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1 Do Analógico para o Digital: A reconfiguração da televisão Ariane Holzbach Resumo: O artigo pretende fazer uma análise referente à evolução tecnológica e cultural da televisão, desde as primeiras transmissões analógicas, passando pela consolidação e hegemonização da televisão até a fase atual de convergência midiática e digitalização, tendo o Brasil como foco. O principal objetivo é mostrar que a cultura televisiva sofreu grandes transformações ao longo do século XX e, hoje, está intensamente presente não apenas na televisão, mas em boa parte dos outros audiovisuais, modificando essas mídias e sendo modificada por elas. O trabalho não objetiva ser totalizante, mas demarcar alguns fatos que foram fundamentais para a televisão ter a cara e a relevância cultural que ela tem hoje. Palavras-chaves: televisão, cultura televisiva, convergência midiática Abstract: The article will make an analysis on the technological and cultural television evolution, since the firsts broadcastings until the current phase of media convergence, with Brazil as focus. The main goal is to show that television culture has undergone considerable transformations throughout the twentieth century and, today, it is strongly present not just on television itself but in most of the other audiovisuals, modifying these media and being changed by them. The paper intends demarcate some facts that were essential for the television being seen as a relevant cultural product nowadays. Key words: television, television culture, media convergence Résumé: L'article se propose de faire une analyse sur la television comme dispositive technologique et culturelle, depuis les premières émissions analogiques jusqu'à ce que la phase actuelle de la convergence des médias, avec le Brésil comme point de mire. L'objectif principal est de montrer que la culture de la télévision a considérablement changé au cours du XXe siècle et aujourd'hui est intensément présent non seulement à la télévision, mais dans la plupart des autres médias audio-visuels. Le travail n'est pas destiné à être totalitaire, mais ça veux montrer l'importance de quelques faits qui ont été essentiel par la pertinence qui la télévision a dans la culture aujourd'hui. Mots-clés: télévision, culture de la télévision, convergence des médias 1. A bem amada televisão Em julho de 2010, estreia nos cinemas brasileiros o filme O Bem Amado, dirigido por Guel Arraes. O longa abriu o Festival de Cinema do Recife, em abril, um dos mais aclamados do país, sem fazer parte da mostra competitiva e foi, de acordo com a imprensa, o maior destaque do evento. O mais interessante na análise dessa obra é que ela é baseada na novela homônima de Dias Gomes que foi ao ar pela Rede Globo em 1973 e atingiu, até hoje, uma das maiores audiências da emissora. Da mesma forma que 2 a novela, o filme conta com um diretor extremamente experiente no mundo televisivo e com atores “globais” que tem anos de experiência em novelas e minisséries da Globo. Isso quer dizer que o fluxo da lógica artística sofreu uma inversão, pois normalmente os programas televisivos é que são inspirados em outras formas de audiovisual ou de arte em geral, como filmes, livros, peças de teatro e shows musicais. Um programa de televisão ser reapropriado e transformado em um gênero considerado artístico é algo raro e, portanto, pode indicar que estamos vivendo uma nova fase no audiovisual e a televisão, nesse ínterim, é peça fundamental de compreensão dessas mudanças. Esse fato também é sintomático para ir de encontro a uma informação comum no senso comum contemporâneos: a de que a televisão está com seus dias contados em função do fenômeno da convergência midiática e do surgimento de vários suportes tecnológicos que estariam suprindo as necessidades de se ter televisão e indo além dela, como computadores ligados em rede, telefones celulares e iPhones, entre outros. Levando em conta o filme O Bem Amado e a importância da linguagem televisiva em vários ambientes tecnológicos novos, considera-se que faz mais sentido falar em uma reconfiguração da linguagem e da cultura televisivas do que na sua extinção. A partir dessas reflexões, este artigo vai traçar um panorama tecnológico- cultural da linguagem televisiva a partir do seu surgimento a fim de mostrar as principais mudanças e reapropriações sofridas pelo gênero e seu papel central na cultura da convergência midiática a que assistimos atualmente, tendo sempre a linguagem televisiva desenvolvida no Brasil como destaque. Para tanto, o trabalho está dividido em três partes. Primeiramente será feita uma análise de surgimento da televisão broadcasting não apenas do ponto de vista tecnológico, mas sobretudo cultural para mostrar as necessidades sociais que estavam por trás do surgimento do aparelho televisivo na primeira metade do século XX. Em seguida, será feita uma explanação do período de consolidação da linguagem televisiva no mundo e o surgimento de uma linguagem tipicamente brasileira, o que pode ser percebido a partir principalmente dos anos de 1960, com o advento da Ditadura Militar e com a ascensão de conglomerados midiáticos, onde a Rede Globo figura com destaque, até a solidificação dessa linguagem nos anos de 1980 e 1990, quando novos fenômenos culturais e tecnológicos fazem, mais do que nunca, a televisão ganhar identidade própria. Para concluir, será feita uma 3 análise do papel da televisão no contexto de convergência midiática e uma reflexão sobre a “nova televisão” que surge a partir desses novos fenômenos culturais. 