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Tópicos de Mecânica Clássica Publicações Matemáticas Tópicos de Mecânica Clássica Artur Lopes UFRGS impa Copyright 2012 by Artur Lopes Impresso no Brasil / Printed in Brazil Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz Publicações Matemáticas • Introdução à Topologia Diferencial – Elon Lages Lima • Criptografia, Números Primos e Algoritmos – Manoel Lemos • Introdução à Economia Dinâmica e Mercados Incompletos – Aloísio Araújo • Conjuntos de Cantor, Dinâmica e Aritmética – Carlos Gustavo Moreira • Geometria Hiperbólica – João Lucas Marques Barbosa • Introdução à Economia Matemática – Aloísio Araújo • Superfícies Mínimas – Manfredo Perdigão do Carmo • The Index Formula for Dirac Operators: an Introduction – Levi Lopes de Lima • Introduction to Symplectic and Hamiltonian Geometry – Ana Cannas da Silva • Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes) – Carlos Gustavo T. A. Moreira e Nicolau Saldanha • The Contact Process on Graphs – Márcia Salzano • Canonical Metrics on Compact almost Complex Manifolds – Santiago R. Simanca • Introduction to Toric Varieties – Jean-Paul Brasselet • Birational Geometry of Foliations – Marco Brunella • Introdução à Teoria das Probabilidades – Pedro J. Fernandez • Teoria dos Corpos – Otto Endler • Introdução à Dinâmica de Aplicações do Tipo Twist – Clodoaldo G. Ragazzo, Mário J. Dias Carneiro e Salvador Addas Zanata • Elementos de Estatística Computacional usando Plataformas de Software Livre/Gratuito – Alejandro C. Frery e Francisco Cribari-Neto • Uma Introdução a Soluções de Viscosidade para Equações de Hamilton-Jacobi – Helena J. Nussenzveig Lopes, Milton C. Lopes Filho • Elements of Analytic Hypoellipticity – Nicholas Hanges • Métodos Clássicos em Teoria do Potencial – Augusto Ponce • Variedades Diferenciáveis – Elon Lages Lima • O Método do Referencial Móvel – Manfredo do Carmo • A Student's Guide to Symplectic Spaces, Grassmannians and Maslov Index – Paolo Piccione e Daniel Victor Tausk • Métodos Topológicos en el Análisis no Lineal – Pablo Amster • Tópicos em Combinatória Contemporânea – Carlos Gustavo Moreira e Yoshiharu Kohayakawa • Uma Iniciação aos Sistemas Dinâmicos Estocásticos – Paulo Ruffino • Compressive Sensing – Adriana Schulz, Eduardo A.B.. da Silva e Luiz Velho • O Teorema de Poncelet – Marcos Sebastiani • Cálculo Tensorial – Elon Lages Lima • Aspectos Ergódicos da Teoria dos Números – Alexander Arbieto, Carlos Matheus e C. G. Moreira • A Survey on Hiperbolicity of Projective Hypersurfaces – Simone Diverio e Erwan Rousseau • Algebraic Stacks and Moduli of Vector Bundles – Frank Neumann • O Teorema de Sard e suas Aplicações – Edson Durão Júdice • Tópicos de Mecânica Clássica – Artur Lopes IMPA - ddic@impa.br - http://www.impa.br - ISBN: 978-85-244-0335-4 “mec˙New” 2011/10/11 page 1 i i i i i i i i Prefa´cio O presente livro e´ uma sequeˆncia natural do material apresentado no texto [Lo] do mesmo autor. Os primeiros treˆs cap´ıtulos do texto introduzem conceitos de Te- oria Ergo´dica e sua relac¸a˜o com a Mecaˆnica Cla´ssica. Nestes cap´ıtulos apresentamos exemplos de sistemas em que aparece o fenoˆmeno KAM. Como veremos a fundamentac¸a˜o matema´tica da Mecaˆnica Es- tat´ıstica “a la Gibbs” necessita de fato de resultados de Teoria Ergo´- dica como o Teorema de Birkhoff. Referimos [Rue] e [PP] ao leitor para maiores detalhes sobre este assunto. Os cap´ıtulos de 5 a 6 abordam o Formalismo Simple´tico. Para se analisar sistemas mecaˆnicos de maneira intr´ınseca em variedades diferencia´veis se necessita deste formalismo. Estes resultados podem ser generalizados (ver [AM]) para dimensa˜o infinita e permitem a ana´lise da equc¸a˜o de Korteg-de Vries, etc... A equac¸a˜o de Hamilton-Jacobi e sua relac¸a˜o com o Princ´ıpio de Huyghens e´ o tema dos cap´ıtulos 7 a 10. Nesta parte do livro e´ abordado a relac¸a˜o entre frentes de onda e raios de luz que foi a motivac¸a˜o principal para a introduc¸a˜o do ponto de vista hamiltoniano na Mecaˆnica Cla´ssica. No cap´ıtulo 11 (em conjunto com M. Sebastiani) apresentamos algumas propriedades de integrais oscilantes que permitem o me- lhor entendimento da o´tica oscilato´ria (que foi abordado no cap´ıtulo 10) e que esta˜o tambe´m relacionadas com o limite semi-cla´ssico da Mecaˆnica Quaˆntica. O apeˆndice cap´ıtulo 12 apresenta algumas definic¸o˜es e exemplos de aplicac¸o˜es de primeiro retorno induzidas em cap´ıtulos, pontos perio´dicos hiperbo´licos, el´ıpticos, etc... conceitos estes que aparecem anteriormente no texto. Referimos o texto [DL] ao leitor para resultados gerais sobre Equac¸o˜es Diferenciais Ordina´rias que sera˜o aqui utilizados. Ressaltamos que o livro [FMP] apresenta uma grande quantidade de material de Mecaˆnica Cla´ssica de uma maneira muito elegante e com muitos detalhes nas demonstrac¸o˜es. “mec˙New” 2011/10/11 page 3 i i i i i i i i I´ndice 1. A Ac¸a˜o Associada a Bilhares Convexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2. O Teorema Ergo´dico e a Hipo´tese de Boltzmannn . . . . . . . . . . . 17 3. A Teoria de Aubry para Quasi-Cristais e Exemplos do Tipo KAM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 4. Formas Diferenciais em Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 5. Formalismo Simple´tico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 6. Linhas de Vortex em Mecaˆnica Hamiltoniana . . . . . . . . . . . . . . . 140 7. E.D.P: Me´todo das Caracter´ısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 8. E.D.P: Me´todo da Soluc¸a˜o Completa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 9. O Princ´ıpio de Huygens em Mecaˆnica Hamiltoniana . . . . . . . . 176 10. A Equac¸a˜o da Onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 11. O Me´todo da Fase Estaciona´ria - em conjunto com Marcos Sebastiani . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207 12. Apeˆndice: Aplicac¸a˜o de Primeiro Retorno . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 Bibliografias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247 “mec˙New” 2011/10/11 page 4 i i i i i i i i “mec˙New” 2011/10/11 page 1 i i i i i i i i Cap´ıtulo 1 A Ac¸a˜o Associada a Bilhares Convexos Vamos considerar a seguir bilhares determinados por uma curva con- vexa e sua relac¸a˜o com fluxos Hamiltonianos. Este exemplo possibili- tara´ introduzir de maneira natural alguns conceitos ba´sicos do ponto de vista estat´ıstico (na˜o determin´ıstico) de se entender a mecaˆnica. Na pro´xima sec¸a˜o apresentaremos ao leitor os rudimentos da Te- oria Ergo´dica. Nos reportaremos a alguns exemplos tratados na pre- sente sec¸a˜o para ilustrar algumas propriedades que la´ sera˜o descritas. Considere o movimento livre de uma part´ıcula de massa 1 no plano sujeito a` ac¸a˜o do Hamiltoniano 1 2 ( p21 + p 2 2 ) . Como sabemos a trajeto´ria da part´ıcula se dara´ segundo uma linha reta e pelo Teorema da Conservac¸a˜o da Energia Total (que neste caso, e´ tambe´m a Energia Cine´tica) a velocidade ao longo da trajeto´ria tera´ mo´dulo √ p21 + p 2 2 = c = constante. Vamos descrever alguns resultados ba´sicos na Teoria dos Bilhares (ver [CM] e [CRZ]). Suponha a existeˆncia de um recipiente circundando a part´ıcula de tal modo que vai impedir que a part´ıcula va´ embora para o infinito. 1 “mec˙New” 2011/10/11 page 2 i ii i i i i i 2 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Mais precisamente, suponha que exista uma curva infinitamente diferencia´vel C de Jordan (sem auto-intercec¸a˜o), que e´ parametrizada por g : [0, c] → C ⊂ R2 no sentido anti-hora´rio, g diferencia´vel e g(0) = g(c). Considere a condic¸a˜o inicial (q0, p0) ∈ R4 da part´ıcula de tal modo que q0 esteja contida no interior da regia˜o D delimitada pela curva C e que a velocidade inicial p0 seja tal que ‖p0‖ = 1 (logo por conservac¸a˜o de energia este mo´dulo se mantera´ constante igual a 1 para sempre). Vamos supor que a regia˜o D e´ estritamente convexa (sem seg- mentos retos), isto e´, que dados dois pontos quaisquer q1, q2 ∈ D, o segmento de reta unindo q1 a q2 esta´ estritamente contido no interior da regia˜o delimitada por D. A evoluc¸a˜o temporal da part´ıcula (q(s), p(s)) = (q1(s), q2(s), p1(s), p2(s)) a partir da condic¸a˜o inicial (q0, p0) = (q 1 0 , q 2 0 , p 1 0, p 2 0) ∈ R4 sera´ tal que cada vez que a trajeto´ria q(s) ∈ R2, s ∈ R colide com a curva C, ela reflete de tal modo que o aˆngulo de incideˆncia com a tangente a` curva C seja igual ao aˆngulo de reflexa˜o (ver Figura 1.1). Desta maneira, se a trajeto´ria for tal que q0 esta´ inicialmente na parte D interior a` curva C, ela jamais saira´ de D. Vamos su- por tambe´m que as reflexo˜es sa˜o ela´sticas, ou seja, na˜o ha´ perda de energia. Sendo assim, este movimento estara´ restrito a` superf´ıcie tridimensional em R4 determinada por p21 + p 2 2 = 1. Este modelo e´ uma boa aproximac¸a˜o para o que acontece com as part´ıculas de um ga´s contido em um recipiente fechado. O problema em que estamos interessados nesta sec¸a˜o e´ analisar o que acontece com a evoluc¸a˜o temporal (q(s), p(s)) de “uma”part´ıcula que no tempo inicial s = 0 esta´ exatamente em q0 ∈ D (ou em C) e com vetor velocidade p0. Problemas de acu´stica tambe´m podem ser modelados por bilhares. Considere g : [0, c]→ C (c e´ o comprimento da curva) uma para- metrizac¸a˜o da curva C pelo comprimento de arco, isto e´ ‖g′(t)‖ = 1. Vamos supor sem perda de generalidade que a curva C tenha com- primento igual a 1 (caso contra´rio fac¸a uma mudanc¸a de varia´veis), ou seja