Buscar

Terceira Conferência de Sigmund Freud

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

21 
Terceira Conferência 
Os lapsos (Continuação) 
 
 Senhoras e senhores: na última vez nos ocorreu a idéia de que o lapso não deve 
ser visto como algo relacionado com a ação intencional que foi perturbada por ele, mas 
como algo em si mesmo, e tivemos a impressão de que em certos casos isolados eles 
deixam transparecer seu sentido próprio; dissemos então que se ficasse comprovado em 
um âmbito mais vasto que o ato falho tem um sentido, então este sentido logo seria mais 
interessante que a investigação das circunstâncias em que o lapso acontece. 
 Ponhamo-nos de acordo sobre o que entendemos por “sentido” de um processo 
psíquico. Nada mais que a intenção à qual ele serve, e sua situação dentro de uma série 
psíquica. Na maioria das nossas investigações podemos também substituir “sentido” por 
“intenção”, “tendência”. Não teríamos incorrido por acaso numa ilusão enganadora ou 
numa intensificação poética do lapso quando acreditamos reconhecer nele uma 
intenção? 
 Atenhamo-nos aos exemplos de lapsos de fala e vejamos em plano geral um 
número maior de observações deste tipo. Encontramos então categorias inteiras de casos 
em que aparecem com clareza a intenção, o sentido do lapso de fala, sobretudo aqueles 
casos em que surge o contrário em lugar do que se pretendia. O presidente diz, no 
discurso de abertura, “declaro a sessão encerrada”. Isto é algo inequívoco. O sentido e a 
intenção de sua fala falha é que ele quer encerrar a sessão. “Ele mesmo o afirma”, temos 
vontade de citar; basta que o tomemos ao pé da letra. E não me venham com a objeção 
de que isto não é possível, que nós sabemos que ele não queria encerrar a sessão, mas 
abri-la, e que ele próprio, a quem nós reconhecemos como a autoridade suprema, pode 
confirmar que queria abri-la. Neste caso, os senhores se esquecem de que estávamos de 
acordo em começar por considerar o lapso em si; só depois é que deve ser discutida a 
sua relação com a intenção que ele perturba. Caso contrário, os senhores incorrerão em 
um erro lógico, no qual o problema a ser tratado fica pura e simplesmente escamoteado, 
o que em inglês se chama begging the question [petição de princípio]. 
 Em outros casos, nos quais o lapso não se manifestou justamente pelo contrário, 
ainda é possível que através do lapso se expresse o sentido oposto. “Não estou com 
vontade para apreciar os méritos do meu estimado antecessor”. “Com vontade” não é o 
contrário de “à vontade”, mas é um confissão clara, nitidamente oposta à situação em 
que o orador deve falar. 
 22 
 Ainda em outros casos, o lapso de fala simplesmente acrescenta um segundo 
sentido ao que se pretendia. A frase soa como uma contração, uma abreviatura, uma 
condensação de várias frases. Assim, quando aquela enérgica senhora disse: “Ele pode 
comer e beber o que eu quiser” – é exatamente como se ela tivesse dito: “Ele pode 
comer e beber o que ele quiser, mas o que é que ele tem de querer? Eu é que quero no 
lugar dele”. Os lapsos de fala freqüentemente deixam a impressão de abreviações como 
esta, por exemplo, quando um professor de anatomia, depois de sua preleção sobre as 
cavidades nasais, pergunta se os ouvintes compreenderam, e depois da afirmativa 
unânime prossegue: “Custo a crer, pois, mesmo numa cidade de um milhão de 
habitantes, pode-se contar num dedo... perdão, nos dedos de uma mão as pessoas que 
entendem de cavidades nasais”. A fala abreviada também tem o seu sentido: afirma que 
só existe um homem que entende do assunto. 
 A estes grupos de casos, em que o lapso traz à tona seu próprio sentido, 
contrapõem-se outros, nos quais o lapso de fala não oferece nada que tenha sentido, e 
que portanto contrariam energicamente as nossas expectativas. Quando alguém, por um 
lapso de fala, distorce um nome próprio ou agrupa uma série inusual de seqüências 
sonoras, fica parecendo, nestas ocorrências, aliás bastante freqüentes, que a questão de 
saber se todos os lapsos produzem algo com sentido já está decidida de forma negativa. 
Só que um exame mais detido destes exemplos mostra que é bem possível compreender 
estas deformações e que não é tão grande assim a diferença entre estes casos obscuros e 
os anteriores, mais claros. 
 Um senhor, indagado sobre o estado do seu cavalo, responde: Sim, ele drura 
talvez mas um mês. Quando lhe perguntaram o que ele pretendia realmente dizer, ele 
explicou: estava pensando que esta é uma história triste, o encontro de “dura” com 
“triste” resultou naquele “drura” (Meringer e Mayer). 
 Um outro fala sobre assuntos que ele desaprova e prossegue: “Mas estes são 
fatores que vieram zum Vorschwein [palavra inexistente, em lugar de zum Vorschein, “à 
luz”]. Quando perguntado, afirmou que qualificaria tais coisas de Schweinereien 
[porcarias]. Vorschwein e Schweinerei reunidas resultaram neste estranho Vorschwein. 
(M. e M.). 
