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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE AGRONOMIA – ÁREA DE FITOSSANIDADE FITOPATOLOGIA I NEMATÓIDES COMO AGENTES DE DOENÇAS DE PLANTAS Prof. Sami J. Michereff 1. CONCEITO Nematóides são animais do Sub-Reino Metazoa e Filo Nemata. Possuem simetria bilateral e são pseudocelomados, isto é, a cavidade geral do organismo onde se alojam todos os órgãos não é revestida por um tecido especializado. A palavra nematóide vem do grego e significa "em forma de fio". Nematóide é o nome utilizado para os helmintos parasitas de plantas. 2. CARACTERÍSTICAS 2.1. Formas São geralmente fusiformes ou vermiformes, ou seja, cilíndricos com as extremidades afiladas. Mas também podem ser piriformes, napiformes, reniformes ou limoniformes (Fig. 1). Figura 1. Diagrama ilustrando as diferenças morfológicas entre alguns gêneros de fitonematóides [segundo Agrios(1997)]. 2.2. Dimensões A maioria dos nematóides fitoparasitas é microscópica, medindo de 0,5 a 2,0 mm de comprimento por 50 a 250 µm de largura (Fig. 1). 2.3. Coloração São totalmente transparentes, deixando ver sua estrutura interior. Alguns algófagos possuem pigmentos verdes no aparelho digestivo devido ao tipo de alimentação. 2.4. Revestimento Os nematóides possuem um revestimento externo chamado cutícula, rígida e espessa, MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 2 transparente, não celular, constituída por secreção da camada inferior, a hipoderme, tendo como componentes substâncias orgânicas, na sua maioria protéicas. Sua função é manter o equilíbrio osmótico e proteger o nematóide. Pode ser lisa, estriada ou com falsos metâmeros(anelada). As divisões da cutícula não implicam na divisão interna do nematóide cujo corpo é indiviso (Fig. 2). 2.5. Alimentação Os nematóides podem ser micófagos, bacteriófagos, algófagos, protozoófagos, carnívoros ou predadores e, parasitas de plantas superiores. Estes são os mais importantes na Fitopatologia e dividem-se em: •Endoparasitas sedentários: São os que penetram no sistema radicular e não retornam ao solo, pois uma vez no interior das raízes, desenvolvem-se desproporcionalmente em largura e não podem se locomover. Ex.: Meloidogyne e Heterodera, em várias culturas. •Endoparasitas migradores: São os que penetram nas raízes, locomovem-se, alimentam-se, e quando a raiz entra em decomposição, voltam ao solo para colonizar outra raiz. Ex.: Rhadopholus similis na bananeira e Pratylenchus no milho. •Ectoparasitas: São aqueles que não penetram no sistema radicular, apenas introduzem o estilete através do qual se alimentam das células do tecido meristemático. Ex.: Xiphinema no café e batata, Scutellonema no inhame, Criconemoides no milho, amendoim e fumo. 2.6. Movimento Locomovem-se através de movimentos serpentiformes entre as partículas de solo, sempre num filme de água. Movimentam-se melhor em solos arenosos do que solos argilosos ou argilo- arenosos. 2.7. Aparelhos e Sistemas dos Nematóides Os nematóides não possuem aparelho circulatório ou respiratório. Sua respiração é feita através da própria cutícula, por onde o oxigênio penetra no pseudoceloma e através do movimento do próprio corpo nematóide é levado a todas as partes de seu corpo. Como subprodutos temos CO2 e H2O, que são expelidos através do sistema excretor. Os nematóides possuem aparelhos digestivo e reprodutivo, sistemas nervoso e excretor, e orgãos sensoriais (Fig. 2). MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 3 Figura 2. Morfologia e principais características de fitonematóides macho e fêmea adultos [adaptado de Agrios (1997)]. a) Aparelho Digestivo É composto por abertura oral, cavidade bucal ou estilete, esôfago, intestino, pré-reto, reto e ânus. O estilete