que c = 1. Como entre cada batida o movimento e´ trivial (e´ descrito por uma linha reta) podemos simplificar o problema tridimensional (na “mec˙New” 2011/10/11 page 3 i i i i i i i i 3 superf´ıcie p21 + p 2 2 = 1) para um problema bidimensional em que q0 ∈ C da seguinte maneira: a posic¸a˜o inicial (q0, p0) ∈ R4 tal que (p10) 2+(p20) 2 = 1 e q0 = (q 1 0 , q 2 0) ∈ C, pode ser descrita por (t, ϕ) onde t ∈ [0, 1] e´ tal que g(t) = q0, e ϕ ∈ (−π2 , π2 ) e´ o aˆngulo de p0 com a normal a C em q0 apontando para dentro de C (ver Figura 1.2). Por convenc¸a˜o assumimos que ϕ = −π/2 corresponde a tangente t da curva (orientada no sentido anti-hora´rio). O vetor p0 sempre aponta para dentro da curva C, logo seu aˆngulo com a normal (apontando para dentro da curva) varia de −π/2 a π/2 como foi dito acima. Por uma questa˜o de convenieˆncia em vez de ϕ, vamos usar a varia´vel θ = sinϕ ∈ (−1, 1). Segundo a convenc¸a˜o g′(t) corresponde a θ = −1. Para descrever com mais exatida˜o a analogia que existe entre o modeˆlo do bilhar e propriedades de sistemas hamiltonianos vamos usar a seguinte notac¸a˜o, vamos associar t = q e θ = p. Sendo assim, denotaremos indistintamente t = q = g(t) e tambe´m θ = p. Dada a condic¸a˜o inicial (t0, θ0), considere a trajeto´ria (q(s), p(s)) (soluc¸a˜o do fluxo Hamiltoniano comec¸ando em (q0, p0) = (t0, θ0)) q(s) ∈ D e apo´s a primeira colisa˜o e respectivo rebote obteremos (q1, p1), q1 ∈ C. Denotaremos por (t1, θ1) os novos valores obtidos nas coordenadas (t, θ) de tal jeito que g(t1) = q1 e´ exatamente o ponto de C onde a trajeto´ria q(s) determinada por (q(s), p(s)) vai colidir com C pela primeira vez (ver Figura 1.2). O aˆngulo θ1 e´ obtido como o valor do seno do aˆngulo (do vetor refletido) com a normal (ver Figura 1.2). O fato de assumir que a curva C e´ estritamente convexa implica que T (t0, θo) = (t1, θ1) esta bem definida e e´ continua. Devemos assumir que a curva e´ parametrizada por uma func¸a˜o de Classe C2 para que resulte um difeomorfismo a aplicac¸a˜o de primeiro retorno. Fica assim, determinado um difeomorfismo T : [0, 1)× (−1, 1)→ [0, 1)× (−1, 1), onde T (t0, θ0) = (t1, θ1). A diferenciabilidade do difeomorfismo e´ C1. Vamos denotar por E = [0, 1)× (−1, 1) “mec˙New” 2011/10/11 page 4 i i i i i i i i 4 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS a regia˜o bidimensional em que T vai estar definida. E representa uma sec¸a˜o transversal (ver sec¸a˜o 12 para considerac¸o˜es gerais sobre o assunto) na superf´ıcie tridimensional p21 + p 2 2 = 1. Reduzimos assim um problema com tempo cont´ınuo em dimensa˜o 3 para um problema de dimensa˜o 2 com tempo discreto, ou seja a dinaˆmica temporal para o fluxo φt, t ∈ R transforma-se na dinaˆmica temporal para Tn, n ∈ N, onde T : E → E e´ um difeomorfismo. Este segundo problema, em princ´ıpio, e´ mais simples e vai apresentar as principais caracter´ısticas do primeiro. Para entender o que acontece com com a evoluc¸a˜o temporal φs(q, p), s ∈ R, da part´ıcula com posic¸a˜o inicial (q, p) = (t, θ), q ∈ C, basta saber o que acontece com as sucessivas batidas determinadas por T em C, ou seja pela o´rbita de (q, p) = (t, θ) dada por (t, θ) , T (t, θ) , T (T (t, θ)) , ..., Tn(t, θ) , ..., pois entre cada batida a trajeto´ria e´ uma linha reta. A linha quebrada correspondendo aos va´rios rebotes desta evoluc¸a˜o temporal t ∈ R pode ser facilmente reconstru´ıda a partir da informac¸a˜o da o´rbita de (t0, θ0). Note que se a fronteira do bilhar for constitu´ıdo por unia˜o de curvas diferencia´veis como na Figura 1.4 e 2.1, existira˜o singulari- dades devido aos ve´rtices e isto cria uma pequena dificuldade (que pode ser eliminada conforme veremos na pro´xima sec¸a˜o) na definic¸a˜o de T . Alguns destes bilhares (como o da Figura 2.1) chamados dis- persores ou de Sinai (ver [Mar] para definic¸a˜o), apresentam caos e podem ser rigorosamente analisados adaptando te´cnicas de sistemas hiperbo´licos da Teoria dos Sistemas Dinaˆmicos e Teoria Ergo´dica (ver Ro[1]). Os bilhares analisados aqui sa˜o focalizadores (em oposic¸a˜o aos dispersores) e tambe´m podem exibir como veremos em alguns casos comportamento cao´tico mas para sua ana´lise rigorosa as te´cnicas em- pregadas sa˜o de natureza distinta (e na verdade mais dif´ıcil) do que as utilizadas no caso dispersor. Bilhares sa˜o os exemplos naturais mais simples em que se observa caos (ver Figura 2.2). Para o leitor familiarizado com a teoria geome´trica das equac¸o˜es diferenciais ordina´rias (ver [LL] e [So]) esclarecemos que o procedi- mento acima (tomar a iterac¸a˜o do difeomorfismo T em vez do fluxo “mec˙New” 2011/10/11 page 5 i i i i i i i i 5 Figura 1.1: φt) e´ similar a tomar uma sec¸a˜o de Poincare´ (global) para uma equac¸a˜o diferencial. Neste sentido, a aplicac¸a˜o T pode ser enten- dida da seguinte maneira. O movimento do bilhar se da´ na regia˜o invariante tridimensional p21 + p 2 2 = 1. A regia˜o E (sec¸a˜o transversal de acordo com a sec¸a˜o 12) vai ser constitu´ıda pelos pontos da forma (q, p) onde q esta´ na curva C (bordo de D) e p e´ um vetor de norma 1 em q e apontando para dentro da curva C. Dada uma condic¸a˜o inicial em E, a aplicac¸a˜o T vai determinar o primeiro retorno (seguido de uma simetria do aˆngulo de incideˆncia com a normal a` curva) da trajeto´ria (que se desloca na regia˜o tridi- mensional) a` sec¸a˜o transversal E (ver Figura 1.5). Observac¸a˜o 1.1. Note que em geral se comec¸armos com uma con- dic¸a˜o inicial (q0, p0), e denotando por (pn, qn) = Tn(q0, p0), se se- guirmos os iterados (qn, pn), tentando prever exatamente onde ele vai estar no tempo (digamos) 1000, (isto e´, qual o valor exato de (q1000, p1000)) enfrentaremos se´rias dificuldades. Um pequeno erro na aproximac¸a˜o do valor exato de (q1, p1) se propaga para (q2, p2) e assim por diante, fazendo com que a previsa˜o do valor exato de (q1000, p1000) seja bastante dif´ıcil. O ponto de vista acima descrito pode ser entendido como o ponto de vista determin´ıstico. Para o tipo de problema que estamos considerando (bilhares em regio˜es convexas) sera´ melhor analisar a questa˜o do ponto de vista da ana´lise estat´ıstica das trajeto´rias. Para isto sera´ necessa´rio mostrar que T preserva a´rea, o que vai ser feito a seguir. “mec˙New” 2011/10/11 page 6 i i i i i i i i 6 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Notac¸a˜o: Como estamos identificando t com q = g(t) (para sim- plificar a notac¸a˜o), denote S(q0, q1) = ‖q0 − q1‖ = S(q,Q) (ou alternativamente S(t0, t1) = ‖g(t0)− g(t1)‖, onde g(t0) = q = q0, g(t1) = q1 = Q) o comprimento do segmento ligando q0 a q1. Como D e´ estritamente convexo, este segmento esta´ inteiramente contido em D. Proposic¸a˜o 1.1. Seja (q1, p1) = T (q0, p0). Para q0 fixado, ∂S(q0,q1) ∂q1 = −p1. Demonstrac¸a˜o: Como sabemos d<z(t) , z(t)>dt = 2 < z ′(t) , z(t) >, enta˜o usando a notac¸a˜o descrita acima onde q0 = g(t0) e q1 = g(t1) ∂S(q0, q1) ∂q1 = d √ < g(t1)− g(t0) , g(t1)− g(t)) > dt1 = 1 ‖g(t1)− g(t0)‖ < g ′(t1) , g(t1)− g(t0) > . Como ‖g′(t1)‖ = 1 por hipo´tese, usando a expressa˜o < u, v >= ‖u‖‖v‖ cos (aˆngulo formado por u e v), obtemos que ∂S(q0,q1)∂q1 e´ o cosseno do aˆngulo entre (g(t1) − g(t)) e g′(t1), ou seja e´ igual ao cosseno do aˆngulo de incideˆncia da part´ıcula em g(t1) com a tangente g ′(t1) neste ponto. Como p1 = θ1 = sinφ1 e´ o seno do aˆngulo com a normal apo´s o rebote, conclu´ımos que dS(q0,q1) dq1 = −p1. A troca de sinal e´ devido ao aˆngulo refletido. � Analogamente pode se mostrar que para q1 fixado ∂S(q0,q1) ∂q0 = p0. Sendo assim S define uma transformac¸a˜o que preserva a´rea. Seguira´ do que foi descrito acima que: “mec˙New” 2011/10/11 page 7 i i i i i i i i 7 Figura 1.2: Proposic¸a˜o 1.2. Fixe dois pontos q1 e q3 em C e considere A(q) = A(t) a func¸a˜o de t = q ∈ [0, 1) (estamos usando a notac¸a˜o, de iden- tificar g(t) = q ∈ C) tomando valores reais, tal que para todo valor q ∈ C, A(q) = S(q1, q) + S(q, q3) = ‖q1 − q‖+ ‖q − q3‖. Enta˜o, e´ equivalente dizer que A(q) = S(q1, q) + S(q, q3) tem um ponto cr´ıtico em q2 e dizer que a trajeto´ria do bilhar em D, sai de q1, colide a seguir com C em q2 ∈ C e finalmente bate em q3 ∈ C. Demonstrac¸a˜o: Pela u´ltima proposic¸a˜o, ∂S(q1,q2)∂q2 = −p2. De maneira ana´loga se pode mostrar que ∂S(q2,q3)∂q2 = p2. Sendo assim, a partir do que vimos na u´ltima proposic¸a˜o, a condi- c¸a˜o da igualdade do aˆngulo de incideˆncia e o aˆngulo de reflexa˜o entre os segmentos q1, q2 e q2, q3 no ponto q2 e´ equivalente a dizer que q2 satisfaz ∂S(q1, q) ∂q + ∂S(q, q3) ∂q = 0. Esta u´ltima condic¸a˜o, por sua vez, e´ equivalente a A(q) ter q2 como ponto cr´ıtico. � A conclusa˜o e´ que (q1, p1) = T (q0, p0) satisfaz as equac¸o˜es ∂S(q0, q1) ∂q = p0 e ∂S(q0, q1) ∂q1 = −p1. “mec˙New” 2011/10/11 page 8 i i i i i i i i 8 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Figura 1.3: Um ca´lculo fa´cil permite obter que ∂2S(q0, q1) ∂q0∂q1 = p0 p1 S(q0, q1) > 0 ou seja, ∂2S(t0, t1) ∂t0∂t1 = Senθ0Senθ1 S(t0, t1) > 0 Mais tarde retornaremos a analisar esta expressa˜o. Note que po- demos tomar tambe´m S(q,Q) = −‖q − Q‖ sem que alteremos em nada o que foi descrito acima, apenas fazendo com que ∂2S(q0, q1) ∂q0∂q1 < 0. Mais tarde analisaremos transformac¸o˜es T obtidas a partir de S e que satisfazem a u´ltima expressa˜o acima. Como vimos no Cap´ıtulo 3 [L], se T (q0, p0) = (q1, p1) e´ obtido atrave´s de uma aplicac¸a˜o geradora de mudanc¸a de coordenadas S(q0, q1) tal que ∂2S(q0,q1) ∂q0∂q1 6= 0 como acima, enta˜o T preserva a´rea. Note que foi