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I:WO:>(l1l300 s s I' ISBN-972-1-04099-1 l 5 "601072"003040 100304961 li ,.7ia BIBLlOT~cAjtc. . .....~ \f ;·~:~t.. ~. , - 303A'. ·;~~t FUN'~ __ ~~ ..•.,,,,-r-.-r,L __· ASCIENCIAS SOCIAIS Relatório da Comissão Gulbenkian sobre a reestruturação das Ciências Sociais PUBLICAÇÕES' EUROPA-AMÉRICA ---- FERNAND BRAUDEL' t:;:; I ... I': 1 I I A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS, DO SÉCULO XVIII ATÉ 1945 Pense-se na vida como um imenso problema, uma equação ou, melhor ainda, uma família de equações em parte dependentes mas também parcial- mente independentes umas das outras ... subenten- dendo-se que tais equações são bastante complexas e cheias de surpresas e que muitas vezes somos inca- pazes de lhes descobrir as «raizes». ,, -: A ideia de que somos capazes de reflectir de uma maneira inteligente sobre a natureza do ser humano, sobre as relações que este mantém com os'seus semelhantes e com as forças es- pirituais, e sobre as estruturas sociais que ele mesmo criou e dentro das quais se move, é uma ideia pelo menos tão antiga , Prefácio a Charles Morazé, Les bourgeois conquérants (Paris: Liv. Ar- mand Colin, 1957). 15 .. C:OlvIlSSIW (/(/l./lliNf,'/IIN qunnto n pl'(ípl'lll hl/'ll(~rln vonhccidc. Estas são questões já v{\I'HndnH I'nntopt\IOf ' texlOH religiosos que chegararn até nós, ('01110 Ill\lmlll\xh)H [I quechamamos filosóficos. E há ainda a Hnl")(\dol'loornl trunsmitlda ao longo dos tempos e tantas ve- ln O rcgisto escrito. É evidente que muita desta sa- Iwd()I'i o ro i rcsLIltado de UITlprocesso' de recolha indu tiva, 11nH111 aiti d iversas paragens e ao longo de UlTIgrande período lc tempo. feita a partir da plenitude da experiência vivencial hurnana, não obstante os resultados serern apresentados sob " forma de revelação ou de UlTIadedução racional a partir de algumas verdades eternas e intrínsecas. Aquilo a que hoje chamamos ciências sociais são o her- deiro desta sabedoria. Mas trata-se de UlTIherdeiro distante e porventura frequentemente ingrato e nada reconhecido, já que as ciências sociais se defiriirarn a si próprias C01l10sendo a busca de verdades para lá dessa sabedoria obtida por le- gado ou dedução. As ciências sociais constituíram UlTI ertrpreerrdirnentodo rnurido moderno. As suas raízes lTIergu- lham na tentativa - UlTIatentativa plenamente arnaclurecida já desde o século XVI, e que é parte integrante da construção do nosso mundo moderno - de desenvolver UlTIsaber siste- mático e secular acerca da realidade, que de algum modo possa ser empiricamente validado. A esse saber chamou-se scientia, UlTIapalavra que significavasimplesmente conhe- irnento. É claro que, etimologicamente, filosofia também ignifica conhecimento - ou/ mais exactamente, o gosto pelo nhecimento, hamada visão clássica da ciência, dominante desde há-----vários séculos, foi erigida sobre duas premissas. UlTIadelas fo iomodelo newtoniano, segundo o qual existe UlTIasimetria /6 PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS '. ent:e ..2-'pass~c!~_~-ºJ:t-!tl!Xº,~Estava-lhesubjacente UlTIaE~.r.s-; p~;gÇl~qllase ,t~.ol.~giç~_ª..exemplo de Deus, nós podemos chegar a certezas, e por esse motivo não precisamos de distinguir entre passado e futuro, UlTIavez que tudo coexiste nUlTIeterno presente. A.segunda premissa foi o d~~~§!110c~= t:siat:t0' ou seja, o pressuposto de que existe UlTIadi?,!i}"!ç~º fundamental en tre a na tllJ'~.~S seres l~':.':.~os, entre ama- 'téria e ~!p.-~.!.1te,entre o mundo físico e o mundo sociªl/ espi- rituaL Quando, no ano ele]663, redigiu os estatutos da Royal Society, Thomas Hooke fixou C0l110 objectivo desta «aurnen- tar o corihecirnen to úteis, Manufacturas, práticas IVICCflI1ICDS, IVIDQlunaS e mven- ções pela via da Experiment que não entrem o Divino, a M tica, a Retórica, ou a Lógíca-". UIHCH CStOLutOH truuuzto m já, assim, a divisão entre os rnod Snow iria mais tarde designar por «as ciuns CLlIIUI'nfl», A ciência passaria a ser definida versais da natureza que se manti v das barreiras de espaço e tempo. AI tituindo a evolução das concepções século xv ao século XVTlI, observou o' o universo infinito da nova COS1...,'" duração e na extensão, no qual a r acordo COlTIleis eternas e necessárias, se I e sem objectivo no espaço eterno, havia her 2 Apud Sir Henry Lyons, The Royal Society, 1660-1940 (NOVA IClrCJlI Greenwood Press, 1968), p_ 41. Díverscs - 2 17 COMISSÃO GULBENKIAN os atributos ontológicos da divindade. Mas só estes: quanto aos outros, Deus, ao partir do mundo, levou-os com Ele3. Os outros atributos do Deus agora ausente eram, é claro, os valores morais do mundo cristão, tais como o amor, a humildade e a caridade. Neste seu texto, Koyré não se pro- nuncia sobre os valores que os vieram substituir, no entanto sabemos que, ao sair de cena, Deus não deixou atrás de Si, propriamente, um vazio moral. Se os céus se alargaram para além de todos os limites, a verdade é que as ambições humanas não lhes ficaram atrás. O progresso passou a ser a palavra de ordem - dotada agora deste recém-adquirido sentido de infinitude, e reforçada pelas conquistas materiais da tecnologia. O «mundo» dé que fala Koyré não é o globo terrestre, mas sim o cosmo. De facto, poder-se-ia afirmar que por essa mesma altura a percepção do espaço terrestre no mundo oci- dental sofria uma transformação de sentido inverso, ou seja, no sentido da finitude. Para a maioria das pessoas, só com as viagens dos descobrimentos que cruzaram o globo é que a terra acabaria por fechar-se na sua forma esférica. Écerto que a circunferência desta esfera era muito maior que aquela que Colombo havia imaginado, mas ela era, apesar de tudo, fini- ta. Além disso, por efeito do uso e com o decorrer do tempo, essas mesmas viagens de descoberta viriam a fixar as rotas 3 Alexandre Koyré, Do Universo Fechado ao Universo Infinito (tradução de Jorge Pires; Lisboa: Gradiva, s/d), p. 269. /8 '. i9 PARA ABRIR AS CiÊNCIAS SOCIAIS comerciais e o subsequente alargamento da divisão do tra- balho, factores que, por sua vez, iriam fazer encurtar decisi- vamente as distâncias sociais e temporais. Contudo, essa finitude da terra não constituiu fonte de dissuasão, pelo menos até tempos recentes. Enquanto a visão ideal de um progresso ilimitado se alimentava da infinidade de tempo e espaço, a concretização prática do progresso nos assuntos humanos por via do avanço tecnológico dependia da disponibilidade do mundo para se deixar conhecer e ex- plorar, de uma confiança na finitude deste quanto a certas di- mensões-chave (com destaque para a sua epistemologia e geografia). Com efeito, era crença geral que para atingir o progresso se impunha que nos livrássemos completamente de todas as inibições e de todas as restrições, enquanto des- cobridores apostados em desvelar os segredos mais recôndi- tos e em sugar os recursos de um mundo mesmo ao alcance da mão. Parece que, até ao século xx, a finitude da esfera ter- restre serviu antes de tudo para facilitar as viagens explora- tórias e a própria exploração exigidas pelo progresso e para dar exequibilidade às aspirações de dominação ocidentais. No século xx, à medida que as distâncias terrestres começa- vam a encurtar a pon to de se afigurarem constrangedoras, as limitações da terra puderam ser evoca das como um incenti- vo mais para as arremetidas exploratórias (agora também pe- los confins do espaço celeste) necessárias ao alargamento dessa esfera de dominação. Em suma, a morada do nQSSOvi- ver presente e passado passou a assemelhar-se menos a um lar e mais a uma rampa de lançamento, lugar a partir do qual nós, enquanto homens (e umas tantas mulheres) de ciência, '(/MISSi\() lill/,/II'NiI/,'IN ionando-nos como cósmica. -chave sejam progresso e não fica completo sem recorrer a, unidade, simplicidade, domínio, e universo». As ciências da natureza, tais rarn construídas no decurso dos séculos XVII e XVIII/ provieram. primordialmente doestudo da mecânica celeste. Inicialmente, aqueles que tentaram estabelecer a legitimi- dade e prioridade da demanda científica das leis da natureza quase não fizeram destrinça entre a ciência e a filosofia. Do mesmo modo que distinguiam os dois domínios, assim os consideravam aliados na busca da verdade secular. 'Mas à medida que o trabalho experimental e empírico se tornava cada vez mais crucial para a visão da ciência, a filosofia sur- gia cada vez mais aos olhos da gente das ciências naturais como mera substituta da teologia, igualmente culpada de asserções de verdade apriorísticas não passíveis de serem postas à prova. Nos p~incípios do século XIX•...a divisão do conhecímentnemdcíadcmíníos havia descartado a noção de que se trataria de duas esferas «separadas mas iguais», para assumir - pelo menos na perspectiva dos cientistas natu- rais - o aspecto de uma hierarquia: o conhecimento tido OlUO C~!tgjs!:~!lç.