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Apostila Civil I

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APOSTILA DE DIREITO CIVIL I
Profa. Évelyn Cintra Araújo
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
1 INTRODUÇÃO
1.1 Direito: noções gerais
	
	É impossível pretender estudar o Direito Civil, como qualquer outro ramo do Direito, sem ter o domínio de alguns conceitos ou premissas gerais da própria ciência jurídica. São estas noções preliminares ou propedêuticas do direito, como o seu conceito, suas fontes, classificações etc, que passaremos a nos ocupar a partir de agora.
1.1.1 Etimologia, conceito e acepções da palavra "Direito"
	
Pelo fato de o termo abarcar diversos significados, para se obter o conceito mais próximo de Direito torna-se indispensável iniciarmos pela sua definição nominal. O vocábulo Direito tem origem no latim Directum ou rectum, que significa "direito" ou "reto" e tem como correspondentes semânticas Derecho (espanhol), Diritto (italiano), Droit (francês) e Dreptu (romeno). Assim, concluímos que a definição nominal etimológica de Direito é a qualidade daquilo que é conforme a regra. 
	Conceituar direito é uma das tarefas mais árduas e complexas já existentes, tendo sido o escopo das mais brilhantes mentes que se dedicaram ao estudo desta ciência, as quais deram vida às diversas escolas do pensamento jusfilosófico. 
	Com bem ensina o mestre WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, deixemos esta “questão ao âmbito da filosofia jurídica, desta constituindo um dos problemas fundamentais”; e limitemos ao conceito dado por Radbruch, segundo o qual direito é “o conjunto das normas gerais e positivas, que regulam a vida social”.
	O que deve ficar claro é que não dá para se conceber o direito isolado das relações humanas. De nada valeria a implantação de regras de conduta para alguém que vive sozinho, que não se relaciona com ninguém, inexistindo, assim, qualquer espécie de conflito.
	O direito pressupõe a interferência subjetiva de indivíduos, o convívio social. Dessa forma já entendia os romanos com o brocardo “ubi homo, ibi jus” – onde há homem há direito.
	Ao contrário das leis físicas ou naturais, que se preocupam com o que já é, o fenômeno jurídico antecipa-se e prevê condutas ideais, como um dever ser, suficientes para garantir a paz e harmonia social. Para tanto, acresce-se um elemento de efetividade à norma, qual seja, a sanção. É a sanção que garante a observância do direito, a sua realização; mas nem por isso pode-se dizer que ela da essência do direito, pois não o torna justo ou injusto (cf. Limongi França). 
	Sendo assim, pode-se conceituar direito como “o conjunto das regras sociais que disciplinam as obrigações e poderes referentes à questão do meu e do seu, sancionadas pela força do Estado e dos grupos intermediários”.
	Percebe-se que há uma plurivalência semântica do vocábulo direito, comportando numerosas manifestações conceituais. 
	Na linguagem comum e na linguagem científica, o vocábulo direito é empregado com significações diferentes, a saber: 
direito-norma, lei ou regra de ação (norma agendi), que, se descumprido, impõe a aplicação de uma sanção ditada pelo Estado. Ex: respeitar as normas de trânsito. 
direito-faculdade, poder de ação, prerrogativa (facultas agendi) - é a possibilidade ou a faculdade individual de agir de acordo com o direito; de usufruir de uma prerrogativa que a lei lhe confere titularidade. Ex: direito de propriedade, que abrange o direito de usar, gozar e dispor do bem.
Com o passar dos tempos, os positivistas, influenciados pelo espírito da escola, associou-se em demasia o significado de Direito à regra ou norma orientadora dos comportamentos humanos, qual seja, a norma agendi, ou direito objetivo. Porém, recordemos que há também o facultas agendi, ou direito subjetivo, a partir do momento em que se abre a possibilidade ou faculdade ao indivíduo de exigir a efetivação dos respectivos preceitos, objetivamente estabelecidos pelas regras jurídicas. Mais felizes não foram os historicistas, os normativistas, os finalistas, os sociólogos do direito, eivando as suas concepções dos prejuízos decorrentes da visão unilateral em que se colocaram.
O direito objetivo - direito norma (normas agendi) é o conjunto dos preceitos impostos a todos os homens pelas necessidades da manutenção da ordem social. Melhor dizendo, é o complexo das regras impostas aos indivíduos nas suas relações externas, com caráter de generalidade, emanadas dos órgãos competentes segundo a Constituição e tornadas obrigatórias mediante a coação.
O direito subjetivo - direito faculdade (facultas agendi) é o poder que tem o homem de exigir garantias para a realização de seus interesses, quando estes se conformam com o interesse social. Segundo o célebre civilista Clóvis Bevilacqua, "o direito subjetivamente considerado é um poder de ação assegurado pela ordem jurídica". Compreende, portanto, um sujeito, um objeto e a relação que os liga. Nesta relação é que está o direito. 
Sujeito é a pessoa, natural ou jurídica, que a ordem jurídica assegura o poder de agir contido no Direito. Não há direito sem sujeito, mesmo no caso do nascituro. Objeto é o bem ou vantagem sobre o que o sujeito exerce o poder conferido pela ordem jurídica, podendo sê-lo toda espécie de bem, inclusive as incorpóreas (v.g. direito autoral). Relação é o laço que, sob a garantia da ordem jurídica, submete o objeto ao sujeito. Somente se pode estabelecer entre pessoas, podendo, porém, atuar sobre objetos.
Já para Von Ihering, o direito subjetivo é considerado o "interesse juridicamente protegido", descobrindo nele dois elementos: o substancial que consiste no interesse e o formal, na proteção, na ação da justiça. Foi posto de lado o sujeito, por ser alguma coisa exterior ao Direito. A relação, que equivale ao próprio Direito, e o objeto, que o recebe, reúnem-se, consubstanciam-se para tomar a feição de interesse.
Conclui-se, portanto, que direito objetivo e subjetivo são aspectos de um conceito único, compreendendo a facultas e a norma os dois lados de um mesmo fenômeno. Um é o aspecto individual, o outro o aspecto social. Qualquer direito pode ser apreciado pelo lado do indivíduo que dele extrai uma segurança jurídica ou uma função, como pelo lado do agrupamento social que institui uma regra de conduta.
direito positivo: resumidamente, é o direito objetivo vigente em determinado Estado, em determinada época. Dizer “ordem jurídica vigente” ou “ordenamento jurídico atual” é o mesmo que falar em direito positivo de um lugar específico. 
direito natural, ao contrário, é um ordenamento ideal, fulcrado em normas que transcendem o direito positivo e se relacionam com o sentimento de justo ínsito à natureza humana. 
e) direito nacional: por outro lado, não se pode confundir direito positivo com direito nacional, que é aquele existente dentro das fronteiras de determinado Estado, vigente ou não. Por exemplo: o Código Civil anterior, de 1916, não é mais direito civil positivo, pois que não mais vigente, mas é um direito nacional, embora revogado. 
f) direito internacional é aquele que pode ser aplicado fora dos limites geográficos do Estado, de natureza, portanto, supra-estatal. Ele divide-se em direito internacional público, cujas normas regulam as relações entre Estados, entre estes e organismos internacionais (ONU, OIT etc), e entre Estados ou organismos internacionais e indivíduos; e direito internacional privado, cujas normas internas de um país visa definir se para determinado caso aplicar-se-á a lei nacional ou a lei de Estado estrangeiro. Ex: sob qual lei se procederá o inventário de brasileiro falecido no estrangeiro.
g) direito público e privado
O Direito encampa um complexo de fatos e situações que geram conseqüências no mundo jurídico, os quais devem ser encarados numa unidade indivisível como uma grande rede, cujos ramos estão inexoravelmente interligados. Dessa forma, o seu estudo exige uma atenção para o todo, o conjunto, sob pena de se tornar defeituoso ou insuficiente caso sejafeito em caráter fragmentário. Mas, por se tratar de um trabalho exaustivo, senão impossível, diversos estudiosos tentaram trazer uma divisão que superasse tal dificuldade, sem ignorar a unidade da ciência.
Remonta ao direito romano a clássica classificação do Direito em dois grandes ramos: Direito Público e Direito Privado, sendo o primeiro o direito do Estado romano, em oposição ao direito das gentes (não-romanos, ou gentios), e o segundo, a disciplina dos cidadãos. Modernamente, os autores buscam o critério diferenciador no sujeito ou titular da relação jurídica, considerando direito público aquele que rege as relações dos Estados entre si, ou do Estado como tal e os seus membros, enquanto direito privado aquele que regula as relações entre os indivíduos. Porém, esse critério é insuficiente, pois há muitas relações entre particulares que são consideradas de direito público, ou seja, que encerram interesse do Estado. Exemplo: o casamento, o contrato de trabalho etc. E há situações em que o Estado age como particular. Ex: quando loca seus bens, quando contrata um trabalhador temporário etc.
Dessa forma, a maioria dos autores concorda que o melhor critério é o da extensão do interesse protegido: se prepondera interesse particular, trata-se de direito privado, se do Estado ou coletivo, o direito é público. 
Diz-se, ainda, que a diferença reside no fato de as normas de direito público não serem suscetíveis de modificação pela vontade das partes ou particulares, enquanto as de direito privado podem as mesmas dispor livremente. Porém, normas há no direito privado que não podem ser modificadas pelas partes, v.g., o registro de uma escritura pública para adquirir a propriedade de um imóvel. O direito de propriedade é privado, interessa tão-somente ao adquirente do imóvel, porém, é também do interesse do Estado ou da coletividade que a propriedade seja individualizada e publicada para evitar futuros conflitos. Não cabe ao futuro proprietário decidir registrar uma escritura pública (feita no competente Cartório de Registro de Imóveis) ou particular (feita por ele mesmo e o vendedor).