necessa´rio usar as coordenadas θ = sinϕ e na˜o ϕ para obter que T : E → E preserva a´rea. Logo, para tal T vale que para qualquer aberto A, os conjuntos A e T (A) tem a mesma a´rea. “mec˙New” 2011/10/11 page 9 i i i i i i i i 9 Figura 1.4: Definic¸a˜o 1.1. A aplicac¸a˜o ‖q1− q‖ = S(q, q1) : [0, 1]× (−1, 1)→ R e´ denominada Ac¸a˜o associada ao bilhar definido pela curva C. Uma conclusa˜o que podemos obter do fato acima demonstrado e´ que todos os pontos do bilhar sa˜o na˜o errantes (ver Definic¸a˜o 5, Cap´ıtulo 3 [L]). Isto segue de imediato do fato que T preserva a´rea e do Teorema de Poincare´ (Teorema 5, Cap´ıtulo 3). O Exemplo 13, Cap´ıtulo 1 [L], constitu´ıdo por duas part´ıculas colidindo num intervalo, pode ser transformado num problema sobre trajeto´rias no bilhar triangular. A demonstrac¸a˜o que a aplicac¸a˜o no bordo do bilhar preserva a´rea tambe´m pode ser aplicada a tal bi- lhar. Concluimos portanto que no caso do sistema de duas part´ıculas colidindo num intervalo, todos os pontos sa˜o na˜o errantes. O fato do difeomorfismo T do bilhar convexo preservar a´rea, per- mitira´ tambe´m usar te´cnicas probabil´ısticas na ana´lise das trajeto´rias do sistema mecaˆnico em considerac¸a˜o. Estes resultados sera˜o apre- sentados na pro´xima sec¸a˜o. O resultado acima, sobre conservac¸a˜o de a´rea e´ verdadeiro para uma grande classe de interessantes e diferentes tipos de bilhares. A evoluc¸a˜o das trajeto´rias do bilhar vai depender no entanto de maneira essencial da forma da curva C. Vamos mostrar isto atrave´s de alguns exemplos. “mec˙New” 2011/10/11 page 10 i i i i i i i i 10 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Figura 1.5: Definic¸a˜o 1.2. Dizemos que V : E → R e´ uma integral primeira de T se V (q, p) e´ cont´ınua e constante ao longo das o´rbitas Tn(q0, p0) = (qn, pn). A existeˆncia de tal V : [0, 1)× (−1, 1)→ R implica na existeˆncia de uma integral primeira V˜ para φt em p 2 1 + p 2 2 = 1. Isto ocorre porque, o sistema a tempo cont´ınuo φt na superf´ıcie tridimensional p21+p 2 2 = 1, e´ obtido a partir de T apenas acrescentando retas ligando x a T (x). Cada curva invariante em [0, 1) × (−1, 1) determina por- tanto uma superf´ıcie bidimensional invariante para φt na superf´ıcie tridimensional em p21 + p 2 2 = 1. Exemplo 1.1. O c´ırculo. Considere C um c´ırculo de raio 1. Em vez da parametrizac¸a˜o do c´ırculo por (cos 2πt, sen 2πt ), 0 ≤ t ≤ 1 vamos usar as coordenadas 0 ≤ s < 2π para a posic¸a˜o q e −π/2 ≤ ϕ < π/2 para o aˆngulo com a normal. No caso do c´ırculo e´ fa´cil ver que S(q,Q) = S(s0, s1) = 2 sen ((s1 − s0)/2). Por propriedades elementares de geometria o aˆngulo ϕ na˜o va- ria ao longo de uma o´rbita e T e´ dado por T (s0, ϕ0) = (s1, ϕ1) = (s0 + 2ϕ0, ϕ0) E´ fa´cil ver que se a condic¸a˜o inicial for (s0, ϕ0) = “mec˙New” 2011/10/11 page 11 i i i i i i i i 11 (q0, p0) ∈ [0, 2π) × (−π/2, π/2), enta˜o para todo n, Tn(q0, p0) = (qn, pn) e´ tal que pn = p. Sendo assim se plotarmos va´rias trajeto´rias {(q, p), T (q, p), T 2, ..., Tn(q, p)}, onde (q, p) sa˜o diferentes condic¸o˜es iniciais, obteremos uma decomposic¸a˜o do espac¸o de fase (q, p) ∈ [0, 2π)× (−π/2, π/2), da forma apresentada na Figura 1.7. Logo, a func¸a˜o V (q, p) = p (ou seja V (s, ϕ) = ϕ) e´ constante ao longo de cada o´rbita. Portanto, tal V e´ uma integral primeira do bilhar. Como T (s0, ϕ0) = (s0 + 2ϕ0), φ0) considere apenas a ac¸a˜o de T na primeira ordenada g(s0) = s0 + 2ϕ0 (mod 1). Se 2ϕ0 for da forma racional vezes 2π e´ fa´cil ver que todoponto s0 sera´ perio´dico. Caso 2ϕ0 for da forma irracional vezes 2π enta˜o, conforme a pro´xima sec¸a˜o, ocorre que para qualquer s0 fixado a o´rbita g j(s0), j > 0 sera´ densa em [0, 1). Neste u´ltimo caso, naturalmente, na˜o existem o´rbitas perio´dicas. Sendo assim, conclu´ımos que a dinaˆmica da evoluc¸a˜o temporal de Tn(s0, ϕ0) fica completamente entendida e de acordo com a Fi- gura 1.5. Se quisermos podemos mudar novamente coordenadas e considerar alternativamente o problema nas coordenadas Tn(t0, θ0) obtendo os resultados ana´logos. Optamos pelas coordenadas (s, ϕ) apenas porque as fo´rmulas de T e S neste caso ficam mais simples. Exemplo 1.2. A elipse. Tomando va´rias condic¸o˜es iniciais (q, p) ∈ [0, 1)× (−1, 1) diferentes e tomando as correspondentes o´rbitas {(q, p), T (q, p), ..., Tn(q, p), ...} obteremos uma decomposic¸a˜o do espac¸o de fase (q, p) ∈ [0, 1)×(−1, 1) da forma apresentada na Figura 1.7. A func¸a˜o V (q, p) = q2 − ǫ2 cos2 ν 1− ǫ2 cos2 ν (onde ǫ e´ a excentricidade da elipse e ν e´ o aˆngulo de p com o eixo dos x), por sua vez, e´ constante ao longo das o´rbitas do bilhar na elipse. Um exame das curvas de n´ıvel de tal G nos determina a Figura que 1.7 descreve o´rbitas associadas a diversas condic¸o˜es iniciais. Da mesma maneira como no c´ırculo algumas curvas de n´ıvel sera˜o tais “mec˙New” 2011/10/11 page 12 i i i i i i i i 12 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Figura 1.6: que as o´rbitas de condic¸o˜es iniciais sobre elas sera˜o densas nela e em algumas outras curvas tal na˜o ocorre. E´ poss´ıvel mostrar tambe´m que em algumas curvas de n´ıvel o tj de (tj , θj) = T (t0, θ0), j > 0 explora densamente on intervalo [0, 1] e em outras na˜o; a Figura 1.7 e 1.8 ilustra tal fato. A existeˆncia de tal V : [0, 1)× (−1, 1)→ R por sua vez implica na existeˆncia de uma integral primeira V˜ para φt em p 2 1 + p 2 2 = 1. Por- tanto, da mesma maneira como no caso do c´ırculo, obtemos neste caso uma integral primeira para o sistema a tempo cont´ınuo associado. Exemplo 1.3. O ovo (ver Figura 1.8). Tomando va´rias condic¸o˜es iniciais (q, p) diferentes e tomando as correspondentes o´rbitas {(q, p), T (q, p), ..., Tn(q, p)} obteremos uma decomposic¸a˜o do espac¸o de fase da forma apresentada na Figura 1.8. Note que mesmo que a elipse e o ovo tenham for- mas semelhantes, o espac¸o de fase do bilhar com fronteira dada pelo ovo apresentado na Figura 1.8 e´ bastante diferente dos dois exem- plo anteriores. Este sistema, aparentemente pelo que mostra a Fi- gura 1.8 na˜o existe func¸a˜o cont´ınua V (definida em todo E e na˜o “mec˙New” 2011/10/11 page 13 i i i i i i i i 13 constante) que seja constante em cada o´rbita {Tn(x), n ∈ N} para cada x = (q, p) ∈ E. O Exemplo 1.3 (ver Figura 1.8) mostra uma combinac¸a˜o de com- portamentos distintos (dependendo da o´rbita ou seja da condic¸a˜o ini- cial escolhida); existe uma evideˆncia nume´rica que existem algumas curvas invariantes por T e tambe´m regio˜es bidimensionais invariantes por T (que na˜o sa˜o unia˜o de curvas invariantes conforme Figura 1.8). Neste caso aparece o que se convenciona chamar de ilhas KAM e que sera´ analisado mais tarde no texto. Nas curvas invariantes que aparecem na figura podem haver o´rbitas perio´dicas, trajeto´rias com o´rbita densa, etc... Exemplo 1.4. O esta´dio circular e´ o bilhar tal que a curva C tem a forma apresentada na Figura 1.4. E´ constitu´ıdo por duas retas paralelas com comprimento l > 0 e por duas metades de um c´ırculo. Tomando apenas “uma certa”condic¸a˜o inicial (q0, p0) e plotando a o´rbita de (q, p) ate´ ordem n=999, isto e´, plotando o conjunto {(q, p), T (q, p), ..., T 999(q, p)} obtemos Figura 1.7 (figura da direita). A o´rbita T j(q0, p0), j ∈ {1, 2, ..., n} parece se distribuir de maneira uniforme sobre E, isto e´ o nu´mero de j ∈ {1, 2, ..., n − 1} em um aberto qualquer fixado A dividido por 1000 parece ser proporcional a a´rea de A. Note que podem existir o´rbitas no esta´dio circular que na˜o tem o comportamento acima descrito: por exemplo o´rbitas perio´dicas de per´ıodo dois como aparece na Figura 1.6. Na verdade para a ”maioria”das condic¸o˜es iniciais (q0, p0) as o´r- bitas no esta´dio circular T j(q0, p0) tera˜o uma distribuic¸a˜o uniforme como no caso da Figura 1.7 (figura da direita). Explicar o sentido da palavra ”maioria”sera´ um dos objetivos da pro´xima sec¸a˜o. Este exemplo sera´ um dos assim chamados sistemas ergo´dicos. Observac¸a˜o 1.2. Note que o comportamento da trajeto´ria Tn(q, p) neste u´ltimo Exemplo 1.4 e´ totalmente distinto dos dois primeiros Exemplos 1.1 e 1.2, onde cada trajeto´ria esta confinada a uma curva (um conjunto unidimensional) por causa da integral primeira V . “mec˙New” 2011/10/11 page 14 i i i i i i i i 14 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS Figura 1.7: Espac¸o de fase respectivamente do c´ırculo, elipse e esta- dium. O comportamento descrito pelo Exemplo 1.4 mostra uma situac¸a˜o que e´ tambe´m diferente do Exemplo 1.3. No presente caso a tra- jeto´ria Tn(x), x ∈ [0, 1)× (−1, 1) de um ponto escolhido ao acaso no Exemplo 1.4 parece tentar explorar toda a regia˜o bidimensional E. Mais precisamente, a o´rbita {Tn(x)} tenta ocupar densamente todo o espac¸o E = [0, 1)×(−1, 1) e neste caso, na˜o parece existirem curvas invariantes para tal T em E. Este u´ltimo bilhar Exemplo 1.4 e´ o proto´tipo de um sistema ergo´dico (os Exemplos 1.1, 1.2 e 1.4 na˜o o sa˜o) conceito que sera´ tornado preciso na pro´xima sec¸a˜o. Para finalizar algumas considerac¸o˜es gerais sobre bilhares. Observac¸a˜o 1.3. Generalizando o que foi afirmado na Proposic¸a˜o 1.2 e´ fa´cil ver que se q0, q1, q2, ..., qn sa˜o sucessivas batidas em C de uma o´rbita T j(q0, θ0) enta˜o para q0, qn fixos a func¸a˜o A(x1, x2, ..., xn−1) = S(q0, x1) + S(x1, x2) + ...