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FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO PROFESSORES Dr. Tiago Valenciano Me. Gilson Costa de Aguiar ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2265 EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. VALENCIANO, Tiago; AGUIAR, Gilson Costa de. Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação. Tiago Valenciano; Gilson Costa de Aguiar. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. 144 p. “Graduação - EaD”. 1. Fundamentos 2. Sociológicos 3. Antropológicos. EaD. I. Título. FICHA CATALOGRÁFICA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador(a) de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Juliana Duenha Design Educacional Amanda Peçanha dos Santos Revisão Textual Juliana Basichetti Martins Cintia Prezoto Ferreira Ilustração Bruno Pardinho Fotos Shutterstock CDD - 22 ed. 306 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-85-459-0954-5 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão de Projetos Especiais Yasminn Zagonel NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi DIREÇÃO UNICESUMAR BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra- balhamos com princípios éticos e profissiona- lismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- versão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- sional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenasde cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, pro- duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe- cidos pelo MEC como uma instituição de exce- lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educa- cionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as neces- sidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromis- so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ati- vas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa mis- são, que é promover a educação de qua- lidade nas diferentes áreas do conheci- mento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A Professor Dr. Tiago Valenciano Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2016). Mestrado em Ciências Sociais pela mesma instituição (2011). Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (2008). Atua como professor universitário e é empresário. Possui livros publicados sobre política local e nacional. http://lattes.cnpq.br/1936893341910908 Professor Me. Gilson Costa de Aguiar Mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes- quita Filho (1999). Graduação em História pela Universidade Estadual de Marin- gá (1991). Atualmente é professor titular do Centro Universitário de Maringá e do Ensino a Distância da UniCesumar. Atua nas áreas de Teoria das Ciências Sociais, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação e História da Educação. Possui livros publicados nas Áreas de Sociologia, Antropologia, Filosofia e História da Educação. Atua como jornalista na rede CBN de rádio. É âncora e colunista na CBN Maringá e Gazeta Maringá. http://lattes.cnpq.br/3020130108890878 A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Caro(a) aluno(a), este livro didático da disciplina “Fundamentos Sociológicos e Antropoló- gicos da Educação” tem por objetivo geral fornecer subsídios para responder à seguinte questão: qual é o papel e a importância de estudarmos a Sociologia e Antropologia em um curso de licenciatura. Tal pergunta surge como uma espécie de guia que irá balizar os temas e conteúdos aqui apresentados. Mais do que fazer uma defesa da relevância desses conhecimentos, o livro pretende aguçar a sua consciência crítica, dialogando com questões fundamentais para a compreensão do convívio do homem em sociedade e na sociedade, além das interfaces assumidas pelo sujeito em relação à cultura e ao comportamento em nosso meio social. Imagine que em uma rua, ao ser visualizada pela televisão, existem várias pessoas cami- nhando. Ao observarmos atentamente, cada uma tem uma expressão facial diferente: algumas estão serenas, outras preocupadas, outras sorrindo. Os pensamentos também são os mais diversos: o retorno do trabalho para casa, a ida até a universidade, o cuidado com os filhos quando chegar em casa e o encontro marcado com seu amor. Observe que os indivíduos possuem suas particularidades e peculiaridades. Quando essas características individuais são confrontadas com ideias distintas (que não são as nossas), normalmente há um embate de argumentos. É assim que começa a disputa pelas posições sociais existentes em nossa sociedade. Neste exercício de visualização das disputas em sociedade, é possível refletir como cada indivíduo possui um papel diferente, uma importância distinta em nossa sociedade. De- ve-se atentar também para o fato de que esse universo social exige que esses papéis sejam cumpridos. Dessa forma, na falta daquele que exerce determinada função social, esta ficará desprovida. Além das disputas individuais em sociedade, os embates pela aceitação da sociedade de cada indivíduo também é intensa. A partir dessa “disputa” entre a visão do homem e seu comportamento em sociedade é que surgiram duas áreas de conhecimento que serão exploradas neste livro: a Sociologia e a Antropologia. Como pano de fundo — e com importância relevante —, a educação é o primeiro cenário em que aprimoramos nosso convívio social, aprendendo cotidianamente como dividir os espaços, respeitar os direitos e constituir nosso papel de cidadania. Na escola, desde os anos iniciais, compreendemos a importância e os entraves da vida em sociedade, conhe- cendo, às vezes a duras penas, que nossas vontades nem sempre serão aceitas. Por outro lado, a gratificante construção de um trabalho em grupo nos faz crer que a vida em/na sociedade ainda é a melhor saída para somar nossos esforços, subtrair as dificuldades, dividir os problemas e multiplicar o sucesso do trabalho em grupo. D A D I S C I P L I N AA P R E S E N TA Ç Ã O Neste panorama, a Unidade I abordará o processo histórico de formação da Sociologia enquanto disciplina, sendo as revoluções Industrial e Francesa as principais alterações sociais que contribuíram para a reflexão sobrea necessidade dessa área de conhecimento. Faremos, ainda, um exercício similar com a Antropologia, demonstrando como a análise do homem e da sua relação cultural constitui os aspectos de nossa sociedade. Por fim, faremos uma breve defesa desses saberes na formação docente. As Unidades II e III contemplarão uma viagem pela Sociologia e sua história. Os chamados “autores clássicos” terão suas ideias apresentadas e analisadas, como Auguste Comte, Émi- le Durkheim, Max Weber e Karl Marx. O balanço dessa miscelânea de propostas é a viagem pela Sociologia, passando pela barreira da modernidade e atingindo a pós-modernidade. Na Unidade IV, vamos discutir se os clássicos da Sociologia ainda têm peso na atualidade, além de abordar um interessante autor, que é quase uma unanimidade na pauta dos assuntos da Sociologia e da Educação: Pierre Bourdieu. Ainda nesta unidade, articulare- mos os conhecimentos apresentados até então, com o objetivo de responder à seguinte questão: qual é a relação, afinal, entre a Sociologia, a Antropologia e a Educação? Nossa ênfase partirá do diálogo entre o homem, a sociedade, a ciência e a educação, analisando como essas áreas conversam e compartilham o conhecimento. Por fim, a Unidade V tratará da importância da crítica no universo do conhecimento, que perpassa, sob nosso olhar, a intervenção causada pela globalização e pela modernidade no novo estilo de “fazer educação”, isto é, das novas formas de transmitir o conhecimento e formar o senso crítico do cidadão. Essa crítica é papel fundamental da Sociologia e da Antropologia, que auxiliam no conhecimento de nossa sociedade e das interações sociais estabelecidas, o que poderá determinar a presença do homem em/na sociedade da ma- neira que visualizamos na atualidade. Essa viagem tem como o objetivo abrir as portas para a inserção da Sociologia e da Antro- pologia aplicadas à Educação em sua vida acadêmica. Que este livro traga uma contribui- ção para sua formação e que desperte o interesse pelos temas relacionados. Ele foi feito para ser o início de uma jornada de pesquisa da análise da vida social (e não uma resposta definitiva). Esperamos que ele fomente a capacidade de aprimorar a crítica social, que está carente de novas perspectivas. Boa leitura! ÍCONES Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele- mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conceituando No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. quadro-resumo Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. explorando Ideias Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! pensando juntos Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno- logia a seu favor. conecte-se Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store 1 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 05 UNIDADE 04 FECHAMENTO SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO NOSSA SOCIEDADE 9 SOCIOLOGIA CLÁSSICA I 36 65 SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 91 DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 115 SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA NA MODERNIDADE 139 CONCLUSÃO GERAL 1 SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO nossa sociedade PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • O estudo das ciências sociais enquanto forma de conhecimento científico • O ambiente para a formação da Sociologia • O espaço de surgimento da Antropologia: o que é essa ciência?. