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Depoimento sem dano

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1 DEFINIÇÃO
O sistema de escuta judicial, chamado “Depoimento Sem Dano”, trabalha com a Polícia, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Poder Judiciário e com um serviço técnico especializado, que faz a ouvida da criança/adolescente em um espaço próprio, protegido e especialmente projetado para o delicado momento do depoimento infanto-juvenil. O trabalho dessas pessoas é esclarecer se fatos investigados pela justiça ocorreram ou não, no que eles se constituem, se são ou não reprováveis ao olhar da lei, bem como quem os praticou. O depoimento sem dano é comprometido em dar efetividade ao direito que toda criança/adolescente tem de esclarecer ao sistema de justiça, com suas próprias palavras, fatos que lhe dizem respeito - Convenção Internacional dos Direitos da Criança, art. 12, valorizando este momento, tornando adequada e positiva a intervenção judicial.[1:  No art. 12 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança lê-se: “Os Estados-Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança”.]
Deste modo o presente trabalho tem como escopo, apresentar argumentos favoráveis e desfavoráveis acerca do presente tema.
2 DEPOIMENTO SEM DANO – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS 
2.1 PROJETO GAÚCHO DO “DEPOIMENTO SEM DANO”
O projeto de “depoimento sem dano” foi implementado no Estado do Rio Grande do Sul, seguindo as recomendações de “o primeiro encontro com uma criança que se supõe ou de fato tenha sido sexualmente abusada deve essencialmente buscar a melhor forma de comunicação com ela” (MATOS, 2002, p.185).
Por isso para facilitar o depoimento da criança/adolescente, faz-se necessário que este seja acolhido em uma sala reservada e acolhedora, de preferência com uma pessoa de “confiança” e que estejam preparadas para analisar os relatos indiciados, as pessoas de confiança são profissionais em cuja presença a criança/adolescente se sinta confortável e suficiente seguras para relatar os fatos ocorridos.
A primeira audiência realizada foi em 6 de maio de 2003, com a presença de magistrado, psicóloga e psicóloga judiciária lotada no Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
 Nessa comarca as crianças e os adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual são ouvidos por técnicos devidamente capacitados, em sala apartada á da audiência, dotada em equipamentos de informática que permite a filmagem da inquirição e sua reprodução em sala de audiência e, contando a reprodução sonora, possibilita que a inquirição seja conduzida a distância pelo juiz, que faz as perguntas apresentadas pelo promotor e advogado.
Evita-se com isso a exposição da criança/ adolescente a estranhos, bem como a perguntas formulada de modo inadequado e intimidativo, causadoras de desnecessárias situações aflitiva da vítima. Cumpre registrar, ainda, que tal experiência vem sendo executada, já há mais tempo, em várias comarcas argentinas, nas quais a inquirição da criança dá-se por profissionais habilitado, com utilização de câmera de Gesel, em que a sala conta com uma das paredes de vidro espelhado, que permite aos operadores de direito, observar a criança, com a possibilidade de se comunicarem por meio de intercomunicadores.
Em termos processuais a autora gaúcha Veleda Dobke, assinala a garantia reservada aos acusados:
A inquirição na Câmera de Gesel prescinde da aquiescência da defesa técnica, pois as partes podem fazer perguntas a vitima através de um “expert”, e o acusado, sem contato com a criança, estará junto do seu defensor para as informações que quiser transmitir. Assim a inquirição pó “expert” na câmera de Gesel, assegurados estariam os direitos constitucionais do acusado e da vítima, pois, se é certo que devemos garantir a esta a não-acusação de dano secundário na tomada de suas declarações.
Essa forma de se acolher o depoimento tem como motes principais além da eficiência no registro de informações a redução do dano na medida em que, em existindo situação de violência sexual, não há como o depoimento judicial ou extrajudicial não causar danos a vítima – durante a produção de provas. Dessa forma deve ser respeitado a condição de pessoa em desenvolvimento.