 Agora lembrem-se do caso do rapaz que queria begleitidgen a jovem 
desconhecida. Tomamos a liberdade de decompor esta formação verbal em begleiten 
(acompanhar) e beleidigen (ofender) e nos sentimos seguros quanto a esta interpretação, 
sem necessidade de comprová-la. Por estes exemplos, os senhores podem ver que 
 23 
mesmo os casos mais obscuros de lapsos de fala se explicam pelo encontro, pela 
interferência de duas intenções de fala diferentes; as diferenças só surgem pelo fato de 
que num caso uma intenção substitui inteiramente a outra, como no lapso de fala 
expresso pelo seu contrário, ao passo que num outro caso temos que nos contentar com 
a deformação ou com a modificação do lapso que leva a formações mistas, que em si 
mesmas parecem mais ou menos carregadas de sentido. 
 Agora acreditamos ter apreendido o segredo de um grande número de lapsos de 
fala. Se nos ativermos a esta compreensão, vamos poder entender ainda outros grupos, 
que até agora eram enigmáticos. Por exemplo, na deformação de nomes não podemos 
supor que se trate sempre da concorrência entre dois nomes parecidos e no entanto 
diferentes. Mas não é tão difícil perceber qual é a segunda intenção. A deformação de 
um nome acontece com bastante freqüência, sem que isto seja um lapso de fala; ela 
procura fazer o nome soar mal ou soar como alguma coisa inferior, e este tipo de ofensa 
é um conhecido hábito ou mau hábito ao qual o homem educado logo aprende a 
renunciar, mas não desiste dele de bom grado. E ele continua a se permitir este uso, 
freqüentemente na forma de “piada”, aliás de muito pouco valor. Só para dar um 
exemplo cru e feio desta deformação de nomes, vou mencionar o seguinte: nos dias de 
hoje se transformou o nome do presidente da República Francesa, Poincaré, em 
“Schweinscarré”. Fica óbvio, mesmo no lapso de fala, que podemos supor uma 
intenção injuriosa, que se realiza por meio da deformação do nome. Prosseguindo com 
esta concepção somos levados a dar explicações semelhantes para certos casos de lapsos 
de fala com efeito cômico ou absurdo. “Ich fordere sie auf, auf das Wohl unseres 
Chefes aufzustossen” [“Rogo aos presentes que arrotem à saúde de nosso chefe”]. Aqui 
uma disposição de ânimo festiva é inesperadamente perturbada pela intromissão de uma 
palavra que evoca uma imagem pouco apetitosa e seguindo o modelo de certas 
expressões insultuosas e ofensivas, e não podemos deixar de suspeitar que está presente 
aí uma tendência que quer encontrar expressão, que contradiz violentamente a 
homenagem que passou à sua frente e que pretende dizer algo como: “Não acreditem 
nisto, não estou falando sério, eu não dou nada por este sujeito”, e coisas do gênero. A 
mesma coisa vale para os lapsos de fala que fazem de palavras inocentes e obscenas, 
como Apopos, em vez de Apropos, ou Eischeissweibchen em vez de Eiweissscheibchen 
(M. e M.)
1. 
 
1
 (Apropos: “a propósito”, Apopos: modificação sobre Popo, “traseiro”. Eiweissscheibchen: “rodela da 
clara do ovo”, Eischeissweibchen: algo como “fêmea do ovo de fezes”). 
 24 
 Nós conhecemos em muitas pessoas esta tendência a deformar intencionalmente 
palavras inocentes em obscenas para obter um certo ganho de prazer; esta tendência 
consta como espirituosa e na realidade quando ouvimos alguma precisamos primeiro 
indagar se a pessoa a expressou intencionalmente como piada ou se o que lhe aconteceu 
foi um lapso. 
 Pois bem, teríamos então resolvido o enigma dos lapsos com um esforço 
relativamente pequeno! Eles não são casualidades, mas atos psíquicos sérios, têm o seu 
sentido, surgem pelo efeito conjunto ou talvez melhor dizendo, pelo efeito contrário de 
duas intenções diferentes. Mas agora também posso compreender que os senhores 
desejam me apresentar uma avalanche de perguntas e dúvidas que devem ser 
respondidas e resolvidas antes que possamos nos regozijar com este primeiro resultado 
do nosso trabalho. Certamente não quero levá-los a decisões precipitadas. Tomemos 
tudo na devida seqüência, uma coisa depois da outra, considerando-as friamente. 
 O que é mesmo que os senhores querem me dizer? Se acredito que esta 
explicação vale para todos os casos de lapso de fala ou só para um certo número deles? 
Se podemos também estender esta concepção às inúmeras outras variedades de lapsos, 
ao lapso de leitura, de escrita, ao esquecimento, aos atos descuidados, aos extravios, 
etc.? E diante da natureza psíquica dos lapsos que importância continuam a ter fatores 
como o cansaço, a excitação, a distração, os distúrbios de atenção? E mais ainda, fica 
claro no lapso que das duas tendências que competem entre si uma é sempre explícita, 
mas a outra nem sempre. O que fazer então para descobrir esta outra, e no momento em 
que se acredita tê-la descoberto, como comprovar que ela não é meramente provável, 
mas é a única certa? Os senhores ainda têm alguma coisa a perguntar? Se não, prossigo. 
Quero lembrar-lhes que na verdade nós mesmos não dávamos muita importância aos 
lapsos, e através do seu estudo nós só queríamos aprender alguma coisa que fosse de 
valor para a psicanálise. Por isso eu coloco a seguinte questão: que intenções ou 
tendências são estas que podem perturbar outras a este ponto e que relações existem 
entre as tendências perturbadoras e as tendências perturbadas? Deste modo, nosso 
trabalho só recomeça depois da solução deste problema. 