2. Televisão como tecnologia e forma cultural Apesar de ter surgido apenas entre as décadas de 1920 e 1940, a televisão tem uma história cultural que antecede o surgimento do seu suporte e, também, do seu conteúdo. Raymond Williams (1975), um dos mais importantes pensadores da televisão broadcasting, afirma que a imagem em movimento feita a partir da tecnologia do tubo de imagem foi apenas a conclusão de uma história pouco documentada mas fundamental para entender os rumos que a televisão tomou como meio noticioso e de entretenimento. Para ele, a necessidade de se ter televisão se evidenciou na segunda metade do século XIX, quando importantes acontecimentos sociais mudaram a forma de as pessoas encararem o mundo ao seu redor. Dentre esses acontecimentos, três são particularmente importantes: a necessidade de individualizar experiências anteriormente coletivas, problemas de transporte em um mundo afetado pelo crescimento populacional descontrolado e pelos veículos motorizados e, finalmente, a tendência em levar para dentro de casa a experiência de entretenimento consolidada pelo cinema e, anteriormente, pelo teatro. As idéias de Williams sobre as novas necessidades sociais que emergiram no século XIX vão ao encontro das reflexões de Richard Sennett (1977), para quem esse período histórico trouxe novos paradigmas sociais. O crescimento populacional concentrado principalmente nos grandes centros urbanos, o aumento da expectativa de vida e a imigração de jovens e solteiros solitários para cidades como Paris, Londres e Chicago incentivaram o surgimento de novas formas de comércio, novas formas de consumo e um novo comportamento humano pautado especialmente na individualização. Esta, afirma Williams, criou nas pessoas a necessidade de continuar consumindo entretenimento e, simultaneamente, de adquirir informações sobre o mundo exterior. Só que isso sem que essas se deixassem o conforto, a segurança e a tranqüilidade do lar. Enquanto o mundo exterior estava caótico e amedrontador, o interior das casas, agora preenchidas por famílias menores, servia de refúgio. A televisão, nesse contexto social, estavapronta para surgir. E ela serviria tanto como uma 4 espécie de “cinema em casa” quanto como uma mediadora de informações entre o ambiente público e o privado. A partir desses fenômenos sociais, é possível explicar também em que medida a televisão transformou, num primeiro momento, as linguagens do teatro, do cinema e do rádio já que, enquanto dispositivo tecnológico, ela surgiu antes de seu conteúdo. No que concerne a este último, a televisão é, em certo sentido, um rádio com imagens. Não é à- toa que em seus primeiros momentos, a televisão abarcou diversos artistas e locutores que fizeram carreira no rádio e muito do seu conteúdo, como as radionovelas, que encontraram na televisão um suporte que dava ainda mais intensidade através das imagens às histórias narradas oralmente. Além disso, a televisão desde seu surgimento utilizou a linguagem musical em diversos programas ao redor do mundo, inclusive, e com destaque, no Brasil. O teatro e o cinema, por sua vez, foram fundamentais para o desenvolvimento tanto da estrutura de consumo que se estabeleceu na televisão quanto, também, do seu conteúdo. Veio de ambas a idéia de contemplação das imagens em movimento que atuou durante toda a história da televisão analógica, apesar de a televisão broadcasting, diferentemente do cinema e do teatro tradicionais, transmitir conteúdo gratuito na maior parte do mundo. Do cinema, em especial, as narrativas consagradas em filmes ilusionistas como os hollywoodianos (que, por sua vez, derivaram em vários aspectos da literatura) estão presentes tanto nas novelas quanto em séries e minisséries. A televisão, contudo, ampliou a experiência do teatro e do cinema na medida em que além de contar histórias e de enfocar o entretenimento, serviu ao jornalismo e à mediação de informação de interesse público. Para além dessas características, é importante ainda dar conta de um elemento fundamental do sistema broadcasting para o qual Raymond Williams chama atenção: a noção de fluxo, definida como a estrutura de linguagem que rege a televisão e o rádio analógicos. A programação no sistema broadcasting é dada ininterruptamente; um conteúdo antecede outro criando um looping interminável. O fluxo televisivo quebra a estrutura finita de filmes, peças de teatro, jornais e todas as tecnologias midiáticas que se tinha até então e dá ênfase não apenas ao conteúdo, mas ao próprio suporte tecnológico. Um dos mais intensos exemplos para compreensão da noção de fluxo televisivo é a estrutura linguística da MTV em seu início, nos anos de 1980. Ann 5 Kaplan (1987) afirma que a linguagem desse canal é pós-moderna por excelência justamente por criar uma circularidade infinita e fragmentada em torno da transmissão de videoclipes. Quando a MTV surgiu, a maior parte de sua programação consistia em transmitir um videoclipe atrás do outro, sem intervalo ou brecha entre conteúdos, 24 horas por dia, sete dias por semana. 