Buscar

Texto 1 livro digital demandas atuais psicologia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 346 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 346 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 346 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
2 
 
Organizadoras 
Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo 
Sílvia Ancona-Lopez 
 
 
Autores: 
Adriana Cabello; Ana Gabriela Pinheiro S. Annicchino; Andréa Lucas Alves Calvi; 
Anna Elisa Villemor-Amaral; Carolina Leonidas; Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti; 
Eliane de Albuquerque Drullis; Élide Dezoti Valdanha; Érika Arantes de Oliveira-
Cardoso; Evandro Gomes de Matos; Fabio Scorsolini-Comin; Fernanda Kimie 
Tavares Mishima-Gomes; Gisele M. Sampaio; Iraní Tomiatto Oliveira; Jaíne Meireles 
Rocha; José Vicente Angelo da Rocha; Larissa de Aguirre Silva; Leliane Maria 
Aparecida Gliosce Moreira; Leonardo Lopes da Silva; Ligia Corrêa Pinho Lopes; 
Lilian L. Ceregatti; Lilian Regina de Souza Costa; Lionela Ravera Sardelli; Lucas 
Gobato; Maria Cristiane Nali; Manoel Antônio dos Santos; Maria da Piedade 
Romeiro de Araujo Melo; Marilda Gonçalves Dias Facci; Marilia Ancona Lopez; 
Marina Vieira Madeira; Marizete Gouveia Alves Dos Santos; Marizilda Fleury 
Donatelli ; Mônica Cintrão França Ribeiro; Nádia Giuliese; Raul de Freitas Dias; 
Regina Célia Calil Ciriano; Rosa Maria Rodrigues de Oliveira; Wolgrand Alves Vilela; 
Yurín Garcêz de Souza Santos. 
 
 
 
 
 
DEMANDAS ATUAIS EM PSICOLOGIA 
Formação e Atuação Profissional 
 
São Paulo / SP – Universidade Paulista 
2015 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
 
 
 Ficha Catalográfica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
159.9 Demandas atuais em psicologia [livro eletrônico]: formação e 
D371 Atuação profissional / organizadoras: Maria da Piedade Romeiro de 
Araujo, Sílvia Ancona-Lopez. – São Paulo, SP: Universidade Paulista – UNIP, 
2015; 346 p. 
1 livro digital 
 Inclui bibliografia. 
 ISBN: 978-85-68793-00-8 
 
1. Psicologia. 2. Psicodiagnóstico. 3. Psicoterapias. 4. Formação. 5. Práticas 
profissionais. 6. Serviços-Escola I. Melo, Maria da Piedade Romeiro de 
Araujo. II. Ancona-Lopez, Sílvia. III. Título. Demandas Atuais em Psicologia 
IV. Título: formação e atuação profissional. 
 
CDU 159.9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Não queremos trancar o que dissemos... Olharemos para a 
frente; nossas últimas páginas não serão recapitulação do que 
fizemos, 
mas interrogações sobre o tema que, percorrendo surdamente 
nosso trabalho, abre 
um campo no qual prosseguir..." 
 
Renato Mezan 
 
 
 
 
 
5 
 
SUMÁRIO 
 
Apresentação..........................................................................................................................09 
 
Parte I 
A ADOÇÃO NO CENÁRIO DOS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES: A FAMÍLIA 
HOMOSSEXUAL EM PAUTA 
Manoel Antônio dos Santos....................................................................................................10 
 
A FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE: DUAS VISÕES, MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES 
NO CENÁRIO DA DIVERSIDADE SEXUAL 
Yurín Garcêz de Souza Santos; Fabio Scorsolini-Comin; Manoel Antônio dos 
Santos.....................................................................................................................................15 
 
LUDOTERAPIA PSICANALÍTICA NO CONTEXTO DE UM ESTÁGIO CURRICULAR EM 
ADOÇÃO 
Marina Vieira Madeira; Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes; Manoel Antônio dos 
Santos.....................................................................................................................................29 
 
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEPRESSÃO PÓS-PARTO E SUAS 
IMPLICAÇÕES NAS QUESTÕES VINCULARES MÃE-FILHA: RELATO DE UM 
ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO 
Eliane Albuquerque Drullis Cifali; Regina Célia Ciriano; José Vicente Angelo Rocha; Lionela 
Ravera Sardelli.......................................................................................................................42 
 
 
DANIEL, QUE ACREDITA QUE UM DIA PODERÁ SER O QUE SEMPRE FOI, OU SEJA, 
UMA MULHER: TRANS-FORMAÇÕES NO PROCESSO TERAPÊUTICO DE UMA 
TRANSEXUAL 
Yurín Garcêz de Souza Santos; Manoel Antônio dos Santos................................................74 
 
 
 
6 
 
Parte II 
POR UMA CLÍNICA-ESCOLA AMPLIADA: EXPERIÊNCIA DE INSERÇÃO DA PSICOLOGIA 
NO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR EM BULIMIA E ANOREXIA JUNTO AO SISTEMA 
ÚNICO DE SAÚDE 
Érika Arantes de Oliveira-Cardoso; Manoel Antônio dos Santos ..........................................88 
 
 
DIRETRIZES PSICOTERAPÊUTICAS PARA INTERVENÇÃO COM PACIENTES COM 
TRANSTORNOS ALIMENTARES 
Manoel Antônio dos Santos, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso, Carolina Leonidas, Élide 
Dezoti Valdanha, Lilian Regina de Souza Costa ..................................................................97 
 
 
POR UMA PSICOLOGIA SOCIALMENTE ÚTIL: DIÁLOGOS ENTRE PSICOLOGIA 
ESCOLAR E PSICOLOGIA CLÍNICA 
Leliane Maria Aparecida Gliosce Moreira; Mônica Cintrão França Ribeiro; 
Nádia Giuliese .....................................................................................................................103 
 
REFLEXÕES ACERCA DA RELEVÂNCIA SOCIAL-COMUNITÁRIA DAS RESIDÊNCIAS 
MULTIPROFISSIONAIS EM SAÚDE 
Leonardo Lopes da Silva......................................................................................................113 
 
A MULTIPROFISSIONALIDADE NA FORMAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO EM 
PSICOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE 
Leonardo Lopes da Silva .....................................................................................................117 
 
 
ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: COMPROMISSO ÉTICO-POLÍTICO 
Marilda Gonçalves Dias Facci .............................................................................................130 
 
 ESTÁGIOS EM PSICOLOGIA E SERVIÇOS-ESCOLA 
 Iraní Tomiatto Oliveira.........................................................................................................146 
 
 
 
7 
 
OS SINTOMAS DE NOSSO TEMPO E A APOSTA DO E NO SERVIÇO ESCOLA 
 Maria Cristiane Nali ............................................................................................................153 
 
IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO AOS PAIS NO CENTRO DE 
PSICOLOGIA APLICADA: UM PROTOCOLO COMPORTAMENTAL 
Ana Gabriela Pinheiro S. Annicchino; Jaíne Meireles Rocha; Larissa de Aguirre 
Silva......................................................................................................................................158 
 
 
PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO: PRÁTICA CLÍNICA E PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM 
Marizilda Fleury Donatelli; Ligia Corrêa Pinho Lopes...........................................................171 
 
