Buscar

007 O problema da medição

Prévia do material em texto

O problema da medição
	por Osvaldo Pessoa Jr.
	No filme Quem Somos Nós?, a cena mais didática com relação à física quântica é a cena das bolas de basquete. A heroína vê uma bola de basquete sendo quicada por um garoto misterioso. Quando ela deixa de olhar para a bola, surgem dezenas de cópias da bola em diferentes posições. Depois de alguns segundos, quando ela olha novamente para o garoto, todas as bolas desaparecem, restando apenas uma. 
Esta cena é uma alegoria a respeito do que acontece na física quântica. A bola de basquete representa um átomo ou qualquer partícula quântica. O mero ato de olhar ou de observar representa a medição feita por um cientista quântico. A transição de muitas bolas para uma única bola representa a “redução” ou colapso do estado quântico. A única falha da cena é que a probabilidade de a bola terminar na mão do garoto deveria ser muito pequena: mais didático seria a heroína, ao final, ver a bola localizada em algum outro ponto, diferente da mão do menino. 
Nessa alegoria, o que faz surgir várias bolas de basquete é análogo a uma certa preparação experimental, como a da figura abaixo, que já tivemos ocasião de analisar (ver texto 5: “O Problemático Colapso da Onda” - clique aqui e leia).
 
Nesta figura, o objeto quântico sofre * “difração” ao passar pela fenda. Os semicírculos exprimem a probabilidade de o objeto ser detectado em diferentes pontos, como em P. A observação da posição do objeto quântico (o “asterisco” na figura) é análoga à observação final da bola de basquete. Antes da medição, costuma-se dizer que o objeto está numa “superposição” de diferentes posições, ou está potencialmente em diferentes posições. 
Mas como é que o cientista mede um objeto quântico? Será que ele apenas olha e vê, como fez a heroína surda do filme mencionado? 
Na verdade, a medição de um objeto quântico costuma envolver uma intrincada aparelhagem experimental. Entre o objeto e a consciência do cientista, há uma cadeia de diferentes etapas, representada esquematicamente na figura abaixo. 
A “análise” refere-se à separação do feixe em diferentes componentes. Na figura, representa-se o experimento de Stern-Gerlach, que vimos no texto 6 (“Onde está o Átomo de Prata?” - clique aqui e leia). O termo “detecção” refere-se ao instante em que o objeto quântico encosta na fina placa metálica do detector, e interage com o “mar de elétrons” presente no metal. 
Notem que há duas linhas pontilhadas, cada uma caindo em uma placa detectora. Essas duas linhas representam um único átomo, que está superposto nos dois caminhos. Cada uma desses componentes interage com elétrons no metal, e isso pode acabar fazendo um elétron sair voando do outro lado da placa. Mas notem que isso acontece nas duas placas. Portanto, há agora uma superposição de elétron, cada componente rumando por um caminho, mas ambos associados a um único elétron.
A etapa seguinte é extremamente importante: é a amplificação. Nesta etapa ocorre um aumento de energia (fornecida por uma bateria), necessário para que o ser humano possa ver o resultado da medição. O instrumento representado na figura chama-se “fotomultiplicadora” (FM), e era muito usado há meio século atrás. Ele contém uma série de placas: quando um elétron cai em uma placa, três elétrons são ejetados. Esses três são acelerados e caem em outra placa, gerando nove elétrons. Esse processo continua ao longo de doze placas, e no final tem-se um milhão de elétrons! 
Será que esses milhões de elétrons continuam em um estado de superposição? Esta é a pergunta crucial para a física moderna, mas ninguém conseguiu realizar um experimento que fornecesse uma resposta. Há, é claro, diferentes teorias a respeito, mas não há nenhuma comprovação experimental! 
As visões mais próximas do misticismo quântico, assim como a interpretação dos muitos mundos, supõem que a superposição continua após a amplificação. Há, em seguida, uma outra etapa de amplificação eletrônica (A), e finalmente um registro macroscópico definitivo da informação a respeito do caminho no qual o objeto quântico foi detectado. Tal registro também poderia estar numa superposição, segundo as visões mencionadas. 
Finalmente, chega-se à última etapa da cadeia da medição, que é quando o ser humano observa conscientemente os sinais registrados no papel ou em uma tela de computador. Neste instante, com certeza, o cientista observa apenas um sinal, e não dois em superposição. E ele então pode anunciar: “ocorreu um colapso da onda quântica”!
Mas uma dúvida permanece...
Se o colapso for algo real, onde e quando ele ocorre? Na detecção? Na amplificação? No registro macroscópico? Ou na observação feita por um ser consciente?
*Nesta figura, o objeto quântico sofre "difração" ao passar pela fenda, ou seja, ele se espalha em todas as direções após passar por um buraco bem pequeno.

Continue navegando