§),por oposição ao conhecimentoimagi- ~ e mesmo imaginário (a não c~~.nci.~).Finalmente, seria também por volta do início do século ~ que o triunfo da se iria firmar do ponto de vista linguístico. O termo provido de adjectivo qualificativo passou, então, r associado primordialmente (e muitas vezes exclusi- 20 I i. I ~ I ! I I I I l PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAl vamente) às~iências da natureza". Este facto assinalou o cul- minar da tentativa das ciências naturais para chamar a si uma legitimidade sócio-intelectual que era de todo distinta - e na verdade até contrária - de uma outra forma de conheci- mento chamada filosofia. A ciência, ou seja, a ciência da natureza, foi objectode uma definição mais clara do que o seu contraponto, para o qual o mundo -~ã;-~heg;·~~~~~~~~:~q~er"ã!i.~º-i:ª~t n:~l~.~.().~~ úni~(). Umas vezes designada por artes, outras vezes chamada humanidades, outras ainda letras ou belles-leures, e ainda de outras vezes apelidada filosofia, simplesmente «cultura» ou, como sucede em Alemão, Geisteswissenschaften, a alternativa à «ciência» foi assumindo uma face e uma ênfase variáveis, uma falta de coesão interna que não foi de molde a ajudar os respectivos praticantes a defender a sua causa junto das auto- ridades, principalmente. se se considerar a sua aparente in- capacidade de oferecer resultados «práticos». Com efeito, começara a tornar-se evidente que a luta epistemológica por aquilo que se considerava ser o conhecimento legítimo já não era uma luta para saber quem havia de controlar o conheci- mento relativo à natureza (já que os cientistas naturais haviam claramente adquirido direitos exclusivos sobre este domínio por volta do século XVIII), mas antes uma luta em torno de 4 Este fenómeno transparece claramente tanto em Inglês como nas lín- guas românicas. É menos claro em Alemão, onde a palavra Wissensclltljl' continua a ser utilizada como termo genérico para o conhecimento sistcmá- tico e onde as ch~madas «humanidades» são designadas por Geistesune- senschaften, o que à letra significa conhecimen to das co.isasdo espírito ou dn mente. 21 COMISSÃO GULBENKIAN quem havia de controlar o conhecimento relativo ao mundo humano. A necessidade, sentida pelo Esta~?~~ de ]2.Q.ssuir u~ C~~~C!_I!l:~!:!~gJ!1_ªiselCa.S::!Q~o]:>r€.9gua]J:>.~d~_~?ebasea~ as suas decisões havia conduzido ao surgimento de novas cate-----' ---=_'.~p~ ..~_._--.,---.__._-- gorias de conhecimen~o já no século XVIII; no entanto, tais ca- tegorias afiguravam-se ainda incertas nas suas definições e frorrteiras. Os filósofos soc_!ai~~omeçaram, então, é!_Lalarde "-'-".'-'.- _.-- ' ~----_.-- uma «fí~!<:~~<?~C?~ial}),e os pensadores europeus começaram a reconhecer a existê~5~a, no mundo, de ~~tiplas espécies de s~~!~m~~.2çiªis (<<comoé que se pode ser persa?»), cuja variedade se impunha explicar. Foi neste contexto que a~i- vers.igade (que em larga medida se revelara uma instituição moribunda desde o século XVI, por força da sua anterior liga- ção estreita à Igreja) foi revitalizada nos finais do século XVIII e princípios do século xrx.rtornando-se o lugar institucio_ll_':!. preferencial E.ara a criação de conhecimento.- -----_ .._--------_.~-- A universidade conheceu, assim, um processo de revitali- zação e transformação. As faculdades de Teologia perderam importância - por vezes desaparecendo completamente, de outras vezes dando lugar a simples departamentos de es- tudos religiosos no interior das faculdades de Filosofia. As faculdades de Medicina mantiveram a sua função de centros de formação prática numa área profissional específica, de- finida agora inteiramente como conhecimento científico aplicado. Seria, antes de mais, no interior das faculdades de Filosofi~ (e, em grau consideravelmente ~o~, nas faculda- des de I?~r~i!9)_CIueiriam ser erigidas as modernas estruturas do conhecimento. Seria, enfim, na faculdade de Filosofia (que em muitas universidades se manteve estruturalmente ~J ..' " PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS ,.1 unificada, mas que noutras conheceria um processo de sub- divisão) que os praticantes tanto das artes como das ciências naturais iriam penetrar para aí edificarem as suas múltiplas estruturas disciplinares autónomas. A história intelectual do século XIX é marcada, antes de "'-'--'-~---- _-_ .._- -.-._, .-- .._ _- ,-, _ ..•.._- tudo, por este processo de disciplinarização e l2.E0fi§sioilali----=_.~-----,-.._..__..- _.~-,-- &._- zação do conhecimento, que o mesmo é dizer, pela criação de estrü.tur;;s·'i~stitü.cfà-n-';;-ispermanentes destinadas; simulta- neamente, a produzir um. novo conhecimento e a reproduzir os produtores desse conhecimento. A criação de disciplinas múltiplas teve por premissa a crença segundo a qual a inves- tigação sistemática exigia uma concentração especializada nos múltiplos e distintos domínios da realidade, um estudo racionalmente retalhado em cachos de conhecimento perfei- tamente distintos entre si. Essa divisão racional prometia ser eficaz, ou seja, intelectualmente produtiva. As ç~.~~.c;i._<.tsna- turaisnão tinham ficado à espera da revitalização da uni- versidade para gerarem uma vida institucional autónoma. A razão por que puderam actuar mais cedo foi po~q1,1~conse--- ...-.----_._ ..__ .---_._~-~-----_._- - guiram angariar apoig_~<?<;:i.9_L~.I?()lí.tiçoa troco da promessa de produzirem resultados práticos traduzidos numa utili- dade imediata. O crescimento das academias reais durante os séculos XVII e XVIII e a criação, por Napoleão Bonaparte, das grandes écoles reflectem a disposição de promover as ciências naturais por parte dos governantes. Os cientistas naturais não precisavam sequer, porventura, das universidades para levarem a cabo o seu trabalho. E foram, de facto, outros estudiosos que não os das ciên- cias naturais - os historiadores, os classicistas, os estudiosos das literaturas nacionais - quem mais fez para revitalizar a 23 , '1M IISSiII I tlllll/iJNlliAN 1llllvlII'Hltlndll11111'1111111(\ nl"l'ldo XIX, LIS<1I'ldo-acomo 1.111.'1 me- lli1~1111i111111'1111nlillllll;tlO dI: npolo estatal aoseu trabalho de I1Vlliillp,i\(;r!o, IOl~H n ITnIrn m os cientistas naturais para o inte- 1'1111'dll/1 11()I,(\t1~I'IlI'<':Restruturas universitárias, beneficiando II-Ifllllldu pC\I'fll positivo que os caracterizava. O resultado, 1101'1'111,(oi que a partir de então as universidades passaram .spaço privilegiado da permanente tensão entre as 11'1<.'1-\ (hLlll1ani~~.d-~.~t~.-ª§._çiên..s::ias,dois modos de conheci- 1,1('11to agora definidos como sendo bast~~.dif.~fgnte..s ou até dntagónicos. Em muitos países - com especial saliência para a Crã- =Bretanha e a França - assistiu -se a uma certa clarificação de toda esta discussão, forçada pelo surto cultural desenca-dea9:~~!~ R_~v~uçã.? Fr~~ce~a. As pressões no sentido da efectivação de transformações político-sociais haviam assu- mido uma premência e uma legitimidade que dificilmente podiam continuar a ser contidas através da mera procla- mação de teorias respeitantes a uma ordem supostamente natural da vida social. Em vez disso, muitos foram os que de- fenderam que a solução estaria antes em organizar e raciona- lizar a mudança social que surgia agora como inevitável num mundo em que a soberania do «povo» passava cada vez mais a constituira norma, sem dúvida na tentativa de limitar, por essa via, a extensão do fertórneno. Mas se o que havia a fazer ra organizar e racionalizar a mudança social, a verdade é .1e primeiramente se impunha estudá-Ia e entender as re- ras que lhe subjaziam. Verificava-se, assim, não apenas xistir um espaço para aquilo a que viríamos a chamar ciên- is, mas também uma profunda necessidade social seu surgimento. Além disso, parecia ainda evi- 21/ •• PARA ABRIR AS CIt.NCIAS SOCIIII dente que, nesse esforço de organizar uma nova ordem social sobre uma base estável, quanto mais exacta (ou «positiva») fosse a ciência, melhor. Com esta ideia em vista,muitos daqueles que - sobretudo na Crã-Bretanha e na França ------_ .._----_._------------ começaram a lançar as bases das modeJ;".!:!:ª$.çignc.Íi:ls$ociais----_-..._---_._-----_ ..,.. -_._-- --.- .._.-, na primeira metade do século XIX volrararn-se para a física newtoniana, tomando-a como modelo a seguir. s>uh·.~,·~~i~·pr~~--'=up~ªgie~~rep<?f~Uitfé!él?~-~~~~~I_dos_ Estacios. que tinham conhecido a n:!:e.b:~~ou que por ela se viam ameaçados, vo!t~~~:-.s~_ E.(i~<3._a_<:..riaç~g_.~..as n~r:.:~.!i~as históricas naciona!