3. Consolidação da TV analógica e da linguagem televisiva brasileira 3.1. Globo, novelas, telejornais e definição de um fazer televisivo nacional A televisão como suporte tecnológico, como já foi descrito, tem uma história que antecede a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a maior parte das características da linguagem televisiva ao redor do mundo foi definida no período pós-guerra. Países como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos tinham televisão na década de 1940, mas a guerra fez com que os programas que começavam a se consolidar parassem repentinamente de ser produzidos e veiculados, com exceção da Alemanha1. Apenas com o final da guerra, com a Europa economicamente devastada e com os Estados Unidos ascendendo como grande potencia ocidental, é que a televisão verdadeiramente começou a se desenvolver. Só que nessa época o sistema televisivo norte-americano contrastava com o europeu na medida em que enquanto a maior parte da Europa desenvolveu um sistema de televisão pública ou estatal, financiada ou controlada pelo Estado ou com ajuda dele, os Estados Unidos desenvolveram um sistema privado de televisão. Os Estados Unidos, nesse contexto, foram fundamentais para o desenvolvimento da televisão no Brasil. A história da implantação dessa tecnologia por aqui, amplamente conhecida, é representativa: Assis Chateaubriand, dono de um dos maiores conglomerados midiáticos formados no Brasil, os Diários Associados, literalmente importou algumas centenas de televisões dos Estados Unidos em 1950 e as colocou em diversos lugares considerados por ele estratégicos em São Paulo. Nessa época, como se sabe, nem emissora de televisão existia, embora em pouco tempo Chateaubriand tenha 1 A Alemanha no período nazista teve um desenvolvimento bastante particular de imprensa e de televisão. Bayer (1961) lembra que pouco antes da guerra, a imprensa alemã foi sistematicamente enquadrada no sistema totalitário, o governo extinguiu os jornais independentes e, durante a guerra, o Ministério da Propaganda de Goebbels controlava toda a imprensa do país. O rádio e o cinema, nesse contexto, serviram de veículo publicitário fundamental do governo nazista e a televisão, ao contrário do que ocorreu na maior parte do mundo, funcionou esporadicamente durante a guerra. 6 inaugurado a TV Tupi, a primeira emissora de televisão da América do Sul. A partir dessa primeira emissora nacional, constitui-se o sistema de concessão de televisão broadcasting, que vigora até hoje no país. Nesse sistema, as freqüências do sinal televisivo pertencem por definição ao Estado e este, através de licitação, concede a licença para que empresas utilizem o sinal de maneira comercial e de forma temporária (por 15 anos), mas podendo renovar a concessão indefinidamente. Ou seja, o sinal televisivo passa a “pertencer” a quem venceu a licitação. Durante os anos de 1950 e 1960, dezenas de concessões foram entregues a empresas no Brasil e uma série de canais televisivos surgiram, como a TV Bandeirantes, a TV Record e as extintas TV Excelsior, TV Rio e TV Paulista, entre outras, consolidando a linguagem televisiva brasileira. Em 1964, o Regime Militar foi imposto no país e o Estado passou a outorgar concessão apenas a quem de alguma forma apoiava o governo, além de perseguir os proprietários dos canais que afrontavam o regime. A TV Excelsior, que não apoiava o governo, por exemplo, começou a entrar em crise com o advento da ditadura e com apenas dez anos de existência, em 1970, fechou as portas. O proprietário, Mário Wallace Simonsen, que era dono de dezenas de empresas além da emissora, rapidamente perdeu praticamente toda sua fortuna a partir de 1964. Nesse período, as novelas e programas jornalísticos começavam a tomar forma na televisão brasileira e a linguagem do rádio foi fundamental para a definição dessa linguagem, visto que diversos profissionais desse suporte migraram para a televisão, a exemplo de Lima Duarte, Hebe Camargo e Chacrinha, só para citar alguns exemplos. Em termos de conteúdo, Freire Filho (2003) destaca que em seu início no Brasil, o conteúdo televisivo era tido como elitizado e “de qualidade”. Vários literatos e críticos da época enfatizavam que a televisão ampliava a intensidade que se experimentava, por exemplo, ao se ler um livro, pois as imagens trariam mais proximidade e riqueza à literatura, complementando o que os livros enquanto suporte não poderiam oferecer. Esse posicionamento, contudo, sofreu uma drástica mudança quando a televisão começou a ser popularizada, a partir do incentivo que a ditadura concedeu ao acesso à televisão, barateando seu custo e outorgando concessões. A partir daí, afirma Freire Filho,a televisão passa a ser considerada pelos intelectuais nacionais um produto feito para as “massas alienadas”, ou seja, seu conteúdo seguiria essa