OS CUIDADOS DA SAÚDE MENTAL DO PSICÓLOGO: RELATOS DE PROFISSIONAIS 
DA SAÚDE PÚBLICA 
Andréa Lucas Alves Calvi; Jaíne Meireles Rocha; Marizete Goveia Alves Dos Santos; Raul 
De Freitas Dias; Maria da Piedade R. de Araujo Melo.........................................................187 
 
 
Parte III 
PSICOLOGIA E ESPIRITUALIDADE 
Marilia Ancona-Lopez...........................................................................................................221 
 
CIÊNCIA E RELIGIÃO: O ESTUDANTE DE PSICOLOGIA DIANTE DO FENÔMENO 
RELIGIOSO 
Elianede Albuquerque Drullis; José Vicente Angelo da Rocha; Rosa Maria Rodrigues de 
Oliveira; Maria da Piedade R. de Araujo Melo......................................................................232 
 
 
 
 
8 
 
Parte IV 
O MODO DE SER PARANÓIDE NO PRIMITIVO E NO PSICÓTICO: UMA ABORDAGEM 
FENOMENOLÓGICA 
Wolgrand Alves Vilela...........................................................................................................260 
 
ESQUIZOFRENIA NA VOZ DE QUEM A VIVENCIA 
Adriana Cabello; Lucas Gobato; Lilian L. Ceregatti; Gisele M. Sampaio; Maria da Piedade 
Romeiro de Araujo Melo.......................................................................................................275 
 
GRUPO PSICOTERAPÊUTICO PARA PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM 
TRANSTORNO ALIMENTAR: O PAPEL DO PSICÓLOGO 
Élide Dezoti Valdanha; Manoel Antônio dos Santos ...........................................................311 
 
TRANSTORNO DE PÂNICO E IDEAÇÃO SUICIDA: CARACTERÍSTICAS DE 
PERSONALIDADE ATRAVÉS DO TESTE DE PFISTER 
Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti; Evandro Gomes de Matos; Anna Elisa Villemor-
Amaral..................................................................................................................................319 
 
 
GRUPO DE APOIO MULTIFAMILIAR EM HOSPITAL-ESCOLA: TRABALHANDO A 
DINÂMICA FAMILIAR NO TRATAMENTO DA ANOREXIA E BULIMIA 
 
Carolina Leonidas; Lilian Regina de Souza Costa; Manoel Antônio dos Santos.................338 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
Apresentação 
 
 
A ideia da publicação desse livro digital surgiu a partir do 21º Encontro de Serviços –
Escola de Psicologia do Estado de São Paulo e 4º Encontro Nacional de 
Supervisores de Estágio em Psicologia ocorridos em 2013 na UNIP – Campinas. 
 
O objetivo foi reunir um conjunto de artigos sobre temas diversos e atuais em 
Psicologia que trouxessem reflexões sobre questões contemporâneas, a 
formação do psicólogo e o exercício profissional. 
 
Neste e-book os autores, oriundos de várias universidades brasileiras, apresentam 
artigos de diferentes campos de pesquisa em Psicologia. Não houve, nesta 
publicação, a preocupação com a homogeneidade, já que o escopo foi discutir a 
diversidade e a riqueza do fazer psicológico com contribuições que reflitam o seu 
desenvolvimento e abram possibilidades de novos fazeres. 
 
Esperamos provocar questionamentos que resultem num processo contínuo de 
reflexão e produção de novos saberes, atendendo a um aspecto importante da 
universidade que é o de constituir-se em um centro de geração e difusão do 
conhecimento, articulando as atividades de ensino, pesquisa e extensão, em 
consonância com as demandas atuais da sociedade. 
 
 
Maria da Piedade R. de Araujo Melo 
Sílvia Ancona-Lopez 
Organizadoras 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
ARTIGOS 
 
 
 
Parte I 
 
A ADOÇÃO NO CENÁRIO DOS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES: A FAMÍLIA 
HOMOSSEXUAL EM PAUTA 
Manoel Antônio dos Santos 
 
Resumo 
No cenário contemporâneo têm emergido novos arranjos familiares. Dentre as novas 
possibilidades de configuração familiar tem chamado atenção a família constituída 
por meio da adoção de crianças por casais homoafetivos masculinos e femininos. 
Considerando-se que este tema é bastante sensível e que comumente desperta 
opiniões apaixonadas, tanto favoráveis quanto contrárias à prática da adoção sob 
essas condições, é necessário aproximar-se de tais contextos familiares a fim de 
investigar suas potencialidades a partir de uma abordagem psicológica. Nesta 
conferência pretende-se abordar os significados que casais homoafetivos 
masculinos atribuem à família e à adoção. São elaboradas reflexões a partir dos 
relatos obtidos com casais que viviam em união estável havia mais de uma década 
quando adotaram. As entrevistas permitiram elucidar a trajetória do casal, desde o 
encontro e decisão de constituírem uma vida em comum, até o surgimento do desejo 
de constituírem família pela via da adoção. Também são enfocadas questões como 
a transição para a parentalidade e as mudanças instauradas no cotidiano familiar 
com a chegada das crianças. Os casais têm nítida consciência de seu protagonismo 
social e da posição que ocupam como pioneiros na prática da adoção formalizada 
com os nomes dos dois pais (e não apenas no nome de um dos parceiros). Apesar 
de não haver ainda uma legislação específica que dê respaldo aos casais 
homossexuais que desejam adotar, nota-se uma disposição em buscar as “brechas” 
do estatuto legal e contribuir para criar jurisprudência nessa área. Os núcleos 
familiares constituídos são ancorados em tradições e valores tradicionais, 
 
 
11 
 
reproduzindo em vários aspectos o modelo hegemônico da família nuclear burguesa. 
Os casais parentais trazem um claro anseio de serem reconhecidos socialmente 
como “uma família normal”. Os pais fazem questão de mostrarem que são “iguais, 
embora diferentes” em relação às outras famílias, demonstrando a diversidade que 
caracteriza qualquer configuração familiar. Conclui-se que a família constituída por 
casais homoafetivos e seus filhos adotivos evidencia continuidades e 
transformações que vêm ocorrendo nas relações de parentesco, conjugalidade e 
filiação. 
Palavras-chave: Adoção; Homossexualidade; Família. 
 
As configurações familiares discrepantes do padrão tradicional de família 
questionam aspectos fundamentais associados às formas de união e relações de 
parentesco. As transformações que vêm ocorrendo nas últimas décadas questionam 
as fundações culturais e sociais segundo as quais a responsabilidade pela educação 
e cuidados dos filhos é tida como tipicamente feminina (Ramires, 1997). O fato é que 
cada vez mais se reconhecem e valorizam os vínculos socioafetivos que 
sedimentam as relações familiares, em detrimento da vinculação estritamente 
biológica dos laços consanguíneos. Isso tem contribuído para uma progressiva 
desnaturalização da família, que evidencia o quanto ela é uma criação humana 
mutável e contingente, que está reinventando-se e alterando-se a cada época. 
A construção de arranjos divergentes dos padrões normativos da sociedade 
ocidental tem atraído a atenção de psicólogos, antropólogos, cientistas sociais e 
profissionais de Direito. 
A construção da conjugalidade homossexual, base para a formação da família 
homoafetiva, enfrenta diversos desafios e obstáculos (Mello, 2005; Moscheta, 2004). 
No plano jurídico, a entidade familiar ainda é reconhecida pelo Código Civil Brasileiro 
como a união estável ou em matrimônio entre um homem e uma mulher, ou pela 
comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. Não há 
imposição do casamento, mas permanece ainda a restrição quanto à existência de 
 