+ + S(xn−2, xn−1) + S(xn−1, qn) A : En−1 → R tem (q1, q2, ..., qn−1) como ponto cr´ıtico. Temos assim uma versa˜o a tempo discreto do princ´ıpio mı´nima ac¸a˜o. Esta propri- edade sera´ analisada posteriormente com mais detalhe e tambe´m em outros casos similares. Note que para bilhares focalizadores (como descritos acima) se em vez de considerarmos S(q0, q1) = ||q0 − q1|| tomarmos S(q0, q1) = −||q0− q1|| determinaremos tambe´m uma T que descreve a dinaˆmica “mec˙New” 2011/10/11 page 15 i i i i i i i i 15 Figura 1.8: O ovo e seu espac¸o de fase. do bilhar (troca apenas a orientac¸a˜o da curva). A condic¸a˜o obtida antes ∂ 2S(q0,q1) ∂q0∂q1 > 0 neste u´ltimo caso troca para ∂ 2S(q0,q1) ∂q0∂q1 < 0. No caso S(q0, q1) = ||q0−q1|| a condic¸a˜o de mı´nimo para A da observac¸a˜o acima significa obter trajeto´rias com mı´nimo comprimento. No outro caso o princ´ıpio de mı´nima ac¸a˜o determina trajeto´rias com ma´ximo comprimento. Para bilhares dispersores (ver Figura 2.1) podemos tambe´m consi- derar S(q0, q1) = ||q0−q1|| ou S(q0, q1) = −||q0−q1|| correspondendo respectivamente a ∂ 2S(q0,q1) ∂q0∂q1 < 0 e ∂ 2S(q0,q1) ∂q0∂q1 > 0 (observe a troca de sinal em comparac¸a˜o com o caso focalizador). O bilhar descrito pela Figura 2.1 em que o bordo do bilhar e´ constitu´ıdo por uma se´rie de curvas diferencia´veis com a concavidade para fora (que fazem um aˆngulo na˜o nulo nas intercec¸o˜es) e´ conhecido como bilhar de Sinai. Pode-se mostrar que o espac¸o de fase neste caso e´ semelhante ao do caso do estadium, isto e´, tomando um ponto inicial (q0, p0) fixado no bordo, os iterados (qn, pn) = T n(q0, p0) se distribuem de maneira uniforme no espac¸o de fase. Referimos o leitor a [Si], [Ma] e [Ta] para resultados gerais sobre o assunto. Alguns tipos diferentes de bilhares sa˜o analisados em [S] e [LS.] “mec˙New” 2011/10/11 page 16 i ii i i i i i 16 [CAP. 1: A AC¸A˜O ASSOCIADA A BILHARES CONVEXOS A conclusa˜o a que chegamos ao fim desta sec¸a˜o e´ que mesmo para um campo Hamiltoniano sem energia potencial, a dinaˆmica da evoluc¸a˜o temporal do sistema mecaˆnico associado pode ser muito complexa, se assumirmos a existeˆncia de um recipiente contendo a condic¸a˜o inical e com a qual a trajeto´ria do sistema colide elastica- mente. Exerc´ıcios 1. Mostre que V (q, p) = p do Exemplo 1.1, e´ constante ao longo das trajeto´rias do bilhar no c´ırculo. 2. Mostre que V (q, p) = q 2−ǫ2 cos2 ν 1−ǫ2 cos2 ν do Exemplo 1.2, e´ constante ao longo das trajeto´rias do bilhar na elipse. “mec˙New” 2011/10/11 page 17 i i i i i i i i Cap´ıtulo 2 O Teorema Ergo´dico e a Hipo´tese de Boltzmann Nesta sec¸a˜o vamos apresentar de maneira suscinta o Teorema Ergo´dico e algumas de suas consequ¨eˆncias. Primeiramente vamos apresentar o Teorema Ergo´dico com tempo discreto e mais para o fim desta sec¸a˜o o Teorema Ergo´dico com tempo cont´ınuo. Informamos ao leitor que o objetivo da presente sec¸a˜o e´ apenas apresentar ide´ias e descrever resultados interessantes. Referimos para os excelentes textos [M] e [KH] para a fundamentac¸a˜o matema´tica rigorosa do que segue abaixo. O autor do presente livro escreveu tambe´m notas [L2] onde estes to´picos sa˜o apresentados com todo rigor matema´tico. Ao fim da presente sec¸a˜o, o Exemplo 2.15 e´ um dos mais im- portantes deste texto. Neste exemplo, mostraremos que sob certas condic¸o˜es, vale a hipo´tese de Boltzmann (ver considerac¸o˜es a seguir) em torno de um ponto de equil´ıbrio de um sistema integra´vel. Como vimos anteriormente quando analisamos o bilhar na Sec¸a˜o 1, o entendimento do comportamento das o´rbitas do fluxo Hamilto- niano H(q1, q2, p1, p2) = p 2 1 + p 2 2 restrito a um recipiente delimitado por uma curva C (na qual exis- 17 “mec˙New” 2011/10/11 page 18 i i i i i i i i 18 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN te um rebote quando a o´rbita colide com a curva) pode ser obtido pela iterac¸a˜o de uma aplicac¸a˜o T induzida em uma sec¸a˜o transversal bidimensional E (pelo primeiro retorno). Vamos apresentar um re- sultado matema´tico que vai possibilitar entender melhor a evoluc¸a˜o temporal de tal sistema mecaˆnico. Lembre que o difeomorfismo T induzido pelo bilhar em C preserva a´rea, pois e´ obtido atrave´s de uma aplicac¸a˜o geradora S (ver Proposic¸a˜o 1.2 e Lema 11.1, Cap´ıtulo 3 [L]). Definic¸a˜o 2.1. Uma probabilidade P definida em um conjunto aberto X do Rn e´ uma lei que associa a cada subconjunto A ⊂ X um valor P (A) ∈ [0, 1]. Uma probabilidade deve satisfazer tambe´m as seguintes proprie- dades: 1) P (∅) = 0 (∅ e´ o conjunto vazio) 2) P (X) = 1. 3) P ( ∪∞i=1Ai ) = ∑∞ i=1 P (Ai) se os conjuntos Ai forem todos disjuntos. Na Sec¸a˜o 10 do Cap´ıtulo 3 (ver Exemplo 51 em [L]), introduzimos um caso particular de probabilidade. Outras sera˜o consideradas a seguir. Observac¸a˜o 2.1. Na˜o dissemos nada a respeito da classe de subcon- juntos A de X onde esta´ definido tal probabilidade P . P precisa ser definida numa sigma-algebra (ou seja, uma colec¸a˜o de conjuntos F tal que a) X ∈ F , b) se A ∈ F enta˜o X −A ∈ F e c) para toda colec¸a˜o enumera´vel An ∈ F vale que ∪nAn ∈ F). Para na˜o entrar em detalhes te´cnicos, vamos apenas esclarecer que muitas vezes que nem todos os subconjuntos A tera˜o um valor de probabilidade P (A). Felizmente, os conjuntos A que tem importaˆncia no desenvolvimento que segue tera˜o sempre um valor bem definido de probabilidade. O leitor interessado na formalizac¸a˜o matema´tica de tais conceitos, que envolvem Teoria da Medida, sigma-a´lgebras, “mec˙New” 2011/10/11 page 19 i i i i i i i i 19 Figura 2.1: etc..., podem encontrar uma o´tima exposic¸a˜o do assunto em [Fe] e [Rud]. A classe de subconjuntos A que vamos necessitar utilizar aqui (e que tera˜o um valor bem definido de probabilidade) incluem entre outros os abertos com bordo diferencia´vel por partes. Nosso ponto de vista aqui sera´ apenas dar uma ide´ia dos conceitos principais sem entrar em detalhes matema´ticos mais sofisticados. Vamos descrever brevemente agora que tipo de probabilidades P vamos considerar a seguir. Considere X ⊂ Rn, subconjunto aberto limitado com o bordo constituido por uma curva diferencia´vel por partes, e uma func¸a˜o continua na˜o negativa ψ definida em X, tal que∫ X ψ(x)dx = ∫ X ψ(x)dx1dx2...dxn = 1. Se A for um conjunto aberto A ⊂ X com o bordo definido por uma curva diferencia´vel por partes, utilizando a definic¸a˜o usual de integral do Ca´lculo a va´rias varia´veis, ∫ A ψ(x)dx existe e vamos definir “mec˙New” 2011/10/11 page 20 i i i i i i i i 20 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN Figura 2.2: a probabilidade P = Pψ sobre conjuntos A desta forma por P (A) =∫ A ψ(x)dx. E´ fa´cil ver que P satisfaz as leis 1) 2) 3) da Definic¸a˜o 2.1 acima, para a colec¸a˜o dos abertos A ⊂ X com bordo diferencia´vel por partes (e suas unio˜es conta´veis). Desta maneira obtemos a partir de ψ uma probabilidade P = Pψ definida em X associando valores P (A) a subconjuntos abertos A de X com bordo diferencia´vel por partes. Por exemplo, para um paralelep´ıpedo B = (a1, b2)×(a2, b2)× ...× (an, bn) ⊂ X ⊂ Rn, obteremos que P (B) = ∫ b1 a1 ... ∫ bn an ψ(x)dx1...dxn. As probabilidades P que estaremos interessados nesta sec¸a˜o sera˜o sempre do tipo acima descrito P = Pψ. ψ sera´ denominada densidade da probabilidade P = Pψ. Se ψ e´ constante diremos que Pψ e´ a “probabilidade uniforme”em X. Neste caso, P (A) = a´rea de A a´rea de X . Fixada uma probabilidade P , a classe de conjuntos A ⊂ X so- bre os quais necessitamos definir o que seria a probabilidade P (A), “mec˙New” 2011/10/11 page 21 i i i i i i i i 21 Figura 2.3: no entanto, deve ser maior do que a classe dos abertos com bordo diferencia´vel por partes. Sera´ necessa´rio por exemplo, no Teorema Ergo´dico, falar sobre certos conjuntos A que na˜o sa˜o abertos, mas tem relevaˆncia no entendimento da evoluc¸a˜o temporal do sistema. Estes conjuntos sera˜o denominados de conjuntos de probabilidade total. Muitos dos resultados que apresentaremos a seguir valem para probabilidades mais gerais P (na˜o so´ do tipo Pψ), mas para na˜o entrarmos em problemas te´cnicos desnecessa´rios, vamos considerar apenas probabilidades deste tipo. Definic¸a˜o 2.2. Dada uma probabilidade P em X, dizemos que um conjunto A ⊂ X ⊂ Rn tem probabilidade zero para P se para qualquer ǫ existe uma sequeˆncia de paralelep´ıpedos Bi , i ∈ N contidos em X ⊂ Rn tal que A ⊂ ∪∞i=1Bi e ∑∞ i=1 P (Bi) < ǫ. Para conjuntos A deste tipo, sera´ verdade que P (A) = 0 (ver [Fe] e [Rud]). O crite´rio de mostrar que um certo conjunto tem probabilidade zero, mostrando que satisfaz a Definic¸a˜o 2.2 e´ extremamente u´til. Exemplo 2.1. Considere a probabilidade uniforme em [0, 1], que atribui probabilidade b − a para todo intervalo [a, b] ⊂ [0, 1]. Para esta probabilidade o conjunto dos racionais em [0, 1], isto e´ Q∩ [0, 1] (ou qualquer conjunto enumera´vel) tem probabilidade zero. Isto segue “mec˙New” 2011/10/11 page 22 i i i i i i i i 22 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN do fato que, dado ǫ, os conjuntos da forma Bǫi = Bi, i ∈ N Bi = { x ∈ [0, 1] | |x− qi| < ( 1 2 )i ǫ 2 } cobrem Q, onde qi ∈ Q∩[0, 1], i ∈ N e´ uma enumerac¸a˜o dos racionais em [0, 1]. Note que o comprimento total coberto pela unia˜o dos Bi, i ∈ N, e´ menor que ǫ qualquer dado. Dada a probabilidade P = Pψ em X, a integral de uma func¸a˜o ϕ : X → Rcom respeito a P , e´ por definic¸a˜o ∫ X ϕ(x)ψ(x)dx, expressa˜o que e´ denotada por ∫ ϕ(x)dP (x). Dado um conjunto A vale sempre que ∫ IA(x)dP (x) = P (A) Se P e´ a probabilidade uniforme em X, enta˜o ∫ ϕ(x)dP (x) =∫ X ϕ(x)dx a´rea de X . Exemplo 2.2. Conjuntos de probabilidade zero aparecem natural- mente na Teoria das Se´ries de Fourier. Suponha que duas