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Conhecer o processo de formação da sociedade atual e as condições nas quais ela se desenvolveu • Estudar e analisar o processo histórico de constituição da Sociologia e da Antropologia enquanto saberes científicos • Sinalizar a importância da Sociologia e da Antropologia na formação docente. PROFESSORES Dr. Tiago Valenciano Me. Gilson Costa de Aguiar INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), você já parou para pensar sobre a quantidade de pessoas que vivem em sua cidade? Já refletiu, ainda, sobre a diferença de ideias, estilo de vida e preferências que cada uma tem? Já analisou que essas pessoas estão permanente- mente pensando em algum assunto? Essas e outras perguntas serão debatidas nesta unidade, que tem como objetivo demonstrar e analisar o processo de formação de nossa sociedade atual a partir de uma visão muito particular: a das Ciências Sociais. O enfoque partirá da importância de estudarmos a Sociologia e a Antropo- logia enquanto saberes científicos, isto é, enquanto áreas de conhecimento rele- vantes para o processo de formação e aprimoramento de cada carreira acadêmica. Veja: não pretendemos fazer uma simples defesa do conteúdo dessas áreas, mas dialogar com os demais campos do conhecimento, ressaltando a necessidade de nos conhecer primeiramente para, posteriormente, analisar a realidade do outro. Nosso itinerário inicia na constituição das Ciências Sociais enquanto forma de conhecimento científico, ou seja, como essa área é subdividida e o que ela pretende estudar. Em seguida, vamos demonstrar o ambiente que propiciou o surgimento da Sociologia, a partir das transformações sociais que ocorreram na Europa no Século XIX. Por fim, o terceiro aspecto analisa o nascimento e a relevância da Antropologia no universo acadêmico, sobretudo em uma disciplina em que o(a) futuro(a) docente irá lidar diariamente com a humanidade. Assim, nosso caminho inicia na Sociologia e na Antropologia, demonstrando o papel de cada uma na abordagem acadêmica. Portanto, pretende-se, nesta unidade, apresentar um panorama das Ciências Sociais e da formação da atual civilização ocidental, apontando soluções para a resposta da “grande” questão que envolve esses conhecimentos: afinal, o que foi, o que é e o que poderia ser nossa sociedade? U N IC ES U M A R 11 1 O ESTUDO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS enquanto forma de conhecimento científico Se utilizarmos a tática de separar o nome “Ciências Sociais”, teremos um paradoxo na construção desse conceito. A ciência é uma forma de organizar sistematicamente o co- nhecimento adquirido, ou seja, de dispor algo que aprendemos ordenadamente para que esse “novo” conhecimento possa ser facilmente entendido. É também uma forma de pensar e agir, isto é, algo que pensamos e fazemos de determinada maneira. Essa forma de analisar o que é a ciência também nos faz compreender o que ela aponta. Em geral, a palavra “ciência” tem relação com a pesquisa e com a descoberta de novos conhecimentos, que serão posteriormente utilizados em nosso cotidiano. Qual é, porém, a necessidade de haver uma Ciência Social, um conhecimento da sociedade e sobre ela? É justamente neste ponto que o paradoxo citado acontece. A sociedade é um grande corpo em movimento. Tal qual uma máquina em que cada peça é responsável por efetuar determinada função, ela possui seus vícios e virtudes, suas vantagens e desvantagens, que estão presentes invariavelmente em qualquer uma das áreas. Se, por um lado, uma área pode ser muito especializada em fabricar produtos de madeira, a outra pode ser primaz na elaboração de material em plástico. Observe que as especialidades fazem com que a sociedade seja formada e moldada de acordo com o interesse de cada ser que a integra. Nota-se, ainda, que a sociedade é dinâmica, que se inventa e reinventa a cada novo produto, nova moda, nova forma de aprendizado e de trabalho ou, ainda, a cada novo século. Por esse caráter — de permanente mudança social construída diariamente — é U N ID A D E 1 12 que o paradoxo se estabelece: ao passo que a ciência é fixa, com sua metodologia bem delimitada e que busca um “padrão”de comportamento e atitude para que se obtenha um resultado, a sociedade se move, sendo construída diariamente por todos nós. Por- tanto, fica o questionamento: como se podem tirar leis gerais a partir do conhecimento científico para a compreensão da sociedade? Esse é o desafio das Ciências Sociais desde sua gênese: explicar, a partir de mecanis- mos científicos, o comportamento da sociedade, que se move constantemente em busca de uma realidade diferente daquela que nós vivenciamos. Talvez por esse estilo peculiar é que o conteúdo aprendido seja tão abstrato e tão difícil de ser medido e tocado. Nosso esforço está em demonstrar como as ciências sociais se tornaram um importante e ne- cessário instrumento para a análise deste “mundo de maluco” em que vivemos, que clama a cada nova descoberta por uma análise apurada de nossa realidade social. Costumamos argumentar que as Ciências Sociais anseiam pelo conflito e pelo de- bate. De fato: sem os problemas entre as relações humanas seria muito difícil imaginar como o cientista social teria seu objeto de estudo, isto é, a sociedade, caracterizada pelas disputas sociais existentes. Desta forma, reafirmamos o ponto de largada da trajetória de formação dessa área: o conflito entre os seres humanos. Não tratamos aqui das brigas entre vizinhos e familiares ou as que acontecem em um jogo de futebol, mas sim as dispu- tas quase invisíveis na sociedade, que o cientista social tornará objeto de seu estudo. Isto é, os espaços de disputa política em que um grupo debate contra outro(s); a afirmação de práticas culturais e os conflitos ocasionados por essas políticas afirmativas com as demais culturas existentes; a dinâmica competitiva do mercado de trabalho e, por fim, as próprias relações sociais, palco de todos os primeiros conflitos. Observe que “conflito” é a palavra-chave para compreender as Ciências Sociais. Quais são, porém, as origens dessa área de conhecimento? Qual a relevância de estudarmos esse tipo de conteúdo no Ensino Superior? Além disso, será que as Ciências Sociais irão colaborar com a formação acadêmica? São essas as perguntas que pretendemos responder neste tópico. Nossa jornada inicia na Grécia Antiga em 500 a.C., quando a sociedade se diferen- ciava das demais por um motivo: foi a primeira vez que se tentou organizar uma cor- rente de pensamento sobre a vida humana em sociedade. Pelo desenvolvimento típico da Democracia e do contato com diferentes culturas, os gregos puderam não depender necessariamente da Igreja e do Estado — detentores do poder político, econômico e ideológico daquele período — para pensar sobre a natureza dos homens e da sociedade. Prova desse argumento são as ideias de Platão e Aristóteles sobre a melhor forma de organizar a política em sociedade, que ganharam força e vigor na Grécia Antiga e até hoje U N IC ES U M A R 13 balizam discussões sobre a política. Cada qual à sua maneira, ambos proporcionaram o pioneirismo da Grécia, que recebeu o título distintivo de “berço da civilização ocidental”, pela forma “evoluída” que sua população se comportava. Apesar dos avanços proporcionados pelos gregos, a primeira universidade só surgiu no século XII, com a consolidação dos intelectuais no mundo acadêmico após a ruptura do comando da Igreja sobre a educação. Neste hiato, as produções isoladas refletiam o comando da Igreja sobre a condição individual e social de pesquisa, o que não contribuiu para o progresso das Ciências Humanas. A instituição das universidades delimitou, de alguma forma, uma separação entre o mundo “exterior” (a sociedade em si) e o mundo “interior” (as instituições de ensino), o que levava novamente à reflexão sobre a impor- tância da discussão da vida em sociedade. Collins (2009) ratifica a relevância do surgimento das universidades para as pesqui- sas sobre as humanidades: “ Com o surgimento das universidades e especialmente em virtude da criati-vidade da faculdade filosófica, os intelectuais ganharam seu próprio “lar” e conquistaram maior clareza acerca de seus próprios propósitos. A história do pensamento humano a partir de então oscilou entre uma interação entre a comunidade intelectual e o mundo exterior e um isolamento das universidades em relação a questões práticas e ortodoxias ideológicas, bem como entre as formas como essas questões penetravam nesse ambiente, oferecendo aos intelectuais novas demandas e novos problemas (COL- LINS, 2009, p. 19). Observamos que, apesar das universidades terem surgido como espaço para a transmis- são do conhecimento, precisavam dialogar mais com a comunidade, uma crítica que permanece até os dias de hoje. O papel, portanto, das Ciências Sociais neste contexto é estabelecer a conexão entre o acadêmico e o popular, entre a erudição do conhecimento e a praticidade das pessoas, entre a teoria e a prática. Somente após o Renascimento é que as Ciências Sociais começaram a assumir seu espaço de atuação. Contudo, convém ressaltar que o período conhecido como Renas- cença (que ocorreu entre o fim do século XIV e início do XVII) teve grande relevância para compreender o campo de trabalho de um cientista social. Tal argumento se baseia nas transformações econômicas, políticas e sociais do período, com fenômenos que alteraram as estruturas da