é muito importante para o nematóide fitoparasita, pois é o seu instrumento de perfuração do tecido da planta, podendo ser projetado para o exterior e depois recolhido, através de músculos especiais, representados por três bulbos na base do estilete (Fig. 2). Este é semelhante a uma agulha de injeção, pois é provido de um canal por onde passam os líquidos. O estilete pode ser de dois tipos: • Estomatostílio: resultante da modificação de todo o estoma ou cavidade bucal, sendo encontrado nos fitoparasitas. • Odontostílio: resultante da modificação de um dente primitivo, sendo encontrado em nematóides de vida livre. Seguindo a cavidade bucal ou o estilete vem o canal do esôfago, revestido de cutícula e constituído dos seguintes elementos: pró-corpo, bulbo mediano, istmo, bulbo basal, cárdia e glândulas. O esôfago dos nematóides pode ser de vários tipos: Tilencóide, Afelencóide, Dorilamóide, Cilíndrico, Rabditóide e Diplogasteróide (Fig. 3). Figura 3. Diagramas mostrando os principais tipos de esôfago em nematóides: (A) Tilencóide: o conduto da glândula abre-se no canal do esôfago na altura do procorpo, próximo ao estilete, típico da superfamília Tylencoidea; (B) Afelencóide: o conteúdo da glândula dorsal une-se ao canal do esôfago no metacorpo ou bulbo mediano, típico da superfamília Aphelanchoidea; (C) Dorilaimóide: possui duas partes: uma anterior de menor diâmetro e outra basal, alargada, cilíndrica e musculosa, típico da superfamília Dorylaimoidea [segundo Tihohod (1993)]. b) Aparelho Reprodutivo Na fêmea é composto de ovário, receptáculo seminal ou espermateca, oviduto, útero, vagina e vulva (Fig. 2). Quanto ao número e posição dos ovários, as fêmeas podem ser: • Monodelficas: quando possuem somente um ovário - Monodelficas prodelficas: quando o ovário é situado anterior a vulva. - Monodelficas opistodelficas: quando o ovário é posterior a vulva. • Didelficas: quando possuem dois ovários - Didelficas prodelficas: quando os ovários ficam antes da vulva. - Didelficas anfidelficas: quando os ovários ficam um de cada lado da vulva. MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 4 O aparelho reprodutivo do macho é composto de testículo, vesícula seminal, vaso deferente, glândulas ejaculadoras, canal ejaculador, e cloaca. Nesta estão os órgãos de cópula, que são a espícula, gubernáculo, asas caudais ou bursa e papilas genitais (Fig. 2). A reprodução do nematóide pode ser sexual (envolve cópula), hermafrodita (espermatozóide e óvulos são formados no mesmo indivíduo) ou partenogênese (os ovos de desenvolvem sem serem fertilizados). c) Sistema Nervoso O centro nervoso do nematóide é constituído por um anel nervoso rodeando o esôfago, geralmente na altura do istmo, e também diversos gânglios associados (Fig. 2). Deste anel nervoso partem nervos que se dirigem para diversas partes do corpo, conectando-se com os órgãos sensoriais. d) Órgãos Sensoriais Os nematóides não possuem visão e se orientam no solo através órgãos sensoriais que captam estímulos mecânicos ou químicos. Os principais órgãos sensoriais são: • Anfideos: receptores de estímulos químicos e localizam-se na parte anterior do nematóide. Tem cavidade repleta de terminações nervosas, provenientes do anel nervoso. • Papilas cefálicas: localizam-se nos lábios sob forma de pequenas saliências. São órgãos tácteis, os quais nas formas terrestres recebem os estímulos mecânicos e nas marinhas, transforma-se em setas. • Fasmideos: órgãos pares, laterais, situados na região posterior do nematóide, sobre os campos laterais. Podem ser pequenos, ou como escudos - escutelos. Ex.: Scutellonema. • Deiridios: papilas grandes localizadasnos campos laterais, uma em cada lado, na altura do anel nervoso. • Hemizonidios: órgãos situados junto ao poro excretor, com estrutura biconvexa. e) Sistema Excretor Tem a finalidade de excretar ou eliminar os resíduos do metabolismo. Fica localizado na parte anterior ou cefálica, mas nem todos os nematóides o possuem. Pode ser tubular ou glandular, sendo característica importante das classes Secernentea e Adenophorea. 