alienação. A idéia da televisão como suporte midiático sem qualidade pega carona nas reflexões da Escola de Frankfurt e, principalmente, na obra “A Dialética do Esclarecimento”, publicada em 7 1944 por Adorno e Horkheimer, apesar de ter sido escrita a partir do contexto da televisão totalitária alemã, a qual ambos os autores vivenciaram. Um ano depois da entrada do Regime Militar, um acontecimento extremamente importante ocorreu: a TV Globo começou a operar. O proprietário Roberto Marinho havia conseguido a outorga da concessão em 1957, no governo de Juscelino Kubitschek, mas foi com a ditadura que a emissora entrou no ar e, principalmente, que se tornou hegemônica no cenário nacional. Roberto Marinho desenvolveu a TV Globo em sintonia com o governo militar, apesar de diversos programas sofrerem censura, como aponta Fico (2004), a exemplos do Globo Repórter e de novelas como Roque Santeiro, escrita por Dias Gomes na década de 1970 mas que só foi ao ar em 1983, dessa vez escrita também por Aguinaldo Silva. Com isso, os anos de 1960 e 1970 foram profícuos para a televisão brasileira, mas sempre tendo a Globo, que já operava em rede para todo o Brasil desde 1969, como referência. A Rede Globo teve papel fundamental na popularização das linguagens telejornalísticas e de telenovelas no país, além de importar diversas séries e filmes norte-americanos, fazendo com que a audiência se acostumasse a consumir novelas brasileiras mas seriados e filmes importados. O fato de a televisão ser considerada produto cultural inferior à arte, por exemplo, do cinema, intensificou um interessante processo de experimentação em programas não apenas no Brasil, mas em vários outros países. Numa tentativa de “melhorar” a qualidade da televisão, cineastas como o francês Jean-Luc Godard e o brasileiro Glauber Rocha trabalharam em conteúdos televisivos, mas a partir de experimentações e do desenvolvimento de linguagens que se aproximassem do cinema experimental e do vídeo. Glauber, por exemplo, como afirma Bentes (2007), foi o protagonista de um marco da televisão brasileira: o programa “Abertura”, veiculado em 1979 na TV Tupi. Nele, o cineasta entrevistava personalidades utilizando elementos raros na televisão nacional de então: o corpo ou a voz do diretor aparecendo em frente às câmeras ou em off, o entrevistador aparecendo com o cabelo desgrenhado e visual desleixado, a vida privada e familiar dos convidados se transformando em assunto mostrado em imagens durante a entrevista e vários outros elementos foram definitivos para a criação de uma linguagem televisiva renovada que vai ficar patente nos anos de 1980, como será visto a seguir. 8 3.2. A televisão em trânsito para a era digital Sabe-se que, como afirma Ginzburg (1976), quando se analisam os fatos históricos deve-se considerar que a sociedade se desenvolve num processo de circularidade e continuidade, não a partir de eventos aparentemente únicos, paradigmáticos e isolados. Tendo isso em mente, é importante destacar que separar os acontecimentos relacionados ao desenvolvimento da televisão por décadas significa apenas uma maneira didática e ordenada de destacar alguns pontos relevantes nesse processo, não a forma de fato pela qual a televisão se desenvolveu. Dito isso, esta parte do artigo vai focar as décadas de 1980 e 1990 porque a televisão brasileira, seguindo uma tendência mundial, passa a sofrer novas modificações que ficam explícitas nesse período, a começar pela consolidação e crescimento dos “periféricos televisivos”, como o videocassete e o DVD, e esses suportes vão dar uma nova cara à televisão como forma cultural e, também, como tecnologia. A popularização desses periféricos e a nova linguagem que começa a surgir podem ser vistos como sintomas de uma fase de transição sofrida pela televisão, que do sistema analógico vai aos poucos migrando para o sistema digital. Essa mudança vai afetar não apenas a estrutura dos programas, mas sobretudo a forma como a audiência passa a lidar com a televisão. Aos poucos, como poderá ser observado, o público vai adotando uma postura cada vez mais ativa e independente nas escolhas relacionadas à forma de consumo televisivo, promovendo o início de um dos principais fenômenos ocorridos a partir da consolidação das novas tecnologias: a participação cada vez mas ativa e autônoma do público em relação aos produtos midiáticos (Jenkins, 2009). O advento e a popularização do videocassete foram responsáveis por uma grande reconfiguração da televisão. Bueno (2009) descreve que logo que o videocassete chegou ao Brasil, em 19822, instalaram-se videoclubes em vários lugares do país. Como as fitas eram difíceis de conseguir, os videoclubes organizaram o material existente e trabalharam com um sistema de compartilhamento: os sócios pagavam um valor mensal e tinham acesso às fitas que quisessem. Cada sócio, portanto, era dono de um pequeno percentual de cada fita. Pouco depois as videolocadoras começaram a surgir e aos poucos foram minando a estrutura dos videoclubes, mas uma nova cultura começava a surgir. O videocassete levou o cinema para dentro das casas de forma mais intensa que 2 No mundo, de acordo com Kompare (2006), a fita de vídeo surgiu em 1976. 