 
12 
 
dois sexos diferentes para o reconhecimento de um casal, ainda que alguns juristas 
apontem a contradição legal existente, que priva os indivíduos homossexuais de 
seus direitos. Nesse sentido, são buscadas algumas brechas na lei para que se 
possa considerar o par do mesmo sexo como entidade conjugal e base para uma 
unidade familiar. 
Apesar de corresponder a uma prática milenar, a adoção ainda hoje é 
atravessada por inúmeros mitos, tabus, preconceitos e estereótipos que se 
encontram enraizados no imaginário coletivo (Schetini, 1998). A prática da adoção 
de crianças por casais homoafetivos suscita diversos temores, questionamentos e 
estranhamento por parte das pessoas. 
Os dispositivos legais que regulam a adoção no Brasil (Estatutoda Criança e 
do Adolescente – Lei 8.069, de 1990, complementado pela Nova Lei da Adoção, Lei 
12.010, de 2009), são omissos e silenciam em relação à família homossexual. Por 
outro lado, não há nos documentos legais qualquer restrição à orientação sexual do 
requerente solteiro no processo de adoção. Solteiros podem adotar, assim como 
casais, se estiverem em união civil ou união estável. Mas o casal, aos olhos da lei, é 
entendido como formado pela união entre um homem e uma mulher, e não entre 
dois homens ou duas mulheres. 
Estudos no Brasil mostram que são inúmeros os casos de homossexuais que 
têm filhos: casais que recorrem às técnicas de reprodução assistida (inseminação 
artificial, barriga de aluguel), filhos de relações heterossexuais anteriores, adoção 
por um dos parceiros ou adoções à brasileira, adoções por homossexuais solteiros 
(Grossi, 2003; Uziel, 2008). Atualmente, já são diversos casais homoafetivos que 
tiveram a adoção deferida pelo Judiciário. 
Por isso é imprescindível compreender os significados que casais 
homoafetivos masculinos atribuem à família e à adoção. As reflexões aqui 
elaboradas advêm dos relatos de pesquisa obtidos com casais que viviam em união 
estável havia mais de uma década quando adotaram. As entrevistas permitiram 
elucidar a trajetória do casal, desde o encontro e decisão de constituírem uma vida 
em comum, até o surgimento do desejo de constituírem família pela via da adoção. 
 
 
13 
 
Os casais têm nítida consciência de seu protagonismo social e da posição 
que ocupam como pioneiros na prática da adoção formalizada com os nomes dos 
dois pais (e não apenas no nome de um dos parceiros). Apesar de não haver ainda 
uma legislação específica que dê respaldo aos casais homossexuais que desejam 
adotar, nota-se uma disposição em buscar as “brechas” do estatuto legal e contribuir 
para criar jurisprudência nessa área. 
Os núcleos familiares homoafetivos constituídos são ancorados em tradições 
e valores tradicionais, reproduzindo em vários aspectos o modelo hegemônico da 
família nuclear burguesa. Os casais parentais trazem um claro anseio de serem 
reconhecidos socialmente como “uma família normal”. Os pais fazem questão de 
mostrarem que são “iguais, embora diferentes” em relação às outras famílias, 
demonstrando a diversidade que caracteriza qualquer configuração familiar. 
Conclui-se que a família constituída por casais homoafetivos e seus filhos 
adotivos evidencia continuidades e transformações profundas que vêm ocorrendo 
nas últimas décadas nas relações de parentesco, conjugalidade e filiação. 
 
 
Considerações Finais 
Vimos que no cenário contemporâneo têm emergido novos arranjos 
familiares. Dentre as novas possibilidades de configuração familiar tem chamado 
atenção a família constituída por meio da adoção de crianças por casais 
homoafetivos masculinos e femininos. Considerando-se que este tema é bastante 
sensível e que comumente desperta opiniões apaixonadas, tanto favoráveis quanto 
contrárias à prática da adoção sob essas condições, é necessário aproximar-se de 
tais contextos familiares a fim de investigar suas potencialidades a partir de uma 
abordagem psicológica. 
Percebeu-se que os significados que os casais homoafetivos masculinos 
atribuem à família e à adoção são pautados em valores convencionais, e que esses 
 
 
14 
 
protagonistas do cenário da adoção desejam “naturalizar” essa prática, buscando 
legitimidade junto à população, assim como o reconhecimento de seus direitos. 
 
 
 
Referências 
Mello, L. (2005). Novas famílias: Conjugalidade homossexual no Brasil 
contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond. 
Moscheta, M. S. (2004). Construindo a diferença: A intimidade conjugal em casais 
de homens homossexuais. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade 
de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. 
Ramires, V. R. (1997). O exercício da paternidade hoje. Rio de Janeiro: Rosa dos 
Tempos. 
Schettini, L. F. (1998). Compreendendo os pais adotivos. Recife: Bagaço. 
Uziel, A. P. (2008). Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond. 
 
 
Sobre o autor 
 
Manoel Antônio dos Santos: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, 
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
 
Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação 
em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São 
Paulo (FFCLRP-USP). Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-
USP-CNPq). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico (CNPq). 
 
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br 
Endereço: Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. 
 
 
 
 
 
15 
 
A FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE: DUAS VISÕES, MÚLTIPLAS 
POSSIBILIDADES NO CENÁRIO DA DIVERSIDADE SEXUAL 
 
Yurín Garcêz de Souza Santos 
Fabio Scorsolini-Comin 
Manoel Antônio dos Santos 
 
 
Introdução 
Este estudo insere-se no quadro de transformações recentes que atravessam o 
campo social e jurídico (Dias, 2003) e impactam especialmente a família. Antes 
restrita ao arranjo conjugal clássico, base da família nuclear, hoje a família deixa de 
ter um único modelo proeminente para ser monoparental, recomposta, homossexual, 
entre outras configurações possíveis, abrigando padrões de parentalidade e 
conjugalidade alternativos. 
A família homoafetiva é uma modalidade de arranjo familiar que vem 
conquistando crescente visibilidade nos últimos tempos. As recentes transformações 
ocorridas na relação família-indivíduo-sociedade são ressignificadas nessa nova 
possibilidade de configuração familiar, que destoa do princípio fundamental que rege 
o conceito de família: a diferenciação sexual, isto é, a diferença anatômica entre os 
sexos (Passos, 2005; Perelson, 2006; Perroni & Costa, 2008). 
Em contrapartida, a família constitui a instituição mais antiga da sociedade, 
sendo, também, o primeiro espaço que promove a satisfação das necessidades 
básicas dos indivíduos e, ao mesmo tempo, o lugar que propicia o desenvolvimento 
da personalidade e da socialização (Salomé, Espósito & Moraes, 2007). Contudo, 
tratando-se da família homoparental, deve-se levar em consideração que tanto a 
noção de homossexualidade quanto de família são categorias socialmente 
construídas e, por conseguinte, produtos históricos resultantes de embates políticos, 
sociais e culturais que definem e redefinem seus contornos a cada época. 
Ainda que a família nuclear, modelo inspirador da sociedade ocidental, esteja 
tornando-se, cada vez mais, uma experiência minoritária (Uziel et al., 2006), com o 
surgimento e disseminação de arranjos familiares distintos, a ideia tradicional de 
família formada exclusivamente a partir de uma relação heterossexual, monogâmica 
e procriadora do casal parental acaba por fixar, no imaginário social, uma norma que 
 
