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o americano Dorita Page (foto) assassinou uma < mulher em 1999. Era ; dãda comd corta sua .: condenação à morte até Raine estudá-lo. Page pegou prisão perpétua. Desde criança, eie ' apanhava de sua mãe com uma barra de ferro. Lesões em sua cabeça podem ter afetado seu cérebro • Thçamainyet v/áfence (2013) * LIÇÕES DE BIOLOGIA Responsável por operações mentais como descoberta, reconhecimento e retenção de informação ÈrwoSve sentimentos e emoções. Trata principalmente cie reações <te ordem afetiva o empatia E a expressão da integração cie todos os domínios. Coordena habiiicfãdesJisicase motoras CÉREBRO CRIMINOSO mi m 8 2 i ÉPOCA s 8 d ® a g o s t o d e 2013 Félix é apenas um personagem de fic- ção. Como todo personagem bem cons- truído, porém, ele parece real. Mistura ingredientes conhecidos de gente má, sem remorso e cruel. Seu comportamento lembra criminosos com problemas neu- rológicos (leia o quadro ao lado). Félix mostrou frieza emocional ao sequestrar a sobrinha Paulinha (Klara Castanho) logo após o nascimento e abandoná-la numa caçamba de lixo. Quando reencon- trou a menina (já crescida e durante a recuperação de um transplante), tentou matá-la novamente. Invadiu a UTI e tro- cou um remédio por água. Sua tendência para a hostilidade, a dificuldade para ini- bir reações antisociais e a incapacidade de suprimir a raiva aparecem em quase todo capítulo. Félix tem explosões cons- tantes e vive chamando a secretária, a discreta e eficiente Simone (Vera Zimmer- mann), de cadela. Nesta semana, quando descobriu que sua mulher, Edith, o traía, bateu nela e no filho, Jonathan. Somente alguém com noção reduzida de perigo é capaz de praticar tantas maldades com a certeza de sair impune. Como Walcvr Carrasco, autor At Amor à vida, relata em sua coluna nesta edição (leia na página 70), Felix é assim por ser "uma pessoa tortuosa, reprimida desde a infância" e "fruto de um pai repressor e de uma família que finge não saber quem eíe é". Sua concepção se enquadra na narra- tiva tradicional sobre o comportamento criminoso, costumeiramente assodàdo às | más influências do ambiente ou das rela- ções sociais e familiares. Nos últimos 70 anos, esse tem sido o modelo dominante entre os estudiosos do crime e da malda- de. Relegadas desde que serviram de base científica para as ideologias racistas, como o nazismo, que vicejaram no mundo oci- dental na primeira metade do século XX, as teorias que associam o crime a caracte- rísticas biológicas ou genéticas voltaram gradualmente a ganhar prestígio em uni- versidades e centros de pesquisa cle reno- me. No ano passado, a maior conferência de criminologia do mundo - organizada pela Sociedade Americana de Criminolo- gia - reuniu dez apresentações em que o crime era relacionado à biologia ou aos genes. Estudos defendendo que crimino- sos violentos podem ter predisposição biológica a cometer tais atos ganharam mais força agora, com os avanços recentes da netirociéncia na compreensão do fun- cionamento do céreb ro e de sua influência no comportamento humano. A fronteira em que a neurociência e a criminologia se encontram é explorada no livro The anatomy of noknce (A ana- tomia da violência, em tradução livre;, lançado em maio, pelo neurocientista e criminólogo britânico Adrian Rane. O livro teve grande repercussão Estados Unidos e no Reino Unido. Professor da Universidade da Pensifv jnfe nus Estados Unidos, Raine almeja fundar 3 disciplina da "neurocriminologia", £íe pcsiufo que muitos coroportarr-c-: - .v.ntas, ain- da que possam ser cr*. — „ . ; * pelo ambiente, tem rei. „ com • Foto. John Preito/Th» Denver Post v á o t u y (msj Ovilão Félix, o maior sucesso de Amor à vida, a novela das 9 da noite da TV Globo, é a encarnação da crueldade. Interpretado pelo ator Mateus Solano» ele jogou um bebê