 Então esta é a explicação para todos os casos de lapso de fala? Sinto-me bastante 
inclinado a acreditar nisto, porque toda vez que se investiga um caso de lapso de fala 
descobre-se uma solução desta natureza. Mas não fica provado que não pode ocorrer um 
lapso de fala sem este mecanismo. Isso pode acontecer; para nós é indiferente, do ponto 
de vista teórico, pois permanecem válidas as conclusões que gostaríamos de tirar para a 
 25 
introdução à psicanálise, mesmo que (o que não é o caso) apenas uma minoria de casos 
de lapso de fala se enquadrasse na nossa concepção. Podemos de antemão responder de 
modo afirmativo à pergunta seguinte, ou seja, a de saber se é lícito estender para os 
outros tipos de lapsos o que resultou da investigação do lapso de fala. Os senhores vão 
se convencer por si próprios, quando nos dedicarmos à investigação de exemplos de 
lapsos de escrita, de atos descuidados, etc. Enquanto não tratarmos mais profundamente 
do lapso de fala, aconselho-os, por razões técnicas, a adiar esta tarefa. 
 Há uma questão que merece uma resposta mais detalhada: a de saber o que 
podem ainda significar para nós aqueles fatores colocados em primeiro plano pelos 
autores: o distúrbio de circulação, a fadiga, a excitação, a distração, e a teoria do 
distúrbio da atenção – quando descrevemos os mecanismos psíquicos do lapso de fala. 
Observem bem que não contestamos estes fatores. Não é tão freqüente que a psicanálise 
conteste alguma coisa afirmada por outros; via de regra ela só lhe acrescenta algo novo 
e naturalmente às vezes o que era até então negligenciado e que foi agora acrescentado 
se torna justamente o essencial. Deve-se reconhecer sem reservas a influência das 
disposições fisiológicas causadas pelo mal-estar leve, pelos distúrbios de circulação e 
pelos estados de esgotamento para o surgimento do lapso de fala: a experiência pessoal 
e quotidiana pode convencê-los disto. Mas como ainda é pouco o que fica assim 
esclarecido! Sobretudo não são estas as condições necessárias para a ocorrência do 
lapso de fala – este lapso é igualmente possível em estados normais e de perfeita saúde. 
Os fatores físicos só têm o mérito de facilitar e favorecer o mecanismo psíquico peculiar 
do lapso de fala. Uma vez utilizei para esta relação uma comparação que quero repetir 
aqui porque não consigo substituí-la por outra melhor. Suponham que numa noite 
escura, caminhando por um lugar solitário, fui assaltado por um ladrão que me roubou o 
relógio e a carteira, e por não ter visto nitidamente o seu rosto fui apresentar minha 
queixa na delegacia de polícia mais próxima nos seguintes termos: “A solidão e a 
escuridão acabam de roubar meus objetos de valor”. O delegado de polícia poderia neste 
caso me responder: “O senhor parece estar fazendo concessões injustas a uma 
concepção extremamente mecanicista. Protegido pela escuridão e favorecido pela 
solidão, um ladrão lhe roubou seus objetos de valor. No seu caso parece-me que a tarefa 
principal é encontrar o ladrão. Talvez possamos recuperar o que foi roubado”. 
 Os fatores psicofisiológicos como a excitação, a distração, distúrbio de atenção 
evidentemente nos oferecem muito pouco no sentido do esclarecimento. São meras 
expressões verbais, biombos atrás dos quais não devemos deixar de olhar. É mais o caso 
 26 
de saber aqui o que provocou a excitação ou o particular desvio da atenção. As 
influências sonoras, as semelhanças verbais e as associações usualmente decorrentes das 
palavras devem ser reconhecidas como significativas. Elas facilitam o lapso de fala, na 
medida em que lhe apontam os caminhos que ele pode tomar. Mas se tenho um caminho 
diante de mim, fica decidido com isto, como se fosse algo natural, que eu tenha de ir por 
ele? Para eu me decidir por ele é preciso que haja um motivo e também uma força que 
me impulsione a avançar por este caminho. Estas relações sonoras e verbais, do mesmo 
modo que as disposições corporais, apenas favorecem o lapso de fala mas não podem 
proporcionar sua verdadeira explicação. Pensem que na imensa maioria dos casos a 
minha fala não é perturbada pelo fato de que as palavras utilizadas por mim lembram 
outras por semelhança sonora, ou pelo fato de estarem intimamente ligadas às palavras 
contrárias, ou ainda porque delas derivam associações usuais. Poderíamos ainda recorrer 
à informação fornecida pelo filósofo Wundt de que o lapso de fala ocorre quando as 
tendências à associação prevalecem sobre qualquer intenção de dizer algo, em 
conseqüência da exaustão física. Seria bom poder dar ouvidos a isto se a experiência 
não o desmentisse; pelo testemunho desta, em uma série de casos faltam os fatores 
somáticos que facilitariam o lapso de fala, em outra série são os fatores associativos que 
estão ausentes. 