 
16 
 
serve de fundamento para a classificação de qualquer outra forma de constituição 
familiar. 
Nesse sentido, a família nuclear tende a ser vista como natural, imutável e 
inequívoca, descaracterizando o conceito de família como entidade socialmente 
construída, assim como ocorre, mutatis mutandis, com a homossexualidade (Santos 
& Moscheta, 2006). As famílias constituídas a partir de uniões homossexuais e, 
especificamente, por homens homossexuais, contestam a heteronormatividade e 
representam um desafio para as disciplinas que tratam da parentalidade, como a 
Antropologia, o Direito e a Psicanálise, tornando necessário rever conceitos e 
concepções consagradas desses campos de saber. 
No que concerne à parentalidade,Zorning (2010) afirma que este é um termo 
de uso relativamente recente, que foi empregado inicialmente na literatura científica 
francesa a partir da década de 1960 com o intuito de marcar a dimensão do 
processo de construção do exercício da relação dos pais com os filhos. Quando se 
leva em consideração a homoparentalidade masculina – neologismo criado pela 
Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas em Paris, em 1997 (Perroni & 
Costa, 2008) – deve-se atentar para o fato de que a homossexualidade refere-se 
unicamente ao exercício da sexualidade por determinado indivíduo e que a prática 
das funções parentais não exige, em absoluto, esse exercício. Ou seja, para os 
referidos autores, não existe relação entre orientação afetivo-sexual ou práticas 
sexuais de um indivíduo e sua capacidade para exercer a parentalidade. 
Contudo, o desejo de inserir-se em um modelo de família que esteja baseado 
nos moldes da família nuclear, por meio da conjugalidade homoafetiva, acaba por 
gerar resistências em alguns segmentos sociais, que são ratificadas pela 
inexistência de leis que legitimem a parceria civil e a conjugalidade entre indivíduos 
do mesmo sexo. A questão torna-se ainda mais complexa quando existem filhos 
envolvidos nesse processo, isto é, quando a questão extrapola os limites da 
conjugalidade e adentra o campo da parentalidade (Perroni & Costa, 2008). Na 
sociedade contemporânea, como mostra Manzi-Oliveira (2009), a função de pai está 
estritamente relacionada à figura de provedor das condições materiais de 
subsistência, sendo aquele membro que oferece suporte material e proteção à 
família e que não geralmente não tem envolvimento direto no cuidado com os filhos. 
 
 
17 
 
Assim, os homens mais afastados das tarefas domésticas desempenhariam um 
papel importante para a constituição do caráter da criança, funcionando como 
modelo de poder e autoridade a ser internalizado. 
Seguindo essa linha de raciocínio, Perroni & Costa (2008) afirmam ser 
recorrente, no imaginário social, a curiosidade sobre as distinções de papéis 
parentais em arranjos formados por pares homoafetivos. Afinal, quem seria o “pai” e 
quem seria a “mãe” em uma família homoparental? Entretanto, ainda segundo esses 
autores, esse seria um falso dilema, uma vez que esse questionamento 
desconsidera o fato de que um homem gay não se transforma em uma mulher 
devido à sua inclinação afetivo-sexual ser orientada para alguém do mesmo sexo 
biológico que o seu, da mesma maneira que uma mulher lésbica não se converte em 
um homem pelo mesmo motivo. Em se tratando da função parental, a função 
“paterna” ou “materna” pode ser desempenhada por qualquer um dos parceiros, 
mesmo que seja, por vezes, exercida de forma mais evidente por um ou outro dos 
membros da parelha que compartilha um projeto de vida afetiva, sem que isso os 
transforme em alguém do sexo oposto ao seu (Perroni & Costa, 2008). 
Complementando essas ideias, Saffioti (1987) mostra que a paternidade deve – 
ou ao menos deveria ir – além da função tradicional de provedor, que é um legado 
da sociedade patriarcal e sexista. E mais: o homem deveria refletir sobre essa 
dimensão da vida e da paternidade que é o cuidado parental, que não se resume 
apenas ao trabalho de alimentar, banhar ou trocar as fraldas de um bebê, por 
exemplo, mas inclui também o compartilhamento de atividades prazerosas a partir 
da convivência com os filhos. O cuidado parental implica, ainda, em observar e 
contribuir para com o processo de desenvolvimento do ser em desenvolvimento, 
apreender a perspectiva peculiar da criança, seus medos, ansiedades, angústias e 
preocupações, assim como sua espontaneidade, sua maneira direta de expressar 
emoções e demonstrar suas necessidades. Isso mostra-se importante, segundo a 
referida autora, uma vez que possibilita ao homem pai uma oportunidade para 
repensar sua própria vida e reavaliar os valores que a pautam, o que o auxilia a 
desnaturalizar o modelo de paternidade enraizado no imaginário da sociedade 
heteronormativa e homofóbica. 
 
 
18 
 
Desse modo, o convívio entre pais e filhos não seria benéfico apenas para as 
crianças, mas traria elementos valiosos e ricos, sobretudo, para o homem 
empenhado no exercício da função paterna, sendo essa atitude não apenas um 
dever, mas antes um direito do homem (Saffioti, 1987). Entretanto, em que pesem 
as mudanças e transições operadas na noção de família, ainda prevalece a visão 
tradicional. Sendo moldada por elementos culturais, econômicos, sociais, de gênero 
e de etnia, a maneira pela qual um homem relaciona-se com seus filhos estabelece 
e atesta o que é ser homem, além de definir qual é a sua função e seu papel dentro 
de um determinado contexto interacional. No marco definido pelos elementos aqui 
arrolados, a paternidade já foi descrita como função masculina, “coisa de homem”, 
que delineia a identidade no sentido de que, se esse homem é pai, ele é, de fato, 
homem. A paternidade, dessa maneira, afirma e confirma a posse da masculinidade, 
na medida em que oferece um dos caminhos mais desejados para levar um homem 
a aceder ao universo masculino adulto, enquanto na mulher a condição feminina é 
reafirmada pela maternidade. Por ser contestado com certa facilidade no caso do 
homem, esse caminho de mostrar ao mundo que se é homem via paternidade é um 
tanto quanto mais complexo, ainda mais quando o homem em questão tem uma 
orientação homossexual (Moris, 2008). 
 
Objetivos 
O presente estudo teve como objetivo apresentar novas possibilidades de ser 
família – colocando em cena a família homoafetiva, a partir da perspectiva de seus 
próprios protagonistas. Como fundamentação teórica também se tece uma 
discussão do contexto de construção histórica dos conceitos de paternidade, 
parentalidade e homossexualidade, mais especificamente na conjunção desses três 
elementos, que aqui aparece representada no construto da homoparentalidade 
masculina. Ademais, se objetivou compreender de que modo a homoparentalidade é 
construída e vivida em uma sociedade heteronormativa. A hipótese a ser investigada 
é se esse tipo de parentalidade pode ser visto como uma busca pela 
desnaturalização do modelo tradicional de família – a família nuclear – que é 
apresentado como norma, enraizada no imaginário social como única possibilidade 
correta e possível de constituição familiar. 
 