~.=- narrativas agora mais centradas nos<--------~--'--- -" ~_.-.'-- .-.--- «povos» do que nos.príncipes - como forma de escorar as novasou potenciais soberanias. A reformulação da «histó- ria» em termos de geschichte - isto é, de um acontecer real e efectivo - fez com que ela conquistasse credenciais inata- cáveis. A história deixaria de ser uma hagiografia de justifi- cação de ~~n~as para se tornar um v~dad_eir~rela..!Q.<!o passado, capaz de explicar o preser:.!~~_c:!~_2f~!~s_er_~. basf.ê..--_._ ..__ _ ~.-" -.-- _-- _---_ .. - -,,"- ..- _.'.- ..~..--._ .. -. _. ". para uma escolha avisada n0ut!1rQ. Este tipo de história (ba- seada na investigação empírica de arquivos) associou-se às ciências sociais e naturais na rejeição da «especulação» e da «dedução» (práticas acusadas de serem mera «filosofia»). Mas precisamente porque se preocupava profundamente com as histórias dos povos na sua grande diversidade ernpí- . rica, é que este tipo de história encarava com suspeição e at hostilidade as tentativas dos expoentes da nova «ciência so- cial- no sentido de generalizar, ou seja, de estabelecer lei universais para a sociedade. No decurso do século XIX, as várias disciplinas como eu I f; 2.5 COMISSÃO GULBENKIAN se abriram em leque cobrindo toda uma gama de posições epistemológicas. Num dos extremos situava-se a matemática (uma actividade de natureza não empírica), e lo~o encostadas a ela as ciências naturais experimentais (perfiladas, por sua vez, numa espécie de ordem decrescente segundo o respec- tivo grau de determinismo - a física, a química, a biologia). No extremo oposto achavam-se as humanidades (ou artes e letras), começando pela filosofia (contraponto da matemá- tica enquanto actividade não empírica), seguida do estudo das práticas artísticas formais (as literaturas, a pintura e a escultura, a musicologia), que na sua prática concreta se aproximavam muitas vezes da própria história, ao prefigura- rem-se como uma história das artes. Por fim, entre as huma- nidades e as ciências naturais ficava o estudo das realidades _,_._. .. ~ .••._~~---_.-_._._, ••.•_.-----~.-_ .•.•-_ •._--_._ .••• " _"o" -' - .•.•----'---'---~ - soçj.~is,c::<:)J:Il..~J:ti.?!_~~~aiidiggráfica)a situar-se junto das facul- dades de artes e letras ou mesmo no seu interior ,e comas «ciên<::iA~_~ç~-ªi.§.~(!!ºmºté.!iç_as)na pr.ºxiIIlÍ:ci~~~.9-asciências dª:rtª.t.ucr:e~-ª..Postos perante uma separação cada vez mais rí- gida dos saberes em duas esferas diferentes, cada uma delas com a sua ênfase epistemológica própria, os estudiosos das realidades sociais viram-se como que entalados e profunda- mente divididos por estas questões epistemológicas. Tudo isto, porém, se desenrolava num contexto em que a ciência (newtoniana) havia triunfado sobre a filosofia (especulativa). afirmando-se como a incarnação mesma do prestígio social no mundo do conhecimento. Augusto ÇOlIl:-:- te tinha-se referido ao corte entre ciência e filosofia em termos- ._--~---~'"-"-----------_._--~ de um divórcio, não obstante ele representar de facto, antes de mais, uma rejeição da metafísica aristotélica e não tanto de preocupações filosóficas propriamente ditas. Mesmo assim, 26 '. PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS' as questões colocadas pareciam bem reais: será que o mundo é regido por leis deterministas? ou será que há lugar;ouca- bimento, para a inventiva e para a imaginação (humanas)? Além disso, as questões intelectuais fizeram-se acompanhar das suas alegadas implicações políticas. Do ponto de vista político, o conceito de ,leis deterministas afigurava-se mais . útil às. tentativas de controlo tecnocrático dos movimentos - potencialmente anarquizantes - apostados na mudança. E ainda do ponto de vista político, a defesa do particular, do não determinado e do imaginativo afigurava-se particu- larmente útil não só para os que se opunham às mudanças tecnocráticas em nome da conservas;ão das instituições e das tradições vigentes, mas também para aqueles que se batiam por possibilidades mais espontâneas e mais radicais de inter- ferência da acção humana no terreno sociopolítico. Tratou-se de um debate contínuo mas desequilibrado, que teve como resultado, no mundo do conhecimento, a circunstância de em toda a parte a ciência (física) passar a ser colocada num pedestal e de em muitos países a filosofia ser relegada para um canto ainda mais esconso do sistema universitário. Neste cenário, uma das reacções assumidas pelos filósofos consis- tiu em redefinir as respectivas actividades de maneira mais consentânea com o eihos científico (veja-se a filosofia analítica dos positivistas de Viena). A ciência foi proclamada como sendo a descoberta da realidade objectiva através do recurso a um método que nos permitia sair para fora da mente, ao passo que aos filósofos se não reconhecia mais do que a faculdade de cogitar e de escre- ver sobre as suas cogitações. Esta visão da ciência e da filoso- 27 ( ! '1IAI/SS,1fI 1/11/ lI/NA I,IN 11/1 1'!1I11i11'llItltlll til' 111[111\111'111IIlIIlo 1'101'0 na primeira metade 1/11111'11'1110 \1\ 1'111' ('tlllIl(' I' Mlllulturn crn que ambos os pen- IIII! 111/'1 'li l'I'\I('lll'r!I'1I 1)1 ('/1Loh<.:l<.:ccl" as regras que iriam presidir 11 1\llIlIrlll'H do mundo social. Ao fazer renascer a expressão Illlkll H()çI(lI», Corntc tornou claras as preocupações políticas Itll' () moviam. Era seu desejo salvar o Ocidente da «corrup- rica» que havia sido «elevada ao estatuto de ferra- mcn ta indispensável da governação.» por força da «anarquia intelectual» instalada desde a Revolução Francesa. Na sua opinião, o partido da ordem assentava em doutrinas desac- tualizadas (de índole católica e feudal), enquanto o partido do movimento assentava em teses - absolutamente negati- vas e destrutivas - bebidas no Protestantismo. Para Comte, a físicasocialjria.permitir _ªJ~conciliação da.ordem.c .do . progr~so ao entregar a solução dos problemas sociais a um---=-- ----~----_ ..--~_._-_...__ ._~...._-- «número reduzido de inteligências de elite» dotadas do nível de instrução adequado. Deste modo, pôr-se-ia fim à Revo- lução a partirdo momento em que fosse instalado um novo poder espiritual. A base tecnocrática e a função social da nova física social tornavam-se, assim, evidentes. De acordo com esta nova estrutura do conhecimento, os filósofos tornar-se-iam - para usar uma expressão bem conhecida - «especialistas em generalidades». O que isso significava era que eles iriam aplicar ao mundo social a lógica mecânica celeste (aperfeiçoada pela versão laplaciana do rotótipo de Newton). A ciênci~p_<?~iti~a visava a libertação total relativamente à teologia e à metafísica, bem como a todos os demais modos de «e;pli~ação»-da realidade. «As nossas investigações positivas [00'] devem limitar-se, sob 28 PARA ABRIR AS Clt.NC/IIS /II/S todos os aspectos, ao estudo~!l'.!~mático do que é, renun- ciando e descoberta da causa primeira e do destino finalx". [ohn Stuart Mill, que no conte~t()J~g!.~ correspondeu, de alguma forma, ãCômte e que com ele se correspondeu, não falou de uma ciência positiva mas sim de uma ciência exad'i: Contudo, o modelo da mecânica celeste manteve-se omesmo: ---------- «[A ciência da natureza humana] fica muito aquém dos padrões de exactidão que actualmente vigoram na Astronomia; mas não há razão para que ela não seja uma ciência corno hoje o é o estudo das Marés ou como à era a Astronomia quando os seus cálculos davam conta dos fenómenos principais mas não ainda das per- turbações»>. Embora os fundamentos das divisões existentes no inte- rior das ciências sociais mostrassem uma clara tendência para cristalizarem já durante a primeira metade do século XIX, a verdade é que só no período de 1850 a 1914 é que a diver- sidade intelectual reflectida nas estruturas disciplinares das ciências sociais teve um reconhecimento formal por parte das principais universidades, sob as formas por que hoje as conhecemos. É certo que já entre 1500 e 1850 existira biblio- grafia respeitante a muitas das questões centrais tratadas 5 Augusto Comte, Discurso sobre o Espírito Positivo (tradução, intro- dução, tábua cronológica e sincrónica, e notas de [oel Serrão; Lisboa: Seara Nova, 1947), p. 57. 6 [ohn Stuart Mill, A System ofLogic Raiiocinative and Induciiue, Vol. VTlf das Collected Works of J0I171 Stuart Mill (Toronto: Univ. of Toronto PrA., 1974), Livro VI; cap." III, par. 2, p. 846. 