 Mas para mim é de particular interesse a próxima pergunta dos senhores: como 
se identificam as duas tendências que interferem uma sobre a outra. Os senhores 
provavelmente não fazem idéia do quanto esta pergunta é rica de conseqüências. É 
verdade que uma das duas, a tendência perturbada, é sempre inequívoca: a pessoa que 
comete o lapso conhece esta tendência e toma o partido dela. Só pode haverespaço para 
dúvidas e reservas com relação à outra, a tendência perturbadora; ora, nós já ouvimos 
afirmar e os senhores certamente não esqueceram, que numa série de casos esta outra 
tendência é igualmente clara. Ela será indicada pelo efeito do lapso de fala, desde que 
tenhamos a coragem de fazer este efeito valer por si mesmo. O presidente, por um lapso, 
fala o contrário – é claro que ele quer abrir a sessão, e é igualmente claro que ele 
gostaria de dá-la por encerrada. É tão nítido que não sobra nada para interpretar. Mas 
nos outros casos, em que a tendência perturbadora apenas deforma a tendência original, 
sem que ela mesma a expresse inteiramente, como se pode descobrir, a partir da 
deformação, qual é a tendência perturbadora? 
 Numa primeira série de casos, de um modo muito simples e seguro: do mesmo 
modo que se constata qual é a tendência perturbada. Esta é diretamente comunicada 
 27 
pelo próprio autor da fala. Depois do lapso de fala ele restabelece imediatamente o 
termo originariamente intencionado. Isto drura, não, dura talvez mais um mês. 
Conseguimos também que ele declare qual é a tendência perturbadora, perguntando-lhe: 
então, por que disse primeiro “drura”? Ele responde: eu queria dizer que esta é uma 
história triste – e no outro caso, no lapso de fala “Vorschwein”, ele vai igualmente lhes 
confirmar que antes queria dizer que isto era uma Schweinerei, depois ele se moderou e 
se desviou para uma outra afirmação. Nestes casos, se identifica com igual segurança 
tanto a tendência que leva à deformação quanto a tendência que é deformada. Não sem 
intenção, selecionei aqui exemplos que ainda não foram comunicados ou resolvidos 
nem por mim nem por nenhum dos meus seguidores. No entanto, nestes dois casos foi 
necessária uma certa intervenção para promover a solução. Foi preciso perguntar ao 
autor da fala por que ele cometeu este lapso e o que saberia dizer sobre ele. De outra 
forma, talvez seu lapso lhe tivesse passado despercebido, sem que ele chegasse a desejar 
esclarecê-lo. Mas quando interrogado ele o explicou com a primeira coisa que lhe 
ocorreu. E agora vejam bem: esta pequena intervenção e o seu êxito, isto já é psicanálise 
e o protótipo de toda a investigação psicanalítica que vamos empreender daqui para 
diante. 
 Seria eu excessivamente desconfiado se supusesse que no próprio momento em 
que a psicanálise começa a emergir perante os senhores, a resistência contra ela também 
põe a cabeça para fora? Não gostariam os senhores de me objetar que não tem pleno 
valor de prova a informação dada pela pessoa interrogada (a pessoa que cometeu o lapso 
de fala)? Os senhores acreditam que ela tem naturalmente todo empenho em atender ao 
pedido de explicação do lapso de fala e então ela fala a primeira coisa que lhe ocorre, 
desde que isto lhe pareça plausível como esclarecimento do que aconteceu. Com isto, 
não fica provado que o lapso de fala de fato aconteceu assim. Pode ser, mas também 
pode ser outra coisa. Poderia ter ocorrido à pessoa alguma outra coisa que fosse tão boa 
quanto esta e que fosse talvez até mais adequada. 
 É notável como os senhores têm no fundo pouco respeito por um ato psíquico. 
Imaginem que alguém fez a análise química de uma determinada substância e 
encontrou, para um componente dela, um determinado peso, tantas e tantas miligramas. 
A partir deste peso se podem inferir determinadas conclusões. Ora, acreditam os 
senhores que poderia ocorrer a um químico criticar estas conclusões alegando que a 
substância isolada poderia também ter um outro peso? Todos se curvam diante do fato 
de que o peso era este e nenhum outro, e confiantes vão construir, com base nele, suas 
 28 
conclusões seguintes. Agora, quando se está diante do fato psíquico de que ocorreu à 
pessoa interrogada uma determinada idéia, para os senhores isto já não vale mais e 
então dizem que poderia ter ocorrido a ela uma outra coisa! Os senhores têm a ilusão de 
uma liberdade psíquica em si mesma e não querem renunciar a ela. Lamento que neste 
ponto eu esteja em profundo desacordo com os senhores. 
 Bem, aqui os senhores vão ceder, mas apenas para retomar sua resistência em 
outro ponto. Prosseguirão: entendemos que é uma técnica peculiar da psicanálise fazer 
com que os próprios analisados digam a solução dos seus problemas. Agora tomemos 
um outro exemplo: o do orador que numa solenidade convida os presentes a arrotar 
[aufstossen] à saúde do chefe. Os senhores dizem que neste caso a intenção 
perturbadora é a de ofender: é ela que se opõe à expressão da homenagem. Mas da sua 
parte isto é pura interpretação, apoiada em suas observações, que se situam fora do 
lapso de fala. Se neste caso os senhores interrogarem o autor do lapso ele não vai 
confirmar a intenção de ofender; pelo contrário, vai desmenti-la energicamente. Por que, 
diante de um tal protesto, os senhores não desistem da sua indemonstrável 
interpretação? 