recém-nascido numa caçamba de lixo, deixou a irmã adotiva sangrando no chão de um banheiro de bar após o parto, desviou dinheiro do hospital da própria família e encomendou o assassinato do sócio do pai para cumprir seu maior objetivo: receber uma herança milionária. Gay enrustido cuja homossexualidade só foi revelada na semana passada, Félix usava a imagem de pai. de família para esconder suas ardilosidades. Agora, após a revelação, terá de recorrer a outras artimanhas. — — rizem o comportamento humano e as áreas afetadas ppr;seu mau funcionamento i-'tt'<' 1 ' 'í '* .. VrL.v . Y", *• ..".. • •' Planejamento e organização Tomada de decisões PRÉ-FRONTAl MEDIAL ^ M M S B I w h k ' 1 DiSGUUDO POSTERIOR Autorreflexão Aprendizagem e memória Dificuldade de alterar estratégia . Tendência para hosffiitede Incapacidade de suprimir a raiva Falta de autoconheçimento S d t íigosvo d e 2 0 i ß i ÉPOCA 1 6 3 • _ LIÇÕES DE BIOLOGIA características neurológicas do criminoso. "Muitos criminosos violentos tém o cé- rebro fisicamente diferente e estrutural- mente deficiente", disse Raine a ÉPOCA. Félix, portanto, pode ter sido reprimido e querer se vingar, como sugere seu cria- dor. Gente como ele, porém, também pode sofrer de disfunções cerebrais. A pesquisa de Raine, uma das estrelas do Congresso do Cérebro, Comporta- mento e Emoções, em São Paulo, em ju- nho, não se limita a ser uma atualização da frenologia, disciplina desenvolvida a partir de 1876 pelo italiano Cesare Lom- broso, um dos inspiradores das ideias eugenistas abraçadas pelos nazistas. Lom - broso argumentava que a forma do crânio e do maxilar poderia determinar quem era criminoso ou não. Usando técnicas modernas de ressonância magnética, Rai- ne se dedica a estudar a atividade cerebral de criminosos violentos, assassinos e psi- copatas. Num estudo em 2009, ele anali- sou o cérebro de 27 psicopatas - categoria em que pode ser enquadrada muita gen- te parecida com o vilão Félix. Descobriu que a região do cérebro responsável por gerar medo, ansiedade, culpa e coordenar as decisões de caráter moral - conhecida como amígdala - desses psicopatas tinha um volume 18% menor que em outras pessoas e apresentava atividade propor- cionalmente inferior. Outra região associada ao comporta- mento criminoso é a parte do cérebro situada atrás da testa, que controla impul- sos e a capacidade de planejamento, cha- mada córtex pré-frontal. "Ele é um anjo da guarda do'comportamento", diz Raine. Uma deficiência no córtex pré-frontal pode resultar em menor controle das emoções e comportamentos sociais. Pode causar também falta de autocontrole, per- da da noção de risco ou propensão exa- gerada para o medo e a raiva. Em 1994, por meio de imagens obtidas por tomo- grafia, Raine analisou a atividade cerebral de 41 assassinos condenados. Descobriu que seus cérebros tinham atividade redu- zida no córtex pré-frontal. Ela podia estar relacionada às dificuldades de eles se con- terem em situações estressantes. A comprovação dessas deficiências já alterou o destino de julgamentos nos EUA. O primeiro caso foi de Herbert Weinstein, um publicitário de 65 anos. Em 199.1, ele enforcou sua mulher, Bar- TAL PA!,.. Darre! Hili (numa foto de 1996) foi condenado à morte, em 1980, por matar um homem durante um assalto. Seu pai também era assass ino A COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIAS NO FUNCIONAMENTO DO CÉREBRO DE CRIMINOSOS MUDOU JULGAMENTOS NOS ESTADOS UNIDOS bara, após uma discussão. Ao tentar aco- bertar o crime, Weinstein arremessou o corpo dela da janela deseu apartamento, no 20° andar de um edifício em Manhattan, Nova York. Foi preso no mesmo dia. Como Weinstein não tinha antecedente criminal ou registros de comportamen- to violento anterior, sua êqu ipe de defesa contratou um neurologista para analisar seu cérebro.Uma tomografia revelou que