 
19 
 
 
 
 
Método 
Este estudo de caso é um recorte de uma investigação mais ampla, que visa 
investigar a homoparentalidade masculina. Tendo em vista as novas configurações 
familiares que, a cada dia, têm ganhado visibilidade no contexto brasileiro e global, 
entende-se ser o estudo de caso uma opção metodológica pertinente, uma vez que 
permite conhecer em profundidade determinada realidade pouco explorada. 
O caso aqui relatado diz respeito às histórias de Paulo e Vinícius (nomes 
fictícios), dois homossexuais solteiros e pais. O contato com os participantes deu-se 
por meio da rede de contatos profissionais dos pesquisadores. Ambos são 
integrantes de um grupo de reflexão comunitário, voltado para a discussão da 
temática da diversidade sexual. 
No caso de Paulo, a experiência da paternidade deu-se por meio de uma 
relação heterossexual anterior, da qual resultou um filho biológico, Gustavo, hoje 
com 16 anos. A entrevista foi realizada na sala da residência do participante, onde 
também vive a mãe do entrevistado e, eventualmente, seu filho. 
Já no caso de Vinícius, o processo de filiação deu-se por meio da adoção. O 
participante adotou a filha de uma prima, que na época em que engravidou tinha 17 
anos e não apresentava condições nem desejo de cuidar da criança. A entrevistafoi 
realizada na sala da casa do participante, que mora sozinho e, eventualmente, 
recebe sua filha, Marina, de cinco anos, que vive com uma tia-avó, irmã da mãe de 
Vinícius. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tabela 1. 
 
 
 
 
20 
 
Características sociodemográficas dos participantes e dos filhos 
Participantes Idade 
(anos) 
Profissão Filho(a), idade 
(anos) 
Paulo 40 Auxiliar de 
Enfermagem 
Gustavo, 16 
Vinícius 39 Fotógrafo Marina, 5 
 
As entrevistas se basearam no método de História de Vida. Foi solicitado aos 
participantes que contassem, de forma livre e como melhor lhes parecesse, suas 
histórias de vida, sem que houvesse a necessidade de obedecer uma sequência 
cronológica dos fatos para construir esse relato. Esse recurso metodológico tem o 
propósito de permitir alcançar uma visão ampliada da vida dos entrevistados, no 
intuito de que se permita conhecer aspectos gerais de suas histórias que possam 
ser relevantes para a análise do material do estudo. Ao final, foi pedido que os 
participantes respondessem a algumas questões adicionais elaboradas pelos 
pesquisadores com base na literatura da área, com o propósito de complementar os 
dados fornecidos. Assim, caso não tivessem emergido espontaneamente no 
discurso dos participantes, eram formuladas questões relativas a pontos específicos 
de suas trajetórias de vida, principalmente no que se refere à assunção da 
homossexualidade, aspectos da vida familiar, suas noções de paternidade e o que 
eles entendem por família. Esse segundo momento da entrevista teve a função de 
aprofundar os aspectos já relatados pelos participantes na primeira parte, além de 
complementar informações relacionadas diretamente aos objetivos do estudo. 
As entrevistas foram audiogravadas e tiveram duração de 1h40 e 40 minutos, 
respectivamente. Posteriormente, os registros foram transcritos na íntegra e 
literalmente, constituindo, assim, o corpus de análise. Em seguida, o material foi 
submetido à análise de conteúdo na modalidade temática, que permitiu elencar os 
núcleos de significado que emergiram nos relatos. 
Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a 
fim de que um acordo de confidencialidade fosse firmado entre pesquisadores e 
participantes, garantindo, assim, o sigilo em relação às informações fornecidas e o 
 
 
21 
 
princípio de que os dados obtidos no estudo serão utilizados apenas para fins 
acadêmicos. 
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição à qual 
os pesquisadores são vinculados. 
 
 
Resultados e discussão 
A partir do corpus de análise, constituído pelas transcrições literais das 
entrevistas realizadas, foi possível identificar três eixos temáticos: (1) a construção 
da sexualidade; (2) as relações familiares constituídas ao longo da vida de cada um; 
e (3) a forma como cada participante se constituiu como pai. 
 
A história de Paulo: identificar-se para diferenciar-se 
No que se refere à construção de sua sexualidade (categoria temática 1), Paulo 
afirma que, na tentativa de ser um homem diferente daquele modelo que estava 
colocado em sua realidade familiar, começou a se relacionar com homens, afetiva e 
sexualmente, buscando com isso “aprender a ser homem”. Assim, por meio da 
imitação, Paulo buscava identificar-se com os homens com os quais se relacionava 
afetiva e sexualmente, conseguindo, assim, se distanciar do jeito de ser de seu “pai 
de criação”. Paulo queria aprender, com os homens, a como se relacionar com as 
mulheres, ainda que afirme sentir-se atraído por pessoas do mesmo sexo desde os 
seis anos de idade. Desse modo, Paulo acabou por se envolver afetivamente com 
outros homens e “apaixonando-se” pelo masculino, até que decidiu assumir sua 
orientação homoafetiva. 
Outro fator relevante na história de vida de Paulo e que é passível de análise 
diz respeito às relações familiares estabelecidas pelo entrevistado (categoria 
temática 2). Paulo foi criado por sua mãe biológica e seu marido, mesmo sendo filho 
biológico do primogênito dos patrões de sua mãe. O entrevistado afirma que não 
conseguia identificar-se com seu pai de criação e, concomitantemente, não era 
reconhecido como filho de seu pai biológico, tendo, assim, dois pais e nenhum, pois 
não se reconhecia em nenhum deles. 
 
 
22 
 
 Em contrapartida, Paulo afirma que a figura de sua mãe foi o elemento vital 
que lhe inspirou “força e caráter”, além de ser a pessoa que o auxilia, hoje em dia, 
na relação com seu filho, Gustavo. De acordo com o relato do participante, esses 
aspectos de sua relação com seus pais foram de extrema importância para a 
construção de sua sexualidade, sendo possível, então, encontrar um paralelo entre 
os dois primeiros eixos temáticos selecionados para a presente análise. Em outras 
palavras, a relação de Paulo com seus pais tem, de acordo com o entrevistado, 
consonância com a sua constituição como pai. Dessa forma, o participante afirma 
tentar transmitir para Gustavo os valores que aprendera em casa, principalmente 
com sua mãe. Assim, pode-se identificar, em seu relato, a transmissão 
intergeracional que marcou sua trajetória, dando continuidade à história herdada de 
sua família de origem. Por outro lado, o fato de ele não dividir o mesmo teto com o 
filho, que apenas visita-o em alguns momentos, parece reeditar sua história de 
desamparo pelas figuras paternas (o pai biológico e de criação). 
Em relação à forma como se constituiu como pai (categoria temática 3), pode-
se afirmar que, para Paulo, ser pai transcende o modelo que está impresso no 
imaginário social sobre o conceito de paternidade, sendo esta uma experiência única 
para cada indivíduo. Seguindo o fio dessa argumentação, o participante reconhece, 
na paternidade, um elo, uma conexão profunda entre pai e filho, que se aproxima, de 
acordo com sua percepção algo idealizada acerca dessa relação, à “magia”, ao 
encantamento. Biologicamente, afirma o participante, todos os homens apresentam 
a capacidade de serem pais, contudo, considera que qualquer tentativa de 
explicação do sentido de paternidade é muito pobre para significar o que consiste 
essa experiência de fato. Ademais, para o entrevistado só se aprende a ser pai 
quando se está imerso em uma relação de afinidade com o filho, evidenciando, em 
sua fala, o caráter de construção compartilhada do significado de parentalidade, 
sendo este unicamente estabelecido na relação pai-filho. Para Paulo, em seus 
aspectos básicos, não existem diferenças significativas entre a parentalidade 
exercida por um homem gay e a parentalidade exercida por um homem 
heterossexual, embora este último seja o modelo reconhecido e legitimado como 
verdadeiro, único e respeitável em uma sociedade heteronormativa. 
 