Parece-nos que a melhor definição é conseguida por Ruggiero: "público é o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado com outro Estado, ou as do Estado com os seus súditos, quando procede em razão do poder soberano, e atua na tutela do bem coletivo; direito privado é o que disciplina as relações entre pessoas singulares, nas quais predomina imediatamente o interesse de ordem particular."
Embora seja muita criticada pela doutrina, permanece até os dias de hoje a classificação do Direito em público e privado, principalmente em razão de facilitar didaticamente o estudo da respectiva ciência. Assim sendo, é comum a seguinte divisão:
 Constitucional
 Administrativo
 PÚBLICO Penal
 Tributário
 DIREITO Processual (Civil, Penal, do Trabalho)
 Civil
 PRIVADO Comercial
 Trabalho
Essa é a estrutura do Direito Positivo Brasileiro, ou seja, é o ordenamento jurídico existente atualmente no nosso país, podendo, portanto, ser dividido em dois grandes ramos, embora haja polêmica acerca da colocação do Direito do Trabalho no campo do Direito Privado, por estar presente nesse ramo diversas normas de ordem pública (imodificáveis pela vontade das partes). Mas é assente o entendimento de se tratar de ramo do direito privado pela predominância de normas dispositivas. O mesmo pode ser dito em relação ao Direito Civil, notadamente em relação ao Direito de Família.
Vê-se, portanto, a multiplicidade de significações pela palavra “direito” pode trazer. Mas, uma pesquisa mais rigorosa revela outras significações, por exemplo:
"o direito brasileiro proíbe o duelo" - direito-norma;
"o Estado tem direito de cobrar impostos" - direito-faculdade;
"o salário é direito do trabalhador" - direito-justo;
"o direito é um setor da realidade social" - direito-fato social;
e) "o estudo do direito requer métodos próprios" - direito-ciência.
1.1.2 Direito e Moral
Viu-se que as condutas humanas, para uma convivência harmoniosa, devem se pautar em regras pré-estabelecidas, que regularão o dever-ser, o ideal, sob pena de sanção. Tais regras não são determinadas ao acaso, mas são produtos das exigências e necessidades sociais que surgem no decorrer dos tempos.
Dessa forma, pode-se afirmar que o fenômeno jurídico ou a norma jurídica nasce de um fato social que, considerado essencial para a manutenção da paz e da ordem sociais, é dotado de valor pela sociedade, representada nesse processo pelo legislador (nas democracias representativas), e, por conseqüência, de coercibilidade, na famosa ótica tridimensional de Miguel Reale (fato-valor-norma).
Direito e moral têm em comum exatamente a propensão humana de realizar valores; ambos se preocupam em garantir a paz e a ordem através de valores éticos. Mas a diferença é que o direito caracteriza-se pelo aspecto formal de garantia externa de um mínimo ético. Formal porque descreve as condutas hipotéticas e ideais; externa porque rege o comportamento exterior, ao contrário da moral, que enfatiza a intenção; um mínimo ético, porque ele destaca parte da moral, dos valores éticos e dota-os de sanção.
Em outras palavras, a sociedade passa a conferir exigibilidade e a conseqüente imposição, através da sanção, a toda exigência moral que se tenha tornado essencial à vida e ao equilíbrio do grupo. Assim, o direito ou o proibido pela ordem jurídica é nada mais que a atribuição de exigibilidade que a sociedade confere ao mínimo de moral que ela considera imprescindível para sua sobrevivência. Ocorre, nesse momento, uma transposição dos costumes éticos para a órbita do jurídico. As normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas. O ideal é que eles se aproximem o máximo possível.
Os campos da moral e do direito entrelaçam-se e interpenetram-se. Mas a moral é de zoneamento mais amplo do que o direito, compreendendo as normas jurídicas, outrora apenas morais, e as normas morais propriamente ditas. 
Assim, as normas e os princípios de direito, quando não cumpridos, além da força cogente do Estado, haverá também uma reprovação no foro íntimo, no foro da consciência, pois, o princípio moral envolve a norma jurídica, podendo-se dizer que, geralmente, a ação juridicamente condenável o é também pela moral. Mas a coincidência não é absoluta, pois a submissão à norma jurídica nem sempre implica a aprovação da regra moral. Em razão da falta de justaposição entre os dois campos, distingue-se do conceito de licitude o de moralidade.
 direito
 
 moral 
 lícito, mas imoral 
 
 
Em suma, moral e direito distinguem-se em que a primeira atua no foro íntimo (consciência, sentimentos) e o segundo no foro exterior (penhora de bens, pagamento de multa, prisão etc). Sob o ângulo da intensidade, a norma jurídica é dotada de coercibilidade, que não está presente na regra moral; representa esta um estado subjetivo do agente. Quanto ao efeito, da norma jurídica decorrem relações com um alcance bilateral (a vítima ou credor espera e exige o reparo pelo agente), ao passo que da regra moral deriva conseqüência unilateral (realização do bem, aperfeiçoamento individual etc).
1.1.3 Fontes do Direito Positivo
a) conceito
	Fonte é o lugar de onde provém alguma coisa; é a sua origem, princípio,causa; na natureza, é onde brota a água. Fontes do direito, portanto, são o estudo da origem da norma jurídica; são os meios pelos quais se formam ou se estabelecem as normas jurídicas.
b) fontes do Direito – materiais e formais
Duas são as classes de fontes: materiais e formais. 
As fontes materiais são aquelas que produzem o Direito ou a norma. As leis não nascem de fantasia ou mágica. É a vida social, seus imperativos, reclamos e necessidades que dão o substrato inicial para a atividade legislativa, transformando-se em valores sintetizados no conceito amplo de justiça, o qual o direito procura realizar. Assim, pode-se dizer que os fatos sociais e os valores são as verdadeiras fontes materiais do Direito. 
As fontes formais são aquelas que revelam o Direito, que o exterioriza. Podem ser mediata ou imediata. A lei e o costume (em países anglo-saxões) são fontes formais imediatas ou primárias, ou diretas, pois são elas quem ditam, em primeiro lugar, o comportamento ou a situação juridicamente considerada. Já a doutrina e a jurisprudência são consideradas fontes formais mediatas ou secundárias.
	Há, ainda, as chamadas fontes históricas do direito, como o Corpus Júris Civilis, a Lei das XII Tábuas, a Magna Carta Inglesa etc, sendo o Direito Romano a mais importante fonte histórica do Direito moderno.
b.1) Lei
b.1.1) etimologia - lex, ligare 
O vocábulo lei veio do latim lex, sem etimologia certa. São Tomás atribui a origem de lex a ligare, que significa vincular, atar. 
b.1.2) conceito 
A lei, considerada como fonte do Direito Positivo, é o preceito formal que emana da autoridade suprema do Estado, mediante o qual se criam, modificam ou revogam regras de Direito. Os romanos sabiamente definiam a lei como sendo a emanação do povo, idéia semelhante encontrada na Declaração dos Direitos do Homem de 1791 que diz "lei é a expressão da vontade geral". Isto, pois que as leis são feitas pelo Estado, através do Poder Legislativo, o qual é composto de membros eleitos pelo próprio povo. O interesse e a vontade deste são representados pelo parlamentar através das leis.
Segundo Sílvio Venosa, lei é a “regra geral de direito, abstrata e permanente, dotada de sanção, expressa pela vontade de autoridade competente, de cunho obrigatório e forma escrita”.
Portanto, são características básicas dessa fonte normativa:
generalidade: obriga igualmente a todos os membros do grupo social; é dirigida a um número indeterminado de pessoas;
abstração: porque não visa situações particulares ou concretas, mas hipóteses concebidas idealmente, tendo caráter prospectivo de geração de efeitos para o futuro, não devendo, em regra, produzir efeitos pretéritos (irretroatividade);
permanência: a regra é que as leis sejam editadas para vigorarem por tempo indeterminado, até que outras leis venham regová-las. Mas isso não significa que a lei não possa ter por objeto situações que ocorrerão em período certo de tempo, pois que não descaracteriza a sua permanência. Ex: leis temporárias ou excepcionais.
coercibilidade (sanção): a fim de que preceitos sejam cumpridos, independentemente da vontade do seu destinatário. 
autoridade competente: que é geralmente o Poder Legislativo (não obstante o Executivo tenha competência para editar medidas provisórias), em garantia do princípio da separação dos poderes, cuja função é evitar o arbítrio. 
obrigatoriedade ou imperatividade: é necessário que haja obrigatoriedade da lei a fim de garantir a sua efetividade. 
forma escrita: é garantia de maior estabilidade das relações jurídicas, mediante a sua publicação nos órgãos oficiais.
b.2) Costume
A lei é a fonte suprema, porém não a única. Mesmo em face da norma legislada, cabe ao costume um papel que, embora secundário, não pode ser desprezado. Nas sociedades primitivas, as normas jurídicas não emanavam de um órgão específico, mas da opinião popular e gozavam de obrigatoriedade em razão do uso pelo povo. É produto de evolução lenta na sociedade e surgiu quando ainda não se conhecia a escrita. Porém, nas sociedades modernas, o costume cedeu lugar à lei, ocupando posição secundária entre as fontes do Direito. Categoriza-se, assim, como fonte subsidiária ou fonte supletiva, e é assim que o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil o trata: "(...) na omissão da lei o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."