Weinstein tinha um cisto que alterava a posição do tecido no córtex frontal. Ale- gando insanidade mental e falta de capa- cidade para raciocinar e controlar suas emoções, a defesa reduziu a pena de Weinstein de 25 para sete anos de prisão. O caso abriu precedentes. Em 1999, o próprio Raine foi convocado por um advogado de defesa para avaliar um assassino brutal: o americano DontaPage, de 23 anos, que roubara e estuprara uma mulher. Em seguida, Page matou a vítima. Cortou sua garganta com uma faca de cozinha e enfiou-a em seu peito. Quando criança, Page fora abandonado pelo pai - que tinha problemas mentais e usava droga. Também sofrera abusos físicos da mãe - que batia nele com cordas e barras de ferro, especialmente em sua cabeça. Aos 2 anos, ele já passara cinco vezes na emergência de um hospital, uma delas 6 4 : ÉPOCA s sio as®8to d e 2013 — porque "caíra" da janela de um carro. Aos 10 anos, sofrera abuso sexual de um vizi- nho. Aos 18, já cometera vários crimes e fora encaminhado 19 vezes para trata- mento psicológico, embora não tivesse participado de nenhuma sessão. Page, provavelmente, pegaria a pena de morte em Denver, no Estado do Colorado.'Rai- ne analisou seu cérebro e detectou pouca atividade no córtex pré-ffontal (confira a imagem no quadro na página 62). No tri- bunal, ele testemunhou que havia uma explicação social e biológica para o com- portamento de Page. Q>m esse argumen- to, Raine e a defesa mitigaram sua respon- sabilidade. Page escapou da pena de morte e pegou prisão perpétua. Nenhum caso citado no livro de Raine se compara à história de Jeffrey La.nd.ri- gan. Abandonado aos 8 meses, foi adota- do por uma família rica. Recebeu atenção dos pais adotivos e estudou em escolas particulares. Aos 2 anos, Landrigan já apresentava comportamento agressivo. Não demorou a agir como uni criminoso. Aos 10 anos, virou alcoólatra. Aos 11, co- meçou a roubar casas. Em seguida, virou usuário de drogas e começou a furtar carros. Landrigan passou boa parte da adolescência em centros de detenção, até cometer seu primeiro assassinato,nteSês „TAL FILHO Jeffrey Landrigan (numa foto de 2010) era filho biológico de Darrel Hill, mas nunca o conheceu. Adotado por uma família rica, entrou para a vida criminosa e também foi condenado à morte • M H HÁ 30 ANOS, UM ESTUDO PIONEIRO NA DINAMARCA RELACIONOU GENÉTICA À CRIMINALIDADE Fotos: AP a nspreduçlo 6. a g o í t ü de20iC3 • ÉPOCA :: 6 5 depois de completar 20 anos. Tomava cerveja com um amigo de infância, que o convidara para ser padrinho de seu filho. Landrigan ficou irritado com o pedido e matou o amigo a facadas. Preso em 1982, pegou uma sentença de 20 anos. Fugiu da cadeia em f989, quando se mudou para Phoenix, no Ari- zona. Lá, matou outra pessoa. Depois de discutir com Chester Dean Dyer, homem com quem tinha um caso amoroso, Lan- drigan o enforcou e mutilou seu corpo. A parte mais estranha de sua história ainda estava por vir. Um funcionário da cadeia onde ele aguardava a execução no corre- dor da morte achou Landrigan muito parecido com Darrel Hill, um condenado famoso numa cadeia no Estado do Arkansas, que conhecia pessoalmente. Após testes genéticos, foi. descoberto que Landrigan era filho biológico de Hill. "Nunca conheci meu pai, mas ele defini- tivamente exerceu uma grande influência em minha vida", disse Landrigan, em 1999, ao jornal britânico The Sun. Tam- bém entrevistado, Hi.ll afirmou que seu pai, morto num tiroteio a seu lado, tam- bém era um assassino. "Landrigan era uma maçã podre", diz Raine. Como Raine, outros cientistas têm se dedicado a estudar a relação ck caracte- rísticas biológicas com a criminalidade. Em abril, o neurocientista Kent Kiehl, da Universidade do Novo México, nos EUA, publicou um estudo com. a análise das imagens do cérebro de 96 criminosos da prisão estadual. Kiehl descobriu que, quatro anos