29 COMISSÃO GULBENKIAN naquilo a que hoje chamamos ciências sociais: o funciona- mento das instituições políticas, as políticas macroeconómicas dos Estados, as regras que presidem às relações interestatais, a descrição dos sistemas sociais não europeus. Ainda hoje lemos Maquiavel e Bodin, Petty e Grócio, os Fisiocratas franceses e o Ilurninismo escocês, assim como os autores da primeira metade do século XIX, desde Malthus a Guizot, passando por Ricardo, Tocqueville, Herder e Fichte. Temos inclusivamente, no período em questão, algumas das pri- meiras discussões sobre o tema do desvio social, como por exemplo na obra de Beccaria.Mas a realidade é que tudo isto não constituía exactamente ainda aquilo que hoje em dia entendemos por ciências sociais, da mesma maneira que ne- nhum dos pensadores aqui mencionados se via ainda a si próprio a funcionar no quadro daquilo que mais tarde viria a ser considerado como .as diversas disciplinas do saber ~ A criação das múltiplas disciplinas das ciências sociais inseriu-se no esforço global empreendido pelo século XIX no sentido de garantir e de faze!:aV-ª~~ª};-o1J.m.s:onhecjmen.t~ob- jeçJi.Yº~.~:LQ.bxe.ooª._~<.r:~ªl!.~tª-c:l_~r:~obas~od~o.~chad()~l!l12íricos (entendidos por oposição ao trabalho de «especulação»). O intuito era «aprender» a verdade, em vez de a inventar ou intuir. O processo de institucionalização deste tipo de activi- dade do conhecimento não foi nada simples nem linear. Antes de mais, começava por não ser claro se uma tal activi- dade deveria ser singular ou, antes, dividida em disciplinas várias, como mais tarde viria a acontecer. Como claro não era também, inicialmente, qual a melhor via para esse conhe- cimento - ou seja, que tipo de epistemologia seria mais fru- tuoso ou até legítimo empregar. E, sobretudo, não era nada 10 '0 PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS claro se as ciências SOCIaISpoderiam de algum modo ser pensadas como fazendo parte de uma «terceira cultura», si- tuada - na formulação posterior de Wolf Lepenies - «entre a ciênciaea literatura». Emverdade, nenhuma destas questões foi alguma vez resolvida em definitivo. O mais que podemos fazer será dar nota das decisões efectivamente tomadas ou das posições maioritárias que se revelaram tendencialmente prevalecentes. O primeiro aspecto a registar é onde é que esta instit.!:l_<;'ÍQ-:.o Il~~i~~çãotevelugar. No decurso do século XIX a actividade das ciências sociais deu-se em cinco espaços principais: a Grã-Bretanha, a França, as Alemanhas, as Itálias e os Estados Uni~i~~.·oÃo~~io!:ia~~oõs·~~!.t:~ioso~~odª-~_l,mi;~!~~da_de;(em- bõrao~ãotodos, obviamente) en~on.!rayª_~.S~.numde~es cinco espaços. Quanto às universidades dos restantes países, falta- va-lhes o peso ou o prestígio internacional das destes cinco. E até hoje a verdade é que a maior parte das obras oitocen- tistas que ainda lemos foram ali escritas. O segundo aspecto a registar é ovasto e diversíssimo con- junto de nomes de «assuntos» e de «disciplinas» avançados no decurso do século passado. Todavia, por altura da I Guerra Mundial verificava-se uma convergência ou con- senso geral em torno de um punhado de nomes específicos, ao mesmo tempo que os demais candidatos eram mais ou menos preteridos. Como adiante veremos, os nqg!es.elILc.au- ~~_~!am,fundamentalmente, cinco: a história, a economia, a s09g!<?g~~L.~_r:.~êonc~~_polític~ ~~~.!!_<:P_<?!2Zi.a..:Poderíamos - ---~--- - --- acrescentar à lista, como de resto veremos também, as chama- das ciência~~i.en~~s (também designadas por orieritalisrno), não obstante o facto de estas se não verem a si próprias como 31 'liMISSA!i 11//1 III';NI\'//IN lllll' l'xplictll'cmos ainda o motivo pelo rafia, a psicologia e o di- (IIml Il I'l'lio.  pl'll"ncil'odL--r-- lOncininstitucional autónoma foi, de facto, a história. E •• '_ ' • 0'0 _.~ - --,., --- llle rruritos historiadores rejeitaram vigorosamente o 1'(") tulo de ciências sociais - como de resto ainda hoje sucede rn algt.U'\s.Consideramos, porém, que estas disputas entre s historiadores e as restantes disciplinas das ciências sociais são divergências internas das ciências sociais, como aqui iremos procurar demonstrar. É óbvio que a história corres- pondia já a uma prática de longa data, e a própria palavra é bastante antiga. Os relatos alusivos ao passado, e em parti- cular os relatos alusivos ao passado dos povos e dos Estados, constituíam urna actividade já sobejamente conhecida no mundo do conhecimento. A hagiografia, por seu lado, fora sempre objecto de apoio por parte de quem detinha o poder. O que distinguia a n~,:a <~disciE-~~~a»da his~ria tal como esta se veio a desenvolver no século XIX era a ênfase rigoro~or-_._------ ela posta na des~~~er!,ade - segundo a famosa expressão de Leopold von Ranke - wie es eigentlich gewesen ist (<<oque aconteceu efectivamente»). E isso por oposição a quê? Acima de tudo, por~窺-ª __ç-ºJ1taLhistórias__imaginadas ou xageradas, fosse por estas lisonjearem os leitores ou por rvirem os fins imediatos dos governantes ou de quaisquer utros grupos poderosos. Não passará certamente despercebido o facto de este lema Ranke reflectir em grande medida os temas utilizados Ia «ciência» na luta que travou com a «filosofia»: a ênfase na existência de um mundo real e tido por objectivo e cognos- ;,")Iinadas ci~~c~a~~oci~i~~adquirir uma 32 " PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS natural ...., rova empírica, a ênfase na neutralidade do a exemplo do estudioso das ciências deve buscar a informação que xistentes (ou seja, a biblioteca, processosdo seu próprio studo, lugar por excelência da spaço onde é possível reunir, ar- munip ular uma informação objectiva e rio ou () arquivo, que é o lugar da inves- pr lugar d pensament reflexão), m mazenar, controlar exterior (o laborat tigação). Esta rejeição comum a história e a ciência enquan t demos- (que omesmo é dizer, n os h~~t~~~?:9:!?~~~_!"':~~~n:trejeit facto de esta implicar a busca d explicar os dados empíricos, era ~~a busca de eventuais «leis» científicas --·_· .• 0_,, __ ._. ••• ·• .-~ •• -. -. , ••• ~ •• ,,_~. _ •• ,.u· .•..•.....__ ."...•... . . reconduziria necessariamente à via d significado q:uê para os historiador losofia que explica o porquê de terem síd âmbito do seu trabalho, não só de espelharcrn mado da ciência no pensamento europeu, m surgirem como grandes arautos e defensor idiográfica e antiteórica. Por isso é que, ao lon culo XIX, a maioria dos historiadores insistiu na id pertencia às faculdades de Letras e se mostrou renit identificar-se com as ciências sociais, essa nova cat lentamente passava a estar na moda. Não obstante o facto de alguns dos primeiros histori res oitocentistas terem encarado a ideia de se abalançarem :1.,-1- 33 Diversos-3 COMISSÃO GULBENK1AN uma história universal (numa espécie de derradeiro elo de ligação à teologia), a acção conjunta dos seus vínculos idio- gráficos e da pressão social exercida pelos Estados e pela opinião pública mais informada levou os historiadores a en- veredarem primordialmente pela escrita,das suas histórias nacionais, sendo que a definição de nação era mais ou menos circunscrita pelo recuo temporal do espaço ocupado, no tempo presente, pelas fronteiras estatais já existentes ou em vias de construção. Sejacomo for, a ênfase posta pelos histo- riadores no uso dos arquivos, baseada num conhecimento contextual e aprofundado da cultura, fez com que a inves- tigação histórica fosse vista como particularmente válida quando o historiador a levava a cabo no seu próprio quintal. E foi assim que os historiadores, que se haviam negado a continuar a alinhar na justificação dos reis, se acharam na posição de justificar as «nações» e amiúde os seus novos so- beranos - os «povos». Isso seria, sem dúvida, útil aos Estados, mas apenas indi- rectamente, porquanto terá contribuído para lhes reforçar a coesão social.Não os ajudou a tomar decisõ~~~nto..às-po- líti~.ri~ -~;isad~~~-~;;;p~;;~d~~~~·-p;~sente,e por certo c{lie pouco lhes ensinou quanto às modalidades do refor- mismo racional. Entre 1500e 1800vários foram os Estados que se foram habituando a recorrer a especialistas, muitas ve- zes funcionários públicos, para que os ajudassem na tarefa de concepção de políticas, sobretudo nos momentos mais marca- damente mercantilistas dos respectivos percursos históricos. Estes especialistas ofereceram o seu conhecimento nos mais diversos âmbitos, como sejam a jurisprudência (um termo antigo) e o direito das nações (termo novo), a economia , ~ .14 ·:t?~" PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOC1AIS ". política (um termo igualmente novo, que designava, de forma bastante literal, a macroeconomia ao nível das socie- dades politicamente organizadas), a estatística (outro termo novo, que inicialmente designava os dados quantitativos re- lativos aos Estados), e as Kameralunssenschaften (ciências da administração). A jurisprudência já era ensinada nas facul- dades de Direito das universidades, e, quanto às Kameraluiis- senechaften, é no século XVIII que passam a ser matéria de es- tudo nas universidades alemãs. Contudo, só no século XIX é que começamos a encontrar uma disciplina ~a~~d~-~~q~o_-:.. I!!!