9 as emissoras de televisão já levavam porque, de maneira inédita até então, deu autonomia para que o telespectador escolhesse o filme e, mais do que isso, escolhesse o momento de consumi-lo. Além disso, possibilitou que o telespectador gravasse o programa de televisão, o que significou uma quebra no fluxo televisivo e, consequentemente, fez com que o telespectador se tornasse mais ativo e independente nas suas escolhas. Depois do videocassete, foi a vez do DVD, a partir de 1997, intensificar a autonomia do telespectador. Além de oferecer uma melhoria de imagem, como afirma Kompare (2006), o DVD levou para a televisão uma interatividade nunca antes experimentada nas tecnologias de comunicação através, por exemplo, dos menus de apresentação e da possibilidade de selecionar cenas dos filmes. Além disso, ele ampliou as formas de consumo de filmes, visto que o formato comprimido dos arquivos gravados no DVD permite que se incluam em um mesmo disco novos elementos, como entrevistas, making offs, videoclipes e diversos materiais que complementam a experiência cinematográfica. Kompare afirma que uma das mais importantes contribuições do DVD para a cultura televisiva diz respeito à mudança do sistema de fluxo, que vigorou até então, para o sistema de publicação. Antes do DVD (e do videocassete), a televisão se baseava em um modelo de negócios protagonizado pela publicidade, a qual era inserida em brechas criadas entre o fluxo televisivo, já que o sinal da televisão aberta em geral é gratuito. Com a popularização do DVD, começou a ser possível comprimir séries e minisséries inteiras em poucos discos, fazendo com que a televisão pudesse vender seu conteúdo e colocá-lo nas locadoras, ao lado dos filmes, através das caixas de DVDs, ou seja, “publicando” seu conteúdo em ambientes exteriores ao fluxo. Além dessa reconfiguração tecnológica, uma nova linguagem televisiva começou a se consolidar por volta de 1980 e diversos fenômenos são responsáveis por essa mudança. É possível, no espaço limitado deste artigo, destacar alguns desses fenômenos. A videoarte, que surgiu no mundo nas décadas de 1960 e 1970, trouxe um alto grau experimentação ao audiovisual e diversos de seus artistas foramtrabalhar na televisão. Fechine (2007) lembra que um dos grandes momentos dessa migração no Brasil ocorreu em meados dos anos 80 como, por exemplo, com duas produtoras criadas nessa época, a TVDO e a Olhar Eletrônico, que fizeram programas para televisão e publicidade televisiva. O principal nome da primeira é Tadeu Jungle, que até hoje 10 trabalha com publicidade para TV e é considerado um dos mais expressivos artistas da videoarte brasileira. Da Olhar Eletrônico se destacam Fernando Meirelles e Marcelo Tas, ambos com ampla experiência não exatamente na videoarte, mas na cultura do vídeo. Eles ficaram nacionalmente conhecidos por causa principalmente do repórter- performer Ernesto Varela, personagem fictício interpretado por Marcelo Tas que inovou na entrevista para televisão. Ao lado de seu fiel cinegrafista Valdeci, que em muitas ocasiões era Fernando Meirelles, Ernesto ironizava políticos e fazia perguntas simples mas constrangedoras, editadas por Meirelles de forma ágil e trabalhando com o humor. Além da videoarte, outro fenômeno expressivo que renovou a linguagem televisiva foi a migração de vários cineastas para a televisão. Enquanto os anos 80 são marcados pelos “blockbusters”3 hollywoodianos e pelos diretores super stars, como Steven Spielberg e George Lucas, o cinema passa por uma mudança no Brasil. Vanguardas cinematográficas nacionais como o Cinema Novo, o Cinema Marginal e a Chanchada já haviam perdido força, uma forte crise econômica começa assolar o país, a produção de cinema nacional decresce e os cinemas passam a perder espaço para o videocassete. Várias casas de cinema são fechadas ao redor do país e esse processo se intensifica no início de 1990 quando, como lembra Reis e Silva (2002), a atividade cinematográfica brasileira ficou desestruturada especialmente com a extinção, pelo então presidente Fernando Collor, da Embrafilme. Esse fenômeno começou a se modificar apenas em 1995, quando teve início a chamada “Retomada” do cinema nacional. Com o mercado reduzido, vários cineastas vão trabalhar na televisão. Um nome que merece destaque nesse contexto é Guel Arraes, que nos anos 80 morou no exterior onde fez cinema experimental e, quando voltou ao Brasil, rapidamente foi contratado pela Globo, onde permanece até hoje trabalhando principalmente em minisséries. É dele a direção de dois dos programas “globais” mais inovadores em linguagem dos anos 80: Armação Ilimitada e TV Pirata. O primeiro, como Afirma Caminha (2009), é considerado o programa que inaugura uma séries de produções experimentais na televisão brasileira. Com claras influências do cinema experimental, Guel levou dinamismo através de uma edição acelerada e linguagem jovem, bem humorada e informal aos dois programas. 3 A própria Blockbuster, a mais famosa videolocadora do mundo e símbolo dos arrasa-quarteirões norte- americanos, foi criada em 1985. 