depois de soltos, aqueles com atividade baixa em out ra área, tam- bém responsável por regular o compor- tamento, apresentavam o dobro da pro- babilidade de reincidir e cometer outro crime do que os presos com a região normalmente ativa. A base genética do comportamento criminoso é estudada há quase 30 anos. O primeiro estudo no campo foi publicado em 1984, pelo psicólogo dinamarquês Sarnoff Mednick. Com informações de todas as .14.427 adoções de crianças feitas na Dinamarca entre 1,924 e 1947,Mednick afirmou que a quantidade de crimes co- metidos pelos pais biológicos aumentava o risco de seus filhos homens cometerem crimes. Sustentava sua tese com a seguin- te descoberta: enquanto 13% dos filhos de pais biológicos sem ficha criminal • O universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi morto na frente do condomínio onde morava, depois de ser rendido por um assaltante que roubou seu celular. Quando retirou a mochila para entregá-lo, foi baleado à queima- roupa na cabeça. Morreu horas depois Três homens invadiram o consultório da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza.de 47 anos, e a queimaram viva, porque ela tinha apenas R$ 30 em sua conta A estudante Lindayane de Sousa Leite, de 16 anos, desapareceu no começo de junho. Uma semana depois do sumiço, seu corpo foi achado com sinais de estupro c pauladas na cabeça Segundo a polícia, Roberto Freire, de 23 anos, torturou e ateou fogo a seu ex-sogro Antônio Bonfim, No dia seguinte, sua ex-namorada Thayná Bonfim, de 17 anos, foi encontrada morta com três facadas. Freire foi preso ainda em junho UtfOFEMj 4 1 3 6 9 8 • l i ..Mfltí • i s LIÇÕES DE BIOLOGIA haviam sido condenados, o número subia para 25%, em média, nos casos de filhos de pais com três ou mais crimes. O crime também é estudado sob a óti- ca de um novo campo da biologia, que estuda como o ambiente ou os hábitos de vida (como fumar ou usar drogas) inte- ragem com os genes. Trata-se da epigené- tica. Uma das primeiras pesquisas rela- cionando epigenética ao crime foi publicada em 2002. Nela, os neurocien- tistas Avshalom Caspi e Terrie Moffttt, da Universidade Duke, nos EUA, analisaram as informações hereditárias de 1.000 in- divíduos numa comunidade na Nova Zelândia. Compararam-nas ao compor- tamento antissocial na vida adulta. A du- pla descobriu que aqueles com níveis baixos de uma certa substância química, caso tivessem sofrido abuso na infância, eram mais predispostos a manifestar comportamento antissocial. "O comportamento humano é resulta- do da interação da biologia e fatores am- bientais" diz o psicólogo Kevin Dutton, da Universidade de Cambr idge, autor do livro The wisdorn of psychopaths: what saints, spies and serial killers can teach us about success (A sabedoria dos psicopatas: o que santos, espiões e assassinos em série podem nos ensinar sobre o sucesso, em tradução livre), de 2012. Dutton usa uma metáfora para explicar como o comportamento pode ser influenciado por essas duas forças -biologia e ambiente."Jogue um pote de aço num chão de concreto e nada aconte- cerá. Faça o mesmo com um pote de por- celana chinesa', e ele se estilhaçará." Por isso, mesmo quem postula a cria- ção da"neurocriminologia" como Raine, é cauteloso ao fazer associações de caráter determinista entre biologia e crime. Nem todo criminoso tem disfunções cerebrais. E nem todo indivíduo com um perfil ce- rebral específico é necessariamente um assassino ou psicopata. Além disso, o cé- rebro costuma mudar fisicamente no decorrer da vida. "Diria que 50% da cau- sa de crimes violentos é biológica. Mas biologia não é destino, e podemos buscar tratamento", diz Raine. Ele já estudou o próprio cérebro e descobriu muitas se- melhanças como cérebro de um homem que matou 64 pessoas num período de 20 anos. "Provavelmente, não aconteceu nada porque tive uma boa qualidade