O costume é composto de dois elementos constitutivos: um externo ou objetivo, que consiste na constância da repetição dos mesmos atos, a prática constante e uniforme de um mesmo comportamento ou ato; e outro interno ou subjetivo, que é a convicção geral de que a observância da prática costumeira corresponde a uma necessidade jurídica, de forma a justificar a sua aplicação compulsória aos que não se submetem voluntariamente a ela.
Não obstante a polêmica acerca da aplicação do costume contra legem, o certo é que, a partir do Código Civil de 1916, só se reconhece validade à norma consuetudinária quando se forma em suprimento das deficiências ou omissões da lei, servindo de meio integrativo (costume praeter legem), ou quando a própria lei reconhece a eficácia jurídica do costume (costume secundum legem) – ex: obrigação legal do locatário de pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar, onde o preceito consuetudinário, não contido na lei, é admitido com eficácia obrigatória. 
b.3) Doutrina
Historicamente, a doutrina é conhecida como a obra dos jurisconsultos romanos onde se alicerçavam os princípios estruturais do sistema. Com o passar dos tempos, sobressaíram escritores, cujas opiniões se converteram em preceitos obrigatórios. Porém as obras doutrinárias tiveram sua importância reduzida a partir das codificações, o que, no entanto, não deixou de constituir em relevante fonte indireta do direito. 
A doutrina não tem força obrigatória como a lei, mas serve de fonte de inspiração para o juiz na aplicação da regra ao caso concreto, principalmente auxiliando-se na definição de alguns conceitos indeterminados (ex: mulher honesta, justa causa, absoluta impossibilidade etc), permitindo o desenvolvimento de fórmulas interpretativas capazes de conferir certa uniformidade a tais conceitos vagos e ambíguos. Serve também de inspiração para o legislador na elaboração das normas.
b.4) Jurisprudência
Dentre as várias significações de jurisprudência, importa-nos destacar àquela que se refere como fonte do direito, qual seja, como "conjunto uniforme e constante das decisões judiciais sobre casos semelhantes". Não se trata de uma sentença individualizada, mas de várias que repetem o mesmo entendimento. Aquela se aplica a um caso concreto, já a jurisprudência aplica-se a todos os casos idênticos.
A jurisprudência não se confunde com a lei. Embora trace também uma norma geral e obrigatória, possui maior flexibilidade e maleabilidade, adequando-se a norma ao caso concreto. O que pode acontecer é a jurisprudência se adiantar num assunto ao trabalho legislativo.
Também não se confunde com o costume porque esse é criação da prática popular, nascendo espontaneamente, ao passo que a jurisprudência é obra exclusiva da reflexão dos operários do direitos, nas decisões de juízes monocráticos e tribunais, em litígios submetidos à sua apreciação.
Há autores que, embora reconheçam a sua importância na formação do direito, divergem quanto ao seu valor, considerando-a uns sistemas mais (anglo-saxão), outros menos (romano-germânico). De uma forma ou de outra, a jurisprudência não se apresenta como norma imperativa, pois o juiz não está obrigado a decidir em determinado caso concreto de acordo com a jurisprudência, por mais firmada que seja (salvo se se tratar de matéria constitucional, nos moldes do art. 103-A, CF). Isso implica que o Tribunal que a firmou não esteja impedido de modificá-la caso seu entendimento passe ser outro. 
b.5) Princípios Gerais do Direito
Embora não sejaconsiderada pela maioria dos autores como fonte formal do direito, grande valor tem o princípio na formação e expressão da norma jurídica. Situa ele, talvez, em momento anterior à criação de qualquer norma, seja ela legal, consuetudinária, jurisprudencial ou convencional (contratual). Pode-se, assim, afirmar que o princípio é o embrião, a semente do Direito, de onde irradia todas as normas jurídicas. Daí a importância de seu estudo.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, princípio é a "primeira instância do ser ou existência de uma coisa. Ponto considerado primeiramente em uma extensão. Base, origem, fundamento sobre o qual se discorre". Sabemos qual é o significado de princípio, mas cabe aqui perguntar: o que são os chamados princípios gerais do direito? 
Como resposta, diremos que foram considerados diversos critérios para precisar seu conteúdo ou o alcance da expressão, resultando em duas vertentes. Uma diz que princípios gerais do direito seriam "aqueles radicados fora do direito positivo". Esta opinião se vincula com a idéia de direito natural - os preceitos que não fazem parte do direito positivo, mas que o integram racionalmente, porque suas aplicações demonstram vigência implícita (Ex: direito à vida, direito à integridade física e moral, à honra etc).
Para outros, os princípios gerais do direito seriam aqueles que informam as soluções concretas do direito positivo, servindo-lhe de fundamento. Em outras palavras, as bases fundamentais em que se apóia a organização política, social e econômica de uma comunidade. Como exemplo, podemos citar as normas que caracterizam o sistema republicano, a separação dos poderes, os princípios que inspiram a constituição da família etc.
Temperando as duas concepções, pode-se dizer que princípios gerais são postulados que procuram fundamentar todo o sistema jurídico, não tendo necessariamente uma correspondência positivada equivalente. 
O sempre citado Orlando Gomes é enfático ao dizer que os princípios gerais “não devem ser entendidos como princípios de validade geral, segregados pelo direito natural ou pelo direito justo, e absolutos, mas como princípios histórico-concretos, pertencentes a determinada ordem jurídica.”
Como fonte subsidiária do direito, são eles utilizados quando as outras mais diretas falham. E, não obstante seja de grande importância, é da mais difícil utilização, exigindo do juiz um manuseio com instrumentos mais abstratos e complexos e requer um trato com idéias de maior teor cultural do que os preceitos singelos de aplicação quotidiana. 	
Segundo o jurisconsulto romano Ulpiano, são preceitos do Direito: viver honestamente, não lesar a outrem; dar a cada um o que lhe pertence; não aproveitar-se de sua própria torpeza; “o direito não socorre os que dormem”; etc.
1.2 DIREITO CIVIL
1.2.1 Natureza Jurídica, Conceito e Princípios do Direito Civil 
a) natureza jurídica (taxionomia – posição do Direito Civil dentro das Ciências Jurídicas: ramo do Direito Público ou do Direito Privado?)
Vimos que, para melhor ser estudado, o Direito pode ser dividido em direito público e direito privado. Por conseguinte, por se prestar a fins exclusivamente didáticos, tal divisão não merece a relevância que muitos doutrinadores lhe emprestam, uma vez que o direito deve ser encarado em sua generalidade. 
Sabe-se que remonta ao direito romano a clássica classificação do Direito em dois grandes ramos: Direito Público e Direito Privado, sendo o primeiro o direito do Estado romano, em oposição ao direito das gentes (não-romanos, ou gentios), e o segundo, a disciplina dos cidadãos. O critério diferenciador era exclusivamente o subjetivo.
Modernamente, os autores buscaram também o critério diferenciador no sujeito ou titular da relação jurídica, considerando direito público aquele que rege as relações dos Estados entre si, ou do Estado como tal e os seus membros, enquanto direito privado aquele que regula as relações entre os indivíduos. Porém, esse critério é insuficiente, pois há muitas relações entre particulares que são consideradas de direito público, ou seja, que encerram interesse do Estado. Exemplo: o casamento, o contrato de trabalho etc. E há situações em que o Estado age como particular. Ex: quando loca seus bens, quando contrata um trabalhador temporário etc.
Dessa forma, a maioria dos autores concorda que o melhor critério é o da extensão do interesse protegido: se prepondera interesse particular, trata-se de direito privado, se do Estado ou coletivo, o direito é público. 
Diz-se, ainda, que a diferença reside no fato de as normas de direito público serem impositivas, cogentes, de ordem pública, ou seja, não serem suscetíveis de modificação pela vontade das partes ou particulares, enquanto as de direito privado são dispositivas, podendo as mesmas dispor livremente. Porém, normas há no direito privado que não podem ser modificadas pelas partes, v.g., as formalidades do casamento; e nem por isso o Direito Civil é considerado ramo do Direito Público. E é exatamente por isso que se discute também se o Direito do Trabalho não se trata de ramo do Direito Público. Mas, como vimos, o que importa é saber qual interesse ou norma predomina.
Parece-nos que a melhor definição é conseguida por Ruggiero: 
público é o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado com outro Estado, ou as do Estado com os seus súditos, quando procede em razão do poder soberano, e atua na tutela do bem coletivo; direito privado é o que disciplina as relações entre pessoas singulares, nas quais predomina imediatamente o interesse de ordem particular.
Toda essa discussão, no sentido de num mesmo ramo pode ser encontradas tanto normas imperativas quanto dispositivas, dando-lhe uma posição ou um status aparentemente híbrido, misto, desembocou no chamado “fenômeno da publicização do Direito Privado”. 
Consiste no aumento de normas impositivas e de interesse público em detrimento de normas dispositivas, havendo um maior controle estatal nas relações jurídicas particulares. Isso em nome do interesse coletivo, o qual deve ser tutelado e realizado pelo Estado.
Todavia, essa interpenetração do interesse público no privado não implica na supressão da autonomia da vontade ou da liberdade individual, mas apenas na sua restrição. 
Por que RESTRIÇÃO?