func¸o˜es f e g sa˜o iguais em todos os pontos do intervalo [0,1], menos num con- junto A de probabilidade uniforme 0 (no qual podem eventualmente ser distintos), sendo assim, ∫ 1 0 f(x)dx = ∫ 1 0 g(x)dx. Este fato segue facilmente da definic¸a˜o de integral (ver [Li1] e [Fe]). Conclu´ımos enta˜o que duas func¸o˜es que diferem apenas num conjunto de medida zero tem a mesma integral com respeito a dx. Como as func¸o˜es f(x)ei2πxn e g(x)ei2πnx tambe´m sa˜o iguais em todos os pontos do intervalo (0, 1), menos num conjunto A de proba- bilidade 0, enta˜o∫ 1 0 f(x)ei2πxndx = ∫ 1 0 g(x)ei2πnxdx. Logo as duas func¸o˜es f e g como acima possuem a mesma se´rie de Fourier, porque possuem os mesmos coeficientes de Fourier: 1 2π ∫ 1 0 f(x)ei2πxndx = 1 2π ∫ 1 0 g(x)ei2πxn , ∀n ∈ Z. A rec´ıproca tambe´m e´ verdadeira: duas func¸o˜es que tem todos os coeficientes de Fourier iguais sa˜o iguais a menos de um conjunto de probabilidade dx nula. “mec˙New” 2011/10/11 page 23 i i i i i i i i 23 Logo, a Se´rie de Fourier, na˜o distingue uma f e g que sa˜o iguais a menos de um conjunto de probabilidade uniforme zero. Exemplo 2.3. Seja X = [0, 1] × [0, 1]. Se P (A) = a´rea de A, para cada A ⊂ [0, 1] × [0, 1] (esta probabilidade como vimos antes e´ cha- mada de uniforme), enta˜o um conjunto tem probabilidade zero para P , se puder ser coberto por unio˜es de retaˆngulos tal que a soma das a´reas destes retaˆngulos pode ser tomada arbitrariamente pequena. Exemplo 2.4. Considere em X = [0, 1] o conjunto A obtido da se- guinte maneira. Primeiro retire o terc¸o central do intervalo [0,1], a seguir retire dos dois intervalos que sobraram os terc¸os do meio. Obteremos assim 4 intervalos. Retire novamente de cada um dos 4 intervalos os terc¸os me´dios e prossiga assim indefinidamente. Na etapa n teremos ao todo 2n intervalos disjuntos. O conjunto que sobra deste procedimento de retirar infinitamente terc¸os dos intervalos que va˜o sobrando, e´ mostrado de maneira aproximada na Figura 2.3. Este conjunto e´ denominado conjunto de Cantor. Considere a probabili- dade P tal que P ([a, b]) = b− a para qualquer intervalo [a, b] ⊂ [0, 1]. O conjunto de Cantor tem probabilidade 0 para tal P . Para provar isto, basta cobrir o conjunto de Cantor por unia˜o de intervalos tal que a soma dos intervalos e´ arbitrariamente pequena. Note que os 2n intervalos que restam do procedimento na etapa n, contem C e tem soma total dos comprimentos igual a 2n 13 n . Como 2 3 n converge a zero, enta˜o o conjunto de Cantor tem probabilidade zero em [0,1] para a probabilidade uniforme. O conjunto de Cantor na˜o e´ um conjunto aberto. Como o conjunto de Cantor tem probabilidade zero e´ portanto um conjunto “ralo”(ou seja, muito pequeno) no intervalo [0, 1]. Este conjunto e´ o exemplo mais elementar de fractal (ver definic¸a˜o em [Fa]). Note que foi fundamental usar o crite´rio da Definic¸a˜o 2.2 para dizer que o conjunto de Cantor tem probabilidade zero. Os conjuntos de probabilidade zero sa˜o considerados desprez´ıveis na ana´lise probabil´ıstica. Ou seja, se uma propriedade e´ va´lida para todos os pontos de E, menos para um conjunto de probabilidade zero, enta˜o do ponto de vista probabil´ıstico tal propriedade e´ verdadeira. Se escolhessemos um ponto ao acaso no intervalo [0,1] de acordo com “mec˙New” 2011/10/11 page 24 i i i i i i i i 24 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN a Probabilidade P do u´ltimo exemplo, este ponto na˜o estaria no con- junto de Cantor, pois este conjunto tem probabilidade 0. Definic¸a˜o 2.3. Para uma certa probabilidade P definida em X, di- zemos que um conjunto B tem probabilidade total para P se X − B tem probabilidade zero para P . Exemplo 2.5. O conjunto dos irracionais no intervalo [0,1], isto e´ o conjunto [0, 1] −Q, tem probabilidade total para a probabilidade uniforme, pois Q ∩ [0, 1] tem probabilidade zero. Diz-se que uma propriedade e´ va´lida em P -quase toda parte, se ela e´ va´lida num conjunto de probabilidade total para P . Quando se diz que um ponto x e´ escolhido ao acaso segundo um probabilidade P , x e´ na verdade ao acaso dentro de um conjunto de probabilidade total B. Este ponto de vista (ou seja se preocupar apenas com o que e´ verdadeiro P -quase toda parte) e´ a esseˆncia da Teoria da Probabi- lidade. Definic¸a˜o 2.4. Um ponto x escolhido num conjunto de probabili- dade total e´ denominado de um ponto “gene´rico no sentido proba- bil´ıstico”(para a probabilidade P ). Nosso objetivo a seguir e´ analisar do ponto de vista estat´ıstico (ou probabil´ıstico) a evoluc¸a˜o temporal da o´rbita Tn(x) de um difeomor- fismo T : X → X. Iremos considerar uma probabilidade P sobre X e tentaremos fazer afirmac¸o˜es que tenham sentido do ponto de vista probabil´ıstico. Isto e´, o que se pode dizer para as o´rbitas Tn(x) se x for escolhido num conjunto de probabilidade total para P? Em outras palavras, desejamos obter propriedades das o´rbitas Tn(x) de pontos x escolhidos ao acaso de acordo com a probabilidade P (ou seja pontos x gene´ricos). As probabilidades P que sa˜o u´teis para o entendimento da evoluc¸a˜o temporal das o´rbitas T : X → X, devem ter algum tipo de relac¸a˜o com T . Esta relac¸a˜o sera´ descrita pela pro´xima definic¸a˜o. Definic¸a˜o 2.5. Dizemos que P probabilidade sobre X e´ invariante para um difeomorfismo T se P (T (A)) = P (A) para qualquer conjunto A ⊂ X. “mec˙New” 2011/10/11 page 25 i i i i i i i i 25 Exemplo 2.6. Na u´ltima sec¸a˜o mostramos que o difeomorfismo T associado ao bilhar convexo preserva a´rea em E = [0, 1) × (−1, 1) (Proposic¸a˜o 1.2, Cap´ıtulo 1). Logo, se P e´ definido por P (A) = a´rea de A 2 , enta˜o P e´ invariante para tal T . Neste caso a densidade ψ(t, θ) = 12 , define Pψ = P . Note que no caso da Figura 2.1 (bilhar dispersor) t´ınhamos difi- culdade em definir T : E → E porque algumas trajeto´rias T (t0, θ0) poderiam bater numa quina. Como estamos utilizando um ponto de vista probabil´ıstico ficaremos satisfeitos se T estiver bem definido em um subconjunto K ⊂ E de P -probabilidade total. Em muitos casos tal propriedade e´ verdadeira e a ana´lise dinaˆmica que faz sentido sera´ na verdade de T : K → K (ver [Ma]). No caso do bilhar dispersor (ou outro qualquer com quinas) con- sidere L = {(q0, p0)| tal que T (q0, p0) bate numa quina ou p1 = 1 ou −1 } (ou seja a reta a partir de q com aˆngulo p intersecta uma quina ou fica tangente a um lado). E´ fa´cil ver que nos casos mais co- muns o conjunto L e´ uma curva diferencia´vel por partes e tem medida bidimensional em E nula. Considere agora K = E −∪n∈ZTnL. E´ fa´cil ver que em K todos os iterados de Tn esta˜o bem definidos e perdemos do conjunto E um conjunto de medida 0 (pois P (E) = P (K) = 1). Nada foi perdido do ponto de vista probabil´ıstico com esta restric¸a˜o. Exemplo: Seja T (x) = x + λ (mod 1), T : [0, 1] → [0, 1], onde λ e´ uma constante, enta˜o a probabilidade uniforme (ou seja dx) e´ invariante para T . Isto segue trivialmente do fato que a inclinac¸a˜o do gra´fico de T e´ 1, logo para cada intervalo A a imagem T (A) tem o mesmo comprimento total (pode ser a unia˜o de dois intervalos) que A. Considere agora uma func¸a˜o ϕ : E → R, que na maioria das vezes vai representar algum observa´vel do sistema (por exemplo, o valor da posic¸a˜o t (neste caso ϕ(t, θ) = t) na curva C do bilharconsiderado na sec¸a˜o anterior). Ao longo da evoluc¸a˜o temporal do sistema comec¸ando em x (ou seja, a o´rbita {x, T (x), T 2(x), ..., Tn(x), ...} comec¸ando no ponto x ∈ “mec˙New” 2011/10/11 page 26 i i i i i i i i 26 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN Figura 2.4: E) estaremos interessados em calcular o valor me´dio de ϕ, denotado por ϕm(x) = 1 m (ϕ(x) + ϕ(T (x)) + ...+ ϕ(Tm−1(x))) ao longo da o´rbita de x do tempo 0 ate´ o tempo m− 1. Fazendo o nu´mero de iterac¸o˜es m tender a infinito, obteremos a me´dia assinto´tica me´dia do observa´vel ϕ ao longo da evoluc¸a˜o tem- poral iniciada em x: ϕˆ(x) = lim m→∞ 1 m (ϕ(x) + ϕ(T (x)) + ...+ ϕ(Tm−1(x))). Estaremos assim obtendo uma informac¸a˜o de natureza assinto´tica desta evoluc¸a˜o temporal. Um dos to´picos de maior interesse da Mecaˆnica Estat´ıstica e´ saber o que acontece em termos probabil´ısticos (em x) com as me´dias temporais ϕˆ(x) e sua dependeˆncia em x. O f´ısico L. Boltzmann estava interessado em entender o sistema de part´ıculas (da ordem de 1023 part´ıculas) de um ga´s delimitado por “mec˙New” 2011/10/11 page 27 i i i i i i i i 27 um recipiente fechado. Um sistema com tantas part´ıculas e´ dif´ıcil de ser analisado do ponto de vista determin´ıstico. O sistema com ape- nas “uma”part´ıcula colidindo elasticamente com a fronteira de uma regia˜o bidimensional que apresentamos na sec¸a˜o anterior ja´ apresenta dificuldades de ana´lise determin´ıstica como vimos anteriormente (ver Observac¸a˜o 1.1, Cap´ıtulo 1 em [L]). Prever a evoluc¸a˜o temporal de uma part´ıcula apo´s decorrido em tempo t muito grande e´ muito dif´ıcil (devido a acumulac¸a˜o de erros nas aproximac¸o˜es), imagine analisar um nu´mero enorme de part´ıculas (1023) como acontece em um ga´s em um compartimento fechado. Sendo assim, faz mais sentido, per- guntar sobre a probabilidade de encontrar uma part´ıcula numa regia˜o D do recipiente. Este e´ o ponto de vista probabil´ıstico da Mecaˆnica e que e´ o objeto da Mecaˆnica Estat´ıstica. Estaremos interessados em fazer afirmac¸o˜es para pontos x “gene´ricos no sentido probabil´ıstico”. Para fixar ide´ias vamos considerar a evoluc¸a˜o temporal {T (x), T 2(x), ..., Tn(x)} quando