco e tenhamos a oportunidade de nos espantarmos de
fato ao cruzar com sacis e boitatás em nosso cotidiano.
Pessoalmente, torço para que, depois desta decisão, estes seres
imaginários voltem de vez para os livros de literatura e de mitologia,
lugar de onde nunca deveriam ter saído. Ao menos no que diz respeito ao
modo como tratamos os brasileiros e brasileiras que hoje estão
encarceradas.
Estado de coisas surreal - JOTA http://jota.uol.com.br/estado-de-coisas-surreal
4 de 5 04/09/2016 15:02
Estado de coisas surreal - JOTA http://jota.uol.com.br/estado-de-coisas-surreal5 de 5 04/09/2016 15:02

Outros materiais