3. BIOLOGIA As fêmeas produzem os ovos que após o processo de segmentação originam em seu interior uma larva (juvenil). A maioria dos fitonematóides é ovípara, ou seja, o desenvolvimento embriogênico ocorre após a postura, fora do corpo do nematóide. Alguns são ovovivíparos, pois os ovos são depositados com a larva formada em seu interior. Juvenis são nematóides já completamente formados que diferem dos adultos apenas por não apresentarem aparelho reprodutor completo, e sim, apenas algumas células que irão originá-lo, chamadas "primordium genitale". Os nematóides desde a fase de ovo até a fase adulta, sofrem 4 ecdises ou trocas de cutícula, sendo os períodos entre estas trocas seguidas chamadas estádios ou fases larvais. Após a quarta ecdise o nematóide passa à fase adulta (Fig. 4). Nas ecdises, ao se libertarem de uma cutícula, a hipoderme já formou outra. Durante o seu desenvolvimento, geralmente os nematóides só desenvolvem o aparelho reprodutor e aumentam um pouco de tamanho, mas alguns adquirem formas aberrantes, como o gênero Meloidogyne. Os nematóides ectoparasitas e endoparasitas migradores produzem grande quantidade de ovos a medida que se locomovem, havendo portanto uma distribuição uniforme nos campos infestados. Já os endoparasitas sedentários produzem ovos no interior de uma substância gelatinosa, chamada ooteca, que os protege e assim se distribuem em manchas no campo, sendo difícil sua coleta para estudo e controle. Os nematóides tem a capacidade de permanecer num estádio de completa inatividade, com metabolismo muito baixo ou reversivelmente nulo. Alguns nematóides formam cistos, ou seja, os ovos permanecem dentro das fêmeas e estas se revestem de uma cutícula coriácea, resistente, que permite a sobrevivência destes ovos no solo e impede a ação dos nematicidas, tendo como exemplo o gênero Heterodera. MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 5 Figura 4. Diagrama ilustrando o ciclo de vida típico de um nematóide fitoparasita [segundo Tihohod (1993)]. 4. AÇÃO DOS NEMATÓIDES SOBRE AS PLANTAS HOSPEDEIRAS Os nematóides podem apresentar diferentes modos de ação sobre as plantas hospedeiras, principalmente: • Traumática: provocada pelas injúrias mecânicas decorrentes do movimento do nematóide no tecido da planta. É causada principalmente pelos endoparasitas migradores. • Espoliadora: provocada pelo desvio de nutrientes essenciais da planta para o nematóide. • Tóxica: provocada por toxinas ou enzimas secretadas pelo nematóide e que são prejudiciais à planta. Estas substâncias são produzidas pelas glândulas esofagianas ou salivares. 5. SINTOMAS Como resultado da ação dos nematóides sobre a planta temos os sintomas no campo e na planta. a) Sintomas no campo - Tamanho desigual das plantas - Murcha nas horas mais quentes do dia - Folhas e frutos de menor tamanho - Declínio vagaroso - Nanismo ou entouceramento - Exibição exagerada de deficiências nutricionais - Redução de produção. b) Sintomas nas plantas - Sistema radicular denso, com formação excessiva de raízes laterais ou sistema radicular deficiente e pobre - Galhas nas raízes, tubérculos, bulbos, ou qualquer outra parte da planta em contato com o solo - Raízes em formas de dedos - Descolamento e quebra do córtex radicular - Rachaduras nas raízes - Paralisação do crescimento, raízes amputadas, ou morte das pontas das raízes - Necroses em órgãos aéreos e subterrâneos - Manchas escuras em folhas - Podridões - Formação de sementes anormais - Anel vermelho - Formação de células gigantes, hiperplasia e hipertrofia (sintomas histológicos). MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 6 6. DISSEMINACAO Os nematóides podem ser disseminados principalmente: - Pelos seus próprios meios (movimentos lentos) - Pelo homem, no transporte de material propagativo infectado (sementes, mudas, tubérculos, etc.). - Por implementos agrícolas contendo solo infestado - Por animais domésticos - Por insetos - Por água de irrigação e infiltração 7. PRINCIPAIS CLASSES, FAMÍLIAS E GÊNEROS DE FITONEMATÓIDES A maioria dos fitonematóides pertence à Classe Secernentea, agrupados nas subordens Tylenchina e Aphelenchina, que se apresentam como características: • Tylenchina - portadores de estomatostílio - esôfago tilenchóide - parasitas de orgãos subterrâneos • Aphelenchina - portadores de estomatostílio - esôfago afelencóide - parasitas de orgãos da parte aérea Tabela 1. Principais famílias, gêneros, espécies e doenças causadas por fitonematóides. Família Gênero Espécie Designação Anguinidae Anguina Anguina tritici Nematóide das sementes do trigo Ditylenchus Ditylenchus dipsaci Nematóide do bulbo do alho Heteroderidae Heterodera Heterodera glycines Nematóide do cisto da soja Meloidogyne Meloidogyne incognita Nematóide das galhas Meloidogyne javanica Nematóide das galhas Hoplolaimidae Scutellonema Scutellonema bradys Nematóide da casca preta do inhame Rotylenchulus Rotylenchulus reniformis Nematóide reniforme Pratylenchidae Pratylenchus Pratylenchus brachyurus Nematóide das lesões radiculares Radopholus Radopholus similis Nematóide carvernícola bananeira Tylenchulidae Tylenchulus Tylenchulus semipenetrans Nematóide dos citros Aphelenchoididae Aphelenchoides Aphelenchoides besseyi Nematóide da ponta branca do arroz Bursaphelenchus Bursaphelenchus cocophilus Nematóide do anel vermelho coqueiro 8. MÉTODOS DE CONTROLE DE FITONEMATÓIDES No controle de nematóides fitoparasitas podem ser utilizados diferentes estratégias, dentre as quais, métodos culturais, biológicos, físicos e químicos. a) Métodos Culturais - Rotação de culturas - Inundação de pequenas áreas - Operações culturais como aração e gradagem - Incorporação de matéria orgânica - Época de plantio e colheita - Variedades resistentes. Dentre os métodos culturais existem alguns procedimentos mais específicos, como a utilização de plantas atraentes (Brassica nigra), repelentes (Tagets sp. e Crotalaria spectabilis) ou armadilhas (específicas para endoparasitas sedentários). b) Métodos Biológicos Controle de nematóides com organismos predadores, como outros nematóides, bactérias, fungos, vírus e protozoários. Na prática, apenas alguns fungos têm evidenciado resultados experimentais favoráveis. Ex.: Dactylella oviparasitica como parasita de ovos de Meloidogyne sp. c) Métodos Físicos MICHEREFF, S.J. Fundamentos de Fitopatologia ... 7 Esterilização do solo através de calor úmido e de partes da planta pela água aquecida. d) Métodos Químicos Uso de nematicidas que podem ser fumigantes ou sistêmicos. 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA AGRIOS, G.N. Plant diseases caused by nematodes. In: AGRIOS, G.N. Plant pathology. 4th ed. San Diego: Academic Press, 1997. p.563-597. FERRAZ, C.C.B.; MONTEIRO, AR. Nematóides. In: BERGAMIN FILHO, A.; KIMATI, H.; AMORIM, L.(Eds.). Manual de fitopatologia: princípios e conceitos. 3. ed. São Paulo: Agronômica Ceres, 1995. v.1, p.168-201. O’BRIEN, P.C.; STIRLING, G.R. Plant nematolgy for practical agriculturalists. 3rd ed. Brisbane: Queenslando Department of Primary Industries, 1991. 54p. TIHOHOD, D. Nematologia agrícola aplicada. Jaboticabal: FUNEP, 1993. 372p.
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