x = (q, p) descreve a posic¸a˜o de “uma”part´ıcula de um ga´s que esta´ em q com velocidade p. Considere agora ϕ um observa´vel do sistema (θ, ou temperatura, etc...), isto e´, ϕ e´ uma func¸a˜o do espac¸o de fase x = (q, p) ∈ E tomando valores em R. O que se pode dizer do valor me´dio ϕˆ(x)? A Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann: A Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann, que foi enunciada por L. Boltzmann no meio do se´culo XIX, afirmava que fixado um n´ıvel de energia H0, este valor ϕˆ(x) na˜o deveria depender de x neste n´ıvel de energia H0 (no caso de um ga´s num recipiente fechado). Bem, a referida hipo´tese em termos ta˜o amplos na˜o resultou ser verdadeira. Primeiro, vamos tentar entender em termos Matema´ticos mais precisos o que L. Boltzmann estava querendo afirmar com a sua Hipo´tese Ergo´dica. Mais tarde, tentaremos esclarecer o que na˜o foi confirmado de tal hipo´tese. Em termos matema´ticos mais precisos, o que L. Boltzmann estava afirmando, na verdade, e´ que deve existir uma probabilidade natural P definida no n´ıvel de energia X = {(q, p),H(q, p) = H0}, tal que dado uma func¸a˜o ϕ sobre X, deveria existir uma constante c tal que para P -quase todo ponto x no conjunto X (o n´ıvel de energia H0), o “mec˙New” 2011/10/11 page 28 i i i i i i i i 28 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN valor ϕˆ(x) e´ igual a c. P seria uma probabilidade natural invariante associada ao sistema de part´ıculas de um ga´s. Ou seja, que existiria um conjunto B contido no n´ıvel de energia H0 tal que P (B) = 0 e para qualquer x ∈ X − B, deveria ser verdade que ϕˆ(x) = c. Em outras palavras, que ϕˆ e´ constante para pontos gene´ricos no sentido probabil´ıstico. O Teorema de Birkhoff que sera´ apresentado a seguir vai se referir a questa˜o mencionada acima. A evoluc¸a˜o temporal das condic¸o˜es iniciais x que sa˜o fisicamente observadas no sistema constituido pelo ga´s sa˜o as trajeto´rias que comec¸am em x, onde x e´ escolhido num conjunto de probabilidade total em relac¸a˜o a uma probabilidade natural P . Esta propriedade e´ o fundamento do ponto de vista probabil´ıstico da Mecaˆncia Estat´ıstica. A probabilidade P e´ chamada algumas vezes de estado de Gibbs (terminologia usada em homenagem ao matema´tico W. Gibbs) do sistema mecaˆnico (ver [Ru], [E], [BS] e [KH] para refereˆncias). Para simplificar estamos supondo que o ga´s vai ser descrito por uma u´nica part´ıcula para evitar analisar problemas relativos a`s coliso˜es entre part´ıculas do ga´s. Na˜o vamos definir aqui o que e´ um estado de Gibbs, mas queremos apenas mencionar que no caso do bilhar numa curva convexa ele e´ a probabilidade uniforme em E = [0, 1) × (−1, 1) (conforme Exem- plo 2.6). Definic¸a˜o 2.6. Seja P uma probabilidade invariante para um dife- omorfismo T : X → X. Dizemos que P e´ ergo´dica se toda vez que T (A) = A, A ⊂ X, enta˜o P (A) = 0 ou P (A) = 1. Em outras palavras, uma probabilidade P e´ ergo´dica quando na˜o existem conjuntos invariantes pela ac¸a˜o de T que na˜o sejam triviais (dizemos que um conjunto A ⊂ X e´ trivial se P (A) = 0 ou P (A) = 1). Observac¸a˜o 2.2. Note que e´ sempre verdade (ver Definic¸a˜o 1.2) que P (∅) = 0 (∅ e´ o conjunto vazio) e P (X) = 1 (onde X e´ o conjunto onde P esta´ definido), e ainda que T (∅) = ∅ e T (X) = X, por isto a necessidade de enunciar a definic¸a˜o de probabilidade ergo´dica como foi feito acima (e na˜o apenas dizendo que na˜o existem conjuntos invariantes). Os conjuntos X e ∅ sa˜o triviais. “mec˙New” 2011/10/11 page 29 i i i i i i i i 29 Figura 2.5: Exemplo : A transformac¸a˜o T (x) = x + λ (mod 1), onde λ e´ uma constante irracional, T definida no intervalo [0, 1) (ou no c´ırculo S1) e´ ergodica para dx. Seja A tal que T−1(A) = A, enta˜o IA(x) = IT−1(A)(x) = IA(T (x)) para todo x ∈ [0, 1). Expresse IA(x) como Se´rie de Fourier IA(x) = ∞∑ n=−∞ ane 2πinx. Como IA(x) = IA(T (x)) temos que IA(x) = ∞∑ n=−∞ ane 2πinx = ∞∑ n=−∞ ane 2πin(x+λ) = IA(T (x)). Portanto ∞∑ n=−∞ ane 2πinx = ∞∑ n=−∞ ane 2πinλe2πinx. “mec˙New” 2011/10/11 page 30 i i i i i i i i 30 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN Como os coeficientes de Fourier sa˜o u´nicos ane 2πinλ = an para todo n ∈ Z. Como λ e´ irracional enta˜o nλ na˜o e´ inteiro para todo n (a menos que n = 0). A conclusa˜o e´ que an = 0 para todo n 6= 0. Portanto IA is constante (a menos de um conjunto de medida zero), mas como so´ assume os valores 0 ou 1, ela e´, a menos de um conjunto de medida zero a func¸a˜o constante 0 ou a func¸a˜o constante 1. Logo µ(A) = ∫ IA(x)dx = ∫ 0dx = 0 ou µ(A) = ∫ IA(x)dx = ∫ 1dx = 1 (porque func¸o˜es que diferem apenas em um conjunto de medida zero tem a mesma integral). Se λ e´ racional T (x) = x+ λ (mod 1) na˜o e´ ergodica. Observac¸a˜o 2.3. Um ga´s em um recipiente fechado, ao longo da sua evoluc¸a˜o temporal, tendera´ a ocupar densamente todo o espac¸o dis- pon´ıvel, na˜o deixando espac¸o para existirem regio˜es invariantes. Esta observac¸a˜o traduz em termos f´ısicos aproximados o que o conceito de ergodicidade expressa em termos matema´ticos. O fato da transformac¸a˜o bilhar preservar a´rea e do fluxo Hamil- toniano preservar volume os qualificam para os me´todos de Teoria Ergo´dica [A3]. Seja um difeomorfismo T : E → E, P = Pϕ probabilidade inva- riante sobre E para T e ϕ : E → R func¸a˜o tomando valores reais (observa´vel). O pro´ximo resultado e´ va´lido em geral e na˜o precisare- mosassumir que T e´ a transformac¸a˜o induzida pelo primeiro retorno a uma sec¸a˜o transversal de um fluxo Hamiltoniano no bilhar convexo. Um dos resultados Matema´ticos mais relevantes para a Mecaˆnica Estat´ıstica e´ o Teorema Ergo´dico de G. Birkhoff (1935) que afirma o seguinte: Teorema 2.1. (Teorema de Birkhoff) Seja ϕ : E → R cont´ınua, P = Pψ probabilidade ergo´dica para T : E → E e suponha que∫ ϕ(y)dP (y) < ∞, enta˜o, existe c ∈ R tal que para todo ponto x, gene´rico no sentido probabil´ıstico em relac¸a˜o a probabilidade P , vale que c = ϕˆ(x) = lim m→∞ 1 m (ϕ(x) + ...+ ϕ(Tm−1(x))). O valor c pode ser obtido como c = ∫ ϕ(y)dP (y), “mec˙New” 2011/10/11 page 31 i i i i i i i i 31 ou seja, a integral de ϕ em relac¸a˜o a P . Para a prova e para considerac¸o˜es mais gerais sobre o Teoria Ergo´dica, referimos o leitor para [PY], [M1], [CFS] e [KH]. Esta Te- oria permite um melhor entendimento de questo˜es fundamentais da Mecaˆnica Estatistica [PP] e [Ru]. O ponto de vista do formalismo DLR da Mecaˆnica Estatistica e´ descrito em [G]. Em resumo o teorema de Birkhoff diz que existe um conjunto A tal que P (A) = 1 tal que para todo x ∈ A vale que a me´dia temporal assinto´tica ϕˆ(x) = lim m→∞ 1 m n−1∑ j=0 ϕ(T j(x)) e´ igual a` integral espacial∫ ϕ(y)dP (y) = ∫ E ϕ(y)ψ(y)dy. Observac¸a˜o: Mostramos em exemplo anterior que T (x) = x + λ (mod 1) e´ ergo´dica para a probabilidade uniforme (a P tal P ([a, b]) = b − a). E´ fa´cil ver por induc¸a˜o que Tn(x) = x + nλ (mod 1). Seja [a, b] intervalo qualquer e considere ϕ(x) = I[a,b](x). Podemos aplicar o teorema ergo´dico tambe´m neste caso e concluir que existe K ⊂ [0, 1] tal que P (K) = 1 e para todo x ∈ K ˆI[a,b](x) = lim m→∞ 1 m n−1∑ j=0 I[a,b](T j(x)) = ∫ I[a,b](y)dP (y) = b− a > 0. Note que T j(x) ∈ [a, b], se e so´ se, I[a,b](T j(x)) = 1. Portanto, para x ∈ K a o´rbita {Tn(x)|n ∈ Z} visita o conjunto [a, b]. Logo as o´rbitas {Tn(x)|n ∈ Z}, para x quase todo ponto (em relac¸a˜o a P ), va˜o determinar conjuntos densos em [0, 1]. Exemplo 2.7. Considere o esta´dio circular (l > 2) do Exemplo 1.4 e que foi descrito na sec¸a˜o anterior. Um resultado na˜o trivial obtido recentemente por [Bu] afirma que a probabilidade natural P (a a´rea) associada ao bilhar no esta´dio e´ ergo´dica, isto e´, a aplicac¸a˜o induzida no bordo pelo primeiro retorno “mec˙New” 2011/10/11 page 32 i i i i i i i i 32 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN T : [0, 1) × (−1, 1) → [0, 1) × (−1, 1) e´ ergo´dica para a probabilidade uniforme. Considere a, b valores em [0,1) e ϕ : E → R a func¸a˜o indicador de A = (a, b)× (−1, 1). Para A um subconjunto de X, IA(z), a func¸a˜o indicador de A, e´ a func¸a˜o tal que IA(z) = 1 se z ∈ A e IA(z) = 0 se z na˜o esta´ esta´ em A. E´ fa´cil ver que ∫ IA(x)ψ(x)dx = ∫ A ψ(x) = P (A). No caso em considerac¸a˜o neste exemplo de bilhares em E = [0, 1)× (−1, 1) ψ(x) e´ constante igual a 1/2. A func¸a˜o ϕ = IA na˜o e´ cont´ınua (tem descontinuidades numa curva diferencia´vel por partes), mas o Teorema Ergo´dico tambe´m e´ va´lido para tal tipo de func¸a˜o ϕ (ver [M1] e [CFS]). E´ fa´cil ver que para x fixo e m ∈ N e ϕ = IA 1 m (ϕ(x) + ϕ(T (x)) + ...+ ϕ(Tm−1(x)) e´ igual a #{j ∈ {0, 1, ...,m− 1} tal que T j(x) ∈ (a, b)× (−1, 1)} m . Sendo assim o limite ϕˆ(x) = lim n→∞ 1 m (ϕ(x) + ϕ(T (x)) + ...