3 DEPOIMENTO SEM DANO – ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS 
Cabe destacar inicialmente que a moção encaminhada pelo Conselho Federal de Psicologia ao Senado Federal em 2007, funda-se na compreensão de que tal tarefa “não diz respeito à prática psicológica”. Há entendimento do órgão de representação dos psicólogos de que esta técnica distancia-se do trabalho a ser realizado por um profissional de psicologia, acarretando confusão de papéis ou indiferenciação de atribuições, quando se solicita ao psicólogo que realize audiências e colha testemunhos.
Sem desconsiderar a difícil situação da criança que passa por reiterados exames em processos dessa ordem, nota-se que, na proposta em análise, na inquirição a ser feita por psicólogo não há objetivo de avaliação psicológica, bem como de atendimento ou encaminhamento para outros profissionais, estando presente, apenas, o intuito de obtenção de provas jurídicas contra o acusado. Visão semelhante encontra-se disposta em parecer elaborado por Fávero (2008), mediante solicitação do Conselho Federal de Serviço Social sobre a metodologia do Depoimento sem Dano: 
a atuação do assistente social como intérprete da fala do juiz na execução da metodologia do DSD- Depoimento sem dano, não é uma prática pertinente ao Serviço Social. A própria terminologia utilizada na proposta deixa claro que se trata de procedimento policial e judicial, como depoimento, inquirição etc., pertinentes à investigação policial e à audiência judicial.
Nesse mesmo liame, em abril de 2009 o Conselho Federal de Psicologia publicou em sua página eletrônica manifesto sobre o assunto, assinado por seu Presidente e pela Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do referido Conselho, no qual se pode destacar: 
O Conselho Federal e a Comissão Nacional de Direitos Humanos sugerem que a Justiça construa outros meios de montar um processo penal e punir o culpado pelo abuso sexual de uma criança ou adolescente, pois não será pelo uso de modernas tecnologias de extração de informações, mesmo com a presença de psicólogos supostamente treinados, fora de seu verdadeiro papel, que iremos proteger a criança ou o adolescente abusado sexualmente e garantir seus direitos (Conselho Federal de Psicologia, 2009).
Um dos principais argumentos contrário ao depoimento sem dano diz respeito, quem em um único momento, as questões devem ser elucidadas, limitando-se o direito da criança em ser ouvida. Nessas circunstâncias, percebe-se que não há tempo para entrevistas com responsáveis, com o suposto abusador e para estudos psicológicos acerca do caso. Estas se tornam situações nas quais pais e filhos passam a ser tratados sob a ótica de agressores e vítimas, desconsiderando-se, por vezes, toda a dinâmica familiar na qual estão incluídos.
4 POSICIONAMENTO DA EQUIPE
A consagração do princípio da dignidade da pessoa humana por meio da promulgação da Constituição de 1988 permitiu maior humanização do ordenamento jurídico em vários aspectos. No entanto, nota-se que muitos procedimentos empregados pelo processo penal ainda se revelam desconexos da previsão constitucional.
De acordo com Azevedo e Guerra (2016, p. 15), pode-se dizer que o número de crimes que envolvem crianças e adolescentes no Brasil é impreciso por não apresentar estatísticas confiáveis, assim como o Equador, Bangladesh e Paquistão. Sabe-se que tais estatísticas, por uma série de aspectos, não revelam o verdadeiro cenário das modalidades em que esses crimes bárbaros cometidos, sendo possível destacar a evidência de casos em que as vítimas deixam de reportar e a negligência do Estado.
Diante disso, observa-se a importante inclinaçãodas instituições ligadas às áreas da Psicologia e do Direito no sentido de promover maior proteção a essas vítimas por meio da atuação mais ativa da Sociedade Brasileira de Vitimologia e do aumento de estudos sobre o tema. Isso porque as implicações psicológicas resultantes dessas práticas podem gerar graves sequelas para as vítimas, prejudicando o ideal desenvolvimento da personalidade destas.