dê vida e pais que me amaram muito", diz. • A marcada crueldade Os crimes hediondos que assustaram o Brasil neste ano O universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi morto na frente do condomínio onde morava, depois de ser rendido por um assaltante queroubou seu celular. Quando retirou a mochila para entregá-lo, foi baleado à queima- roupa na cabeça. Morreu horas depois Três homens invadiram o consultório da dentista Cinthya WJagaly Moutinho de Souza, de 47 anós, e a queimaram viva, porque ela tinha apenas R$ 30 em sua conta A estudante Lindayane de Sousa Leite, de 16 anos, desapareceu no começo de junho. Uma semana depois do sumiço, seu corpo foi achado com sinais de estupro e pauladas na cabeça Segundo a polícia, Roberto Freire, de 23 anos, torturou e ateou fogo a seu ex-sogro Antônio Bonfim. No dia seguinte, sua ex-namorada Thayná Bonfim, de 17 anos, foi encontrada morta com três facadas. Freire foi preso ainda em junho BiancaMantellePazinattó,de18anos, foi assassinada a facadas. Seu corpo foi encontrado em sacos plásticos, embaixo da cama de uma amigade17 anos, suspeita do prime com outra adolescente de 16 anos. A polícia apreendeu anotações com uma espécie de roteiro do crime, feitas pélajovem de 17 anos, em que afirma ter sido namorada de Bianca :: mfOFEN :m\: 41 369 8; LIÇÕES DE BIOLOGIA ; ÉPOCA : õ cie ÃgoftÇQ de '.'OU; haviam sido condenados, o número subia para 25%, em média, nos casos de filhos de país com três ou mais crimes. 0 crime também é estudado sob a óti- ca de um novo campo da biologia, que estuda como o ambiente ou os hábitos de vida (como fumar ou usar drogas) inte- ragem com os genes. Trata-se da epigené- tica. Uma das primeiras pesquisas rela- cionando epigenética ao crime foi publicada em. 2002. Nela, os netirocien- tistas Avshalom Caspi e Terrie Moffitt, da Universidade Duke, nos EUA, analisaram as informações hereditárias de 1.000 in- divíduos numa comunidade na Nova Zelândia. Compararam-nas ao compor- tamento antissocial na vida adulta. A du- pla descobriu que aqueles com níveis baixos de uma certa substância química, caso tivessem, sofrido abuso na infância, eram mais predispostos a manifestar comportamento antissocial. "O comportamento humano é resulta- do da interação d.a biologia e fatores am- bientais", diz 0 psicólogo Kevin Dutton, da Universidade de Cambridge, autor do livro The wisdom of psychopaths: what saints, spies and serial külers can teach us about success (A sabedoria dos psicopatas: o que santos, espiões e assassinos em série podem nos ensinar sobre o sucesso, em tradução livrej, de 2012. Dutton usa. uma metáfora para explicar como o comportamento pode ser influenciado por essas duas forças - biologia e ambiente. "Jogue um pote de aço num chão de concreto e nada aconte- cerá. Faça o mesmo com um pote de por- celana chinesà, e ele se estilhaçará." Por isso, mesmo quem postula a cria- ção da"neurocriminologia",como Raine, é cauteloso ao fazer associações de caráter determinista entre biologia e crime. Nem todo criminoso tem disfunções cerebrais. E nem todo indivíduo com um perfil, ce- rebral específico é necessariamente um assassino ou. psicopata. Além disso, o cé- rebro costuma mudar fisicamente no decorrer da vida. "Diria que 50% da cau- sa de crimes violentos é biológica. Mas biologia não é destino, e podemos buscar tratamento", diz Raine. Ele já. estudou o próprio cérebro e descobriu muitas se- melhanças com o cérebro de um homem que matou 64 pessoas num período de 20 anos. "Provavelmente, não aconteceu nada porque tive uma boa qualidade de vida e pais que me amaram muito" diz. • A marca da crueldade Os orirnes hediondos que assustaram o Brasil neste ano Ficou conhecido como "anjo da morte" pelas cruéis experiências que conduziu em campos de extermínio na Segunda Guerra Mundial. Era entusiasta das ideias de