Antes da tendência à publicização, os particulares tinham TOTAL liberdade para travar as suas relações do modo como acordassem (contratassem), conforme dispõe o princípio da legalidade: os indivíduos podem fazer tudo que não esteja proibido pela lei (muito mais restrito tal princípio se revela ao Estado que, por representar a vontade coletiva, é obrigado a fazer somente aquilo que está estritamente previsto na lei). Dessa forma, se não estivesse proibido na lei determinada conduta, ela poderia ser acordada pelas partes, derrogando a disposição legal sobre o assunto.
Ex: obrigação de o locador pagar as despesas extraordinárias de condomínio, prevista em lei, pode ser transferida ao locatário, por força de previsão contratual. Isso só é possível porque a lei não proíbe tal transferência.
Entretanto, agora, em muitos casos, principalmente no Direito de Família e no Direito do Trabalho, os particulares, ao dispor sobre suas relações, firmando acordos e contratos, devem atender a um mínimo previsto em lei, ficando a liberdade de contratar limitada à vontade estatal. Isso sem falar naquelas previsões em que não há nenhuma margem à disposição (normas imperativas), as quais são mais raras.
De qualquer forma, pode-se dizer que não há tendência ao desaparecimento do Direito Privado. A publicização é um fenômeno universal de socialização das relações jurídicas. A eventual maior interferência do Estado nas relações não implica em completa publicização.
Feitas tais considerações, pode-se afirmar com segurança que o Direito Civil é ramo do Direito Privado por excelência. No Direito Civil preponderam as normasjurídicas reguladoras das atividades dos particulares. Trata dos interesses individuais. Estuda-se a personalidade; os atos que pratica; como adquire e perde a propriedade; como deve cumprir as obrigações que contraiu com outro; qual a posição dentro da família; qual a destinação de seus bens após a morte.
Do Direito Civil se destacaram os demais ramos do Direito Privado, em função de uma necessária ESPECIALIZAÇÃO da disciplina de seus interesses.
Exemplos:
Direito do Trabalho – cuida do contrato especial firmado entre o empregador e o empregado – contrato de trabalho.
Direito do Consumidor – estuda o contrato especial firmado entre o fornecedor e o consumidor – contrato de consumo.
Direito Comercial – trata da compra e venda, da troca entre produtor e comerciante, com o objetivo de lucro – comércio.
Obs: O NCC adotou posição inversa ao da especialização, ao trazer em seu bojo o disciplinamento da figura do empresário, substituindo a figura ultrapassada do comerciante, revogando toda a Parte Geral do Código Comercial. Tal disciplina encontra-se no Livro II, que trata do Direito de Empresa. Foi um importante passo para a chamada unificação do direito das obrigações, direito este que está presente tanto nas relações civis propriamente ditas quanto nas relações comerciais. Vale lembrar que se já tentou em nosso país tal unificação mediante o Projeto de Código de Obrigação de 1961, de autoria do saudoso Caio Mário da Silva Pereira, porém, sem sucesso. Alguns autores criticam o processo de unificação sob o argumento de que a especialização, atualmente, é uma realidade inarredável.
b) Conceito e Princípios
	Direito Civil é ramo do Direito Privado que disciplina todas as relações jurídicas da pessoa, sejam umas com as outras, envolvendo relações familiares e obrigacionais, sejam com as coisas.
	Etimologicamente, civil significa “cidadão”, e esse era o entendimento dado pelo Direito Romano através do seu jus civile. Essa nomenclatura se explica pelo fato de que a história nos conta ter sido o nosso Direito fruto do Direito Português, que, por sua vez, fora fortemente influenciado pelo Direito Romano.
	No Direito Romano, do ius civile passamos para um Direito compilado por Justiniano, mediante o Corpus Iuris Civile. Esta obra, por sua vez, foi objeto de intensos estudos e comentários, desde o século XII até o XVI, pelos chamados glosadores (glosa – comentários interlineares). Com o passar dos tempos, segue a estes o trabalho dos pós-glosadores, consistente em adaptações da doutrina e dos conceitos às necessidades da época, divulgando o Direito Romano por toda a Europa através das Universidades que se iam se instalando.
	Chegando à França, grande influência opera sobre seu direito, dando origem, mais tarde, no início do século XIX, ao conhecido Código de Napoleão. Sua grande característica, que até nós chegou pelo CC de 1916, era a idéia predominante da liberdade individual, revelada em institutos fortes, de caráter absoluto, como os contratos e a propriedade.
	Atualmente, o Direito Civil passa por importantes modificações. A exacerbação do individualismo do século passado (fruto da política liberalista do “laissez-faire, laissez-passer”) que impregna nosso Código Civil de 1916, já não pode ser aceita em uma época de importantes mudanças sociais. Institutos, outrora tratados como uma certa intransigência, são relativizados em face da função social que devem atender (contratos, propriedade ...).
	Desta feita, são princípios que informam o Direito Civil moderno, especialmente depois do advento do Novo Código Civil de 2002:
- sociabilidade: determina que as relações não devam mais ser vistas como de interesse apenas interpessoal dos indivíduos vinculados à obrigação, mas de toda a sociedade, em virtude de valores de bem comum, fazendo com que, o princípio da autonomia da vontade seja relativizado, como, por exemplo, nas relações contratuais, onde, hodiernamente, há marcante intervencionismo estatal. Ex: 
- eticidade: traz consigo a idéia da essencialidade da boa-fé objetiva das relações, sem a qual o negócio jurídico padece de irregularidade.
- operabilidade: busca trazer maior efetividade das regras do Código Civil.
c) Conteúdo do Direito Civil e do Código Civil de 2002.
	Vimos que o Direito Civil é o ramo do direito privado, destinado basicamente a reger as relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que são formadas entre os indivíduos, vistos como membros da sociedade.
	O Direito Civil regula, portanto, as relações jurídicas das pessoas. Para melhor ser estudado, segue ele a mesma divisão constante no Código Civil: 
PARTE GERAL – estabelece regras genéricas sobre pessoas, bens e fatos jurídicos; 
PARTE ESPECIAL – que contém os seguintes livros:
Direitos das Obrigações (arts. 233 a 965, com equivalência aos arts. 863 a 1.571 do CC-16) - trata do vínculo pessoal entre os credores e devedores, tendo por objeto uma prestação patrimonial.
b) Direito de Empresa (arts. 966 a 1.195, sem equivalência no CC-16) - O Código Civil de 2002 inovou ao acrescentar, na parte especial, o direito de empresa, antes disciplinado pelo Código Comercial (como já dissemos, sua primeira parte está, agora, revogada). Nele é conceituado o empresário e a atividade empresarial, os tipos tradicionais de sociedade são revistos, dentre outras alterações.
c) Direito das Coisas (arts. 1.196 a 1.510, com equivalência aos arts. 485 a 862 do CC-16) - trata do vínculo que se estabelece entre as pessoas e os bens, como a propriedade e o usufruto.
Direito de Família (arts. 1.511 a 1.783, com equivalência aos arts. 180 a 484 do CC-16) - disciplina as relações pessoais e patrimoniais da família, como o casamento, o poder familiar (antigo pátrio poder) etc. 
Direito das Sucessões (arts. 1.784 a 2.027, com equivalência aos arts. 1.572 a 1.805 do CC-16) - regula a transmissão dos bens dos falecidos.
	
Nesse semestre, estudaremos a Parte Geral do Código Civil, onde consta conceitos, categorias e princípios básicos, aplicáveis a todos os livros da Parte Especial, e que produzem reflexos em todo o ordenamento jurídico. 
1.3 CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL E O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
1.3.1 Introdução
	
O nosso Direito Civil está assentado no sistema romano-germânico ou do civil law, cuja principal característica é adotar a lei como principal fonte do Direito, ao contrário dos países, cujo sistema é o anglo-saxão (commom law), onde o direito se forma através dos costumes ou dos chamados precedentes judiciais.
	Porém, nem sempre foi assim. O Direito Romano esteve, por longos anos, pautado por costumes, sejam os dos próprios romanos, sejam dos outros povos cujas terras o Império conquistava. 
	Entretanto, com o passar dos tempos, os costumes já não atendiam às necessidades, dando lugar à lei escrita, que podia ser privada (fruto de um acordo entre dois particulares – contrato) ou pública (imposto pelo Estado). 
Com o surgimento da lei, a qual ia se tornando esparsa dentro do vasto Império, o trabalho de compilação se fez necessário, materializado no Corpus Iuris Civile de Justiniano.
Portanto, historicamente, após ter transformado os costumes em leis, o legislador parte para ambição mais elevada: reunir em texto único e conexo todo o direito em vigor. Trata-se da criação de um código.
1.3.2 Conceito
Mas, o que é um código? Trata-se de uma lei que busca disciplinar integral e isoladamente uma parte substanciosa do direito positivo. Assim, é um processo de organização, que reduz a um único diploma diferentes regras jurídicas da mesma natureza, agrupadas segundo um critério sistemático.
E é nisso que os códigos diferem da chamada “consolidação”, que coloca lado a lado as normas então vigentes. Enquanto a codificação tem uma perspectiva criativa, fazendo eliminações, adaptações e construções, a consolidação tem característica mais limitada, justapondo as normas vigentes para articulá-las sob determinadaorientação, sem pretensões inovadoras. Ex: CLT (“colcha de retalhos” – Getúlio Vargas unificou num só documento várias leis já existentes na década de 40).