~ªtumas vezes no interior da faculdade de Direito, mas mais frequentemente na faculdade (por vezes ex-faculdade) de Filosofia. E dadas as teorias económicas liberais preva- lecentes no século XIX; a expressão «economia política» (urna expressão corrente no século XVIII) desaparece, na segunda metade de oitocentos, em favor da palavra «economia». Ao descartarem o adjectivo «política», os economistas ficavam em condições de defender que o comportamento económico era reflexo de uma psicologia individualista universal e não de instituições socialmente construídas, argumento que pôde então ser utilizado para afirmar o carácter natural dos prin- cípios do laissez [aire. A presunção de pressupostos universalizantes por parte da economia fez com que o estudo desta se tornasse muito voltado para o presente. Em consequência desse facto, a his- tória económica foi sempre relegada para lugares inferiores nos currículos da economia, e quando surge como subdisci- plina essa evolução dá-se mais a partir da história (da qual se irá parcialmente separar) do que da economia. A única grande tentativa feita no século XIX no sentido de desenvolver 'u. t: 35 ( ('()MISSMI til/l/I/NtdtlN IlllllIl'I(.1IH'lflIIUl'lnl 1111\' 1\/111 ImlHI.' n~il1 nomotética nem ídio- 1\1'1'11'11'11, IIIIHI 1111\('1\ (11)\11 huscn uos leis subjacenres a sistemas 111,/11111l'rll'Ilt'II'I'I!',l1do/\ por Limo especificidade histórica pró- pl'lll, fui ri \.'()IIHII'!H,:1'I0,na área alemã, de um campo do saber '11(11111\(10 SIIIII/i1'1JJisse/lscltaften. Abrangendo uma mistura de 1/)('1'1'1'1 quI.' (para usar uma linguagem actual) incluía a his- I órln uconómica e a jurisprudência, a sociologia e a economia, O CDi11pO em. questão caracterizava-se por acentuar a especi- (icidade histórica dos diferentes «Estados», abstendo-se de tabelecer as distinções entre disciplinas que então começa- vam a ser prática corrente tanto na Grã-Bretanha como na França. A própria designação de Staatswissenschaften (ou «ciências do Estado») apontava já para a circuristância de os seus proponentes procurarem preencher aproximadamente o mesmo espaço intelectual antes ocupado pela «economia política» na Grã-Bretanha ena França, desempenhando assim, por conseguinte, a mesma função de facultar aos Estados um conhecimento úfil, pelo menos a longo prazo. Esta invenção disciplinar conheceu um florescimento acentuado, sobre- tudo na segunda metade do século XIX, vindo no entanto a su- .cumbir em face dos ataques dirigidos do exterior e de uma certa tibieza interna. Na primeira década do século XX, as ciências sociais alemãs começaram a adoptar as categorias disciplinares em vigor na Crã-Bretanha e na França. Alguns dos principais vultos das Staatswissenschaften, como Max Weber, encabeçaram a fundação da Sociedade Alemã de So- íología. Por altura da década de 20, a palavra Sozialswissen- hafien (<<ciências sociais») havia substituído a designação taa tswissenschaften. ,.w~empo que a eCQnmnia -nomotética e voltada .,6 PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS para o presente - se incrustava firmemente como discipliTl~ dentro das universidades, assistia-se à invenção de uma ou------------._~ __ .. .. ~. tr~~~~_<:~p!!l"!atotalmente nova: a sociologia. Para o seu inven- tor, Comte, a sociologia haveri~'aeser-a~~i~ha das ciências, uma ciência social integrada e unificada e caracterizada pelo «positivismo» (outro nelogismo criado por Comte). Na práti- ca, porém, a soci~}_~~~aen_q~~~!~,i~~i_pl~_~9~~~J:!Y-?~ve~~~~e no decurso da segunda metade do século' XIX principalmente a partir dainstitucionalização e da transformação,dentro das t.mi~~~~!~~i~~~ªQ_!~~§~!li()~!:~alizado pelas associa~6;;--p~;;_ a reform~ da s0S:~~<:l:~_c!~,_5=ujoprograma de acção se tinha ocupado primordialmente do mal-estar e dos desequilíbrios vividos pelo número imparável da população operária ur- bana. Ao levarem o seu trabalho para um ambiente univer- sitário, estes defensores das reformas sociais acabaram, em grande medida, por abdicar da sua militância activa em prol de medidas legislativas imediatas. No entanto, a sociologia manteve sempre a sua preocupação com a gente comum e com as consequências sociais 'da modernidade. Em parte para consumar o corte com essas suasorigens filiadas nas or- ganizações para a reforma social, os sociólogos começaram a cultivar o impulso positivista que, juntamente com a sua dis- posição para o estudo do presente, os empurrou, também a eles, para o campo nomotético. A ciê2:.ciapolítica enquanto disciplina viria a ê!![gi~p~ mais tarde' __llão porque o respectivo conteúdo - o Estado contemporâneo e a sua componente política - se prestas menos à análise nomotética, mas antes de mais devid. r~sistência oferecida pelas faculdades de Direito_.guant ceder o monopólio que detinham nesta área. A resistência 37 ~ COMISSÃO GULBENKIAN esta matéria por parte das faculdades de Direito pode ex- plicar a importância atribuída pelos cientistas políticos ao es- tudo da filosofia política - por vezes sob a designação de teoria política -, pelo menos até à revolução behaviorista do período posterior a 1945. A filosofia política permitiu que essa nova disciplina que era a ciência política reivindicasse como sua uma herança que já vinha dos gregos, detendo-se na leitura de autores desde há muito com lugar firmado nos currículos universitários. Mesmo assim, a filosofia política não chegava para justi- ficar a criação de uma nova disciplina; em verdade, bem po- dia continuar a ser estudada no interior dos departamentos de Filosofia, como de resto veio a suceder. Enquanto discipli- na à parte, a ciência política iria cumprir um outro objectivo; o de legitimar a economia como--&ciplina autónoma. A-----_._-_.--------_._---_~_---_._ ...-~.~_.•.- .._--_._-._ ...~~-... .,- economia política fora rejeitada como matéria de estudo com o argumento de que oEstado e omercado fLmcionavam,e de- viam funcionar, através de lógicas distintas. Tal facto exigia logicamente, como garantia, o estabelecimento a longo prazo de um estudo científico autónomo da esfera política. Desde o momento em que a história, a economia, a socio- logia e a ciência política se tornaram disciplinas universitá- rias no século XIX (e de facto até 1945), o quarteto por elas constituído não só se limitou a ser praticado nos cinco países em que elas tiveram, colectivamente, origem, como se dedi- cou, em grande medida, a descrever a realidade social desses mesmos países. Não se pode dizer que as universidades dos cinco países em causa ignorassem o resto do mundo. O que sucedia é que nelas esse estudo era segregado para disci- plinas diferentes. 1/-1 PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS A criação do moderno sistema-mundo implicou o encon- tro - e, as mais das vezes, a conquista -, pelos europeus, dos povos do resto do mundo. Em termos da experiência euro- peia e das suas categorias, esses encontros foram o deparar com dois tipos bastante diferentes de povos e de estruturas sociais. Havia os povos que viviam em grupos relativamente pequenos, sem um sistema de registos escritos, desinseridos . de' qualquer sistema religioso geograficamente amplo, e mi- litarmente débeis em relação à tecnologia europeia. Recor- reu-se então a diversos termos genéricos para designar tais povos: em Inglês, eram normalmente apelidados de «tribos». Noutras línguas, receberam o nome de «raças» (muito em- bora posteriormente esta designação caísse em desuso, por causa da confusão com o uso da palavra «raça- com referên- cia a agrupamentos bastante mais vastos de seres humanos feita na base da cor da pele e de outros atributos biológicos). O estudo destes povos passou a ser domínio de uma nova disciplina chamada antropologia. Tal como a sociologia ti- nha, em grande medida, começado por ser uma actividade das organizações para a reforma da sociedade levada a cabo fora das universidades, assim também a antropologia come- çou sobretudo fora das paredes da instituição universitária, e antes de mais como uma prática de exploradores, viajantes e funcionários dos serviços coloniais das potências euro- peias; e a exemplo ainda da sociologia, viria a ser mais tarde institucionalizada como disciplina universitária, embora se- gregada das demais ciênciassociais dedica das ao estudo do mundo ocidental. Não obstante alguns dos primeiros antropólogos terem sido atraídos pela ideia