+ ϕ(Tm−1(x)) ), neste caso expressa o valor me´dio de vezes que a trajeto´ria comec¸ando em x bate na regia˜o do bordo do bilhar compreendida entre g(a) e g(b), (onde g e´ a parametrizac¸a˜o do bordo do bilhar). Neste caso ϕˆ(x) vai descrever o que chamamos de tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico da regia˜o A. O conceito de tempo de ocupac¸a˜o ja´ foi apresentado antes na Definic¸a˜o 25, Cap´ıtulo 3 [L], mas vamos repeti-lo a seguir. Definic¸a˜o 37*: Considere T : E → E difeomorfismo, A ⊂ E e x = (q, p) ∈ E. Dizemos que x tem um tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico de A igual a oˆA(x) se existe o limite lim n→∞ # vezes que T j(q, p) ∈ A, j ∈ {1, 2, ..., n} n = oˆA(x). “mec˙New” 2011/10/11 page 33 i i i i i i i i 33 O valor c = ϕˆ(x) = IˆA(x) = oˆA(x) e´ constante para todo x (fora de um conjunto de probabilidade 0) pelo Teorema de Birkhoff, e e´ igual a ∫ ϕdP = ∫ IAdP 2 = P (A) = a´rea de A = (b − a). Portanto, grac¸as ao Teorema Ergo´dico podemos calcular no Exemplo 2.7 o valor exato do tempo de ocupac¸a˜o assinto´tica oˆA(x) do conjunto A para x quase toda parte; este valor e´ b− a. Sendo assim, podemos fazer a seguinte previsa˜o: no bilhar no esta´dio com l = 2 (que e´ ergo´dico), se formos observar a part´ıcula depois de 1000 rebotes, dentre estes 1000 rebotes, aproximadamente um nu´mero (b − a)1000 deles foram no arco de curva compreendido entre g(a) e g(b). Vamos relembrar agora a Definic¸a˜o no Cap´ıtulo 1 de ponto perio´- dico. Dizemos que uma o´rbita {Tn(q, p), n ∈ N} e´ perio´dica se existe m ∈ N tal Tm(q, p) = (q, p). Neste caso {Tn(q, p) , n ∈ N} = {(q, p), T (q, p), ..., Tm−1(q, p)}. O valor m e´ denominado per´ıodo de (q, p). Observac¸a˜o 2.4. Note que o resultado sobre o tempo de ocupac¸a˜o oˆA(x) = ϕˆ(x) no esta´dio l > 0 na˜o pode ser verdade para toˆdas as condic¸o˜es iniciais x = (q, p). Na Figura 1.5, mostramos duas tra- jeto´rias a e b na parte interna do esta´dio, que correspondem a` o´rbitas perio´dicas para T de per´ıodo dois, respectivamente {(qa, pa), T (qa, pa)} e {(qb, pb), T (qb, pb)}. Na Figura 1.6 mostramos tambe´m no espac¸o de fase (q, p) ∈ [0, 1) × (−1, 1) as duas o´rbitas acima mencionadas. Estas o´rbitas naturalmente va˜o determinar tempos de ocupac¸a˜o dife- rentes para o conjunto A que aparece na Figura 3.25. O tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico de A para a o´rbita a e´ zero e para a o´rbita b e´ um. Note que o comportamento desta duas trajeto´rias e´ totalmente distinto do comportamento da trajeto´ria descrita pela Figura 1.7 apre- sentada na u´ltima sec¸a˜o. Para “qualquer ponto inicial x escolhido ao acaso” de acordo com a probabilidade uniforme, a o´rbita Tn(x) gera a Figura 1.7. Na˜o existe contradic¸a˜o entre a Figura 1.7 e 1.6, pois no u´limo caso a posic¸a˜o da condic¸a˜o inicial (q0, p0) e´ muito particular, e esta “mec˙New” 2011/10/11 page 34 i i i i i i i i 34 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN fora do conjunto de probabilidade total para o qual vale o Teorema de Birkhoff. A explicac¸a˜o para este fato e´ que estas duas condic¸o˜es iniciais (qa, pa) e (qb.pb) na˜o sera˜o condic¸o˜es “gene´ricas”no sentido estabelecido pela Definic¸a˜o 2.4 e pelo Teorema Ergo´dico. No entanto, se escolhermos ao acaso (de acordo com P uniforme) a condic¸a˜o inicial (q0, p0), enta˜o (q0, p0) sera´ gene´rica e portanto vai satisfazer a propriedade que o tempo ocupac¸a˜o oˆA para um certo conjunto A fixado, existe e independe da condic¸a˜o inicial. Isto e´ o que afirma o Teorema Ergo´dico para ϕ = IA! E´ importante destacar que na ana´lise matema´tica e probabil´ıstica dos bilhares, as o´rbitas perio´dicas (principalmente as de per´ıodo muito alto) desempenham um papel important´ıssimo no entendimento da dinaˆmica das trajeto´rias. Exemplo 2.8. No caso do sistema de duas part´ıculas x = (x1, x2, v1, v2) que foi considerado no Exemplo 13 da Sec¸a˜o 4, Cap´ıtulo 1 [L], existe um conjunto A denso (ver Definic¸a˜o 13, Cap´ıtulo 1 [L]) em R2 tal que quando as massas m1 e m2 sa˜o tais que (m1,m2) ∈ B, enta˜o e´ poss´ıvel mostrar (ver [KMS]) que a probabilidade natural P associada ao bilhar triangular e´ ergo´dica. Logo, no caso em que (m1,m2) ∈ A, as me´dias ϕˆ(x) para qualquer func¸a˜o cont´ınua ϕ definida sobre o bilhar triangular sa˜o as mesmas, independentes dacondic¸a˜o inicial x (contanto que x seja escolhido ao acaso de acordo com a probabilidade P ). Podemos portanto, analogamente ao procedimento do exemplo an- terior, obter o valor exato oˆB, onde B corresponde ao evento: a posic¸a˜o x1 e x2 ao colidirem esta˜o no intervalo (0.2, 0.5). Do Te- orema Ergo´dico segue que oˆB = P (B) e oˆB independe de x (para x num conjunto de probabilidade total). O valor oˆB pode enta˜o ser calculado facilmente a partir de P . Quando √ m2√ m1 ∈ Q, o sistema acima considerado na˜o e´ ergo´dico. Acreditamos que com estes dois u´ltimos exemplos tenha ficado transparente a importaˆncia do Teorema Ergo´dico de Birkhoff para a ana´lise de propriedades estat´ısticas das o´rbitas dos fluxos Hamiltoni- anos. “mec˙New” 2011/10/11 page 35 i i i i i i i i 35 Note que se P e´ ergo´dica e e´ sempre positiva em abertos enta˜o para x P-quase toda parte a o´rbita {x, T (x), .., Tn(x), ...} e´ um conjunto denso; de fato, dado um aberto A como P (A) > 0 enta˜o 0 < P (A) = ∫ IA(x)dP (x) = oA(x) = lim n→∞ 1 m (IA(x) + IA(T (x)) + ...+ IA(T m−1(x)) ). Neste caso algum IA(T j(x)) e´ igual a 1. Para um sistema ergo´dico, o Teorema de Birkhoff descreve a ma- neira matema´tica exata como deve ser entendida a hipo´tese de Boltz- mann. A teoria de Kolmogorov-Arnold Moser (KAM) (ver [KH] e Sec¸a˜o 13, Cap´ıtulo 3 [L]) desenvolvido no meio deste se´culo mostrou que para uma grande quantidade de Hamiltonianos a propriedade da er- godicidade na˜o e´ va´lida. Vamos a seguir, atrave´s de um exemplo, dar uma breve ide´ia porque na˜o e´ verdade a Hipo´tese de Boltzmann em sua formulac¸a˜o mais geral. Consideraremos agora o bilhar no ovo (Exemplo 1.4, Cap´ıtulo 1) e T a aplicac¸a˜o induzida no bordo do bilhar conforme mostra Figu- ra 1.8. Observac¸a˜o 2.5. No caso do bilhar no ovo, existe uma evideˆncia nume´rica de haver um unia˜o finita de curvas fechadas invariantes γi, i ∈ {1, .., n} para T (ver Figura 1.8), mostra claramente que tal T na˜o e´ ergo´dica. Isto porque ( [0, 1)× (−1, 1) )− ∪iγi possui um conjunto invariante de probabilidade uniforme positiva (por exemplo a unia˜o das partes internas das γi). Isto pode ser observado numericamente em um computador, con- siderando o´rbitas comec¸ando em condic¸o˜es iniciais que esta˜o respec- tivamente no interior e no exterior da curva. Conclu´ımos enta˜o que existe uma evideˆncia nume´rica de que tal sistema na˜o e´ ergo´dico. Este fato contraria enta˜o a Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann pois T representa a evoluc¸a˜o temporal de uma part´ıcula de uma ga´s num recipiente fechado. “mec˙New” 2011/10/11 page 36 i i i i i i i i 36 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN O leitor poderia argumentar que ja´ para o bilhar no c´ırculo (Exem- plo 1.2) o difeomorfismo T na˜o e´ ergo´dico para a probabilidade uni- forme em [0, 1)× (−1, 1) (uma linha horizontal l = (θ0, t) invariante por T determina em [0, 1) × (−1, 1) duas componentes invariantes por T de medida uniforme na˜o nulas). Para ser mais preciso, cabe ressaltar que a Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann e´ em geral relaxada e enunciada para um conjunto denso de poss´ıveis bordos de bilha- res. O exemplo acima e´ persistente, isto e´, para curvas diferencia´veis convexas γ, que esta˜o C1 pro´ximas da curva do ovo, o espac¸o de fase da aplicac¸a˜o T induzida pelo bilhar em γ continua a determinar curvas invariantes. Sendo assim, existem ao menos duas regio˜es bi- dimensionais invariantes de probabilidade positiva e portanto pode-se dizer que existem bilhares que na˜o podem ser aproximados por bilha- res tais que o correspondente T seja ergo´dico para a probabilidade uniforme em [0, 1) × (−1, 1). Portanto, o exemplo do bilhar no ovo nos parece indicar indicar numericamente que a Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann na˜o e´ verdadeira em geral. No exemplo do esta´dio cir- cular da sec¸a˜o anterior, por usa vez, a hipo´tese e´ confirmada pois o sistema e´ ergo´dico. Na verdade na˜o estamos mostrando matematicamente que a Hi- po´tese Ergo´dica de Boltzmann na˜o e´ verdadeira, estamos apenas su- gerindo atrave´s de exemplos e figuras obtidas no computador que existe uma forte evideˆncia nume´rica de que esta hipo´tese na˜o e´ ver- dadeira. Na Teoria KAM se obtem resultados matema´ticos precisos que mostram exemplos onde a hipo´tese na˜o e´ verdadeira (ver [KH]). Na Sec¸a˜o 3 vamos mostrar para aplicac¸a˜o “standard”a existeˆncia de curvas invariantes, e assim dar uma demontrac¸a˜o matema´tica de que realmente a hipo´tese ergo´dica em alguns casos particulares na˜o e´ verdadeira. Em alguns outros casos particulares importantes, no entanto, a hipo´tese de Boltzmann resultou ser verdadeira como por exemplo em variedades de curvatura constante negativa (ver [KH] e [A2]). Vamos agora analisar o Teorema Ergo´dico para tempo continuo. Definic¸a˜o 2.7. Considere para todo t (−∞ < t < ∞), uma trans- formac¸a˜o St do espac¸o X em si mesmo, St : X → X, que satisfac¸a a seguinte condic¸a˜o: para quaisquer t1, t2, St1 ◦ St2 = St1+t2 . Chama- remos tal famı´lia de um sistema dinaˆmico a tempo cont´ınuo. “mec˙New” 2011/10/11 page 37 i i i i i i i i 37 Exemplo 2.9. Dada uma equac¸a˜o diferencial x′ = G(x), x ∈ Rn, o fluxo φt associado a tal equac¸a˜o (conforme Definic¸a˜o 21, Cap´ıtulo 1 [L]) e´ um exemplo de um sistema dinaˆmico a tempo cont´ınuo St = φt. Exemplo 2.10. Considere α nu´mero real e defina St : R → R por St(x) = x+ tα, para todo real t. St e´ um sistema dinaˆmico a tempo cont´ınuo. Exemplo 2.11. Considere α nu´mero real e defina St : [0, 1)→ [0, 1) por St(x) = x + tα (mod 1) para todo real t. Este sistema dinaˆmico sera´ muito importante em nossas futuras considerac¸o˜es. Definic¸a˜o 2.8. A probabilidade µ e´ dita invariante em relac¸a˜o ao sistema dinaˆmico {St} se, para todo conjunto B ⊂ X e para qualquer t real, µ(StB) = µ(B). Uma maneira