 De fato, desta vez os senhores descobriram algo forte. Posso imaginar o orador 
desconhecido nesta solenidade; provavelmente ele é um assistente do chefe 
homenageado, talvez já seja professor-assistente, um jovem com as melhores chances 
de vida. Quero contrangê-lo a me dizer se não sentiu algo que pudesse se opor ao 
convite a homenagear o chefe. Aí sim que eu desagrado de uma vez. Ele perde a 
paciência e irrompe para cima de mim: “Pare de uma vez por todas com este 
interrogatório, senão vou ficar bravo. O senhor está estragando toda a minha carreira 
com suas suspeitas. Eu simplesmente disse arrotar [aufstossen] em vez de brindar 
[anstossen], porque na mesma frase eu já tinha falado auf duas vezes. É o que Meringer 
chama de pós-sonância, e fora isto não há mais nada aí para ficar interpretando. Está me 
entendendo? Agora chega!”. Hum..., é uma reação surpreendente, uma rejeição 
realmente enérgica. Vejo que não posso conseguir nada com este jovem, mas penso 
comigo mesmo que ele demonstra estar pessoalmente muito interessado em que seu 
lapso não tenha sentido algum. Talvez os senhores também achem que não é justo ele 
logo ficar tão grosseiro diante de uma investigação puramente teórica, mas enfim, dirão 
que ele afinal devia saber o que pretendia e o que não pretendia dizer. 
 Então devia saber? Esta seria talvez a próxima questão. 
 29 
 Agora os senhores acreditam que me têm na mão. “Esta é a sua técnica”, ouço-
os falar. Quando a pessoa que cometeu um lapso de fala diz a seu próprio respeito algo 
que lhe convém, o senhor o promove à mais alta autoridade decisória sobre o assunto. 
“Ele mesmo o diz”! Mas quando aquilo que ele diz não se encaixa no esquema, o senhor 
afirma de repente que isto não vale nada, que não é o caso de dar crédito a ele. 
 É verdade. Mas posso lhes apresentar um caso semelhante em que as coisas se 
passam de modo igualmente monstruoso. Quando um acusado confessa um determinado 
delito perante o juiz, este acredita na confissão; mas quando ele o nega, o juiz não 
acredita nele. Se não fosse assim não haveria a prática judicial e apesar de erros 
ocasionais, os senhores consideram este sistema válido. 
 Ah, sim, então o senhor é o juiz, e quem comete um lapso de fala é aos seus 
olhos um acusado? Quer dizer que cometer um lapso de fala é cometer um delito? 
 Talvez não precisemos rejeitar nem mesmo esta comparação. Mas vejam só a 
que profundas divergências chegamos ao aprofundar um pouco os problemas 
aparentemente tão inofensivos dos lapsos. Divergências que por ora ainda não sabemos 
como aplainar. Com base na analogia do juiz e do acusado, ofereço-lhes um 
compromisso provisório. Os senhores concordam comigo que o sentido de um lapso não 
deixa lugar para dúvidas, quando o próprio analisando o admite. Em troca, vouadmitir 
que não se pode obter uma prova direta do suposto sentido quando o analisado se recusa 
a dar informações, e da mesma forma, naturalmente, quando ele não está à mão para nos 
informar. Como na prática da justiça, estamos aqui remetidos a indícios, o que torna 
uma decisão ora mais, ora menos provável. Num tribunal, por razões práticas é 
necessário declarar o réu culpado a partir de provas circunstanciais. Nós não temos esta 
necessidade, mas não somos também obrigados a prescindir do valor destes indícios. 
Seria um erro acreditar que uma ciência só consiste de leis rigorosamente comprovadas 
e seria injusto exigi-lo. Só faria esta exigência um espírito ávido de autoridade, que 
precisa substituir seu catecismo religioso por um outro, mesmo que científico. A ciência 
tem no seu catecismo apenas algumas proposições apodíticas e de resto afirmações que 
ela procurou elevar a certos graus de probabilidade. Chega a ser um sinal de 
pensamento científico poder ficar satisfeito com estas aproximações à certeza e 
prosseguir com o trabalho construtivo, apesar da ausência de confirmações últimas. 
 Mas de onde tomamos os pontos de apoio para nossas interpretações, os indícios 
para nossa comprovação, nos casos em que o que é dito pelo analisando não esclarece 
por si o sentido do lapso? De vários lugares. Primeiro, da analogia com outros 
 30 
fenômenos que não os lapsos, por exemplo quando afirmamos que a deformação de 
nomes, como no lapso de fala, têm o mesmo sentido ofensivo que a distorção 
intencional do nome. Além disso, também a partir da situação psíquica em que o lapso 
ocorre, a partir do nosso conhecimento do caráter da pessoa que cometeu o lapso, e das 
impressões pelas quais ela foi atingida antes do lapso, às quais possivelmente ela reagiu 
com o lapso. Via de regra, é de acordo com os princípios gerais que fazemos a 
interpretação do lapso – que de início é apenas uma suposição, uma proposta de 
interpretação, e depois procuramos confirmá-la pela investigação da situação psíquica. 
Às vezes precisamos aguardar os acontecimentos seguintes, que por assim dizer foram 
anunciados por meio do lapso, para reforçar nossa suposição. 
 Não me será fácil apresentar-lhes ilustrações se eu tiver que me limitar ao campo 
do lapso de fala, embora também neste campo se encontrem alguns bons exemplos. O 
jovem que queria begleitidgen uma moça é certamente um tímido; a mulher cujo marido 
só pode comer e beber o que ela quiser, vejo-a como uma dessas mulheres enérgicas 
que costuma comandar o batalhão em casa. Ou então considerem o seguinte caso: numa 
assembléia geral do “Concórdia2” um jovem membro pronuncia um vigoroso discurso e 
oposição, no qual se dirige à presidência da assembléia, como os senhores membros de 
empréstimo [Vorschussmitglieder], o que parece composto por Vorstand [comitê] e 
Ausschuss [comissão]. Suponhamos que contra a sua oposição se despertou nele uma 
tendência perturbadora, apoiada em algo que tinha a ver com o empréstimo [Vorschuss]. 