Por outro lado, codificação também não se confunde com incorporação, a qual pressupõe uma escolha de regras jurídicas do passado, fragmentadas em vários documentos e sem coerência sistemática, que passam a ter validade. Ex: Corpus Júris de Justiniano.
1.3.3 Antecedentes históricos
A codificação teve por influência histórica a Escola do Direito Natural, cuja ambição era tornar realidade a concentração das normas jurídicas em um único corpo legislativo. Ou seja, transformar o direito ideal ensinado nas universidades em direito real. A comparação com livros sagrados, como a Bíblia, o Torá, o Alcorão, era inevitável.
Dentre todos os códigos feitos nesse período, interessa-nos o Código francês, ou napoleônico, de 1804, e o Código Civil alemão (o B.G.B – Bürgerlich Gesetzbuch), em vigor a partir de 1º de janeiro de 1900. 
O primeiro é dividido em três livros [“Das Pessoas”; “Dos bens e as diferentes modificações da propriedade”; e “Dos diversos modos pelos quais se adquire a propriedade” – que compreende vários assuntos, como regimes matrimoniais, obrigações e garantias reais]. Foi muito criticado por seguir a ordem das Institutas de Justiniano. Tentou conciliar o Direito Romano com o direito costumeiro, sendo um código extremamente individualista e “burguês”. O Código francês formou o pensamento jurídico dos séculos XIX e XX até o aparecimento do Código alemão, que entrou em vigor no início do século XX.
Este, por sua vez, serviu de forte inspiração para o projeto do CC-16 e do CC-02, uma vez que se compõe de duas partes: uma compreendendo o direito das pessoas, dos bens e os negócios jurídicos; e outra especial, dividida em quatro livros: Direito das Obrigações, Direitos Reais, Direito de Família e Direito das Sucessões. Concomitantemente, foi elaborada uma LICC com normas referentes ao direito internacional privado, fato também ocorrido no Direito brasileiro.
1.3.4 Vantagens e desvantagens da codificação
A codificação teve o mérito (vantagens) de romper com a situação fragmentária do direito, preso à multiplicidade de costumes. Ele reduziu os direitos a certos grupos bem definidos. O Código de Napoleão e, posteriormente, o Código Civil alemão (B.G.B) tiveram papel preponderante nesse sentido. 
Reconhecemos, porém, que houve alguns efeitos negativos (desvantagens) com os novos institutos: o Direito passou a ser aplicado de forma mais racionalista, esquecendo-se do “direito justo” ensinado nas universidades. Faz nascer daí o positivismo jurídico. Ainda hoje quando ocorre a promulgação de uma nova lei, primeiramente há apego a seu texto. À medida que ela envelhece, as interpretações ganham a necessária flexibilidade, pois maior torna-se o desafio do aplicador.
Dessa forma, podemos resumir as vantagens e as desvantagens da codificação nos seguintes termos:
a) vantagens:
- unificação do Direito vigente em determinado país por um critério uniforme. A codificação ou fixação do direito de um povo tem a grande virtude de possibilitar também a unidade política da nação. O Código de Napoleão é um dos exemplos das vantagens de uma boa codificação, pois, embora tenha sido promulgado em 1804, continua em vigor na sua maior parte.
- a codificação permite e facilita o estudo sistematizado do direito, gozando o ordenamento de maior estabilidade nas relações jurídicas. Lembre-se que o estudo do Direito Civil torna-se mais fácil e didático se adotamos a divisão ou a estrutura do Código Civil. 
- um processo de codificação permite a conversão do direito pensado na doutrina para o direito positivado. Mesmo porque os códigos somente devem surgir quando o direito de um povo já se encontra suficientemente amadurecido, produto de intensa exegese dos doutos. Direito incipiente é mais efêmero. E os códigos perderiam todo o seu prestígio se fossem modificados constantemente.
b) desvantagens:
- “engessamento” do direito: Savigny foi veementemente contra à codificação, qualificando-a como “fossilizações jurídicas”, na medida que impedia o desenvolvimento ou a evolução do Direito conforme os influxos sociais, ou seja, conforme a prática e os costumes, as quais eram a expressão imediata da consciência popular em determinado momento histórico (volksgeist).
- culto da palavra e da letra: como vimos, é muito comum a verificação de um extremo apego à letra da lei nos primeiros anos de vigência de um código.
	Conclusão: 
Realmente, os códigos devem ser feitos com animus de definitividade; todavia, não se deve preservar eternamente a mesma concepção de quando foi promulgado face à dinamicidade social. A solução seria a adoção de uma interpretação que respeite ou observe os valores da época em que vive o aplicador. De nada adiantaria a constante modificação da lei, atualizando-a em relação à realidade social, se os aplicadores mantiverem a mesma mentalidade.
	Por isso, hoje já não se discute sobre vantagens ou desvantagens da codificação, pois que se reconhece o papel fundamental da doutrina e da jurisprudência na criação e transformação do Direito.
1.3.5 A Codificação no Brasil
	O desenvolvimento de nosso Direito Civil deu-se em três fases distintas. A primeira é caracterizada pela inexistência de um direito próprio, importando-se a legislação de Portugal. No período colonial vigoraram no Brasil, sucessivamente, as chamadas ordenações do Reino, compreendendo as Ordenações Afonsinas (D. Afonso V – forte influência do direito canônico), de 1446, as Ordenações Manuelinas (D. Manuel – presença do Corpus Iuris Civilis), de 1521, e as Ordenações Filipinas (Filipe II – direito romano influenciado pelos glosadores), em 1603. 
	Com a Independência, em 1822, a legislação portuguesa continuou sendo aplicada, mas com a ressalva de que vigoraria até que se elaborasse o Código Civil brasileiro. 
	Dessa forma, a primeira Constituição brasileira de 1824 determinou que se organizasse, o quanto antes, um Código Civil (...).
Esforços de vários juristas nesse sentido marcaram tal período, todos frustrados, até que, em 1º de janeiro de 1916, é sancionada a Lei nº 3.071, cujo projeto foi de autoria de Clóvis Bevilácqua, instituindo, assim, o primeiro Código Civil Brasileiro. 
Considerando que o código marca a tendência ideológica do seu momento, o CC-16 traduz a ideologia de uma sociedade agrária e conservadora, preocupando-se muito mais com o ter (propriedade, contrato) do que com o ser (direitos da personalidade, dignidade da pessoa humana – não se compadece com os sofrimentos do devedor; esmaga o filho bastardo; imagina que as partes de um contrato são iguais etc). Era, portanto, egoísta, patriarcal e autoritário, refletindo a sociedade do século XIX.
Assim, em 1969 foi criada uma nova Comissão para rever o Código Civil, preferindo elaborar um novo código em vez de emendar o antigo. Tal Comissão apresentou, em 1972, o Anteprojeto de Código Civil. Depois de receber inúmeras emendas, foi publicada a sua segunda edição, que foi submetida à nova revisão, dando origem ao Projeto de lei n. 634, de 1975.
Depois de anos de debates na Câmara dos Deputados, em 1984 foi aprovado o projeto, com sua transformação no PL 634-B. Adormecido por longos anos no Senado, foi finalmente aprovado, retornando à Câmara.
Diversas críticas foram levantadas acerca de um projeto concebido na década de 70, já considerado ultrapassado em face da nova Constituição de 1988, que veio consagrar valores como a dignidade da pessoa humana, igualdade e proteção dos filhos etc.
Porém, na Câmara foi designado relator o deputado Ricardo Fiúza, quem realizou as devidas revisões.
No ano de 2001, o projeto foi finalmente levado à votação e aprovado, convertendo-se na Lei n. 10.406, publicada em 10 de janeiro de 2002 – o NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, que, entre outras modificações, consagra a unificação parcial do direito das obrigações.2 DAS PESSOAS 
2.1 Introdução
O Direito pressupõe a existência de um sujeito ativo, de um sujeito passivo e de um objeto.
- O sujeito de direito (ativo ou passivo) é o ser a quem a ordem jurídica assegura o poder ou o dever de agir contido no Direito. 
- O objeto do direito é o bem ou vantagem sobre que o sujeito exerce o poder ou o dever conferido pela ordem jurídica. 
- A relação do direito é o laço que, sob a garantia da ordem jurídica, submete o objeto ao sujeito. 
Essa tríade revela-se das mais variadas formas, a depender do tipo de relação jurídica que venha se estabelecer. Por exemplo:
	Tipo de relação
	Sujeito ativo
	Bem
	Ordem jurídica
	Sujeito passivo
	obrigacional
	credor
	prestação
	contrato
	devedor
	propriedade
	proprietário
	coisa
	título (escritura)
	coletividade
	familiar
	filho
	alimentos
	parentesco
	pais
	sucessória
	herdeiro
	herança
	testamento
	espólio
As pessoas, sejam naturais ou jurídicas, são tratadas como sujeitos de direito; os bens como objeto de direito e os fatos jurídicos como meios de se criar, modificar e extinguir a relação do direito (ou o próprio direito), tornando possível a aplicação da Parte Especial.
Por isso, como vimos, vamos estudar, na Parte Geral do Código Civil, as regras genéricas sobre pessoas, bens e fatos jurídicos. 
2. 2 Da pessoa natural
2.2.1 Personalidade jurídica (art. 1º)
	
Entende-se por pessoa o ser ao qual se atribuem direitos e obrigações, ou seja, poderes e deveres. Sendo assim, pode ser chamada de sujeito de direito, seja ativo ou passivo. 