Não bastasse todo o constrangimento por fazerem parte desses crimes, as vítimas ainda se deparam com todo o trâmite do inquérito policial e do processo judicial, que se revela perturbador. Vale dizer que a falta de preparo das autoridades policiais e do sistema judiciário como um todo contribui para agravar os danos sofridos.
Assim, na tentativa de poupar todo esse processo penoso das vítimas, surgem propostas de leis para alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto à forma de inquirição de testemunhas e produção antecipada de provas, incluindo-se, portanto, o chamado depoimento sem dano. Este, além de ir ao encontro do princípio da proteção integral que rege o ECA, contribui diretamente para a preservação da integridade psicológica da vítima.
Para tanto, a atuação de profissionais alheios às autoridades policiais e judiciárias e com total preparo para lidar com crianças e adolescentes fragilizados se mostra fundamental para evitar situações em que estas sejam constrangidas, como diante da presença de vários estranhos em uma audiência ou por recorrentes depoimentos sobre o caso. Assim, por meio da aproximação e da condução adequadamente utilizada por uma psicóloga ou por uma assistente social, a declaração da criança ou do adolescente é dada em uma sala adaptada para acolher a vítima e o procedimento se desenrola com maior naturalidade, além de evitar maiores complicações psicológicas decorrentes da lembrança da violência.
Muito embora se mostre claramente mais benéfico às vítimas, o depoimento sem dano ainda encontra resistência por parte da doutrina brasileira, como restou demonstrado no presente estudo. No entanto, a iniciativa do poder judiciário de alguns estados, como o Rio Grande do Sul, revelam a eficácia do depoimento sem dano na preservação da vítima e na obtenção de relatos mais próximos à verdade dos fatos. Vale ressaltar com notoriedade que mesmo diante dos desafios decorrentes da implementação do depoimento sem dano nas comarcas, o benefício conferido à vítima é fundamental para a preservar sua integridade psicológica.
Por fim, depreende-se que, sendo a criança e o adolescente sujeitos de direito e assim, por previsão legal, gozarem de proteção integral, consiste em obrigação da família, do Estado e da sociedade zelar pela proteção desses indivíduos hipossuficientes. Assim, pode-se dizer que a Constituição de 1988, ao elevar a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, atribuiu não apenas aos operadores do Direito, mas também aos profissionais da Psicologia e do Serviço Social a função de proteger e implementar ferramentas de defesa dessas vítimas, nas quais se destaca o depoimento sem dano.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Maria Cecília Fontes de. Depoimento sem dano: a preservação da integridade psicológica de crianças vítimas de abuso sexual. 2013. 79 f. Trabalho de conclusão de curso (Direito) – UniCEUB, Brasília, 2013. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/235/5220/1/RA20865385.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2016.
AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane N. de. Um cenário em (des)construção. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/Cap_01.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2016.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Conheça a manifestação do Conselho sobre o PL que trata do Depoimento sem Dano. 2008. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2015/05/Parecer-CFP-Escuta-Especial-de-Crianças-e-Adolescentes.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2016.
DOBKE, Veleda. Abuso sexual: a inquirição das crianças - uma abordagem interdisciplinar. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001.
FÁVERO, T. E.. Parecer técnico: metodologia “depoimento sem dano” ou “depoimento com redução de danos”. 2008. Disponível em http://www.cress- sp.org.br/index. asp?fuseaction=manif&id=162. Acesso em: 04 jun. 2016.
MATOS, Gisela Oliveira. Abuso sexual em crianças pequenas: peculiaridades e dilemas no diagnósticos e no tratamento. São Paulo: Agora, 2002.
SILVA, Karoline da. (In)aplicabilidade do depoimento sem dano. 2011. 97 f. Trabalho de conclusão de curso (Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/monografia_-_karoline_ds_silva.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2016.

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