De fato, ficamos sabendo pelo nosso informante que orador vivia em permanente apuro 
financeiro e justamente naquele momento tinha acabado de apresentar um pedido de 
crédito. Como intenção perturbadora deve-se realmente inserir o seguinte pensamento: 
modere-se na sua oposição pois estas pessoas são as mesmas que vão aprovar o seu 
empréstimo. 
 Mas quando eu passar para o vasto âmbito dos outros tipos de lapsos, vou poder 
lhes apresentar uma grande variedade de provas iniciais como esta. 
 Quando alguém esquece um nome próprio que habitualmente lhe é familiar, ou 
só consegue memorizá-lo com dificuldade, apesar de todos os seus esforços, é fácil 
supor que tem alguma coisa contra o portador deste nome, e por isso prefere não pensar 
nele; acrescentem a isto as seguintes descobertas a respeito da situação psíquica em que 
um lapso ocorreu: 
 
2
 (União dos jornalistas vienenses). 
 31 
 “O senhor Y. apaixonou-se por uma moça, mas não foi bem sucedido, e ela em 
seguida se casou com o senhor X. Embora o senhor Y. conheça o senhor X há bastante 
tempo e até mantenha com ele relações comerciais, ele esquece constantemente seu 
nome, a ponto de, em várias ocasiões, tê-lo perguntado a outras pessoas, quando queria 
se corresponder com o senhor X
3
. 
 É evidente que o senhor Y não quer saber de seu feliz rival. “Nem pensar nele”. 
 Ou ainda: uma senhora pede a seu médico notícias de uma conhecida comum, 
mas refere-se a ela pelo nome de solteira. Esquece o seu nome de casada. Confessa 
então que estava muito insatisfeita com esse casamento e que não suportava o marido 
desta amiga
4
. 
 Ainda teremos muito que dizer em outros contextos sobre o esquecimento de 
nomes; por ora, interessa-nos fundamentalmente a situação psíquica em que ocorre o 
esquecimento. 
 O esquecimento de propósitos em geral pode ser remetido a uma corrente 
contrária, que não quer realizar aquele propósito. Não somos apenas nós, os da 
psicanálise, que pensamos assim, mas esta é a concepção geral dos homens, que na vida 
aderem a tudo que negam unicamente na teoria. O protetor que se desculpa com o seu 
protegido, não fica justificado aos olhos deste. O protegido pensa imediatamente: ele 
não se importa nem um pouco; ele prometeu, mas na realidade não quer cumprir. Por 
isso, na vida em certas relações o esquecimento está proibido e a diferença entre a 
concepção popular e a concepção psicanalítica destes lapsos parece ficar eliminada. 
Imaginem uma dona de casa que recebe uma visita nos seguintes termos: “O que, o 
senhor aqui hoje? Esqueci completamente que o tinha convidado para hoje”. Ou o 
jovem que precisa confessar à sua amada que se esqueceu de comparecer ao último 
encontro. Com certeza ele não o confessará e de preferência vai inventar de improviso 
os obstáculos mais prováveis que podem tê-lo detido na ocasião, e que o impediram 
desde então de dar notícias. Todos nós sabemos que na vida militar a desculpa de ter-se 
esquecido de alguma coisa não adianta nada nem isenta da punição – e nós temos que 
considerar isto justo. Aqui há um acordo unânime em considerar que um determinado 
ato falho tem um sentido, e qual o sentido que tem. Por que os senhores não são 
suficientemente conseqüentes para estender esta compreensão para os outros lapsos e 
admiti-la plenamente? Para isto naturalmente também há uma resposta. 
 
3
 Segundo C. G. Jung 
4
 Segundo A. A. Brill 
 32 
 Se o sentido deste esquecimento de propósitos é tão inequívoco, mesmo para os 
leigos, os senhores ficarão menos surpresos ao descobrir que também os poetas avaliam 
estes lapsos neste mesmo sentido. Quem dentre os senhores assistiu ou leu César e 
Cleópatra de B. Shaw, vai lembrar que na última cena, César, que está partindo, é 
perseguido pela idéia de que tinha a intenção de fazer mais uma coisa, mas agora tinha 
esquecido o que era. Finalmente, aparece o que era: despedir-se de Cleópatra. Este 
pequeno artifício do autor pretende atribuir ao grande César uma superioridade que ele 
não tinha e à qual não aspirava. Pelas fontes históricas os senhores podem ver que César 
fez Cleópatra acompanhá-lo a Roma e que ela estava só com seu pequeno Cesarion 
quando César foi assassinado e por isso ela fugiu da cidade. 