Sabe-se que das relações jurídicas mais simples às mais complexas de nossa vida estamos sempre na posição de titulares de direitos e obrigações, na posição de sujeitos de direito. Entretanto, cabe notar que só o ser humano goza dessa posição, da possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica.
Retira-se essa conclusão da dicção do art. 1º do CC/02, a saber: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
Sendo assim, não são considerados sujeitos de direitos, aptos a adquirir direitos e contrair obrigações, animais e seres inanimados. Aquela estória de testamento, deixando todos os bens para gato, cachorro etc, é coisa de novela. A nossa ordem jurídica não reconhece como válida esse tipo de relação. O máximo que pode acontecer é que esses seres figurem como objetos de direito (serem vendidos, doados etc), mas nunca sujeitos.
Vale lembrar que o CC/02 substituiu o termo homem por pessoa, com vistas a evitar interpretações restritivas no sentido de não considerar a mulher sujeito de direito. Mas desnecessária foi a modificação, posto que sempre se entendeu que a norma era dirigida não ao sexo masculino, mas à espécie humana. 
Pois bem. Sendo o ser humano sujeito de direito, diz-se, portanto, que ele é dotado de personalidade. 
Segundo Clóvis Beviláqua, “a personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem essa última não se poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se confundem. (...) personalidade jurídica a projeção da personalidade psíquica (...) na personalidade jurídica intervém um elemento, a ordem jurídica (...) do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a força ativa”.
Cabe observar que, embora esteja localizado no Título I, do Livro I, que trata das “Pessoas Naturais”, o instituto da personalidade, previsto no mencionado art. 1º, estende-se também às chamadas pessoas jurídicas, as quais estão disciplinas no Título II do mesmo Livro. Isso pois que o referido dispositivo alude genericamente à “pessoa”, o que pressupõe ser tanto a natural ou física, quanto a jurídica ou moral, ou seja, aquele ente formado por um conjunto de pessoas ou de patrimônio (Ex: sociedades, associações, fundações etc). 
2.2.2 Início da personalidade jurídica (art. 2º)
	Mas quando que se pode atribuir o início da personalidade jurídica do ser humano? Ou seja, a partir de quando ele terá aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações?
	O art. 2º do CC/02 assim determina: 
“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida (...)”
	Mas quando ocorre o nascimento com vida? Essa informação nos é dada pela Medicina, segundo o qual há nascimento quando a criança, deixando o útero materno, respira. Sem a respiração, tem-se o parto de natimorto, que, por essa razão, não é considerado sujeito de direitos. 
Para determinar se a criança já nasceu morta (natimorto) ou se respirou e faleceu logo depois, lança-se mão de um exame denominado de exame de docimasia hidrostática de Galeno, on de afere-se o início do funcionamento do aparelho cárdio-respiratório através do mergulho dos seus pulmões na água. Se tiver respirado, os alvéolos estarão cheios de ar, fazendo com que o pulmão bóie sobre a água; caso contrário, estará denso, indo ao fundo. 
As conseqüências desta determinação são importantíssimas, principalmente no campo sucessório, pois que, nascendo com vida, a criança é considerada pessoa e sujeito de direito, o que implica dizer que pode receber herança e transmiti-la aos seus sucessores, caso venha falecer logo após o nascimento.
A doutrina predominante entende, desse modo, que o nosso Código Civil adotou, para fins de início da personalidade jurídica, a teoria natalista. Defendida por Vicente Ráo, Sílvio Rodrigues, Eduardo Espínola, Sílvio Venosa, entre outros, sustenta esta teoria que a personalidade inicia-se com o nascimento com vida. Desse modo, por outro lado, o nascituro ou o feto, ou seja, aquele que ainda não nasceu, mas já foi concebido, não é pessoa, gozando de uma mera expectativa de direitos, ou seja, da possibilidade de futuramente titularizá-los. 
Sílvio Venosa adverte que “o Código Brasileiro poderia ter seguido a orientação do Código francês que estabelece começar a personalidade com a concepção”. Se assim o tivesse feito, teria considerado pessoa não só o recém-nascido, mas também o nascituro.
Por não adotar a teoria francesa, também chamada de concepcionista, o Código Civil Brasileiro preferiu não conferir personalidade ao nascituro. Entretanto, na segunda parte do art. 2º faz uma ressalva no sentido de resguardar os direitos do nascituro desde a concepção.
Assim termina o referido artigo: 
“(...) mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Ora, se considerarmos que o Código adotou a teoria natalista, temos que concluir que o nascituro não adquire direitos, pois que ainda não é considerado pessoa. Sendo assim, a lei apenas lhe confere uma expectativa de direito, não podendo dele ainda gozar. 
Entretanto, essa questão não é tão pacífica assim na doutrina. 
A teoria concepcionista do Código de Napoleão contou com muitos adeptos aqui, como Clóvis Beviláqua e Silmara Chinelato, segundo os quais o nascituro adquire a personalidade desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa. O fundamento utilizado é que não se pode admitir que o nascituro não tenha direitos, bastando lembrar do direito à vida, sem o qual não seria possível sequer a expectativa dos demais direitos resguardados pela ordem jurídica. Seria, pois, uma contradição. E, sendo titular do direito à vida (lembre-se que o crime do aborto é prova disso), à proteção pré-natal etc, por conseqüência, o nascituro é considerado sujeito de direito. 
A par desta teoria, surgiu outra denominada teoria da personalidade condicional, defendida por Serpa Lopes, Maria Helena Diniz, entre outros, que entendem que o nascituro titulariza direitos, mas sob condição suspensiva, ou seja, a sua personalidade plena está condicionada ao nascimento com vida. 
EM SUMA, quanto ao nascituro, a doutrina se divide nas seguintes teorias:
a) natalista (predominante) – não tem direitos, apenas mera expectativa de direito.
b) concepcionista – tem direitos desde a concepção.
c) personalidade condicional – desde já tem direitos, mas o exercício fica condicionadoao nascimento com vida.
Convém lembrar que o NCC não cuidou de regular a situação do embrião concebido em laboratório. Sendo assim, não resguardou os seus direitos, como fez com o nascituro. A doutrina costuma utilizar a expressão embrião para caracterizar aquele ser concebido e mantido em laboratório.
Porém, o PL n. 6960/02 prevê a seguinte modificação no art. 2º: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro”.
2.2.3 Capacidade de direito e capacidade de fato
	
Vimos que todo ser humano, desde o seu nascimento com vida, é pessoa na acepção jurídica. Segundo o mencionado art. 1º do CC/02, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres (....)”, o que significa que toda pessoa é dotada de capacidade de direito. 
	A capacidade de direito, também chamada de capacidade de gozo, é o mesmo que personalidade. É uma capacidade genérica, adquirida no momento do nascimento com vida; ela já nasce com a pessoa, e está afeta à aptidão de adquirir direitos e deveres. 
Mas nem todos que têm capacidade de direito ou de gozo poderá exercer seus direitos ou responder por suas obrigações, pois que lhe falta a capacidade de fato ou de exercício, que é adquirida aos poucos, segundo o desenvolvimento biopsicológico do indivíduo. 
Pode-se adiantar que somente quando se adquire a maioridade civil, com 18 anos completos, é que se adquire a capacidade plena (que é a soma da capacidade de direito com a de fato), desde que o sujeito não padeça de nenhuma enfermidade que comprometa o seu discernimento. Em suma:
	
CAPACIDADE DE DIREITO = DE GOZO = PERSONALIDADE CIVIL CAPACIDADE CIVIL
CAPACIDADE DE FATO = DE EXERCÍCIO = CAPACIDADE CIVIL PLENA
2.2.4 Diferença entre capacidade e legitimidade
Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser capaz de direitos e obrigações. Possui, portanto, capacidade de direito ou de gozo. Todo ser humano tem, assim, capacidade de direito, pelo fato de que a personalidade jurídica é atributo inerente à sua condição.
Mas, nem toda pessoa possui aptidão para exercer pessoalmente os seus direitos, praticando atos jurídicos, travando relações jurídicas, em razão de limitações orgânicas ou psicológicas. Do contrário, se puderem atuar pessoalmente, aí sim, possuem, também, capacidade de fato ou de exercício.
Como vimos, reunidos os dois atributos, diz-se que o indivíduo é dotado de capacidade civil plena.
Não há que se confundir, por outro lado, capacidade com legitimidade. Nem toda pessoa capaz pode estar legitimada para a prática de determinado ato jurídico. A legitimação traduz uma capacidade específica. Segundo Sílvio Venosa, “a legitimação consiste em averiguar se uma pessoa, perante determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil”.
Em virtude de um interesse que se quer preservar, ou em consideração à especial situação de determinada pessoa que se quer proteger, criaram-se impedimentos circunstanciais, que não se confundem com as hipóteses legais genéricas de incapacidade, que veremos daqui a pouco. O tutor, por exemplo, embora maior e capaz, não poderá adquirir bens móveis ou imóveis do tutelado, sendo ilegítimo para tanto. Dois irmãos, da mesma forma, maiores e capazes, não poderão se casar entre si. Falta-lhes legitimidade ou capacidade específica para o ato.