de uma história natural da humaní- 39 ( f, r ~l, COMISSÃO GULBENKIAN dade de contornos 1.111Iv(~rflniH (eOI\\ {)to} [1()\11-1H\.lpo8t08 estádios de desenvolvirncnto), 1.111IrH'Hnln manelrn que os prirneiros til'l.l'\oli"l141do ntl'C\fdoA pela história universal, as '1\IMl pelo mundo exterior acabaram por s a tornar-se etnógrafos deste ou da- n.ormalmente por objecto de estudo os rrtrav arri nas colónias internas ou externas respectivos países. Daí resultou, como consequência quase inevitável, a adopção de uma metodologia muito espe- cífica, construída em torno do trabalho de campo (respon- dendo assim à exigência do ethos científico da investigação empírica) e da observação participante numa área deter- minada (em resposta à exigência de se atingir um conheci- mento aprofundado sobre a cultura em estudo, tão difícil de conseguir nos casos em que a cultura se apresenta como muito estranha para o cientista). A observação participante ameaçou desde sempre violar o ideal da neutralidade científica. Outra ameaça no mesmo sentido era a que advinha da tentação sentida pelo antropó- logo (à semelhança do missionário) de se transformar num mediador entre o povo que estudava e o mundo dos conquis- tadores europeus, principalmente devido ao facto de aquele tender a ser um cidadão da potência colonizadora do povo a estudar (como seja o caso dos antropólogos ingleses na África Oriental e Meridional, dos antropólogos franceses na África idental, ou dos antropólogos italianos na Líbia, ou dos an- tropólogos dos Estados Unidos que se dedicaram ao estudo ia ilha de Guam e dos índios americanos). O enraizamento antropólogos nas estruturas da universidade foi o factor 40 " 'PARA ABRil? AS ClCNCII\S socuis que mais pesou para que estes mantivessem a prática da et- nografia dentro das premissas normativas da ciência. Acresce que a busca pelo estado primitivo das culturas (por um estado de «pré-contacto») empurrou os etnógrafos para uma crença na ideia de que estariam a lidar - para usar a penetrante expressão de Eric Wolf - com «povos sem his- tória». Isso poderá ter feito com que assumissem uma posição . nomotética e debruçada sobre o presente.isemelhante à dos economistas. e a verdade é que a seguir a 1945 a antropologia estrutural viria, efectivarnerite, a conhecer uma evolução desse tipo. Mas de início foi dada prioridade à necessidade de justificar o estudo da diferença, bem como de defender a legi- timidade moral de não se ser europeu. E por isso, seguindo a mesma lógica dos primeiros historiadores, os antropólogos resistiram à exigência de formular leis, dedicando-se, na sua maioria, à prática de uma epistemologia idiográfica. Mas nem todos os povos não europeus se prestavam a ser classificados como «tribos». Desde há muito que os europeus mantinham contados com outras civilizações ditas «avança- das», como fossem o mundo islâmico-árabe e a China. Essas regiões eram consideradas como correspondendo a «civili- zações avançadas» precisamente porque tinham escrita, porque dispunham de sistemas religiosos que cobriam um vasto espaço geográfico, e porque politicamente se encon- travam organizadas (pelo menos por períodos de tempo alargados) sob a forma de grandes impérios burocráticos. O estudo dessas civilizações por parte dos europeus começara com os clérigos medievais. Entre o século XIII e o século XVUl a sua capacidade militar revelar-se-ia ainda suficientement forte para opor resistência às tentativas de conquista por 41 COMISSÃO GULBENKIAN parte dos europeus, sendo por isso olhadas com respeito e, por vezes, com admiração e até mesmo com uma certa estu- pefacção e assombro. No séculoXIX, contudo, e em consequência dos novos pro-gressos tecnológicos europeus, estas «civilizações» foram transformadas em colónias - ou pelomenos semicolónias - da Europa. Os estudos orientais, que tiveram as suas origens no interior da Igreja e que inicialmente tiveram por justifica- ção ser um auxiliar da evangelização, passaram a ser uma prática de carácter mais secular, acabando finalmente por encontrar o seu lugar no quadro evolutivo das estruturas disciplinares das universidades. Emverdade, a instituciona- lização dos estudos orientais foi precedida pela do antigo mundo mediterrânico, ou seja, pelo estudo da Antiguidade da própria Europa, vulgarmente chamado «cultura clássi- ca». Tratava-se também de um estudo de uma civilização di- ferente da da Europa moderna, no entanto a abordagem era diferente da que era utilizada nos estudos orientais. Assim, o que esse estudo versava era a história dos povos que eram definidos como sendo os antepassados da Europa moderna, em contraste, por exemplo, com o estudo do Antigo Egipto ou da Mesopotâmia. Explicava-se a civilização da Antigui- dade como tendo sido a fase inicial de um desenvolvimento histórico uno e contínuo, que teria culminado com a moder- na civilização «ocidental». Ela faria, assim, parte de uma sa- ga única: primeiro a Antiguidade; depois, com as conquistas dos bárbaros, a continuidade assegurada pela Igreja; a seguir, com o Renascimento, a reincorporação da herança greco-ro- mana; e por fim a criação do mundo moderno. Neste sentido, a Antiguidade não possuiria uma história autónoma, consti- ./ . PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS ,ti tuindo antes, de facto, como que o prólogo da modernidade. Emcontraste - mas seguindo a mesma lógica -, as demais «civilizações» também não possuiriam uma história autó- noma; a história que delas se contava resumia-se a um conjunto de histórias paradas no tempo, desprovidas de pro- gressão e desse desembocar culminante na modernidade. O estudo da cultura clássica revestia-se de um carácter es- sencialmente literário, apesar de claramente coincidir com o estudo histórico da Grécia e de Roma. Ao procurarem criar uma disciplina distinta da filosofia (e da teologia), os classi- cistas definiram o objecto do seu estudo como sendo uma mistura formada por todos os tipos de literatura (e não ape- nas a que era reconhecida pelos filósofos), pelas artes (bem como pela arqueologia, sua nova associada), e pela história possível de fazer, dentro dos parâmetros da nova história (o que não seria muito, dada a escassez de recursos primários). Essa mistura fazia com que, na prática, a cultura clássica se aproximasse daquelas disciplinas - então também em vias de surgimento - que se debruçavam sobre as literaturas nacionais de cada um dos principais Estados da Europa Oci- dental. Marcado, assim, por este seu pendor literário, o estudo da cultura clássica preparou o terreno para as muitas variada- des de estudos orientais que começaram a dar entrada nos currículos universitários. No entanto, osOrientalistas, dadas as suas premissas, adoptaram uma prática muito própria. O interesse não estaria, como no caso da história europeia, em reconstruir as sequências diacrónicas, visto que se partia do princípio de que a história em causa era desprovida de progressão. O que interessava, isso sim, era chegar a uma 43 • . . . , , , ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ I,·", COMISSÃO GULBENKIAN ão corrccta do conjunto de va- rigclT\, de civilizações que, "nçn<.lns», oram vistas como sendo ), dlzin-se. s6 podia ser conseguida rnlnuciosa dos textos que eram a ria; e isso exigia capacidades (' ri íológtcas semelhantes às que haviam tradicio- rtílízadas pelos monges no estudo dos textos 'l'ií1lrlml. Neste sentido, os estudos orientais ofereceram total rcslstência à modernidade, mantendo-se, de um modo geral, m do ethos científico. Os Orientalistas viram nas iências sociais ainda menos vantagens do que' os historia- dores. Por isso se furtaram escrupulosamente a qualquer contacto com elas, preferindo considerar-se integrados nas . «humanidades», Mesmo assim, preencheram um importan- te nicho nas ciências sociais, dado que durante muito tempo os estudiosos do Oriente foram praticamente os únicos que na universidade se dedicaram à investigação das realidades sociais relativas à China, à Índia ou à Pérsia. É certo que, para além deles, existiram alguns cientistas sociais interessados em comparar as civilizações do Oriente com as do Ocidente (como foi o caso de Weber, Toynbee e - embora de forma menos sistemática - Marx). Mas estes comparativistas, ao contrário dos estudiosos do Oriente, não se mostravam inte- ressados nas civilizações orientais em si mesmas. Ao invés, a .sua principal preocupação intelectual foi sempre explicar a. razão por que foi o mundo ocidental, e não estas civilizações, quem caminhou no sentido da modernidade (ou do capita- lismo). Impõe-se dizer também uma palavra com respeito a três compreensão e a uma avalia lores e de prá ticas que est nsidcrndns dll'IlV 44 '{~' .1:-~lu.t~ PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS campos que nuncalugraranLs.er.