Galton e sonhava em "aprimorar" a raça humana Em 1964, o psicólogo britânico publicou o livro Crime e personalidade. Escreveu que o crime era resultado de uma interação entre condições do ambiente e características do sistema nervoso FRANGIS GALTON Antropólogo britânico que estudava a biologia humana. Cunhou o conceito filosófico de "eugenia" em 1883. Afirmava que a raça humana podia ser "melhorada" com a exclusão de pessoas "inferiores" : DEFENSOR DA' FBENOLOâíA ; 5 ; :: : tí •» ïr.lïi î j: íí « ÏW Î » £ Ï Em 1895, publicou o livro Antropologia criminal, em qüe associava características craniofaciais ao tipo de criminoso. Seu trabalho caiu em desgraça e foi descartado pelos cientistas ADRIAN RAINE TERRIE MOFFITT O neurocientista e criminólogo britânico foi üm dos pioneiros no estudo do cérebro de criminosos violentos e planeja fundar a disciplina da "neurocrimínologia" para dar mais relevância ao tema A pesquisadora alemã publicou em 2002o primeiro estudo que relaciona fatores genéticos ao comportamento criminoso. Neurocientista, Terrie continua a publicar pesquisas relacionadas ao tema "Há um risco enorme em estigmatizar crianças", diz Arthur Caplan, professor de bioética na Universidade da Pensilvâ- nia. "O cérebro é plástico e adaptável, então o diagnóstico será sempre sobre riscos, não certezas." Para a historiadora Nicole Rafter, autora do livro The crimi- nal brain: understanding biologkal theories of crime (O cérebro criminoso: compreen- dendo as teorias biológicas do crime), de 2008, não há soluções fáceis. "Todo mun- do quer soluções preventivas para elimi- nar o crime", afirma. "O esforço em iden- tificar criminosos em potencial pode discrimina r muita gente. Escrevi a histó- ria da eugenia nazista e sei disso." O mais importante resultado cias pes- quisas da neurociência sobre criminalida- de talvez seja reconhecer,-como diz John lauta criminólogo e professor da Univer- sidade de Maryland, CoMege Park, nos EUA, que "não há um fator único para o crime e a violência". Para ele, a aceitação da abordagem biológica pode aprimorar o estudo do crime. "A neurociência pode ajudar especialmente a identificar diferen- ças individuais entre cada criminoso", diz Laub. Num ano em que a sociedade bra- sileira foi abalada por uma série de assas- sinatos cruéis (leia o quadro na página 66), em que os bandidos queimam ou matam suas vítimas e seguem comportamentos desprovidos de qualquer racionalidade aparente, o fenômeno da criminalidade não poderá ser entendido se for observa- do apenas por um únicoángulo - as rela- ções sociais. É preciso levar em conside- ração que há gente com predisposição para o crime tanto na ficção - como o vilão Félix - como ná vida.rèal. • •Com Mariana Tessiture A história da biologia na criminologia Depois de cair em descrédito, as teorias sobre crime e biologia voltam a ganhar prestígio Fotos Ointe! Sobrai/FtKura ^»ss/folhApres*, reprodução C8, Jíidson M«r<íue3,^'oíhapr<m s Getty Images (8) Embora relacionem a criminalidade ao nível de atividade de certas regiões do cérebro, os neurocientistas ainda não avançaram a ponto de descobrir como a intenção de fazer uma crueldade pode estar codificada na biologia humana e como essa informação pode gerar um comportamento criminoso. "Precisamos ter cuidado e respeitar os limites de nosso conhecimento científico, porque as con- sequências de aplicá-lo a pessoas podem ser graves", afirma o psicólogo Eyal Aha- roni, da Universidade da Califórnia e co- lega de Kiehl, da Universidade do Novo México, na pesquisa divulgada em abril. Raine afirma que seu campo de estudo poderáa judar a diagnosticar pessoas com problemas potenciais no cérebro e pro- porcionar a criação de tratamentos so- ciais, psicológicos e até nutricionais - ideia que não é bem-aceita pelos críticos.
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