sociedade desde então. Além da valorização de elementos da Antiguidade Clássica (por isso o nome “Renascimento”), citamos a transição do modo de produção feudal para o capitalista como chave para o entendimento das cisões oca- sionadas pelo turbilhão de transformações sociais. U N ID A D E 1 14 A ruptura cultural ocasionada a partir do Renascimento e do fim da sociedade me- dieval na Europa oportunizou que o homem (pautado pelo antropocentrismo) passasse a figurar como centro das preocupações de pesquisas acadêmicas, discussões filosóficas e da sociedade em si. O foco direcionado para o homem enquanto “centro do universo” abriu espaço para o protagonismo das Ciências Sociais, que são basicamente um produto das transformações ocorridas no período entre e a Revolução Industrial e a Revolução Francesa (principalmente após esses períodos), conforme trataremos a seguir. É nesse cenário que as Ciências Sociais começaram a ganhar forma no campo de conhe- cimento das humanidades. A primeira a ganhar autonomia de atuação para a reprodução e produção do saber foi a Antropologia. A partir das descobertas de sociedades tribais na Amé- rica, na África e no Pacífico com as grandes expedições marítimas, o homem europeu passou a conhecer realidades muito distintas das que já estava acostumado no velho continente. Com tais descobertas, a explicação medieval de que a sociedade europeia era uma “operação divina” deixou de imperar, surgindo, assim, diversas teorias para explicar a evolução da sociedade e do seu relacionamento com o outro. Um processo de estra- nhamento, isto é, de olhar o outro de forma diferente para conhecer melhor a si mesmo, obteve sucesso na relação da Antropologia com as demais ciências. Paralelo a isso, a An- tropologia dialogou com a Medicina, buscando explicações biológicas para a existência de um outro não europeu. Outra vertente de atuação da Antropologia é a chamada Antropologia Cultural ou Histórica, que tem por objetivo estudar os padrões de cultura de determinados grupos sociais ou de sociedades específicas, a fim de compreender como essas comunidades estão organizadas, quais são seus costumes, sua organização interna, seu relacionamento com outras sociedades, entre outros aspectos. Após essa divisão de áreas de atuação entre o antropólogo de campo (que trabalhava em conjunto com pesquisas na seara da Biologia e da Medicina) e o antropólogo his- tórico-cultural, a Antropologia passou a ter de forma evidente seu objeto de pesquisa, consolidado na segunda metade do século XIX: o homem e seu duplo relacionamento, com seu eu interior e com o mundo exterior, ou seja, a sociedade propriamente dita. Em segundo lugar, destacamos a Sociologia comociência que se estabeleceu no campo das Ciências Sociais. Por seu caráter mais generalista, as raízes para seu estabe- lecimento são as mais diversas: inspirou-se na História, na Filosofia, na Política, na Eco- nomia, na Antropologia, na Psicologia, entre outras. Abrangente em relação aos objetos de pesquisa, a Sociologia pode ser considerada como a mãe de todas as Ciências Sociais. Produto indireto das Revoluções Burguesas, a Sociologia tem como foco o estudo da sociedade e das diversas implicações que essa relação pode estabelecer. Ela nasce “da U N IC ES U M A R 15 constatação de que a ordem social moderna desorganizou as formas de convívio social, gerando problemas novos que reclamavam interpretações e soluções inovadoras” (SELL, 2012, p. 18). Em suma: a Sociologia está destinada a analisar as relações sociais e tentar fixar leis gerais do comportamento da sociedade. Como exposto, essa paradoxal tarefa motiva os sociólogos a continuar atuando na área, tentando decifrar uma encantadora personalidade: o homem atuando em sociedade, seja ativa ou passivamente. A preocupação em estabelecer a Sociologia como ciência foi um dos objetivos de Auguste Comte, considerado por alguns como o “pai da Sociologia”. Ele foi responsável por popularizar a expressão “Física Social”, que posteriormente seria conhecida como a Sociologia propriamente dita. A Física Social de Comte reflete, assim, dois conceitos distintos em união para um mesmo ambiente: a sociedade. Ao passo que a Física estuda o movimento dos corpos em sociedade, a Física Social nada mais é do que o estudo da dinâmica da ação das pessoas socialmente, as quais são influenciadas pela sociedade, ditando suas normas, as normas do trabalho e do seu campo próprio de atuação. Foi neste contexto que a Sociologia passou a intervir nas discussões políticas da sociedade. Daí nasce a terceira e mais recente das Ciências Sociais: a Ciência Política. Dialogando com a política permanentemente — e, por que não, praticando a política desde seu nascimento —, a Sociologia estabeleceu uma relação de proximidade com a política, até mesmo conversando com a Filosofia, que em sua origem se destinou a estudar os comportamentos políticos. A Ciência Política teve origem no final do Século XIX nos Estados Unidos e buscava se estabelecer, desde então, como uma ciência “autônoma”, isto é, uma área de atuação própria, sem ser confundida com a Filosofia, a Sociologia ou encarada como uma subárea do Direito, por exemplo. Por esse caráter recente e multifacetado, tem quebrado barreiras quanto ao pensa- mento político, na busca de estabelecer o seu principal objeto de pesquisa: as relações de poder. Além de estudar as relações de poder, a Ciência Política tem o desafio de explicar como o Estado é constituído, seja enquanto ente governamental ou como espaço em que os políticos irão expor suas ideias, conduzir os rumos de uma determinada população, enfim, fazer política. A última vertente de estudo da Ciência Política são os Sistemas Políticos, que têm por finalidade estruturar um Estado específico, além de incorporar as regras de disputas eleitorais, por exemplo. Observamos, assim, que há um ingrediente específico para que haja um cientista político analisando algum fenômeno em geral: o poder e o local onde esse poder é aplicado, normalmente um Estado, um partido político ou um conjunto de forças políticas. As três áreas das Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) ten- tam explicar, ora em conjunto, ora separado, a complexa sociedade em que vivemos. U N ID A D E 1 16 Cultura, relações sociais e relações de poder são as palavras-chaves que estruturam o grande leque do aprendizado que essas áreas podem nos proporcionar, variando de acordo com o interesse de cada pesquisador. Você se lembra de que, no início deste tópico, foi visto que a ciência busca um padrão de comportamento que a sociedade, às vezes, não pode oferecer por seu dinamismo próprio? Após nossos últimos apontamentos, esse paradoxo ficou mais fácil de ser enxergado. Isso porque as Ciências Sociais não são exatas, mas são múltiplas e dependem de diversos ingre- dientes para que haja um produto final, uma conclusão de determinado fenômeno social. É assim, caro(a) aluno(a), que as Ciências Sociais justificam sua presença neste livro sobre os fundamentos sociológicos e antropológicos da Educação: não é possível educar sem conhecer a diversidade de aspectos que formam a sociedade em que vivemos. É mui- to difícil educar e transmitir o conhecimento somente a partir da sua própria realidade, sem considerar que o processo de formação educacional está em constante movimento e em constante mudança. Quer uma prova desse argumento? Basta olharmos para a trajetória da educação brasileira nos últimos anos. Saímos de uma educação rígida, em que as carteiras da sala de aula eram enfileiradas; em que os alunos, na maioria das vezes, não tinham a palavra durante as aulas; em que o professor era a autoridade absoluta e em que o giz e o apagador faziam sucesso. Hoje, a educação mudou. Os alunos aprendem, muitas vezes, em grupos, nos quais o diálogo e a troca de conhecimento vale muito mais do que diversas aulas. O professor, ao mesmo tempo que transmite o conhecimento, recebe-o dos alunos. Além disso, o ensino a distância se tornou uma realidade possível e praticável para quem não pode estar fisicamente presente em uma carteira escolar. Note que a educação se transforma a partir das mudanças que a sociedade impõe. Da mesma forma, a sociedade impõe novos desafios à educação e está também em processo diário de aprimoramento, devendo aderir aos anseios das pessoas. Essa via firmada entre a sociedade e a educação jamais pode ser interrompida, uma vez que elas estão interli- gadas e são interdependentes entre si, o que justifica a necessidade das Ciências Sociais durante a formação educacional no Ensino Superior. A trajetória percorrida até aqui procurou oportunizar a você, aluno(a), a possibili- dade de conhecer e avaliar a importância das Ciências Sociais diante dos fundamentos da educação, analisando como e porque a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política são sua base principal. Dessas três áreas, vamos nos concentrar, neste livro, somente em duas: a Antropo- logia e a Sociologia, analisando a relevância de ambas para a educação. Obviamente, as duas dialogam entre si quando o assunto é educação e suas bases, contribuindo para a U N IC ES U M A R 17 2 O AMBIENTE PARA A FORMAÇÃO da sociologia Em um curto período de tempo, a produção no modo de vida rural da Europa terminou, e as pessoas passaram a conviver na sociedade urbana. Nesse cenário, a tendência para o “caos” é grande, concorda? Se uma localidade tem capacidade de receber certo número de moradores, com a expansão sem planejamento ela tende a entrar em