2.2.5 Incapacidade 
	A incapacidade civil é a falta de capacidade de fato ou de exercício, e não de personalidade. A incapacidade vem disciplinada nos arts. 3º e 4º do NCC. O art. 3º trata dos absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil; e o art. 4º dos relativamente incapazes.
a) absoluta (art. 3º, CC):
	O Código Civil de 1916, em seu art. 5º, reputava absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
- os menores de 16 anos;
- os loucos de todo o gênero;
- os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;
- os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
	
Seguindo diretriz mais moderna, o Código de 2002 considera absolutamente incapazes:
I - os menores de 16 anos:
Também conhecidos como menores impúberes (expressão derivada de “puberdade”), pois não são considerados pelo legislador dotados de maturidade suficiente para atuarem nas relações jurídicas civis. 
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos:
	São aqueles que padecem de doença ou deficiência mental que os tornem incapazes de praticar os atos da vida civil. O NCC afastou a expressão “loucos de todo o gênero”, por longos anos duramente criticada, por generalizar todos os que padecessem de alguma deficiência mental, de maior ou menor grau, o que acabava por incluir aqueles que conservavam certo discernimento para a prática dos atos da vida civil.
	A incapacidade deve ser oficialmente reconhecida por meio do procedimento de interdição, previsto no CPC, mas a doutrina admite a possibilidade de invalidação de ato praticado por indivíduo acometido de enfermidade ou deficiência mental, ainda que não tenha sido declarado incapaz. É a chamada incapacidade natural, ou seja, não se encontra ainda judicialmente declarada.
	Sílvio Rodrigues, embora concorde com a invalidação no caso de incapacidade não declarada, ressalva o ato praticado com terceiro de boa-fé, que desconhecia a situação de demente do incapaz.
	Por outro lado, declarada judicialmente a incapacidade, não são considerados válidos os atos praticados pelo incapaz mesmo nos intervalos de perfeita lucidez (há doenças que não se manifestam ininterruptamente, mas ciclicamente).
	É importante também observar que a senilidade (fraqueza intelectual em virtude da velhice) não é causa de incapacidade, ressalvada a hipótese de gerar um estado patológico, a exemplo da arteriosclerose.
- os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade:
	São aqueles que, sem serem portadores de doença ou deficiência mental, encontrem-se em estado de paralisia mental total ou temporária.
	O caráter temporário aliada à impossibilidade total de expressão da vontade são elementos essenciais para a configuração dessa forma de incapacidade absoluta. 
	Se há definitividade na limitação ou patologia reconhecida estar-se-á diante do inciso anterior. 
	Dessa forma, pode-se citar o exemplo do dependente de tóxico que esteja sob o efeito do entorpecente que o prive totalmente de discernimento, o ébrio eventual (salvo se tenha colocado voluntariamente no estado de inconsciência para o cometimento do ato danoso) também nas mesmas condições. Percebe que estão presentes a temporariedade e impossibilidade total de expressão da vontade.
	Não há que se confundir tal situação com a incapacidade permanente e relativa, que veremos no inciso II do art. 4º, dos ébrios habituais e dos viciados em tóxicos, a qual é relativa pela diminuição, e não supressão, da vontade acarretada por esses vícios.
	Quanto à ausência e quanto aos surdos-mudos impossibilitados de manifestar a vontade, deixaram no NCC de figurar no rol dos absolutamente incapazes. Isso porque, no caso da ausência, não se tratava de hipótese de incapacidade, mas de morte presumida, passando a figurar em capítulo próprio; e no caso da surdo-mudez, o que se fez foi excluí-la, por si só, como causa autônoma de incapacidade, sem vedar a possibilidade de seu enquadramento nas hipóteses mais genéricas previstas no art. 3º.
b) relativa (art. 4º):
	Entre a absoluta incapacidade e a capacidade plena, figuram pessoas situadas em zona intermediária, por não gozarem de total capacidade de discernimento e autodeterminação. Trata-se dos relativamente incapazes.
	O Código de 16, no art. 6º, considerava incapazes relativamente:
- os maiores de 16 e menores de 21 anos;
- os pródigos;- os silvícolas.
	Segundo o CC de 02, são incapazes, relativamente a certos atos:
I - os maiores de 16 e menores de 18 anos:
	A incapacidade relativa deixa de situar na faixa os 16 aos 21 anos, reduzindo o seu limite etário máximo para 18 anos. São os chamados menores púberes, podendo praticar atos da vida civil, desde que acompanhados dos responsáveis.
	A modificação seguiu a tendência de chamar os jovens à responsabilidade mais precocemente, igualando à maioridade penal e trabalhista, sendo um reflexo da evolução da sociedade contemporânea.
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido:
	O legislador entendeu que o indivíduo pode ter o seu discernimento reduzido, privando-o de praticar sozinho os atos da vida civil, quando:
a) for ébrio habitual: ou seja, constantemente encontra-se embriagado. Se a embriaguez evoluir para um quadro patológico, aniquilando a capacidade de autodeterminação, equiparar-se-á à doença mental, passando a figurar entre as causas de incapacidade absoluta;
b) for viciado em tóxicos: porém, a depender, do grau de intoxicação e dependência, a interdição poderá ser total, caracterizando-se incapacidade absoluta. O juiz, na sentença de interdição, irá graduar a curatela do toxicômano, a depender do nível de intoxicação e comprometimento mental.
c) portador de doença mental: neste caso, diferentemente do art. 3º, a enfermidade apenas minimiza a capacidade de entendimento (psicopatas), e não a exclui completamente, porque, se assim fosse, seria caso de incapacidade absoluta.
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo:
	Ora, a situação é muito semelhante à última parte do inciso anterior, mas com ela não se identifica. É o caso dos portadores de Síndrome de Down, que não é considerada doença mental, mas mero defeito genético, não obstante não permite que o indivíduo atinja o desenvolvimento mental completo.
	A previsibilidade de sua relativa incapacidade tem apenas o precípuo escopo de protegê-los, já que deverão praticar atos jurídicos devidamente assistidos, sem prejuízo de sua salutar inserção no meio social.
IV – os pródigos:
	Pródigo é aquele que desordenadamente gasta e destrói o seu patrimônio, reduzindo-se à miséria por sua culpa. Esse desvio comportamental prejudica, por via oblíqua, a família e a sociedade (o pródigo pode querer futuramente buscar amparo dos parentes e do Estado).
	Para isso, a lei justifica a interdição do pródigo, reconhecendo-lhe a relativa capacidade. Convém lembrar que a sua interdição não importa em restrição de prática de atos pessoais, uma vez que a sua incapacidade refere-se apenas a atos que possam diminuir o patrimônio.
	Entretanto, se a dissipação da fortuna advém de estado patológico de tal monta que afeta a saúde mental do indivíduo, o caso será de incapacidade por falta de discernimento, portanto, absoluta.
Quanto aos silvícolas, a sua disciplina passou a ser remetida à legislação especial: Lei n. 5.371/67 – instituiu a FUNAI, que exerce poderes de representação e apoio ao indígena; e Lei n. 6001/73 – Estatuto do Índio, que considera o indígena absolutamente incapaz, reputando nulos os atos por eles praticados sem a devida representação.
Ressalva, todavia, a hipótese de o índio demonstrar discernimento, aliado à inexistência de prejuízo, pelo que, como exceção, poderá ser considerado plenamente capaz para os atos da vida civil.
Portanto, a remissão à legislação especial, retirando-o do rol dos relativamente incapazes, parece ser uma mudança que não reflete adequadamente a situação atual do índio, pois que, em sua grande maioria, não pode ser considerado, como faz o referido Estatuto, absolutamente incapaz.
É bom mencionar que a incapacidade jurídica não é excludente absoluta de responsabilização patrimonial, uma vez que, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
2.2.5.1 Suprimento da incapacidade
	Vimos que toda pessoa é capaz de adquirir, de titularizar direitos e contrair deveres ou obrigações, desde que nasça com vida. Mas, por outro lado, nem toda pessoa é dotada da capacidade de exercer os atos da vida civil, em virtude de uma limitação biológica ou psicológica.
	Portanto, embora o indivíduo tenha personalidade ou capacidade de gozo (ou de direito), pode ser que não tenha capacidade civil ou capacidade de exercício (ou de fato). Nesse caso, para que possa plenamente por em prática os direitos que possui ou cumprir com os deveres que contraiu, é necessário que a sua incapacidade seja suprida, pois, do contrário, o negócio que vier a firmar não poderá prevalecer.
Esse suprimento dá-se através da chamada representação, se a incapacidade for absoluta, ou da assistência, se relativa. 
Distingue-se pelo fato de que, na representação, por faltar total discernimento ao absolutamente incapaz, não pratica o ato, devendo a sua vontade ser manifestada pelo seu representante; já na assistência, por se tratar de discernimento relativo, o incapaz pratica o ato, manifesta propriamente a sua vontade, mas deve estar acompanhado pelo assistente.
Quem pode ser representante ou assistente?
Serão representantes ou assistentes:
os pais (art. 1.634, V e 1.690) ou tutores (art. 1.747), na falta dos pais ou se estes estiverem destituídos do poder familiar: se a incapacidade for em razão da idade;
os curadores (art. 1.767): se a incapacidade for em razão de enfermidade.
Obs: a principal diferença entre tutela e curatela é o objeto sobre o qual incide: se, primeiramente, sobre a pessoa, o caso é de tutela; se, a princípio, for sobre os bens e, secundariamente, sobre a pessoa, é caso de curatela.
	E mais: se o absolutamente incapaz praticar o ato sem estar representado, a hipótese é de nulidade, que pode ser argüida a qualquer tempo, inclusive pelo juiz. E se o relativamente incapaz praticá-lo sem estar assistido, a hipótese é de anulabilidade, que só se efetivará se for argüida pelos interessados, dentro de um prazo previsto na lei.