 
 
23 
 
A história de Vinícius: o despertar de um desejo 
Os mesmos três eixos temáticos puderam ser identificados a partir da análise 
da entrevista realizada com Vinícius. Assim, no que diz respeito à construção de sua 
sexualidade (categoria temática 1), é possível depreender do relato do participante 
que esta deu-se como um despertar. Vinícius conta que, até seus 21 anos, não tinha 
se dado conta de seu desejo por homens, afirmando, ao mesmo tempo, que não 
entendia a reação de seus amigos heterossexuais ao se depararem com uma 
mulher. Mesmo tendo mantido alguns relacionamentos heterossexuais de longa 
duração, o entrevistado afirma que só foi entender, de fato, a força e o significado do 
desejo quando olhou para um homem com intenções que iam além de uma relação 
de amizade. O participante indaga-se sobre a origem desse desejo por homens, 
reconhecendo seus vários relacionamentosanteriores com mulheres como 
expressão de uma possível repressão de seu desejo homossexual. 
Para Vinícius, as dificuldades em relação à assunção de sua 
homossexualidade não estão diretamente relacionadas à orientação sexual, mas 
sim, ao fato de ser negro. O participante afirma que tinha dificuldade em entender a 
aproximação das pessoas, se estavam procurando sexo casual ou um 
relacionamento sério, e atribui essa confusão mais à cor de sua pele do que ao seu 
desejo por pessoas do mesmo sexo. Essa dúvida em relação às reais intenções do 
outro tem como pano de fundo a crença disseminada na cultura de que o homem 
negro é um prodígio de virilidade, encarnação da potência, graças ao seu vigor e 
compleição física. Séculos de relações promíscuas, muitas vezes abusivas, entre 
senhores e escravos na sociedade colonial, certamente contribuíram para reforçar 
esse estereótipo sexual que cerca o corpo negro no imaginário social. 
As relações familiares estabelecidas por Vinícius ao longo da vida (categoria 
temática 1) e a forma como ele entende família podem ser relacionadas diretamente 
ao modo como construiu o “ser pai” em sua experiência pessoal (categoria temática 
3), o que permite estabelecer uma aproximação entre esses eixos temáticos 
selecionados para análise. 
O participante afirma, em seu relato, que o mais importante em uma família é o 
amor, derivando desse sentimento básico o respeito e o carinho, que seriam as 
bases para as trocas afetivas estabelecidas entre os membros da célula familiar. 
 
 
24 
 
Nesse sentido, Vinícius atribui o seu desejo de ser pai às suas relações familiares 
solidamente constituídas. Isso fica evidenciado quando Vinícius percebe-se, no 
decorrer de seu relato, como uma pessoa “egoísta”. Afirma que tem muito medo da 
solidão e atribui esse fato à forma pela qual os relacionamentos em sua família são 
estabelecidos, sempre pautados em estreita proximidade e contato afetivo, 
derivando daí o seu desejo pela paternidade. 
É interessante notar que, no caso de Vinícius, parece não existir, até o 
momento da entrevista, a preocupação por parte do participante quanto à assunção 
de sua homossexualidade. O entrevistado afirma que seu núcleo familiar mais 
próximo, formado pela mãe e irmã, é consciente de seu desejo e de suas relações 
com outros homens, entretanto, o resto da família não tem conhecimento sobre esse 
aspecto de sua vida, incluindo sua filha. Vinícius tampouco mostra preocupação com 
a eventual descoberta de sua condição homossexual por parte da filha, afirmando 
que, para ele, a revelação acontecerá naturalmente com o passar dos anos. Assim, 
um aspecto relevante que emerge na entrevista com Vinícius é a forma particular 
que o assumir-se gay (“sair do armário”) pode adquirir em sua trajetória de vida. 
Esse participante revela sua condição homossexual apenas para algumas pessoas 
seletas de sua rede social, de modo que o modo como ele exerce os cuidados 
parentais está atravessado por esse “segredo” guardado a sete chaves e que é 
mantido na relação com a filha. 
 
Considerações finais 
A partir da análise empreendida, pôde-se constatar que o contexto da família 
homoparental exibe diferenças em sua forma de organização e funcionamento, isto 
é, dentro de uma das várias possibilidades de arranjos familiares existem variadas 
formas de composição da família. Nesse sentido, como afirma Zambrano (2006), 
existem três maneiras de se exercer a homoparentalidade. A primeira mostra-se 
quando existem filhos concebidos em relações heterossexuais anteriores, como no 
caso de Paulo, que teve seu filho, Gustavo, a partir de uma relação heterossexual 
anteriormente estabelecida. A segunda possibilidade de estruturação da família 
homoparental diz respeito à adoção legal que, contudo, frequentemente é feita em 
nome de apenas um dos parceiros devido às barreiras decorrentes da inexistência 
 
 
25 
 
de uma legislação brasileira que proteja os direitos da família homoafetiva, em face 
dos preconceitos que circundam a homossexualidade. Essa segunda forma de 
configuração familiar pode ser exemplificada com o caso de Vinícius que, por meio 
da adoção, hoje é pai de Mariana. A terceira maneira de formação da família 
homoparental vem acompanhada por inovações tecnológicas, como a inseminação 
artificial no caso de casais de mulheres que têm como doador de sêmen geralmente 
um amigo gay ou um desconhecido (Zambrano, 2006). 
Existe ainda, de acordo com Grossi (2003), uma quarta maneira de exercício 
da homoparentalidade: a chamada coparentalidade entre gays e lésbicas, que pode 
se dar entre dois casais, entre um casal de lésbicas e um gay ou entre um casal de 
gays e uma lésbica. Em relação a essa quarta possibilidade de ser família, pode-se 
considerar o exemplo de Paulo. A mãe de seu filho biológico, após a separação do 
casal, acabou por se envolver afetivamente com mulheres e, atualmente, vive em 
união estável com outra mulher, o que faz com que Gustavo tenha a guarda 
compartilhada entre seu pai e sua mãe e ainda receba os cuidados parentais por 
parte da companheira da mãe. 
Se analisados os significados que os entrevistados atribuem à experiência da 
paternidade, pode-se notar que, mesmo com diferenças apreciáveis, tanto Paulo 
quanto Vinícius apresentam uma visão um tanto quanto ampliada do conceito de 
parentalidade, quando comparados a outros pais. Nesse sentido, em estudo 
realizado por Freitas et al. (2009), foram analisados os significados que homens 
homossexuais atribuíam à experiência da paternidade. Por meio da análise do 
discurso dos entrevistados pôde-se entender que os participantes concebiam a 
paternidade como um novo encargo social, vinculando-a mais à provisão material da 
família do que ao espaço de envolvimento afetivo com os filhos. 
Já em outro estudo, realizado por Moris (2008), com pais homossexuais que já 
haviam vivenciado anteriormente um relacionamento heterossexual estável nos 
quais desempenharam o papel de pai, a concepção de paternidade para os 15 
homens entrevistados estava intimamente inserida no contexto desses antigos 
relacionamentos heterossexuais. Ou seja, a concepção de paternidade desses 
homens era tradicional, própria do modelo nuclear de família que fora constituído 
com a complementaridade de um pai e de uma mãe. Assim, depois de aceitarem 
 