colapso. Foi isso que ocorreu com as transformações sociais derivadas do modo de produção capitalista na Europa. Com o desenvolvimento da indústria e a capacidade produtiva integrada a uma ca- deia mundial de produção, há uma mudança nas condições de vida dos seres humanos. Essa mudança se fez sentir, primeiramente, na Europa, após a Revolução Industrial, e depois se propagou para diversas regiões do Planeta. A indústria sediada na Europa necessitou cada vez mais de matéria-prima vinda de diversas partes do mundo, assim como o mundo passou a consumir, em uma escala cres- formação do cidadão atuante, que irá compreender e transmitir os ensinamentos aqui adquiridos durante sua atuação profissional. Nosso próximo objetivo é avaliar, de forma pontual, o panorama em que a Antro- pologia e a Sociologia foram constituídas. A apresentação deste cenário é importante para verificarmos como e porque essas duas áreas importam para fundamentar as bases da educação. Vamos lá! U N ID A D E 1 18 cente, os produtos industriais. Nesta cadeia produtiva nas áreas industriais e nos centros econômicos, nesta fasedo capitalismo, ocorre um crescimento da população urbana. Uma realidade que trará impasses e incertezas no decorrer dos séculos XIX e XX. Isso levará um número crescente de pensadores sociais a buscar entender qual será o futuro da sociedade diante de uma concentração populacional nunca vista na história humana. A cidade se tornou um ambiente de tensão, que exigiu preocupação por parte dos cientistas europeus. Se a ciência foi um instrumento de dominação para a conquista de novos territórios, para a expansão do capitalismo ocidental fundado na empresa mercantil e, posteriormente, industrial, agora deveria atender à ordem social instituída na própria Europa. Entender as relações sociais constituídas no Ocidente se tornou uma prioridade. Buscar uma ação para sua transformação será o objeto de preocupação das forças políticas e também dos cientistas. O crescimento urbano desse período pode ser medido pela vida em Londres, a primeira grande cidade industrial do mundo, no centro de uma economia que já foi por quatro séculos a maior do mundo, a inglesa. Londres praticamente triplicou a sua população entre os séculos XVIII e XIX. A massa populacional que passou a migrar para a cidade, com o chamado êxodo rural, fez crescer uma cidade desconexa e desordenada. Os operários se concentraram em torno das fábricas ou em cortiços. Sem vias planejadas, as cidades estavam com problemas de ocupação. As moradias eram mal ventiladas, muitas delas tinham apenas um cômodo, onde ficava toda família, faltava saneamento e todos estavam expostos a um ambiente úmido e insalubre que provocava doenças, como tifo, cólera, varíola e escarlatina. Essas epidemias passaram a preocupar o Estado. A busca de um saneamento básico levará, entre outras atitudes, a promover o zoneamento urbano e as políticas de saúde pública. A desigualdade de condições ficou expressa também na vida das classes mais abasta- das, que tinham acesso aos benefícios dos produtos que a economia mundial permitia. A elite londrina, por exemplo, consumia produtos de luxo vindos das mais diversas partes e, também, aqueles que eram produzidos na indústria do seu país. As classes populares, em sua grande maioria formada de operários, não tinham acesso a esses bens. Outros problemas também surgiram com a formação dos núcleos urbanos industriais, com a concentração populacional. O alcoolismo, o crescimento dos homicídios, os latrocí- nios e a prostituição são alguns deles. Até mesmo os manicômios começaram a se propagar como uma alternativa para o tratamento de pessoas que demonstravam desequilíbrio de comportamento. Essas situações se justificam diante da condição de vida do operariado, que trabalhava em torno de 15 horas por dia, sem descanso. Até mesmo crianças de 10 anos eram encontradas nas fábricas sujeitas às mesmas jornadas dos adultos. A massa humana que veio do campo, onde trabalhava subordinada ao regime feudal fundado na subsistência, agora se via em uma condição oposta. Inserido em um regime U N IC ES U M A R 19 frenético de trabalho, que nada lembrava as relações no mundo rural, o operariado viu se desfazerem os vínculos sociais que foram a base de sua identificação. A economia capitalista fez emergir as relações centradas na racionalidade e na busca de orientar a convivência social pela produtividade. A vida passou a valer na proporção em que gerava a riqueza e na lógica de mercado. Dentro dessa lógica do mercado de trabalho, a quantidade de seres humanos disponí- veis para trabalhar nas fábricas apresentava uma qualificação básica. A empresa capitalista estava, ainda, dando os seus primeiros passos nos séculos XVIII e XIX, estando longe de uma complexa rede de produção com setores específicos em um alto grau de qualificação como temos hoje. A sobrevivência passa a custar a sujeição a uma condição desumana de trabalho. As condições de trabalho da classe operária durante a Revolução Industrial e sua propagação pela Europa foi tema de análise de Eric Hobsbawm em sua obra Era das Revoluções. O historiador inglês estabelece uma relação direta entre a quantidade de mão de obra ofertada para a produção, o nível de qualificação e as condições de trabalho: “ Conseguir um número suficiente de trabalhadores era uma coisa; ou-tra coisa era conseguir um número suficiente de trabalhadores com as necessárias qualificações e habilidades. A experiência do século XX tem demonstrado que este problema é tão crucial e mais difícil de resolver do que o outro. Em primeiro lugar, todo operário tinha que aprender a tra- balhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da in- termitência autocontrolada do artesão independente. A mão de obra tinha que aprender a responder aos incentivos monetários. Os empregadores britânicos daquela época, como os sul-africanos de hoje em dia, constan- temente reclamavam da “preguiça” do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganhado um salário tradicional de subsistência semanal, e então parar. A resposta foi encontrada numa draconiana disci- plina da mão de obra (multas, um código de “senhor e escravo” que mobi- lizava as leis em favor do empregador etc.), mas acima de tudo, na prática, sempre que possível, de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mínima [...]. Nas fábricas onde a disciplina do operário era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 1834-47, cerca de um quarto eram homens adultos, mais da metade eram mulheres e meninas, e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos. Outra maneira comum de assegurar a disciplina da mão de obra, que refletia o processo fragmentário e em pequena escala da industrialização nesta fase inicial, era o subcontrato ou a prática de fazer dos trabalhadores qualificados os verdadeiros empregadores de auxiliares sem experiência (HOBSBAWM, 1982, p. 66-7). U N ID A D E 1 20 Em certa maneira, até nossos dias, a qualificação de mão de obra é um elemento determi- nante para a forma como se estabelece a relação de trabalho e sua remuneração. Como Hobsbawm aponta, nos primeiros momentos da Revolução Industrial, essa condição já se apresentava. Ela se agravou com a massa de pessoas disponíveis para serem utilizadas pela produção capitalista, mas o grau de qualificação se ampliou e se aprofundou. Com isso, a maioria dos seres humanos disponíveis hoje para o trabalho não não utilizados. Nos primeiros tempos da Revolução Industrial, os trabalhadores eram recém-che- gados da zona rural, tinham uma padronização de qualificação, mas eram utilizados em funções que exigiam um grau baixo de especialidade. As operações de trabalho pode- riam ser ensinadas sem dificuldade pelos empregadores, partindo de capacidades que os trabalhadores já tinham adquirido em sua vida rural. Como afirma Hobsbawm, os menos qualificados eram, muitas vezes, entregue ao comando de um trabalhador mais qualificado, por meio da terceirização das relações de produção. As relações de trabalho são marcadas pela violência sem nenhuma garantia. Não há, nos primeiros tempos da indústria, uma legislação favorável aos operários. A vio- lência das relações no ambiente industrial se estende pela vida urbana e se expressa no cotidiano das cidades europeias durante o nascimento da indústria. Uma violência que terá formas distintas de ser compreendida e de gerar reação. Para o poder público, buscando atender ao interesse da empresa nascente, foi fun- damental estabelecer mecanismos de controle social para garantir a ordem nos espaços urbanos. Policiamento ostensivo nas ruas e instituições para o aprisionamento e trata- mento daqueles que não se adaptavam à vida urbana era umexemplo. As escolas voltadas às classes populares e mantidas pelo poder público teriam como característica retirar os ociosos do mundo urbano e preparar os cidadãos para o trabalho. A educação, que sempre existiu como forma de organização da vida social e preparação das futuras gerações para a necessidade coletiva, agora deveria exercer essa função vi- sando ao mundo da empresa capitalista, que se generalizava. Entre os movimentos ope- rários que surgiram na Europa, alfabetizar os filhos era uma garantia de não reproduzir a relação que os pais estavam sujeitos para os filhos. Para enfrentar a violência que o mundo urbano apresentava, a classe operária se orga- nizou em associações e sindicatos. Assim, enfrentou o ambiente de trabalho imposto pelas empresas e os empresários capitalistas, dando início aos confrontos em forma de “quebra de máquinas” e paralisação de trabalhadores. Aconteceram greves ocasionadas pela luta por melhores condições de trabalho, como o Movimento Cartista na Inglaterra do século XIX. Os problemas sociais urbanos chegaram a um determinado grau em que até mesmo as forças sociais e políticas opostas de trabalhadores e patrões passaram a lutar contra U N IC ES U M A R 21 problemas comuns e se associar em campanhas para romper comportamentos que se mostravam nocivos à sociedade. Um desses “inimigos comuns” foi o consumo de bebidas alcoólicas. Como afirma Hobsbawm: “ Por outro lado, havia muito mais pobres que, diante da catástrofe social que não conseguiam compreender, empobrecidos, explorados, jogados em cor-tiços onde se misturavam o frio e a imundice, ou nos extensos complexos de aldeias industriais de pequena escola, mergulhavam em total desmoraliza- ção. Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobre- vivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento, e em que o álcool era “a maneira mais rápida para se sair de Manchester” (ou de Lille ou de Borinage). O alcoolismo em massa, com- panheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização brusca e incontroláveis, disseminou “uma peste de embriaguez” em toda a Europa. Talvez os inúmeros contemporâneos que deploravam o crescimento da embriaguez, como da prostituição e de outras formas de promiscuidade sexual, estivessem exagerando. Contudo, repentina aparição, até 1840, de sistemáticas campanhas de agitação em prol da moderação, entre as classes médias e trabalhadoras, na Inglaterra, Irlanda e Alemanha, mostra que a preocupação com a desmoralização não era nem acadêmica nem tampouco limitada a uma única classe. Seu sucesso imediato teve pouca duração, mas durante o restante do século a hostilidade à embriaguez permaneceu como algo que tanto patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum (HOBSBAWM, 1982, p. 223-4). Podemos considerar que diante desse ambiente, que trazia condições de degradação para parte considerável dos trabalhadores (às vezes até para a classe média e para o patronato), a ação pública deveria ser pontual e estar dentro de uma política geral de governabilidade da vida social urbana. Isto é, era preciso uma ação dos governos municipais das cidades industrializadas. Eles necessitavam ter a capacidade de colocar, diante dos conflitos que se intensificam e de práticas que denegriam as forças sociais, mecanismos eficientes de ação. Se a necessidade de racionalizar a vida social era uma emergência para o poder público, ela estaria na pauta de discussão do mundo científico. As corren- tes de pensadores que se debruçaram sobre os problemas da vida urbana e das condições humanas na sociedade industrial são sensíveis a partir do século XVIII. Contudo, foi no século seguinte que essa preocupação se intensificou. Das correntes liberais ao Socialismo, as teses políticas emergiram à procura de dar resposta ao contexto tenso que o mundo industrial urbano apresentava. Os valores que orientavam o homem europeu tinham se alterado e seriam um modelo para as demais formas de compreensão que surgiram em diversas partes U N ID A D E 1 22 Virgindade Sociológica Quem passou pelo lento processo de formação acadêmica nas Ciências Sociais – ou ainda o cumpre — vai saber muito bem daquilo que falo. Quem um dia se arriscará nessa seara das humanidades poderá perceber aquilo que digo. Quem já vivencia isso sabe muito bem o que escrevo. Talvez uma dessas profecias um dia se tornará realidade. Talvez são meros pensamentos, lançados à luz de uma tela de notebook, que nada remetem aqueles grandes sociólogos em quem nos inspiramos. A profissão do sociólogo é algo que se vivencia. Não dá pra separar seu dia a dia do seu exercício profissional. Afinal, a todo momento estamos em contato com as pessoas, com a sociedade e, no fim das contas, só se faz Sociologia com a sociedade, relacionando-se com ela. Se vamos à uma festa, pronto! Logo queremos compreender porque aquelas pessoas estão ali, o que se passa na cabeça delas e qual é a noção de festa que elas possuem. Se lecionamos em sala de aula, a pergunta é sempre a mesma: o que será que eles farão com as informações e o conteúdo aqui ministrados? Fonte: os autores. explorando Ideias do mundo. Se o movimento liberal e socialista surgiu na Europa, sua propagação pela América, Ásia e África foi corrente. A influência da intelectualidade europeia se demonstrou com o surgimento dos Estados nacionais em áreas antes coloni- zadas pelos europeus. Paralelo a essas correntes, e muitas vezes sendo um contraponto a elas, os movimentos herdados das correntes naturais também emergiram. É o caso do Positivismo inaugurado por Comte na França. As teses do pensador francês vi- riam a inspirar aqueles que consideravam que a análise da vida social deveria estar fundada nos mesmos critérios dos fenômenos biológicos. Os pensadores que denominamos clássicos das ciências sociais irão produzir seus argu- mentos neste ambiente de confronto direto entre a massa de trabalhadores, as empresas, os empresários capitalistas e o poder público. Os problemas emergentes da vida urbana alimentaram as análises de pensadores, como Durkheim, Marx e Weber. Eles darão as di- retrizes para a compreensão da vida social, dos meios para a organização das instituições e do seu papel na construção da ordem coletiva. O que podemos destacar a princípio, e que será amplamente discutido na próxima unidade, é a importância do trabalho como condição para a orientação do homem em sociedade. Esse foi o ambiente que propiciou a formação da Sociologia, uma ciência da socie- dade, que procura compreender a relação do homem com seu espaço e seu tempo. Para U N IC ES U M A R 23 Seja bem-vindo(a) à nossa sociedade. Se perguntas sem respostas sobre ela já passaram por seu pensamento, você, caro(a) aluno(a), deve estar pensando: afinal, qual é o seu destino? pensando juntos Quando falamos sobre o surgimento de uma nova ciência, logo vem à mente algo inédito, fascinante e voltado para um “conhecimento superior”. Porém, a inserção de novos co- nhecimentos nas humanidades é um fato que ocorre “naturalmente”, com a necessidade de especificar as subáreas do pensamento humano. Demonstramos que a Sociologia é produto das ideias de sua época, um período de grande transformação social baseado nas mudanças sociais da Europa dos sé- isso, faz uso do passado histórico, para o entendimento de determinados contextos; do presente, para explicação de fenômenos “atuais”; e, por fim, da correlação de fatos para possíveis cenários futuros. Resta-nos, então, responder: qual é a relação do homem con- sigo e quais são suas ações que estão presentes na sociedade? É isso que vamos debater agora, diante do ambiente de formação da Antropologia. 3 O ESPAÇO DE SURGIMENTO DA ANTROPOLOGIA: o que é esta ciência? U N ID A D E 1 24 culos XIX e XX. O itinerário de formação da Antropologia não foi diferente,já que também é fruto da busca por conhecer o “novo”, por descobrir algo que encantava: o contato com novos povos e novas culturas por intermédio das grandes navegações. Antes de falarmos de uma metodologia para explicar o que é e como estudar a Antropologia, podemos afirmar que já existia uma espécie de “pensamento antropológico”, isto é, já havia um número considerável de pensadores refletindo sobre os desdobramentos do estudo do homem e de sua relação consigo e com a sociedade. A questão fundamental da Antropologia é, portanto, entender como nós, seres humanos, tão parecidos em aspectos biológicos, podemos ser tão di- ferentes em aspectos culturais. Essa questão começou a ser respondida a partir da cultura europeia, domi- nante nos primórdios da Antropologia. Diante do expansionismo europeu com as grandes navegações - iniciadas em Portugal e na Espanha e, posteriormente, na Inglaterra, na França e nos demais países -, podemos verificar que a relação entre dominante e dominado passou a pautar as principais questões voltadas à Antropologia. Afinal, a força do homem branco europeu era suficiente para dominar culturalmente um “novo homem descoberto”? Quem detinha, então, o domínio das relações culturais: o dominante (aqui visto como o Europeu) ou o dominado de qualquer localidade outrora “descoberta”? Estabeleceu-se, assim, um paradoxo para a Antropologia: como agir diante dessa situação? Em Aprender Antropologia, François Laplantine faz um resgate histórico dessa ciência, trazendo à luz uma importante contribuição acerca da fundamentação deste “novo” conhecimento. “ O projeto de fundar uma ciência do homem — uma antropologia — é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os métodos até então utilizados na área física ou da biologia (LAPLANTINE, 1987, p. 7). Nota-se que a Antropologia é uma ciência racional, direcionada ao conhecimento do homem por meio de seu contato com a sociedade, analisando as influências que um tem sobre o outro. Diante dessa face de troca do saber entre o individual e o social, ela se constitui, formando a cultura, um dos seus principais objetos de análise. Como a Antropologia está dividida? Quais são suas áreas e o que ela pesquisa, afinal? Mais que isso: qual a função de conhecermos a Antropologia para os fundamentos da U N IC ES U M A R 25 educação? É esse o caminho que pretendemos demonstrar a você, caro(a) acadêmico(a), a fim de articular o conhecimento da Antropologia com as ações de sua vida cotidiana enquanto estudante das humanidades. Segundo