11 A atuação desse “cineasta da televisão” na Globo foi tão forte que, em 1991, a emissora criou o “Núcleo Guel Arraes” (Fechine, 2007), dando ainda mais liberdade para o diretor criar seus produtos de forma autoral. Os núcleos televisivos foram uma tendência dos anos 90 que a Globo incentiva até hoje na produção de ficção seriada. Mais do que facilitar o trabalho dos diretores, tendo em vista em eles em geral trabalham com equipe técnica e até atores mais ou menos fixos, os núcleos podem ser vistos como uma influência do cinema na cultura televisiva. Da mesma forma que ocorre na elaboração de boa parte dos filmes, especialmente os que são dirigidos pelos diretores de maior prestígio, nos núcleos o diretor dirige uma equipe escolhida em larga medida por ele e o produto final deve ter suas marcas autorais. Assim, por exemplo, enquanto o núcleo de Guel Arraes é experimental, o núcleo do diretor Jorge Fernando trabalha com alto teor de comicidade e informalidade, como é o caso de novelas como Chocolate com Pimenta, Caras & Bocas e o sitcom Sai de Baixo. Toda essa reconfiguração sofrida pela televisão vai incentivar, nos anos 90 e atualmente, uma inversão estrutural da cultura desse suporte em relação ao que se viu na década de 1980. Como muitos diretores fizeram carreira na televisão, tanto fazendo novelas quanto séries, minisséries, videoclipes e comerciais, aos poucos eles vão experimentando, novamente, o cinema. Com isso tem-se hoje uma nova migração: vários diretores continuam na televisão, mas agora também experimentam o cinema, como é o caso do próprio Guel Arraes, como o filme O Bem Amado atesta, e de Fernando Meirelles, diretor, ao lado de Katia Lund, do aclamado longa Cidade de Deus, de 2002. Katia por sua vez, fez carreira com produção de vídeos, documentários, comerciais e videoclipes. A partir desse fenômeno de troca entre televisão e cinema, esses diretores inevitavelmente levam para a tela grande uma linguagem cinematográfica que em grande escala bebe da televisão, modificando a própria cultura televisiva, que agora se infiltra em outras linguagens audiovisuais. Cidade de Deus, por exemplo, foi notoriamente influenciado estética e tematicamente pelos dois videoclipes da banda O Rappa dirigidos por Katia Lund: A Minha Alma (a Paz Que Eu Não Quero) e O Que Sobrou do Céu, que ganharam vários prêmios no Vídeo Music Brasil, o VMB, premiação anual concedida pela MTV aos melhores trabalhos em videoclipe. Além disso, Cidade de Deus teve uma espécie de continuidade com a série televisiva Cidade dos Homens, que foi veiculada em quatro temporadas pela Globo, entre 2002 e 2005, 12 representando um fenômeno que se instaura na cultura mundial principalmente no início do século XXI: a convergência midiática, que será analisada do ponto de vista televisivo no último item deste trabalho. A televisão indo para o cinema. À esquerda, cena de O que sobrou do céu. À direita, Cidade de Deus. 4. Televisão, novas tecnologias e a linguagem transmidiática 4.1. Televisão mudando sua tecnologia Como pôde ser observado até aqui, com pouco mais de seis décadas de vida a televisão passou por um amplo e complexo processo de consolidação tecnológica e cultural e a televisão brasileira, apesar de ter suas singularidades, seguiu essa tendência. A fase atual da televisão, portanto, é uma conseqüência direta dessas mudanças, e estas, por sua vez, estão relacionadas a um processo de reconfiguração mais amplo que, como afirma Jenkins (2009), está afetando todos os âmbitos culturais: a convergência midiática. O advento, nos últimos anos, das novas tecnologias aliado a uma mudança de comportamento do público em relação aos produtos midiáticos tem ocasionado uma reconfiguração em todo o sistema de produção, veiculação e consumo desses produtos marcado pela confluência de linguagens e tecnologias. Com isso, a televisão também vem sofrendo reconfigurações. Diversas são as características dessa reconfiguração televisiva, mas duas serão especialmente destacadas neste artigo: a mudança na linguagem e a mudança da televisão enquanto suporte tecnológico. A partir principalmente do início século XXI, com o advento de novas tecnologias da comunicação encabeçadas pela internet, percebe-se uma intensa modificação da televisão enquanto suporte. Por um lado, novas tecnologias audiovisuais levam em conta as características físicas da televisão e podem ser vistos como 13 recriações feitas a partir dela, como os sites de veiculação de vídeo, a exemplo do YouTube. Nele, o conteúdo pode ser acessado através de uma “televisão em miniatura” que usa recursos vindos do videocassete, como play, pausa, a possibilidade de adiantar e atrasar o vídeo...Sites ligados ao jornalismo digital, por sua vez, tem cada vez mais utilizado matérias feitas em vídeo que ficam localizadas, também, em pequenas televisões dispostas ao lado do texto escrito, numa espécie de miscigenação entre jornalismo impresso e televisivo. Por outro lado, no lugar de ser o ambiente por excelência de mediação de programas televisivos, a televisão tem dividido espaço com outros suportes tecnológicos, a exemplo do computador, do celular e do cinema, diluindo seu conteúdo em cada