-CQillFwnenj:es bª~!lar~ das ... ciências s~iais..:.~g~º~§.jia.!.~ E~<:...()~?g:i.~.~o .~ireito. A geogra- fia, tal como a história, correspondia a uma prática já antiga. N os finais do século XIX ela procedeu à sua própria reconstru- ção como disciplina nova, sobretudo nas universidades ale- mãs, que assim serviram de inspiração à evolução verificada noutras paragens. Apesar de partilhar com as ciências sociais ~s suas grandes preocupações, a geografia resistiu à categori- zação. Procurou fazer a ponte com as ciências naturais pela via da atenção à geografia física e com as humanidades pela via da atenção à chamada geografia humana (desempe- nhando um trabalho de algum modo semelhante ao dos an- . tropólogos, se bem que com uma ênfase nas influências exer-. cidas pelo meio). Além disso, durante o período anterior a 1945 a geografia foi a única disciplina que se esforçou de forma consciente por ter uma prática verdadeiramente mundial quanto ao seu objecto de estudo. Essa foi a sua vir- tude, e porventura também a sua perdição. À medida que, nos finais do século XIX, o estudo da realidade social se foi compartimentando em disciplinas distintas, de acordo com uma nítida divisão do trabalho, a geografia tornou -se anacró- nica devido ao seu pendor generalista, sintetizante, e não analítico. Talvez em resultado desse facto, a geografia manter-se-ia, durante todo o período em causa, uma espécie de parent pobre tanto em número como em prestígio, servindo fre- quentemente como mero acólito da história. Em consequên- cia, o tratamento do espaço e dos lugares nas ciências socí foi relativamente negligenciado. A tónica posta no pr e as políticas para a organização das transformaç fizeram com que a dimensão temporal da existên 45 ': ~ COMISSÃO GULBENKIAN adquirisse uma importância de primeiro plano, mas deixa- ram a dimensão espacial no limbo da indefinição. Se os pro- cessos eram universais e subordinados a um determinismo, o espaço era teoricamente irrelevante. Se eram praticamente únicos e irrepetíveis, então o espaço não passava de um mero aspecto (e um aspecto menor) daquilo que era específico. Segundo a primeira perspectiva, o espaço era encarado simplesmente como uma plataforma em que ocorriam aconte- cimentos ou se desenrolavam processos - um espaço es- sencialmente inerte e como que volátil. De acordo com a segunda perspectiva, o espaço passava a ser um contexto que exercia uma determinada influência sobre os acontecimentos (fosse na história idiográfica, nas relações internacionais de cariz realista, nos «efeitos de vizinhança», e até mesmo nas externalidades e nos processos de aglomeração marshal- liana). Na sua maior parte, porém, esses efeitos contextuais eram vistos como simples influências - aspectos residuais a ter em conta para se obter melhoresresultados empíricos, mas não essenciais para a análise. Apesar disso, na prática as ciências sociais baseavam-se numa visão específica - ainda que não assumida - da espa- cialidade. O conjunto de estruturas espaciais que; no pressu- posto dos cientistas sociais, presidiam à organização da vida das pessoas eram os territórios soberanos que colectiva- mente definiam o mapa político mundial. Na sua grande maioria, os cientistas sociais tinham como assente a ideia de que estas fronteiras políticas fixavam os parâmetros es- paciais de outras interacções fundamentais: a sociedade do sociólogo, a economia nacional do macroeconomista, O sis- tema político do cientista político, a nação do historiador. 46 '. PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS Cada um deles partiu do pressuposto de que os processos políticos, sociais e económicos estavam ligados por uma congruência espacial fundamental. Neste sentido, as ciências sociais terão sido um produto mais ou menos directo dos Es- tados, cujas fronteiras elas encararam como sendo factores cruciais de confinamento social. A psicologia foi um caso diferente. Também aqui a disci- plina cindiu da filosofia, buscando reconstituir-se de acordo com a nova forma científica. Contudo, a sua prática passou a ser definida como residindo, não no terreno social, mas prin- cipalmente no terreno médico, e em resultado desse facto a sua legitimidade passou a estar dependente do grau de pro- ximidade da sua associação com as ciências naturais. Acresce que os positivistas, partilhando da premissa de Comte (<<o olho não se pode ver a si próprio»), empurraram a psicologia nesta direcção. Para muitos, a única psicologia cientifica- mente legítima teria de possuir uma natureza fisiológica e até mesmo química. Daí que procurassem que a psicologia fosse «para além» das ciências sociais, por forma a transformar-se numa ciência «biológica», e daí também que, em consequên- cia desse facto, na maior parte das universidades a psicologia acabasse por se mudar das faculdades de ciências sociais para as de ciências naturais. Havia na psicologia, evidentemente, modalidades teó- ricas que punham a tónica na análise do indivíduo visto em sociedade. Esses estudiosos, que se dedicavam à chamada psicologia social, tentaram de facto permanecer no campo das ciências sociais. Mas a psicologia social, na maior parte dos casos, não conseguiu estabelecer urna autonomia institu- cional completa, sofrendo por parte da psicologia o mesmo 47 ,l,~ -, - COMISSÃO GULBENKIAN tipo demarginalização que a história econômica havia so- frido por parte da econorn ia. Em muitos casos, ela sobreviveu por absorção, continuando a existir mas só como subdisci- plina da sociologia. É verdade que existiam várias espécies psicologia não positivista, como por exemplo a psicologia lstesioissenschofiliche (de Windelbrand) ou o gestaltismo. A ria freudiana - a mais forte emais influente teorização da psicologia, e por isso mesmo aquela que se apresentava mais apaz de fazer com que esta se autodefinisse como ciência so- cial- não o fez, e isso por duas razões. Em primeiro lugar, porque saiu da prática da medicina; e, em segundo lugar, porque o ambiente de escândalo que inicialmente a envolveu tornou-a uma espécie de actividade pária, o que Ievou os psi- canalistas a criar estruturas de reprodução institucional to- talmente fora do sistema universitário. Essa circunstância poderá ter ajudado a preservar a psicanálise enquanto prá- tica e enquanto escola de pensamento, mas por outro lado teve como resultado que dentro da universidade os conceitos freudianos encontraram abrigo em departamentos que não os de psicologia. Um terceiro campo que nunca chegou a atingir o estatuto de ciência social foi o dos estudos jurídicos. Diga-se que já existia a faculdade de Direito, cujo currículo se achava es- treitamente ligado à sua função primeira, que era a de formar advogados. Os cientistas sociais de vocação nomotética en- ravam a «jurisprudência», ou a filosofia do direito, com pticismo. Aos seus olhos, ela parecia-lhes demasiado nor- mativa e insuficientemente enraizada na pesquisa empírica. As suas leis não eram leis científicas. O seu contexto afigura- va-se demasiado idiográfico. A ciência política desistiu de 48 , . I hl~_, PARA ABRIR AS otNCIAS SuelAIS analisar essas leis e a sua história para se dedicar à análise das regras abstractas que presidiam aos comportamentos polí- ticos, a partir das quais se haveria de tornar possível extrair sistemas jurídicos apropriadamente racionais. Há um último aspecto da institucionalização das ciências sociais que é importante referir. Todo esse processo teve lugar ao mesmo tempo ,que a Europa finalmente confirmava o seu donúnio sobre o resto do mundo. E daí a pergunta ób- via: por que razão é que esta pequena porção do mundo foi capaz de derrotar todos os rivais e de impor a sua vontade às Américas, à África e à Ásia? Tratava-se, de facto, de uma per- gunta de magna importância, e a maior parte das respostas avançadas situaram-se, não ao nível dos Estados soberanos, mas sim ao nível da comparação de «civilizações» (facto para que já acima chamámos aaterição). A Europa, na acepção de civilização «ocidental» - e não apenas a Grã-Bretanha, a França ou a Alemanha, independentemente da dimensão dos respectivos impérios - fora quem havia patenteado um poderio militar mais forte e mais eficaz. Esta preocupação com omodo como a Europa se tinha expandido até dominar omundo coincidiu com a transição intelectual darwiniana. A secularização do conhecimento promovida pelo Iluminismo foi confirmada pela teoria evolucionista, e as teses de Darwin alastraram muito para além das suas origens