 Os casos de esquecimento de intenções são em geral tão claros que são pouco 
úteis para os nossos objetivos: obter indícios do sentido do lapso a partir da situação 
psíquica. Voltemo-nos por isso para um tipo de lapso particularmente ambíguo e 
impenetrável: perda e extravio. Os senhores certamente não vão achar plausível que 
participemos, num sentido intencional, de umacausalidade como esta, muitas vezes 
sentida como tão dolorosa. Mas existem abundantes observações deste gênero: um 
jovem perde o lápis pelo qual tinha grande afeição. Dias antes tinha recebido uma carta 
de seu cunhado que terminava com as seguintes palavras: “Por ora não tenho vontade 
nem tempo de sustentar tua leviandade e tua preguiça
5”. O lápis era justamente um 
presente deste cunhado. Sem esta coincidência, naturalmente não poderíamos afirmar 
que havia nesta perda a participação de uma intenção de se desfazer da coisa. Casos 
semelhantes são muito freqüentes. Perdem-se objetos quando se está em relações pouco 
amistosas com a pessoa que os deu e não se deseja mais lembrar dela, ou ainda quando 
não se gosta mais dos objetos e se quer criar um pretexto para substituí-los por outros 
melhores. Deixar cair, quebrar, destruir – servem também à mesma intenção contra um 
objeto. Podemos considerar casual que uma criança em idade escolar, justamente antes 
de seu aniversário perca, estrague ou quebre seus objetos pessoais, por exemplo, sua 
mala escolar, seu relógio de bolso? 
 Aquele que já viveu suficientemente o tormento de não conseguir achar uma 
coisa que ele próprio guardou não vai querer acreditar que existe uma intenção também 
no extravio. E no entanto não são nada raros os exemplos em que as circunstâncias em 
 
5
 Segundo B. Dattner. 
 33 
torno do extravio apontam para uma tendência a se desfazer do objeto de um modo 
temporário ou permanente. Talvez o mais belo exemplo deste tipo seja o seguinte: 
 Um homem mais jovem me conta: “anos atrás, havia dificuldades no meu 
casamento. Eu achava minha mulher muito fria e embora de bom grado eu reconhecesse 
suas excelentes qualidades, convivíamos sem carinho entre nós. Um dia ela me trouxe 
de um passeio um livro que havia comprado porque ele poderia me interessar. Agradeci 
este sinal de „atenção‟, prometi ler o livro, guardei-o e não o achei mais. Passaram-se 
meses em que eu às vezes me lembrava do livro desaparecido e tentava em vão 
encontrá-lo. Cerca de um ano mais tarde minha querida mãe, que não morava conosco, 
ficou doente. Minha mulher saiu de nossa casa para ir cuidar da sogra. O estado da 
doente agravou-se e deu à minha mulher a oportunidade de mostrar suas melhores 
qualidades. Uma noite volto para casa cheio de entusiasmo e gratidão para com ela, por 
seu empenho. Vou até minha escrivaninha e sem uma intenção definida abro uma 
gaveta e ali, bem em cima, encontro o livro extraviado, sumido há tanto tempo”. 
 Uma vez eliminado o motivo, também chegou ao fim o extravio do objeto. 
 Senhoras e senhores: eu poderia multiplicar indefinidamente esta coleção de 
exemplos, mas não quero fazê-lo aqui. Em minha Psicopatologia da vida cotidiana (a 
primeira edição é de 1901) os senhores encontrarão em todo caso uma abundante 
casuística para o estudo dos lapsos
6
. Todos estes exemplos produzem sempre o mesmo 
resultado: tornam verossímil a existência de um sentido nos lapsos e mostram aos 
senhores como é possível descobrir ou confirmar este sentido a partir das suas 
circunstâncias. Hoje serei mais breve porque estamos limitados ao objetivo de extrair 
algum benefício do estado destes fenômenos para uma preparação à psicanálise. Só 
quero considerar aqui ainda dois grupos de observações: os lapsos acumulados e 
combinados e a confirmação das nossas interpretações por acontecimentos ocorridos 
mais tarde. 
 Os lapsos acumulados e combinados são certamente a fina flor da sua espécie. 
Se estivéssemos apenas interessados em provar que os lapsos podem ter um sentido, 
teríamos nos limitado desde o início só a eles, porque neles, mesmo para uma 
inteligência obtusa, o sentido é inequívoco e se impõe ao juízo crítico mais exigente. O 
acúmulo das manifestações trai uma obstinação que quase nunca pode ser atribuída ao 
acaso, mas que se adapta bem à intenção. E finalmente, a permutabilidade dos diversos 
 
6
 E ainda, nas compilações de A. Maeder (francês), A. A. Brill (inglês), E. Jones (inglês), J. Stärcke 
(holandês). 
 34 
tipos de lapsos nos mostra o que é importante e essencial no lapso: não a forma nem os 
meios de que ele se utiliza, mas a intenção, à qual ele próprio serve e que deverá ser 
atingida pelos mais variados caminhos. Por isso quero lhes apresentar um caso de 
esquecimento repetido: E. Jones conta que, por motivos que ignorava, certa vez deixou 
por vários dias uma carta em cima de sua escrivaninha. Por fim, acabou por se decidir a 
enviá-la, mas ela lhe foi devolvida pelo “Dead letter office” [Repartição de Cartas 
Extraviadas], pois ele tinha esquecido de escrever o endereço. Depois de escrevê-lo, 
levou a carta ao correio, mas desta vez sem o selo. Finalmente, teve de reconhecer sua 
total relutância em enviar a carta. 
 Num outro caso, um ato descuidado aparece combinado com um extravio. Uma 
senhora viaja para Roma com seu cunhado, um artista famoso. O visitante é muito 
homenageado pelos alemães residentes em Roma e é presenteado, entre outras coisas, 
com uma medalha de ouro antiga. Esta senhora fica ressentida com o fato de que o 
cunhado não sabe dar o devido valor àquela bela peça. Ao voltar para casa, tendo a irmã 
ficado em seu lugar, ela descobre ao desfazer as malas que, sem saber como, trouxe 
consigo a medalha. Imediatamente ela escreve ao cunhado comunicando-lhe o fato e 
avisando-o que no dia seguinte remeterá de volta para Roma a medalha surrupiada. Mas 
no dia seguinte a medalha foi extraviada com tanta habilidade que não foi possível 
encontrá-la e remetê-la. Só então aflorou à sua consciência o que significava a sua 
“distração”, ou seja, que ela queria ficar com aquela peça7. 