uma dessas mídias e veiculando, também, produtos dessas mídias. Como descreve Jenkins, programas como o reality show American Idol foram exaustivamente montados para abarcar mídias que vão além da televisão. Atualmente o reality show é veiculado nela e ao vivo, mas todo processo de acompanhamento do programa e de participação popular é travado no celular e na internet, tanto no site oficial quanto em uma imensa gama de blogs e vídeos espalhados pela rede. No Brasil o mesmo acontece com programas como Big Brother Brasil, da Globo, e Ídolos, da Record. Além de tudo isso, a própria televisão está se tornando um suporte móvel e flexível, a exemplo das minitelevisões para automóveis, que já estão se popularizando e trabalham captando o sinal broadcasting e veiculando DVDs enquanto o motorista se desloca. É interessante observar que essa convergência tecnológica em muitos casos é feita não por quem tradicionalmente detém a tecnologia, como empresas e emissoras, mas pela audiência. O microblog Twitter, por exemplo, foi exaustivamente utilizado de forma voluntária pela audiência que acompanhava a décima edição do Big Brother Brasil, no início de 2010, e ainda é utilizado pelo público de diversos programas televisivos, como as novelas. No caso do reality show, vários grupos se lançaram no Twitter para defender seu jogador preferido ou fazer campanha para que um deles saísse, além de emitir opiniões no momento em que o programa era veiculado na televisão, ampliando exponencialmente a experiência televisiva e a transformando em algo a ser coletivamente consumido. Foi relevante em especial a campanha feita para que a curitibana Tessália Serighelli saísse do jogo, uma personagem curiosamente selecionada em função de sua popularidade no microblog. Ela saiu do Big Brother depois que 78% de mais de 30 milhões de votos optassem por isso e uma ampla 14 campanha no Twitter transformasse a tag4 “#foratessalia” numa expressão popular na rede social. 4.2. Televisão mudando sua linguagem Com todas as mudanças tecnológicas e de uso dessas tecnologias, é praticamente certo que a televisão está sofrendo reconfigurações ligadas à linguagem, e vários estudos vem indicando isso. Pucci Junior (2010) analisa a microssérie Hoje É Dia de Maria, dirigida por Luiz Fernando de Carvalho para a Globo em 2005, e destaca que a televisão vive uma nova fase marcada por uma maior fragmentação na linguagem e por uma grande interlocução com o cinema que não se restringe ao estilo clássico, mas tem na experimentação e na quebra do ilusionismo duas referências. Silva e Paiva (2009), por sua vez, analisam o Jornal Nacional e o Fantástico e afirmam que esses programas explicitam importantes características da “nova televisão”, como uma maior aproximação dos apresentadores com a audiência e a necessidade até então rara de mostrar cenas de bastidores, fazendo com que esses telejornais chamem a atenção para si, mais do que para a notícia que estão transmitindo. Já Albuquerque (2009) analisa o seriado norte-americano Lost, um dos mais intensos exemplos do que o autor chama de “ficção televisiva transmídia”, e afirma que a partir dele, percebe-se que a forma de se fazer e de se assistir à televisão está mudando. Tecnologicamente, o seriado utiliza uma série de plataformas além da televisão, como celular, ARGs e internet, que complementam decisivamente a história. Em termos de linguagem, Lost desconstrói radicalmente a narrativa clássica e modifica o papel que o tempo e o espaço costumam ter em ficções seriadas. Ambos se tornam mais do que ambientes: são personagens fundamentais da trama. Se durante várias temporadas houve flashbacks e flashforwards se misturando ao tempo presente da história, a atual e última temporada radicaliza ainda mais essa quebra narrativa e se passa em dois tempos presentes que ocorrem simultaneamente. Espacialmente, a ilha onde a história se passa é uma das protagonistas da série e é ela, por exemplo, que muda o destino dos personagens em vários momentos. Além de tudo isso, Lost congrega uma 4 Tags são palavras-chaves que descrevem em poucas palavras características relevantes daquilo a que se referem. São comuns na internet, principalmente em blogs, e muito importantes no Twitter. Quando um usuário quer enfatizar uma informação no microblog, ele adiciona o sinal “#” antes da tag, transformando-a em um link que leva o usuário a uma página com outras citações referentes àquela tag. 15 enorme comunidade de fãs que criam sites, fazem vídeos, gravam programas e fazem as legendas para distribuição gratuita, criam comunidades de discussão e até mantêm uma plataforma Wiki – a Lospedia5 – onde destrincham cada pedaço da história e de seus personagens. Esses exemplos permitem duas constatações significativas no que concerne à “nova” linguagem televisiva. A primeira é que ela está cada vez mais diluída e se infiltrando em várias outras linguagens, como filmes, documentários, games, internet etc., reforçando uma interlocução que já ocorria antes da “era da convergência”, como já foi apontado neste trabalho, mas que toma uma forma mais direta e intensa atualmente. Uma das principais conseqüências disso é