Marconi e Presotto (2007), existem dois grandes grupos que estruturam a Antropologia: a Antropologia Física ou Biológica e a Antropologia Cultural, que, com suas peculiaridades, auxiliam no entendimento do seu campo de atuação. A Antropologia Física ou Biológica é destinada a estudar a posição do homem en- quanto “herdeiro biológico”, ou seja, o homem e a evolução dele desde o surgimento da espécie até a atualidade. Surge, então, o primeiro trabalho do antropólogo físico, que é estudar a Paleontologia, destinada a buscar o entendimento do homem a partir da interface com a Biologia, a Genética, a Arqueologia e outras áreas. A Paleontologia é um subcampo do conhecimento antropológico, uma vez que se articula com as demais áreas relacionadas a conhecer os fósseis humanos, realizar esca- vações em sítios arqueológicos, entre outros. Por meio do estudo do aspecto biológico humano, a Paleontologia articula as ciências naturais com a História, compreendo como o homem estava situado na terra dos primórdios até a atualidade. Por outro lado, a Antropologia Cultural tem como missão o estudo dos aspectos que irão formar a sociedade a partir daquilo que nós, humanos, consideramos como cultura, ou seja, algo que será perpetuado de geração em geração, constituindo o conjunto de várias áreas do conhecimento. A palavra “cultura” expressa o cultivo de elementos, como o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e as aptidões adquiridos pelo ser humano. Neste sentido, a Antropologia Cultural tem por objetivo o estudo das diferentes culturas para cada sociedade, por meio de alguns questionamentos: existe um padrão de cultura? É possível mensurar semelhanças e diferenças entre diferentes culturas? O que faz com que a cultura de um povo seja formada? Ela é sempre imutável ou ela pode ser transformada de acordo com a evolução da sociedade? São essas as questões que per- meiam há anos a Antropologia Cultural, um campo dessa ciência que estuda o homem e, sobretudo, recentemente, os possíveis “padrões de cultura” identificados na sociedade. Laplantine (1987) salienta que a Antropologia Social e Cultural (ou Etnologia) é, hoje, o principal campo de atuação da Antropologia, uma vez que corresponde a pra- ticamente tudo o que há na sociedade: “seus modos de produção econômica, suas téc- nicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas” (LAPLANTINE, 1987, p. 19). Portanto, a Etnologia é a área destinada a compreender a sociedade a partir do ponto de vista do homem. Conforme você, aluno(a), viu durante a formação das ciências so- ciais, a Antropologia pretende estudar a relação do homem em/na sociedade, enquanto U N ID A D E 1 26 o sociólogo estuda o funcionamento da sociedade, seja a partir das suas instituições ou a partir dos mecanismos desenvolvidos pelos humanos para que a sociedade progrida. Será que a Antropologia sempre estudou os aspectos culturais para entender a ação do homem? Um dos pioneiros da área é Bronislaw Malinowski (1884-1942), que atri- buiu a ela um caráter científico. Com a utilização da Etnografia, o autor ia até o campo de estudo para compreender melhor o dia a dia das comunidades do pacífico ocidental. A ideia de Malinowski para o trabalho do antropólogo é simples: nada como se tor- nar um deles para conhecê-los melhor. Seguindo essa máxima, o autor se mudou para as Ilhas Trobriand, defendendo, durante sua pesquisa, aquilo que acreditava: é preciso fazer Antropologia no momento onde observamos determinado acontecimento. Com isso, afastava-se a possibilidade de atuar antropologicamente a partir de informações alheias, isto é, sem ter a fidelidade dos conhecimentos adquiridos no campo (na área de pesquisa) pelo próprio antropólogo. Seu método conhecido como “observação participante” até hoje pauta os trabalhos na Antropologia. Portanto, segundo Malinowski, não há melhor maneira de se fazer Antropologia senão participar cotidiana e rotineiramente com o nativo, ou seja, com o estranho que se tentará entender, para posteriormente estabelecer um padrão de cultura delimitado acerca de seu comportamento. Em Os Argonautas do Pacífico Ocidental, o autor se depara com essa realidade, traduzindo em seus diários as ações cotidianas do “nativo estranho” com o qual se deparou. O nascimento da Antropologia, como exposto, teve como objeto de estudo o homem não europeu. Ela se debruçou sobre o comportamento de civilizações encontradas pela expansão europeia e sua dominação nas mais diferentes partes do mundo. Considerou, dessa forma, comparações, classificações e escalonamento mediante valores que o ho- mem ocidental impunha aos demais povos. Essa escala serviu para estabelecer a “linha evolutiva” que tinha a “Europa civilizada”, como afirma Augusto Comte, no topo. O pensador francês, fundador das teses positivis- tas, estabelecia, no princípio da evolução civilizadora, as sociedades que tinham com- portamentos próximos ao dos primatas. Mais tarde, Morgan e mesmo Hegel seguiram por caminhos diferentes o mesmo critério de colocar os ocidentais na cadeia evolutiva.Charles Darwin é o autor de maior lembrança quando falamos de evolução, por mais que suas colocações sejam interpretadas de forma equivocada como uma justificativa de superioridade natural do homem europeu. O antropólogo francês considera que a lei do melhor adaptado reside mais na capacidade de assimilação do ser vivo ao meio do que de sua competência mental para garantir a permanência. Isto é, formas mais complexas de espécies podem ser eliminadas se não assimilarem determinadas mudanças no meio. U N IC ES U M A R 27 A literatura também foi uma expressão da superioridade ocidental. Romances e aventuras fortaleceram o ideal do vitorioso homem branco. Nas páginas dos livros que se transformaram em clássicos durante os séculos XIX e XX, os personagens vitoriosos eram os exemplares fiéis do corpo social do ocidente. Talvez, nenhum romance de aven- tura expressou com maior intensidade esta ideia do que a Lenda de Tarzan. O homem branco está fadado, segundo a produção científica e literária produzida pelo ocidente, à conquista, à superioridade e à responsabilidade de civilizar o mundo e, como um deus, recriá-lo a sua imagem e semelhança. Na conquista estabelecida sobre diversos povos, o homem ocidental julgou, absolveu e condenou. Sua sentença sempre está calcada na bus- ca por si mesmo, segundo François Laplantine. Por isso, os que lhe pareciam conhecidos eram absolvidos e os que lhe causavam estranheza e o negavam deviam ser exterminados. Esse panorama da Antropologia, conforme anunciamos anteriormente, mudou: o que está em voga na modernidade é a busca pelo conhecimento dos padrões de cultura e comportamento de cada sociedade, além da valorização da peculiaridade das culturas. Antes vistas como estranhas e desvalorizadas, as culturas não europeias passaram a ter a devida importância na discussão antropológica. O que vale hoje para a Antropologia é a igualdade de análise das culturas, reforçando as particularidades e não a supremacia cultural de um em relação a outrem. Entretanto, para compreendermos essa abordagem, Laplantine esclarece ser necessário conhecer os conceitos de “social” e de “cultura”, uma vez que tanto a Antropologia quanto a Sociologia têm como finalidade o homem como objeto de estudo: “ O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração, de dominação…) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto (etnia, região, nação…) e para com outros conjuntos, também hierarquizados. A cultura por sua vez não é nada mais que o próprio so- cial, mas considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse gru- po, bem como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas) (LAPLANTINE, 1987, p. 120). Nota-se, dessa forma, que a cultura reflete em sociedade os comportamentos individuais de cada grupo, que posteriormente irá formar a sociedade. A cultura, como já adianta- mos, é a transmissão e o cultivo dos saberes e costumes de um grupo humano de forma coletiva, ou seja, com o convívio em/na sociedade. Logo, a cultura passa a integrar um objeto antropológico de conhecimento, na tentativa de responder quais são os padrões de cultura assumidos por cada grupo na humanidade. Observe que no itinerário que propusemos, da formação da Antropologia até a in- vestigação da cultura para essa ciência, tentamos demonstrar a peculiaridade e a multi- U N ID A D E 1 28 plicidade de culturas que você irá lidar ao longo da carreira docente. Veja que o processo de considerar as diferentes culturas (cada qual com sua importância) é algo próprio da Antropologia. Roberto DaMatta define esse conceito como a “relativização” das culturas: “ O “relativizando” que nomeia este livro, portanto, nada tem a ver com uma ideologia substantiva do universo social humano, segundo a qual tudo é variável e tudo é válido. Muito ao contrário, trata-se de uma atitude positiva e valorativa, expressa no meu “relativizando”, a cobrir o abraço destemido que damos quando pretendemos entender honestamente o exótico, o dis- tante e o diferente, o “outro” (DAMATTA, 1981, p. 10). Relativizar, segundo DaMatta, é valorizar as diferenças culturais existentes, sabendo tolerá-las e, sobretudo, integrá-las na vida social. Portanto, a Antropologia aplicada à educação demonstra que, durante a carreira docente, é preciso saber relativizar as cul- turas, os modos de comportamento e o estilo de vida de cada aluno(a), na tentativa de facilitar o relacionamento estabelecido no ambiente escolar. Diante desse