equivalente de dizer que uma medida µ e´ invariante para St: Para toda func¸a˜o cont´ınua φ e para todo t real vale que∫ φ(x)dµ(x) = ∫ φ(St(x))dµ(x). O Teorema de Liouville (Teorema 4, Cap´ıtulo 3 [L]) mostra que se φt e´ o fluxo associado a um Hamiltoniano H, enta˜o para todo t, e para todo aberto A vale que a´rea φt(A) = a´rea de A. Logo, neste caso, o sistema dinaˆmico St = φt deixa invariante a probabilidade uniforme. O Exemplo 33 do Cap´ıtulo 3 [L] mostra um exemplo de proba- bilidade invariante sobre uma curva γ obtida atrave´s do tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico. Exemplo 2.12. E´ fa´cil ver que o sistema dinaˆmico St do Exem- plo 2.11 deixa invariante a probabilidade µ definida sobre [0,1) por µ( [a, b] ) = b − a. Esta probabilidade, como vimos antes se chama probabilidade uniforme em [0,1). Dada uma o´rbita perio´dica γ(s), s ∈ [0, b], tal que γ(0) = γ(b) defina a medida µ tal que para toda func¸a˜o cont´ınua φ temos∫ φ(x)dµ(x) = ∫ b 0 φ(γ(s))ds. A medida µ assim definida e´ invariante; de fato, para t fixo∫ φ(St(x))dµ(x) = ∫ b 0 φ(St(γ(s)))ds = “mec˙New” 2011/10/11 page 38 i i i i i i i i 38 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN ∫ b 0 φ(St(Ss(γ(0)))ds = ∫ b 0 φ(St+s(γ(0)))ds. Fazendo a mudanc¸a de varia´vel s→ s+ t, obtemos∫ φ(St(x))dµ(x) = ∫ b 0 φ(Ss(γ(0))ds = ∫ b 0 φ(γ(s))ds = ∫ φ(x)dµ(x). Definic¸a˜o 2.9. O fluxo St e´ dito ergo´dico para µ se para todo con- junto A ⊂ X tal que St(A) = A,∀t ∈ R, enta˜o µ(A) = 0 ou µ(A) = 1. Vamos agora considerar St = φt o fluxo associado a um campo de vetores Hamiltoniano H em (q, p) ∈ R2n restrito a uma superf´ıcie de Hamiltoniano H constante. Suponha que a superf´ıcie S de energia constante H0 seja com- pacta. Neste caso, como veremos na Sec¸a˜o 5, existe sempre uma probabilidade invariante Ppara o fluxo Hamiltoniano φt restrito a` su- perf´ıcie H(q, p) = H0 de Hamiltoniano constante. Esta probabilidade P e´ a probabilidade P = PH0 = P k ‖∇H‖ com densidade ψ = k‖∇H‖ sobre H(q, p) = H0 (ver Sec¸a˜o 5) onde k e´ apenas uma constante para normalizar a probabilidade P . Tal probabilidade P definida sobre S e´ positiva em abertos de S, ou seja, dado x ∈ S e ǫ > 0, enta˜o P (B(x, ǫ) ∩ S) > 0, onde B(x, ǫ) = {y ∈ R2n | |x− y| < ǫ}. Vamos tentar colocar a afirmac¸a˜o de Boltzmann de uma maneira matematicamente mais precisa do que a que foi feita pelo mesmo no se´culo XIX. A Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann: A Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann para Hamiltonianos e´ ana´loga a` anteriormente descrita (no caso em que o tempo e´ discreto n ∈ N). A Hipo´tese Ergo´dica para Hamiltonianos afirma que para todo va- lor de energia H0, PH0 e´ ergo´dico para o fluxo φt restrito a H(q, p) = H0. E´ importante na˜o confundir a ac¸a˜o de fluxo φt sobre o espac¸o (q, p) ∈ R2n com a ac¸a˜o (restrita) do fluxo φt sobre uma superf´ıcie de Energia constante H0. A questa˜o da validade ou na˜o da Hipo´tese Ergo´dica de Boltzmann influenciou sobremaneira a F´ısica e a Matema´tica do se´culo XX. “mec˙New” 2011/10/11 page 39 i i i i i i i i 39 Contra-exemplo 68: Lembre que o fluxo Hamiltoniano φt preserva volume em R2n ou seja preserva a probabilidade uniforme em cada subconjunto aberto limitado invariante X ⊂ R2n. A probabilidade P em X = R2n neste caso na˜o e´ ergo´dica para φt. Isto porque um sistema com uma integral primeira na˜o pode ser ergo´dico (lembre que H e´ integral primeira) como veremos a seguir. Se tomarmos o aberto limitado A ⊂ X (com probabilidade posi- tiva para P portanto) dos pontos x ∈ R2n tal que E1 < H(x) < E2, enta˜o o fluxo Hamiltoniano φt deixa A invariante pelo Teorema de Conservac¸a˜o do Hamiltoniano e no entanto 1 > P (A) > 0. Logo, em- bora o fluxo Hamiltoniano deixe invariante a probabilidade P , na˜o e´ verdade que P e´ ergo´dico para φt. Outra questa˜o de natureza distinta e´: sera´ que φt e´ ergo´dico quando restrito a uma superf´ıcie S de energia constante H0? Teorema 2.2. (Teorema de Birkhoff) Seja um Sistema Dinaˆmico St definido em X, preservando a probabilidade ergo´dica P = Pψ. Enta˜o para toda func¸a˜o cont´ınua f tal que ∫ X f(x)dP (x) = ∫ X f(x)ψ(x)dx < ∞, existe uma constante c e existe um conjunto B de probabilidade total tal que para todo ponto x ∈ B c = lim t→∞ 1 t ∫ t 0 f(Sτx)dτ = lim t→∞ 1 t ∫ t 0 f(S−τx)dτ. O valor c naturalmente depende de f e pode ser obtido como c = ∫ X f(y)dP (y) = ∫ X f(y)ψ(y)dy. Vamos recordar mais uma vez a definic¸a˜o de tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico (ver Sec¸a˜o 10, Cap´ıtulo 3 [L]), desta vez no caso de tempo cont´ınuo t ∈ R. Definic¸a˜o 37**: Dado um conjunto A ⊂ X e uma condic¸a˜o inicial x ∈ X, lim t→∞ 1 t ∫ t 0 IA(Sτx)dτ = oˆA(x) e´ chamado de tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico de A comec¸ando em x. Uma consequeˆncia importante do teorema anterior e´ que, no caso de P ser ergo´dico para St, enta˜o para todo x em um conjunto B de “mec˙New” 2011/10/11 page 40 i i i i i i i i 40 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN probabilidade total para P , a o´rbita de x pelo sistema dinaˆmico St(x) determina um tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico de um conjunto aberto qualquer A ⊂ X tal que oˆ(A)(x) = P (A). Isto e´ verdade, porque pelo Teorema 2.2, dado um subconjunto A e considerando f = IA acima obtemos lim t→∞ 1 t ∫ t 0 IA(Sτx)dτ = ∫ X IA(z)dP (z) = = ∫ A dP (z) = P (A) = c = constante para x em um conjunto B de probabilidade total para µ. Logo, se um sistema e´ ergo´dico, existe B tal que P (B) = 1 e para x ∈ B o tempo de ocupac¸a˜o assinto´tico de um conjunto aberto A na˜o depende do valor x. A analogia do Teorema Ergo´dico com tempo cont´ınuo t ∈ R para o Teorema Ergo´dico com tempo discreto n ∈ N visto anteriormente e´ transparente. Examinaremos, agora, um tipo importante de sistema dinaˆmico com tempo cont´ınuo: o grupo de translac¸o˜es a um paraˆmetro no toro. Seja X =Torn = S1×S1× ...×S1 (n fatores) o toro de dimensa˜o n. Um ponto desse espac¸o pode ser representado pelo sistema de nu´meros complexos z = (z1, z2, ..., zn), |zk| = 1, 1 ≤ k ≤ n. Note que e´ poss´ıvel escrever zk = e 2πixk (xk ∈ R); enta˜o, o mesmo ponto z pode ser identificado com o sistema de nu´meros reais x = (x1, x2, ..., xn) ∈ [0, 1)n, definidos mod 1 (neste caso, podemos assumir que 0 ≤ xk < 1). A primeira notac¸a˜o e´ conhecida como multiplicativa, e a segunda, como aditiva. Sendo assim iremos identificar o toro com o conjunto [0, 1)n onde identificamos faces opostas do paralelep´ıpedo. Definiremos o sistema dinaˆmico das translac¸o˜es no toro Torn pela expressa˜o Stz = (z1e 2πiλ1t, z2e 2πiλ2t, ..., zne 2πiλnt) ou, equivalentemente, com Stx = (x1 + λ1t( mod 1), x2 + λ2t( mod 1), ..., xn + λnt( mod 1)), “mec˙New” 2011/10/11 page 41 i i i i i i i i 41 onde λ1, λ2, ..., λn sa˜o nu´meros reais fixos. Cada St e´ dita uma translac¸a˜o no toro, e por isso {St} e´ chamado um grupo de translac¸o˜es a um paraˆmetro em Torn, definido pelo vetor λ = (λ1, λ2, ..., λn). Note que a probabilidade uniforme no toro dµ = ∏n k=1 dxk e´ invariante em relac¸a˜o a {St}. Isto porque, como St(A) e´ apenas um transladado de A, ∀A, enta˜o St(A) e A tem a mesma a´rea. Logo St preserva o volume dx1...dxn. Note que µ(Tor n) = 1. Sendo assim se definirmos µ(A) = ∫ A dx1...dxn, a probabilidade uniforme µ resulta ser invariante para o sistema dinaˆmico St em [0, 1) n. O conjunto dos vetores a(t) = (e2πiλ1t, e2πiλ2t, ..., e2πiλnt), −∞ < t < ∞, define a trajeto´ria do zero atrave´s da evoluc¸a˜o temporal do sistema dinaˆmico St. O Sistema Dinaˆmico St acima definido e´ muitas vezes chamado condicionalmente perio´dico, sendo λk (1 ≤ k ≤ n) suas frequeˆncias. Exemplo 2.13. O exemplo mais simples de tais sistemas St foi apresentado nos Exemplos 2.11 e 2.12: para α fixo, St(x) = x + αt(mod1), α 6= 0. Neste caso a probabilidade invariante P e´ a proba- bilidade uniforme em [0, 1). Uma pergunta natural e´ quando que P e´ ergo´dica para tal St. Vamos mostrar agora que tal P e´ sempre ergo´dica para tal St. Observac¸a˜o 2.6. Pode-se mostrar (ver [M1]) que um fluxo {St} e´ ergo´dico para µ, se e so´ se, vale que para toda func¸a˜o f tal que∫ X fdµ < ∞ e f(St(x)) = f(x) para todo x, enta˜o e´ porque f(x) = const. = ∫ X f dµ para um conjunto de pontos x em um conjunto B de probabilidade total para µ. Vamos usar o resultado mencionado na observac¸a˜o acima para mostrar que St e´ ergo´dico para a probabilidade uniforme. Considere fixado um ponto x ∈ [0, 1). Observe que variando t, St(x) percorre todos os valores poss´ıveis y do intervalo [0, 1). Logo, para uma dada func¸a˜o f , f(St(x)) = f(x) significa que para todo y ∈ [0, 1), f(y) = f(x). Logo f e´ constante. Sendo assim pela u´ltima observac¸a˜o St e´ ergo´dico. Vamos apresentar agora uma outra prova da ergodicidade da St acima definida, e que vai motivar a demonstrac¸a˜o do pro´ximo teo- rema. Considere um func¸a˜o f que seja invariante para St, ou seja, “mec˙New” 2011/10/11 page 42 i i i i i i i i 42 [CAP. 2: O TEOREMA ERGO´DICO E A HIPO´TESE DE BOLTZMANN f(St(x)) = f(x) para qualquer x ∈ [0, 1). Escreva f em se´rie de Fourier f(x) = ∑ s∈Z cse 2πisx. Como f e´ invariante f(St(x)) = ∑ s∈Z cse 2πis(x+αt) = ∑ s∈Z cse 2πisαte2πisx = = ∑ s∈Z cse 2πisx = f(x). Logo, conclu´ımos pela unicidade da Se´rie de Fourier de uma func¸a˜o, que ∀s ∈ Z,∀t ∈ R, cse2πisαt = cs, ou seja que se cs 6= 0, para todo t vale que e2πiαst = 1. Portanto α s = 0, e
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