	Convém esclarecer a diferença que há entre a representação de que ora se trata, também chamada de representação legal, pois que decorre da lei, da representação voluntária ou convencional, a exemplo do que ocorre no contrato de mandato. Neste caso, alguém transfere a outrem, por ato de vontade, mediante procuração, poderes para que ela pratique atos jurídicos em seu nome e no seu interesse. Ex: casamento por procuração; matrícula na faculdade.
	Apesar da diferença, a representação, seja legal ou a voluntária, está disciplinada em capítulo próprio na Parte Geral do NCC (arts. 115 a 120). Ambas obedecem a princípios uniformes, como a comprovação pelo representante de sua qualidade, da extensão dos poderes para atuar em nome do representado, e, principalmente, a proibição ao abuso de representação.
	Aliás, este tem sido um assunto bastante discutido, quando o representante, no nosso caso o legal, no exercício da representação do absolutamente incapaz, pratica atos que o prejudique e que sejam contrários ao interesse deste. 
	Surge, assim, um conflito de interesses entre o representante e o representado. Sendo assim, pode o representado ou Ministério Público, órgão responsável pela proteção dos incapazes, pedir ao juiz que lhe seja nomeado curador especial, a fim de que este possa, em seu nome, anular o negócio ou o ato praticado pelo representante de forma contrária aos seus interesses.
	Obviamente que, no caso concreto, o juiz aferirá se há ou não conflito ou abuso de representação, sendo um dos critérios mais utilizados para tanto o da desproporção entre as prestações estabelecidas, o que faz presumir o conhecimento do terceiro. 
Mas o conflito de interesses pode não decorrer necessariamente de um prejuízo financeiro, mas, por exemplo, da disponibilização do patrimônio do incapaz sem o consentimento do juiz, comoordena a lei, ou da venda do seu único imóvel, que pretendia habitar quando adquirida a maioridade etc. 
	Sendo assim, determina o art. 119 do CC que “é anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou”, sendo de 180 dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo para pedir a sua anulação.
	Esta hipótese de anulação não se confunde com aquela pleiteada caso o incapaz pratique ato sem a devida assistência, prevista no art. 171, I, do CC. Falamos aqui de negócio feito pelo representante do absolutamente incapaz que só não é plenamente válido se não tivesse sido feito de forma contrária e abusiva aos interesses do representado. 
	Percebe-se que, embora aparente insegurança jurídica o fato de se anular negócios jurídicos firmados com incapazes, na verdade garante a efetiva tutela dos interesses daqueles que não podem manifestar a vontade, não os deixando à mercê do representante. 
	Por fim, vale lembrar que essa hipótese excepcional de anulação de negócio prejudicial aos interesses do menor, com vistas de protegê-lo, nasceu para suprir a lacuna deixada pelo NCC que não proibiu expressamente, como o fez o CC de 16, o chamado benefício de restituição (restituição in integrum).
	Tal benefício, presente nas Ordenações do Reino e proibido pelo Código de Beviláqua, permitia que o negócio celebrado por um menor, ainda que representado ou assistido, poderia ser desfeito se lhe fosse prejudicial. O CC de 16 só admitia a anulação do negócio pela teoria geral das nulidades, ou seja, se o menor não estivesse devidamente assistido ou representado.
	Já o NCC, embora assim não tenha feito, previu tal possibilidade, como vimos, APENAS quando houver ABUSO DE REPRESENTAÇÃO. 
2.2.5.2 Emancipação
	Sabe-se que, conforme o art. 5º do NCC, a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. 
	Portanto, enquanto tiver 17 anos, 11 meses e 29 dias, o indivíduo ainda é considerado menor. Se nasceu em 29/02, ou seja, em ano bissexto, a maioridade será alcançada apenas no dia 1º de março do 18º ano. 
Outra peculiaridade é daquele que completou 18 quando da entrada em vigor do NCC, adquirindo, coincidentemente, a maioridade no mesmo dia em que o código, que altera o limite etário para tanto, passa a viger. 
Mas, se o aniversário deu-se um dia antes, ou seja, no dia 10/01, ainda que completado 18 anos, teria que esperar o dia seguinte para ser considerado maior. Por outro lado, se no dia anterior, contava com 20 anos, 11 meses e 29 dias, também deveria aguardar o dia seguinte, sendo ainda menor, pois que estava sob a égide do Código de 16.
Uma questão relevante é aferir a capacidade plena de uma pessoa quando ignorada a sua data de nascimento. Neste caso, exigir-se-á exame médico. Se persistir dúvidas, pender-se-á pela capacidade.
Entretanto, é possível antecipar a capacidade plena mediante a autorização dos representantes legais do menor ou do juiz, ou pela superveniência de fato que a lei atribui força para tanto. 
Dessa forma, a emancipação pode ser de três tipos:
a) voluntária: ocorre pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, desde que o menor haja completado 16 anos (art. 5º, parágrafo único, I, 1ª parte, CC/02).
	O CC de 16 autorizava a emancipação voluntária por concessão do pai, ou, se fosse morto, da mãe, o que afigurava inconstitucional, à luz da equiparação dos direitos do homem e da mulher pela CF de 1988 (art. 226, §5º). A própria Lei de Registros Públicos, que é de 1973, já dizia, ao disciplinar o registro da emancipação, que a concessão era por ato dos pais.
	Portanto, atualmente, segundo o NCC, se o menor estiver sob o poder familiar (não se fala mais em pátrio poder, pois que o poder é hoje exercido por ambos os pais, ou por qualquer deles, na falta do outro), cabe ao pai e à mãe a iniciativa, conjunta, de conceder a emancipação.
	Percebe-se que a nova lei civil não se refere mais à “morte” do outro. Assim, a substituição pela expressão “falta” amplia para os casos de ausência, abandono de lar, separação, divórcio, filiação natural (registrado só pela mãe) etc. Caberá ao juiz e ao membro do Ministério Público averiguar se a falta do caso concreto autoriza a concessão da emancipação por um só progenitor.
	De qualquer forma, a concessão é materializada ou realizada através de instrumento público, ou seja, de escritura pública, pois a emancipação é um ato sério, que gera conseqüências importantíssimas de ordem patrimonial do menor, bem como familiar. O CC de 16 não exigia que ato fosse feito por escritura pública, embora era considerado conveniente pelos juristas.
	Não se poderá lavrar escritura pública de emancipação com a presença de apenas o pai ou a mãe, sem a devida autorização judicial, ou, se for o caso, com a apresentação de sentença de ausência ou atestado de óbito do faltante.
	Isso porque, na prática, evita-se que um dos pais tente conceder a emancipação isoladamente, mascarando a falta, quando na verdade houve recusa do outro para o ato. Havendo recusa, desde que injustificada, será necessário buscar suprimento judicial da vontade do progenitor, mediante sentença. Entretanto, a demora para obter esse pronunciamento do juiz pode tornar a medida inócua.
	Por fim, convém lembrar que o menor não tem o direito de pedir ou exigir a emancipação; trata-se de uma concessão, de um direito potestativo dos pais. 
b) judicial: é aquela concedida pelo juiz, ouvido o tutor, se menor contar com 16 anos completos (art. 5º, parágrafo único, I, 2ª parte, CC/02). 
	Sendo assim, se o menor não estiver sob o poder familiar, mas sob a responsabilidade de um tutor, a lei civil exige que a concessão da emancipação seja feita por este mediante sentença judicial, e não por escritura pública. 
Formará, nesse caso, um procedimento, o que significa que o pedido do tutor pode ser não acolhido pelo juiz, o qual ouvirá, além deste, o progenitor presente, se for o caso, bem como o próprio menor.
O juiz deverá comunicar a emancipação ao oficial de registro, se não tiver sido efetuado em 08 dias, sob pena dela não produzir quaisquer efeitos.
	O que deve ficar claro que, em qualquer caso, ou seja, voluntária ou judicial, a emancipação deverá sempre atender o interesse do menor, ser-lhe concedida para seu benefício.
	Por fim, calha observar que a emancipação é ato irrevogável, ou seja, uma vez concedida, não pode ser revogada, salvo as hipóteses de nulidade absoluta, quando serão ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé.
c) legal (art. 5º, p.u, II a V): existem situações, que se configuradas, a própria lei concede ou defere a emancipação ao menor, como o casamento, o exercício de emprego público efetivo, a colação de grau em ensino superior, a existência de relação de emprego ou possuir estabelecimento civil ou comercial, desde que, em função deles, tenha economia própria. Vejamos cada uma dessas situações:
c.1) casamento: a capacidade geral para todos os atos da vida civil advém aos 18 anos completos. Todavia, podem se casar o homem e a mulher a partir dos 16 anos, desde que autorizados pelos pais, pois capacidade matrimonial não se confunde com capacidade civil (art. 1517, CC/02). 
	Recebendo-se em matrimônio, portanto, antecipam a plena capacidade jurídica. Não faria sentido que permanecessem os cônjuges sob o poder familiar se passam a formar uma nova família.
	Mas, excepcionalmente, a lei permite o casamento em idade inferior a 16 anos (art. 1.520), mediante autorização judicial, em caso de gravidez. Nesse caso, ocorrendo o matrimônio, é reconhecida a emancipação do menor; porém, é uma situação excepcionalíssima.
O art. 1.520 contempla ainda a hipótese de casamento antes da idade núbil para evitar a imposição ou cumprimento

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