 
26 
 
sua homoafetividade e de separarem-se dos respectivos parceiros heterossexuais 
anteriores, esses pais viam-se (e agiam) no pleno exercício de sua paternidade 
como homens pais divorciados. Pode-se depreender, então, comparando os dois 
estudos, que ao se reconhecerem seja como heterossexuais ou homossexuais, os 
homens que são pais acabam por considerar sua função do mesmo modo, isto é, 
percebem-se como responsáveis pelo sustento da família. Portanto, ainda se 
mostram muito apoiados no modelo tradicional de família vigente em nossa 
sociedade. 
Entretanto, ainda que os achados das referidas pesquisas tenham sido 
corroborados de um modo geral pelos participantes do presente estudo, tanto Paulo 
quanto Vinícius apresentaram, ao mesmo tempo, uma visão ampliada do conceito 
de paternidade, uma vez que, para eles, a paternidade extrapola o simples 
desempenho do papel de provedor e mantenedor das condições materiais que 
medeiam a relação pai-filho. Mais do que isso, a paternidade está baseada nas 
relações afetivas estabelecidas nessa díade. Assim, levando-se em consideração os 
relatos apresentados pelos entrevistados e a multiplicidade atual de configurações 
familiares – família conjugal clássica, monoparental, recomposta, homossexual – fica 
evidente que a paternidade na contemporaneidade deixou de ser estritamentebiológica para se tornar socioafetiva. 
A partir das análises das entrevistas e das discussões com a literatura, aponta-
se a necessidade de maior emprenho das disciplinas que versam sobre a 
parentalidade, como a Psicanálise, o Direito e a Antropologia, no sentido de que os 
discursos dos que vivem em contextos de configurações familiares distintas 
daqueles modelos estabelecidos como norma na sociedade possam também ser 
legitimados como válidos e possíveis. Dar visibilidade a essas novas possibilidades 
de ser família faz com que elas alcancem notoriedade e, assim, possam contribuir 
para desconstruir conceitos enraizados no imaginário social. O caráter socialmente 
construído da noção de família, da parentalidade e da própria homossexualidade 
pode ser evidenciado nos relatos produzidos pelos protagonistas incluídos no 
presente estudo, refletindo a construção de um novo conceito, a homoparentalidade, 
que por sua vez está ancorado na percepção dos próprios indivíduos que a 
 
 
27 
 
exercem. Ademais, os relatos obtidos nesta investigação dão testemunho da 
necessidade de desnaturalização dos discursos hegemônicos. 
É importante salientar que afirmar a existência de novas formas de ser família 
não significa o mesmo que dizer que o modelo tradicional de família – a família 
nuclear – esteja deixando de existir, mas apenas que novas possibilidades estão 
surgindo no cenário contemporâneo (Passos, 2005) e que estas demandam o olhar 
das disciplinas que se propõem a discuti-las. Ou seja, a teoria deve estar pautada na 
prática individual, na singularidade que compõe cada caso, para que a legitimação 
da diferença prospere, facilitando, assim, o florescimento de padrões menos 
estereotipados de pensamento. O importante é que se atente para o fato de que os 
novos arranjos familiares devem ser examinados, assim como o padrão tradicional 
de família, como possibilidade legítima para aqueles que o vivenciam, deixando de 
lado os discursos patologizantes e preconceituosos sobre essas formas de ser 
família. 
 
Referências 
Dias, M. B. (2003). Paternidade homoparental. In: Direito de Família e psicanálise: 
rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago. 
Freitas, W. M. F., Silva, A. T. M. C., Coelho, E. A. C., Guedes, R. N., Lucena, K. D. 
T., & Costa, A. P. T. (2009). Paternidade: responsabilidade social do homem no 
papel de provedor. Revista de Saúde Pública, 43(1), 85-90. 
Grossi, M. P. (2003). Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil. 
Cadernos Pagu, 21, 261-280. 
Manzi-Oliveira, A. B. (2009). Adoção por casais homoafetivos: relato de seus 
protagonistas. Monografia de conclusão do Programa de Optativo de 
Bacharelado em Psicologia – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 
Moris, V. L. (2008). Preciso te contar? Paternidade homoafetiva e a revelação para 
os filhos. Tese de Doutorado não-publicada – Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo, São Paulo. 
Passos, M. C. (2005). Homoparentalidade: uma entre outras formas de ser família. 
Psicologia Clínica, 17(2), 31-40. 
 
 
28 
 
Perelson, S. (2006). A parentalidade homossexual: uma exposição do debate 
psicanalítico no cenário francês atual. Revista Estudos Feministas, 14(3), 709-
730. 
Perroni, S. & Costa, M. I. M. (2008). Psicologia clínica e homoparentalidade: 
desafios contemporâneos. Fazendo Gênero 8: Corpo, violência e poder. 
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. 
Saffioti, H. I. B. (1987). O poder do macho. São Paulo: Moderna. 
Salomé, G. M., Esposito, V. H. C., & Moraes, A. L. H. O significado de família para 
casais homossexuais. Revista Brasileira de Enfermagem, 60(5), 559-563. 
Santos, M. A. & Mosheta, M. S. (2006). Metáforas da vida a dois: sentidos do 
relacionamento conjugal produzidos por um casal homoafetivo. Revista 
Brasileira de Sexualidade Humana, 17(2), 217-232. 
Uziel, A. P., Andrade, R., Antonio, C. A. O., Ferreira, I. T. O., Machado, R. S., 
Medeiros L. S. M., Moraes, M. B., & Tavares, M. (2006). Parentalidade e 
conjugalidade: aparições no movimento homossexual. Horizonte Antropológico, 
12(26), 203-227. 
Zambrano, E. (2006). Parentalidades “impensáveis”: pais/mães homossexuais, 
travestis e transexuais. Horizonte Antropológico, 26(12), 123-147. 
Zorning, S. M. A. (2010). Tornar-se pai, tornar-se mãe: o processo de construção da 
parentalidade. Tempo Psicanalítico, 42(2), 453-470. 
 