cenário, demonstramos que a Antropologia cumpre seu papel quanto aos fundamentos da educação: ela auxilia na compreensão e comparação entre os dois objetos fundamentais e em constante mudança no processo de formação educacional, ou seja, a sociedade e a cultura. Ainda que ambas tenham boa linearidade de pensamento, são peças em aperfeiçoamento permanente, em uma engrenagem complexa que é a história e a evolução do pensamento humano. O educador, nesta seara, deve estar preparado para utilizar o que a Antropologia me- lhor oferece, que é a “relativização” das culturas, além de se colocar no lugar do outro para melhor compreendê-lo, em um processo interminável de observação participante, confor- me Malinowski, que poderá facilitar o entendimento das mudanças que a sociedade sofre. Assim, esperamos que a Antropologia possa fundamentar as bases do conhecimento das humanidades e, em conjunto com a Sociologia, ser parte da produção do saber. U N IC ES U M A R 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, pudemos trabalhar com a formação das Ciências Sociais ao longo dos anos, isto é, apresentamos a você, caro(a) aluno(a), como e porque existem três ciências que se dedicam a estudar a sociedade sob três pontos de vista: a Sociologia, a Antropo- logia e a Ciência Política. Quanto à Sociologia, que tem a sociedade como grande laboratório, pudemos cons- tatar seu ambiente de formação, tendo como plano de fundo a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, dois marcos importantes para a compreensão de que a vida citadina possui maior complexidade do que a campesina, o que reflete nas novas relações sociais, trabalhistas, políticas e comportamentais. Tal alteração do modo de vida do homem fez com que ele passasse a explorar novos espaços, ainda não descobertos (ou não explorados), o que demonstra a necessidade de compreendermos a cultura do outro para melhor nos entendermos. Surgia aí a Antro- pologia, destinada a estudar o homem e sua trajetória em/na sociedade. A jornada até aqui estabelecida conduz para iniciar o propósito deste livro, indicado nesta Unidade I: aguçar o senso crítico da vida que estabelecemos socialmente. Isto é, olhar para além do já fixado, do que é dado pela sociedade para nós e do que ofertamos em troca para a sociedade. Em suma: a proposta é melhor compreender o meio em que vivemos, dialogando, criticando e debatendo os caminhos para melhorar o convívio social. Dessa forma, ainda fica a questão motriz do livro, porém já pautada de antemão: quais são os fundamentos sociológicos e antropológicos e a respectiva contribuição de ambos para a educação? É o que pretendemos demonstrar nesta trajetória, iniciando pelos chamados autores clássicos da sociologia, que expuseram com propostas centrais um a um os estilos de vida na sociedade urbana em seus primórdios. 30 na prática 1. O conflito, típico das Ciências Sociais, é um dos destaques da problematização de con- ceitos existentes nessa área. A respeito dessa predisposição, é correto afirmar que: a) Os conflitos, típicos das Ciências Sociais, são direcionados na tentativa de não contrapor, mas igualar os problemas. b) O conflito é necessário, uma vez que a partir dele se pode compreender como as relevantes questões sociais afetam os debates acerca das Ciências Sociais. c) A problematização, típica das Ciências Sociais, deixa de existir nas sociedades urbanizadas. d) A urbanização e seuestudo só existem para as Ciências Sociais a partir do século XXI. e) O conflito, típico das Ciências Sociais, deveria ser estudado exclusivamente por essa ciência. 2. Acerca das áreas de conhecimento das Ciências Sociais, é correto afirmar que o estudo das relações sociais e da dinâmica da sociedade corresponde a qual espe- cificação? a) À Sociologia, que compreende a movimentação dos corpos em/na sociedade. b) À Antropologia, que se destinou ao estudo da cultura dos povos contemporâ- neos. c) À Ciência Política, destinada a compreender o Estado e as relações de poder. d) À Sociologia, destinada a entender como a política, sobretudo, influencia o dia a dia dos indivíduos. e) À Antropologia, voltada para o estudo dos primórdios da sociedade. 3. A aglomeração das pessoas em grandes centros urbanos e a maior concentração populacional fizeram com que as cidades recém-urbanizadas enfrentassem proble- mas estruturais. Considerando essas informações, leia as assertivas que seguem e assinale a alternativa correta. I - O alcoolismo é uma das questões sociais enfrentadas no início da urbanização. II - A crescente urbanização levou a população às grandes jornadas de trabalho, que tinham em torno de 15 horas diárias. 31 na prática III - A alternativa criada para o tratamento de uma “sociedade doente” foram os manicômios, que surgiram como espaços para cuidar daqueles que não apre- sentavam um satisfatório comportamento social. IV - As classes populares, formadas em sua maioria por grandes empresários, fize- ram com que o ritmo da Revolução Industrial fosse acelerado. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III c) Estão corretas apenas I e III. d) Estão corretas apenas I, II e III. e) Está correta apenas II. 4. A classe operária é uma das formas existentes para o enfrentamento da violência do mundo urbano. Até hoje, os sindicatos - típicas organizações da classe trabalhadora - influenciam as decisões da legislação trabalhista, buscam as conquistas dos trabalha- dores e intermediam as relações entre empregador e empregado. Diante do papel da classe operária nas origens do mundo urbano, podemos afirmar que: a) A organização sindical foi uma das formas em que a classe operária se constituiu (e se constitui) em sociedade. Paralisações e quebra de máquinas foram as ações tomadas, por exemplo. b) Os sindicatos pouco representavam as classes operárias da época, pois mais atrapalhavam do que ajudavam na intermediação de crises entre os empresários e os trabalhadores. c) A ausência de greves na Inglaterra do século XIX demonstra a fragilidade sindical. d) A classe operária sempre aceitou com tranquilidade as medidas tomadas pelos proprietários das indústrias nas origens da sociedade urbana. e) Os sindicatos, exemplos de resistência do empresariado, ainda não resultaram em medidas positivas para a classe trabalhadora. 5. Na formação da sociedade urbana, diversos problemas surgiram na consolidação dos núcleos habitacionais. Cite e comente quais foram esses problemas, ana- lisando quais seus impactos na origem da sociedade urbana. 32 aprimore-se A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA — WRIGHT MILLS A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira ex- terior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da socieda- de moderna, e dentro dessa estrutura são formuladas as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indivíduos é focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença pelo público se transforma em participação nas questões públicas. O primeiro fruto dessa imaginação — e a primeira lição da ciência social que a in- corpora — é a ideia de que o indivíduo só pode compreender sua própria experiência e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de seu período; só pode conhe- cer suas possibilidades na vida tornando-se cônscio das possibilidades de todas as pessoas, nas mesmas circunstâncias em que ele. Sob muitos aspectos, é uma lição terrível; sob muitos outros, magnífica. Não conhecemos os limites da capacidade que tem o homem de realizar esforços supremos ou degradar-se voluntariamente, de agonia ou exultação, de brutalidade que traz prazer ou de deleite da razão. Mas em nossa época chegamos a saber que os limites da “natureza humana” são assustado- ramente amplos. Chegamos a saber que todo indivíduo vive, de uma geração até a seguinte, numa determinada sociedade; que vive uma biografia, e que vive dentro de uma sequência histórica. E pelo fato de viver, contribui, por menos que seja, para o condicionamento dessa sociedade e para o curso de sua história, ao mesmo tempo em que é condicionado pela sociedade e pelo seu processo histórico. 33 aprimore-se A imaginação sociológica nos permite compreender a história e a biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade. Essa é a sua tarefa e a sua promessa. A marca da análise social clássica é o reconhecimento delas [...]. É a marca do que há de melhor nos estudos contemporâneos do homem e da sociedade. Nenhum estudo social que não volte ao problema da biografia, da história e de suas interligações dentro de uma sociedade completou a sua jornada intelectual. Quaisquer que sejam os problemas específicos dos analistas sociais clássicos, por mais limitadas ou amplas as características da realidade social que examinaram, os que tiveram consciência imaginativa das possibilidades de seu trabalho formularam repetida e coerentemente três séries de perguntas: 1) Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus componentes essenciais e como se correlacionam? Como difere de outras variedades de ordem social? Dentro dela, qual o sentido de qualquer característica particular para a sua continuação e para a sua transformação? 2) Qual a posição dessa sociedade na história humana? Qual a mecânica que a faz modificar-se? Qual é seu lugar no desenvolvimento da humanidade como um todo e que sentido tem para esse desenvolvimento? [...] 3) Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse período? E que variedades irão predominar? De que formas são selecionadas, formadas, libe- radas e reprimidas, tornadas sensíveis ou impermeáveis? Que tipos de “natureza humana”, se revelam na conduta e caráter que observamos nessa sociedade, nesse período? [...] Fonte: Mills (1965, p. 11-8). 34 eu recomendo! Teoria social Autor: Ana Christina Vanali (Organizadora) Editora: Núcleo de Estudos Paranaenses Sinopse: o presente trabalho articula em coletânea um resumo dos principais teóricos da Sociologia, possibilitando que o(a) aca- dêmico(a) possa “viajar” pela matriz de conhecimento dessa área. Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Karl Polanyi, Karl Man- nheim, Norbert Elias, Howard Becker e Pierre Bourdieu são retratados nesta obra, de fácil leitura e de conteúdo didático. livro Sociologia Clássica — Marx, Durkheim e Weber Autor: Carlos Eduardo Sell Editora: Vozes Sinopse: a partir da importância de Marx, Durkheim e Weber para a matriz sociológica, Carlos Eduardo Sell retoma a teoria so- ciológica demonstrando os modelos básicos de pensamento dos autores, as características de cada um e os desafios propostos para a análise da modernidade. livro Aprender antropologia Autor: François Laplantine Editora: Brasiliense Sinopse: leitura clássica acerca da Antropologia. François Laplanti- ne faz uma trajetória em três partes sobre a história do pensamen- to antropológico: a história, as tendências e as especificidades. livro 35 eu recomendo! Tempos Modernos Sinopse: Clássico que retrata a frenética vida de um operário em uma linha de produção. Esse filme de Charles Chaplin demonstra as dificuldadesenfrentadas pelos trabalhadores depois da Revo- lução Industrial. É ótimo para retratar as mudanças da Europa, em sua transição de rural para urbana. filme Ofício do Sociólogo Neste texto-resumo, é possível observar os comentários de Pierre Bourdieu e de outros autores acerca da prática da sociologia no dia a dia. Link disponível em: <http://sociodialy.blogspot.com.br/2007/06/o-ofcio-de-sociol- go.html>. conecte-se 2 PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • A sociedade, um “objeto estra- nho” • Auguste Comte • A herança positiva no estruturalismo de Émile Durkheim. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Reconhecer o contexto do nascimento da Antropologia e da Sociologia como Ciência • Dominar a formação das teses positivistas e suas críticas ao liberalismo e socialismo • Estudar a formação do es- truturalismo como método de análise social. SOCIOLOGIA CLÁSSICA I PROFESSORES Dr. Tiago Valenciano Me. Gilson Costa de Aguiar INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), o desenvolvimento da Sociologia e da Antropologia está ligado diretamente ao desenvolvimento da sociedade ocidental capitalista. Nela surgiu a necessidade de compreender as transformações que passou a Europa. A formação de uma vida urbana tensa gerou novos fatos sociais ainda desconheci- dos para o mundo europeu. As tensões sociais se agravaram com o desenvolvimento industrial. Ho- micídio, alcoolismo e suicídio são alguns dos fatos que geraram preocupação para o destino da vida social na cidade. O crescimento urbano acarretou desordens e fez surgir as revoltas operárias e as primeiras manifestações con- trárias à sociedade industrial nascente. A cidade foi o palco da crise social, por meio dos movimentos quebra-máquinas e da formação do Partido Social Democrata alemão, tendo como um de seus fundadores Karl Marx. Na crise, os pensadores europeus passaram a se dedicar em entender os comportamentos sociais urbanos e suas razões. Quais fatores promoviam a violência, o alcoolismo, o suicídio e os homicídios? Por que em tão grande escala a vida social se degenerava? Nesta unidade, vamos sempre associar os métodos aos fenômenos sociais. Não podemos abrir mão de uma análise dos clássicos sem entender os fenô- menos que estimularam os pensadores europeus que fundaram a Sociologia. Em uma sociedade considerada perdida pelo caos instalado e expresso no conflito entre os grupos humanos, alguns acreditavam que a crise pas- saria e que era necessário acomodar a ordem social ao desenvolvimento. Auguste Comte e Émile Durkheim são os teóricos a serem analisados, já que buscaram respostas para a sociedade de seu tempo e estabeleceram as bases de uma Ciência que se desenvolveu e prosperou até nossos dias. Se ainda continuamos a estudar os clássicos e considerar suas análises válidas, é porque muitos dos problemas sobre os quais eles se debruçaram ainda continuam se apresentando, talvez com uma nova roupagem. U N ID A D E 2 38 1 A SOCIEDADE, UM “OBJETO ESTRANHO” A análise da vida social foi preocupação para vários cientistas sociais. A maio- ria buscava estabelecer princípios de moralidade e uma idealização de conduta necessária, orientando a ação na vida social com elementos de ética e moral que pudessem superar os atritos da vida coletiva. As instituições religiosas se dedi- caram a compreender os males sociais como algo orientado pelas tendências malignas que atentavam a vida humana. Os homens da racionalidade, por sua vez, valorizavam a razão como forma de com- preensão e ação, mas sem o entendimento do fenômeno social. Partia-se do princípio de que o homem deveria se orientar diante dos outros, os quais eram desconhecidos da compreensão da Ciência. Dois acontecimentos de grande tensão social, que emergiram da necessidade de uma compreensão científica da sociedade, foram a industrialização e o crescimento das cidades de forma desordenada. A vida urbana produziu fenômenos de instabilidade social em uma proporção nunca vista. São exemplos o desenvolvimento do alcoolis- mo, da prostituição, do homicídio, do suicídio e do latrocínio; Sem contar os distúrbios provocados por manifestações coletivas, que eram encarados por muitos intelectuais e homens de Estado como um “problema”. Nos séculos XVIII e XIX emergiram grandes cidades e bairros formados sem pla- nejamento, em muitos casos havia uma concentração desordenada de indivíduos. Nes- ses ambientes periféricos e urbanos, eram confrontadas as regras estabelecidas na vida U N IC ES U M A R 39 rural, a qual não se podia mais reproduzir na cidade. Ao mesmo tempo, as condições de sobrevivência no mundo urbano se mostravam violentas. Revoltas populares contra as máquinas no século XVIII, na Inglaterra, foram uma expressão dessa contradição. Os operários consideravam que os maus-tratos impostos a eles eram consequência da existência das máquinas. Dessa forma, se elas fossem des- truídas, a relação com a classe patronal seria mais humana. Ao longo da história, a luta contra o desenvolvimento tecnológico se mostrou em vão. Outras tendências se colocavam em oposição ao caos social, resgatando as “tradições” e considerando que a perda de um comportamento moral seria responsabilidade das trans- formações econômicas que a sociedade estava vivendo. O regime de liberdade era questio- nado e colocado como o fator de permissividade para o que se chamava de “imoralidade”. Em alguns países, como a França, logo após a derrota de Napoleão Bonaparte, em 1815, quando se viveu a restauração do “antigo regime”, aconteceu o retorno ilusório de uma sociedade de ordens, que prometeu resgatar o caos, mas apenas aprofundou a crise social. Uma lição que se tirou da Europa no século XIX é que não há retorno quando se tem mudança, principalmente uma revolução. A sociedade europeia não foi a mesma após a Revolução Industrial (1750) e Revolução Francesa (1789). As correntes liberais ascenderam na vida pública e passaram a dominar o cenário político no Continente. Fora da Europa, e como um desdobramento dos seus movimentos liberais, os Estados Unidos foi a primeira colônia a se tornar independente e iniciar a ruptura das colônias europeias na América. A implantação dos regimes liberais, porém, não foi compreendida como a superação dos problemas sociais. As críticas às teses liberais e aos governos que ela respaldou, sejam monarquias ou repúblicas, acentuaram-se. Duas tendências cresceram no contexto de crítica aos problemas urbanos nas cidades industrializadas da Europa. O primeiro foi o socialismo, inicialmente utópico, que se propa- gou na França e Inglaterra. A tendência de crítica estabelecida por essa corrente não refutava efetivamente a economia industrial, mas considerava que a desigualdade deveria ser comba- tida pelo Estado. O governo deveria se comprometer a intervir na vida social e econômica, visando garantir as condições mínimas para os indivíduos que se encontravam ameaçados pela exploração econômica e pela miséria que a constituição do proletário estabeleceu. Mais tarde, o socialismo enriqueceu suas teses e gerou uma crítica mais contundente ao capitalismo em desenvolvimento. Com Karl Marx, teórico alemão, foi estudado cri- teriosamente. Seus estudos iniciaram pela mercadoria, pela produção da vida material e pelas relações entre as classes formadas pela economia, pelos proprietários dos meios de produção (a burguesia) e pela força de trabalho (o proletário). U N ID A D E 2 40 A tese do materialismo histórico e dialético será entendida ainda nesta unidade. Aqui, porém, é importante pontuar que no nascimento da Sociologia há um posiciona- mento da sociedade capitalista em formação, seja na crítica, como as teses de Marx, ou na defesa de uma reorganização da vida em sociedade, como propôs Comte ou Durkheim, os quais passaremos a analisar a partir de agora. A preocupação com a organização da vida social foi cultuada por muitos pensadores. Podemos considerar que mesmo entre os liberais
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