biológicas. Embora a metodologia das ciências sociais fosse dominad pelo paradigma da física newtoniana, a biologia darwiniann teve uma influência bastante grande nas teorias do social graças a essa metaconstrução irresistivelmente apelativa q1.1 dava pelo nome de evolução, com a Sua enorme ênf conceito de sobrevivência do mais apto. DiversOS_4 49 COMISSÃO GULBENKIAN o conceito de sobrevivência do mais apto foi sujeito a muitos usos e abusos, e frequentemente confundido com o conceito de obtenção de êxito por via da competição. Assis- tiu-se, assim, à utilização de interpretações demasiado livres da teoria da evolução para dar legitimidade científica ao pressuposto de que o progresso culmi~ava nessa auto-evi- dência que era a superioridade da sociedade europeia contemporânea: vejam-se, por exemplo, as teorias dos es- tádios do desenvolvimento da sociedade até se atin.gir a ci- vilização industrial, as interpretações liberais (<<Whig») da história, o determinismo climatérico, ou ainda a sociologia spenceriana. No entanto, estes primeiros estudos comparati- vos das civilizações não se centravam tanto no Estado como o que sucederia com as ciências sociais quando já perfeita- mente instaladas e institucionalizadas. Eles foram, por isso, vítimas do impacto das duas guerras mundiais, que conjun- tamente contribuíram para minar o optimismo liberal em que assentavam as teorias progressivas das civilizações. Daí que no século xx a história, a antropologia e a geografia aca- bassem finalmente por marginalizar completamente o que restava das suas antigas tradições universalizantes, e que a trindade formada pela sociologia, pela economia e pela ciên- cia política, com a sua ênfase no Estado, consolidasse a res- pectiva posição como cerne (nomotético) das ciências sociais. En~850 e 1945 houve, então, uma série de dísciplinas que passaram ;S;r definidas como fazendo parte de uma área do conhecimento a que foi dado o nome de ~s ~ociais». Isso foi feito através da criação, nas principais uni- v~r:s~ª~des, primeiramente, de cátedras, e, a seguir, de de- partamentos que ofereciam cursos conducentes à obtenção () I l r l " PARA ABRIRAS CIÊNCIAS SOCIAIS de graus nessa disciplina. A institucionalização da formação foi acompanhada pela institucionalização da investigação: veja-se a criação de revistas esp~9~J~_zaç!asem cada uma das-----_._-------- ----~_._._--------:-._-.- discip~!~!:s.; a constituiçã?_c!~_a~~.<?s.i5!çº.~~U;-I~..i.~E~§'_!~g.~9()E~_S._ P?~.9:isciP.u.lléj$ (primeiro, de âmbito nacional, depois, de âri:lbito internacional); ou a catalogação das colecções das bibliotecas também de acordo comas diferentes áreas disci- plinares. Elemento essencial neste processo de institucionalização das disciplinas foi o esforço feito por cada uma delas no sentido de definir aquilo que a distinguia das demais, e em particular o que a diferenciava das que lhe pareciam estar, quanto ao conteúdo, mais próximas no estudo das realidades sociais. Os historiadores, a começar por Ranke, Niebuhr e Droysen, afirmaram ter uma relação privilegiada com um tipo especial de materiais, com destaque para as fontes con- tidas em arquivos e textos afins. Esses mesmos historiadores sublinharam estar interessados na reconstrução da realidade do passado, para o que se propuseram relacioná-Ia com as necessidades culturais do presente. E fizeram-no seguindo a via interpretativa e hermenêutica e insistindo em estudar os fenómenos - mesmo os mais complexos, como as culturas e as nações na sua globalidade - enquanto entidades indivi- dualizadas e enquanto momentos (ou partes) de contextos diacrónicos e sincrónicos. Os antropólogos procederam à reconstrução de modos de organização social muito diversos das formas que caracte- rizavam os povos do Ocidente. Com o seu trabalho, demons- traram que certos costumes que se afiguravam estranhos aos olhos dos ocidentais não eram, de facto,irracionais, funcio- 5/ ('liN/ISSAO 1I/11111':NiI"/IN IllllHln [llllt'H \'OIl\O !nt;(ul' dv pr<':HC'I'VólÇi:'íO e reprodução das ( )I'\{ 'I) InI iHln!' <.:Bludaran.1., explicaram e tradu- k civ i Iizações não ocidentais «avançadas» e ra a legitimação do conceito de «re- que constituiu um verdadeiro corte '(1)\ lIH perspectivas de tipo cristocêntrico. 1\ mOI ior parte das ciências nomotéticas privilegiaram an- teRele mais aquilo que as disting1..11a'da·aXsClplínada história: interesse em chegar às leis gerais que supostamente rege1u.~ ....• .•... 'N_'~ •. __."_0' o cOluportamento humano; a prontidão em detectar guais os .- - ~_ _-----_ .._-_.----_ .. fen?.E.1-~~_e~.!~~~::...<:.om<?.,~~~os(enão como entidades indi- vidualizadas); a neces1?id~i~ d~e~m~~!~! a realidade hu- mana para poder arialiaá-Ia: a possibilic!.~dee a vantagem de rec~~re~~ métodos eStrit~~ente científicos (como seja a for- _ .._---_._----. -' mulação d_~,.~~pjte~..::~-teó!i~~~a-testar posteriormente em confronto com as provas disponíveis e através de procedi- mentos rigorosos e, se possível, quantitativos); a opção por provas produzidas de forma sistemática (como por exemplo-_ .._---_ ..-----_ ..__ ._-_._- dado~Qbtiº'º§.....ªtravé.§_deing~~_~~~~porquestionário) e pe~ bst:rva.ç~ºçQ:Il._trqtªçt,ª(de preferência a textos preexistentes a outros elementos residuais. ma vez estabelecida, assim, a separação entre as ciências a história idiográfica, os cientistas sociais de orien- motétíca -- economistas, cientistas políticos e soció- trararn-se. eles também, ansiosos por demarcar tívos territórios relativamente aos restantes, vin- diferenças que se lhes afiguravam essenciais (tanto mo nas metodologias). Os economistas fize- rnrn-no através da insistência na validade do pressuposto de 52 ~'. PARA ABRIR AS CIÊNCIAS SOCIAIS que, ceteris paribus, se impunha estudar as'operações do mer- cado. Quanto aos cientistas políticos, fizeram-no limitando a sua investigação às estruturas governamentais formais. E os sociólogos fizeram-no por via da insistência numa proble- mática social emergente, descurada tanto pelos economistas como pelos cientistas políticos. Pode afirmar-se que tudo isto se traduziu, em ampla medida, numa história de sucesso. O estabelecimento das es- truturas disciplinares gerou estruturas de investigação, de análise e de formação que não apenas se revelaram produ- tivas e viáveis, como também deram origem à considerável bibliografia que hoje consideramos ser legado das ciências sociais contemporâneas. Por volta de 1945,a panóplia de dis- ciplinas compreendidas pelas ciências sociais encontrava-se praticamente institucionalizada na maioria das universida- des de todo o mundo. Nos países fascistas e comunistas verificara-se uma resistência a estas classificações (e até mesmo a sua recusa). Com o fim da IIGuerra Mundial, as ins- tituições alemãs e italianas passaram a alinhar inteiramente por aquilo que já era o padrão geralmente aceite, o que no caso dos países do bloco soviético viria a suceder nos finais da década de 50.Além disso, ainda por volta de 1945,as ciên- cias sociais distinguiam-se claramente, por um lado, das ciências naturais - que estudavam os sistemas não hu- manos -, e, por outro lado, das humanidades - que toma- vam para seu objecto de estudo a produção cultural, mental e espiritual das sociedades humanas «civilizadas». Todavia, no preciso momento em que, pela primeira vez, as estruturas institucionais das ciências sociai ./ COMISSÃO GULBENKIAN finalmente montadas e claramente definidas, as práticas dos cientistas sociais iriam começar a mudar após a II Guerra Mundial. Tal circunstância iria criar um fosso cada vez mais fundo entre, de um lado, as práticas e as posições intelectuais dos cientistas sociais, e, de outro lado, a organização formal das ciências sociais. ~·I T. '···~·,·1..•.•.. ~ ; 1.:;': _ • !-, .: • .s Ó: . "". . Após 1945,três desenvolvimentos vieram afectar profun- damente a estrutura das ciências sociais montada ao longo dos cem anos precedentes. O primeiro foi a mudança verifi- . cada na estrutura política mundial. Os Estados Unidos emer- giram da IIGuerra Mundial dotados de um poder económico esmagador, num mundo que, do ponto de vista político, era agora definido por duas novas realidades geopolíticas: a II OS GRANDES DEBATES NO INTERIOR DAS CIÊNCIAS SOCIAIS, DE 1945 ATÉ AO PRESENTE As disciplinas constituem um sistema de con- trolo da prod ução do discurso, fixando-lhe os limites através da acção de uma identidade que assume a forma de uma permanente reactivação das normas. MICHEL FOUCAULT7 7Michel Foucault, TireArchaeologu of Knotoledge and the Discourse 071 Lan- gllage (Nova Iorque: Pantheon, 1972),p. 224. 55
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