 Já lhes relatei um exemplo de combinação de um esquecimento com um erro, 
como quando alguém se esquece de um encontro pela primeira vez, e da segunda vez, 
com o firme propósito de não esquecer, aparece numa outra hora que não a combinada. 
Um caso bastante análogo, tirado da própria experiência, foi-me contado por um amigo 
que tem também interesses literários, além dos científicos. 
 “Há alguns anos”, diz ele, “aceitei ser eleito para o comitê de uma sociedade 
literária porque supunha que esta sociedade eventualmente poderia me ajudar a 
conseguir a representação de minha peça teatral e, embora sem muito interesse, 
participei regularmente das sessões que tinham lugar todas as sextas-feiras. Há alguns 
meses fui assegurado de que minha peça seria representada no teatro em F. e desde 
então tem me acontecido com regularidade esquecer das reuniões daquela sociedade. 
Quando li seu trabalho sobre estas coisas fiquei envergonhado do meu esquecimento e 
 
7
 Segundo R. Reitler 
 35 
me recriminei, considerando uma baixeza faltar, agora que não preciso mais daquelas 
pessoas, e então decidi a não esquecer de modo algum na sexta-feira seguinte. Lembrei-
me o tempo todo deste propósito até que o realizei e me vi diante da porta da sala de 
reunião. Para meu espanto ela estava fechada, a sessão já havia acontecido: eu 
simplesmente tinha errado o dia. Já era sábado!” 
 Seria fascinante reunir observações semelhantes a estas, mas prossigo; quero que 
vejam um pouco os casos em que a nossa interpretação precisa esperar pelo futuro para 
poder ser confirmada. 
 É compreensível que a principal condição, nestes casos, seja o fato de 
desconhecermos a situação psíquica atual ou não podermos averiguá-la. Então, a nossa 
interpretação só tem o valor de uma conjectura, à qual nós mesmos não pretendemos dar 
muito peso. Mais tarde, porém, acontece alguma coisa que nos mostra o quantoaquela 
nossa interpretação já era justificada. Uma vez eu estava na casa de um casal de jovens 
recém-casados e ouvi a jovem senhora contar rindo sua mais recente experiência: no dia 
seguinte à volta de sua viagem de núpcias ela foi buscar sua irmã solteira para ir fazer 
compras com ela, como antigamente, e enquanto isso, o marido foi para o trabalho. De 
repente reparou na presença de um senhor do outro lado da rua e, chamando a atenção 
da irmã, exclamou: “Olha, lá está o senhor L”. Ela tinha esquecido que este senhor já há 
algumas semanas era o seu marido. Eu estremeci com este relato mas não ousei tirar 
qualquer conclusão. Esta pequena história só me ocorreu de novo anos depois, quando 
este casamento teve um fim dos mais infelizes. 
 A. Maeder conta de uma jovem, que na véspera de seu casamento esqueceu de 
provar o vestido de noiva e para o desespero da costureira só foi lembrar disso tarde da 
noite. Ela relaciona com este esquecimento o fato de que logo depois ela se separou do 
marido. Conheço uma senhora, atualmente separada do marido, que ao assinar 
documentos relativos à administração de seus bens freqüentemente escrevia seu nome 
de solteira, isto muitos anos antes de efetivamente recuperar este nome. Sei também o 
caso de outras mulheres que perderam sua aliança durante a viagem de núpcias, e sei 
também que o rumo tomado pelo casamento conferiu sentido a este acaso. E agora um 
exemplo clamoroso, com um desenlace mais feliz. Conta-se de um famoso químico 
alemão que o seu casamento não se realizou porque se esqueceu da hora da cerimônia e 
em vez de ir para a igreja foi para o laboratório. Foi suficientemente perspicaz para se 
contentar com esta tentativa e morreu solteiro em avançada idade. 
 36 
Talvez tenha ocorrido aos senhores que nestes exemplos os atos falhos ocupam o 
lugar dos presságios ou dos augúrios dos antigos. E de fato, uma parte dos presságios 
não era outra coisa senão lapsos, como por exemplo quando alguém tropeçava ou caía. 
Outra parte contudo tinha o caráter de acontecimento objetivo, e não de ação subjetiva. 
Mas os senhores não acreditariam como às vezes é difícil, num dado acontecimento, 
decidir se ele pertence a um ou outro grupo. O agir freqüentemente encontra um meio 
de se mascarar como uma experiência passiva. 
Qualquer um de nós que olhar para trás e examinar uma longa experiência de 
vida provavelmente poderá dizer que poderia ter se poupado muitas decepções e 
surpresas dolorosas se tivesse tido a coragem e a decisão de interpretar os pequenos atos 
falhos no relacionamento com as pessoas como presságios e valorizá-los como sinais de 
suas intenções, na ocasião ainda secretas. Na maioria das vezes não nos atrevemos a 
fazê-lo; poderia parecer que pela via indireta da ciência nós estamos nos tornando 
supersticiosos de novo. Mas nem todos os presságios se realizam e pela nossa teoria os 
senhores vão compreender que nem todos precisam se realizar.

Outros materiais