que não se pode mais falar em uma linguagem audiovisual autônoma e independente, mas em uma eterna troca. A linguagem televisiva, assim, está abdicando de seu suporte tecnológico e se transformando em peça de um imenso quebra-cabeça de linguagens audiovisuais que se interconectam, são interdependentes e, também, não são mais exclusividade de seus antigos suportes. A segunda constatação que pode ser feita diz respeito à participação da audiência não apenas consumindo o produto midiático. E nem apenas emitindo opinião e trocando informações sobre o que consome. A audiência está, atualmente, sendo produtora e modificadora de conteúdo midiático, ao lado dos produtores tradicionais desses produtos. De acordo com Anderson (2006), estamos vivendo a “cultura pro-am”, ou seja, a cultura que une profissionais e amadores na elaboração de um mesmo produto. Os amadores, afirma o autor, são os usuários comuns que, através das novas tecnologias e da maior autonomia que adquiriam em suas escolhas, estão dividindo espaço com os produtores profissionais que até então eram hegemônicos. O caso do seriado Lost novamente é emblemático: a Lospedia e todo manancial de material criado pelos fãs ampliam a história criada pelos produtores da rede norte-americana ABC, modificando a experiência de consumo da série. No Brasil, quadros televisivos como o “Bola Cheia” e o “Bola Murcha”6, do Fantástico, só fazem sentido se a audiência se envolver e elaborar material para a emissora. Saindo das emissoras hegemônicas, são cada vez mais comuns as produções de “spoofs”, ou seja, de paródias e recriações feitas por usuários comuns e jogadas na internet (Felinto, 2006) que não apenas servem como 5A Lospedia em português está no endereço http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Pagina_Principal. Acessado em 14 de maio de 2010. 6 São dois quadros complementares em que o público mandavídeos de jogos amadores de futebol. O Bola Cheia mostra grandes jogadas, enquanto o Bola Murcha mostra péssimas jogadas. No final de um determinado período, o Fantástico promove uma eleição e escolhe o melhor de cada um dos quadros. 16 meio de expressão dessas pessoas, mas muitas vezes viram hits e tem enorme audiência virando, inclusive, matéria jornalística na mídia tradicional. 5. Conclusão Quando se analisam os tempos atuais, diversas pesquisas parecem apontar uma franca decadência das “velhas” mídias, como os jornais e a televisão, em nome das novas tecnologias, que supririam mais eficientemente as necessidades sociais contemporâneas. Prova disso seriam, no primeiro caso, a queda constante nas vendas e, no caso da televisão, as constantes quedas de audiência de emissoras muitas vezes transnacionais. Se observarmos o caso brasileiro, isso quase se transforma em verdade, visto que programas há décadas hegemônicos como Fantástico, Jornal Nacional e as novelas da Globo, por exemplo, apresentavam menor audiência a cada ano. O surgimento da TV digital parecia representar um novo fôlego para a televisão, mas pouca coisa mudou desde sua implantação. No Brasil ela só começou a operar em 2007, por força da lei, e vem aparecendo aos poucos e timidamente desde então. As prometidas interatividade e multiprogramação ainda são esperadas e o tão aclamado software livre “Ginga”, o gerenciador da interatividade televisiva desenvolvido no Brasil, ainda está longe de ser lançado. Contudo, o que este trabalho quis mostrar foi que, longe de estar desaparecendo, a televisão está mais presente do que nunca. Em pouco mais de seis décadas, ela passou por inúmeras mudanças tanto no âmbito tecnológico quando cultural, e a televisão brasileira seguiu essa tendência, embora tenha desenvolvido uma linguagem própria tendo como referência, em grande medida, a Rede Globo a partir de meados dos anos de 1960. Atualmente, em função do inevitável processo de convergência midiática e cultural, a televisão foi obrigada a se adaptar e, para isso, foi diluindo sua linguagem em outros audiovisuais e foi levando elementos de sua tecnologia para novos ambientes, como o YouTube, sofrendo uma grande reconfiguração que ainda está longe de ser totalmente compreendida. Este trabalho, portanto, quis apenas mostrar alguns elementos desse fenômeno pontuando alguns de seus aspectos considerados relevantes. 17 Tendo em vista toda a discussão feita até aqui e voltando ao exemplo que iniciou este texto, o filme O Bem Amado, pode-se perceber que se a televisão analógica, tecnologicamente, está de fato com seus dias contados em favor de novas plataformas ou mesmo de televisões mais eficientes, a cultura televisiva continua sendo peça fundamental da mídia contemporânea e é inevitável a levar em consideração ao se tentar compreender os fenômenos sócio-culturais atuais. Bibliografia ADORNO, Theodor, e HORKHEIMER. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. ALBUQUERQUE, Afonso de. Lost e a ficção televisiva transmídia. Trabalho apresentado na NP Comunicação e Culturas Urbanas no XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Curitiba, 2009. ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. 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