Sobre os autores 
 
Yurín Garcêz de Souza Santos: Graduando em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, 
Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Membro do 
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Bolsista de Iniciação 
Científica da FAPESP. E-mail: yuringarcez@yahoo.com.br 
 
Fabio Scorsolini-Comin: Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do 
Triângulo Mineiro (UFTM). Pós-doutorando da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão 
Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Pesquisador do Laboratório de Ensino e 
Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq) e do grupo A Análise do Discurso e suas 
Interfaces (AD-USP-CNPq). E-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br 
 
Manoel Antônio dos Santos: Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em 
Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São 
Paulo (FFCLRP-USP). Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-
USP-CNPq). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: masantos@ffclrp.usp.br 
 
 
29 
 
LUDOTERAPIA PSICANALÍTICA NO CONTEXTO DE UM ESTÁGIO 
CURRICULAR EM ADOÇÃO 
Marina Vieira Madeira 
Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes 
Manoel Antônio dos Santos 
 
 
 
Introdução 
A adoção, de um modo geral, é uma prática realizada desde os primórdios da 
humanidade. Seus objetivos e motivações foram estabelecidos e remodelados de 
acordo com os costumes e crenças de cada época. O contexto histórico da adoção 
passa, portanto, por momentos em que foi supervalorizada, como no Antigo Egito, 
assim como por momentos em que foi praticada de forma descontrolada e 
desrespeitosa, como por meio do tráfico de crianças que perderam os pais no pós- 
Segunda Guerra Mundial (Pereira, 2011). 
Recentemente, em 2009, foi promulgada a Nova Lei de Adoção (Lei n. 
12.010/2009), que tem como foco o bem-estar e o desenvolvimento da criança, 
sendo também um meio legal de proteção à família que vai se formar a partir da 
adoção (Costa et al., 2011). Essa lei vai ao encontro do conceito de “adoção 
moderna” (Pilotti), que denota a busca por uma família para a criança, ao invés de 
uma criança para a família, como na adoção clássica. Contudo, Paiva (2004) 
ressalta que, apesar dessa atual mudança de concepção geral, a realidade é que 
aspectos histórico-culturais muitas vezes ainda interferem prejudicialmente no olhar 
para os interesses da criança, nem sempre garantindo a proteção da mesma ao 
colocá-la em uma família substituta. Nesse sentido, é importante pensar que a Nova 
Lei de Adoção é um ponto de partida fundamental para uma mudança significativa 
das percepções acerca desta prática, mas é necessário cuidado e atenção 
constantes na hora de transformar os preceitos legais em ação. 
 França (2001) define adoção como um encontro de necessidades, ou seja, é 
o “encontro da necessidade da criança de estabelecer um campo psíquico (entre a 
imediatez biológica e a perenidade) e da necessidade do adulto de transcender sua 
 
 
30 
 
condição mortal através da filiação psíquica” (p. 79). Além disso, aoviver o caos 
desintegrador do pós-nascimento, a criança precisa de um ambiente acolhedor, 
sendo o adulto, no caso os pais adotivos, o responsável por oferecer esse ambiente 
ao recém-nascido e, de alguma forma, dar sentido à experiência vivida (Maggi, 
2009). Hamad (2001) segue a mesma direção, colocando a vida da criança como 
fruto de desejos, tanto daqueles que a aceitaram como ela é, quanto dela mesma 
que aceitou viver, mesmo com as condições complicadas, considerando 
fundamental valorizar a escolha da própria criança para que a adoção não se torne 
algo difícil e imprevisível. 
A família adotiva é permeada por fantasias inconscientes, assim como todas 
as famílias, mas, na primeira, a quantidade de emoções envolvidas é ainda maior 
(Rosa, 2008). Como exemplo de fantasias inconscientes presentes na criança 
adotada, a referida autora menciona a existência de uma crença de que foi por não 
merecer o amor da mãe que ela foi colocada para adoção, de que a culpa por ter 
sido abandonada é dela e não das dificuldades ou impossibilidades dos pais, o que 
provoca na criança o sentimento de que não merece ser amada. Outro exemplo é a 
fantasia inconsciente referente ao medo da perda, sendo comum a utilização de 
estratégias para se proteger contra novas perdas, contra um novo abandono, por 
meio da evitação de emoções fortes e do engajamento em relacionamentos mais 
profundos. Isso pode ser sentido pela mãe adotiva como uma rejeição. Se não 
houver o devido preparo para lidar com essa situação, pode acarretar uma 
permissividade diante do filho, em uma falta de apropriação, que pode ser por ele 
sentida como uma nova rejeição. Essa permissividade, ou até mesmo a ideia 
incorporada de que se devem evitar novas separações e sofrimentos à criança 
adotada, vai ao encontro do que Hamad (2001) assinalou sobre não permitir dar à 
criança seu estatuto de criança como qualquer outra. 
Em contrapartida, segundo Gomes (2006), para Winnicott a questão das 
fantasias inconscientes ou desejos dos pais não é tão relevante para o desfecho da 
adoção, sendo, porém, realmente fundamental que exista uma capacidade da 
família de cuidar da criança, estando dispostos a adaptarem-se às necessidades da 
mesma ao longo de seu processo de amadurecimento. Winnicott (1997) acredita que 
uma história de adoção pode ser uma adoção humana comum, desde que o 
 
 
31 
 
processo de adotar transcorra bem, ou seja, depende fundamentalmente da história 
inicial do bebê. 
 Com a vivência de muitas falhas básicas iniciais, envolvendo 
necessariamente um fracasso em relação ao que Winnicott denominou preocupação 
materna primária e holding por parte da mãe biológica, a criança que foi abandonada 
busca, ao longo de sua vida, recursos para a reparação de tais falhas. O encontro 
com a mãe adotiva pode ser muito bem-sucedido, haja vista que, segundo Briani 
(2007), a mãe adotiva pode suprir necessidades básicas da criança, à medida que 
estabelece com ela uma relação íntima, calorosa, regular e constante. Além disso, 
pode desenvolver também uma capacidade de holding, ajudando seu filho a sentir-
se compreendido e contido em suas angústias e agonias primitivas. A angústia de 
separação é muito presente na prática clínica com pessoas adotadas, sendo que os 
mecanismos de defesa mais frequentemente percebidos nessas pessoas são: 
repressão, deslocamento e negação dos afetos (Briani, 2007). 
 Em consequência do exposto, e mais ainda como parte do próprio 
desenvolvimento tanto de crianças adotadas como não adotadas, a criança pode 
apresentar uma agressividade aparentemente sem motivos, ou de difícil 
compreensão. Contudo, o olhar winnicottiano traz a ideia de que é pela destruição 
dos objetos que o bebê descobre o mundo como estando lá desde sempre, sendo 
que ocorre a transição do mundo dos objetos subjetivos para os objetos 
objetivamente percebidos (Tomassi, 1997). A partir dessa percepção é possível 
pensar na agressividade de uma forma mais positiva, voltada para uma questão de 
motilidade, de busca por compreensão e adaptação ao ambiente. 
 
 
Descrição do paciente 
Lúcio (nome fictício) é um menino de 10 anos, filho de Cláudia, que o adotou 
quando ele ainda era recém-nascido. Lúcio tem um irmão mais velho, também 
adotivo (Vinícius), que apesar de mais velho foi adotado depois de Lúcio, quando 
este tinha 5 anos. Segundo a mãe, a segunda adoção foi um pedido do próprio filho, 
que dizia querer um irmão. Cláudia conta que é mãe solteira e que Lúcio costumava 
ser um menino tranquilo e carinhoso, mas que após a chegada do irmão passou a 
 
 
32 
 
apresentar comportamentos agressivos e distanciou-se da mãe. Ano passado 
(2012), por incentivo do irmão, Lúcio quis conhecer a mãe biológica. Cláudia 
atendeu seu pedido e em dezembro ele foi apresentado à família biológica 
(descobriu que tem três irmãos, sendo dois mais velhos e um mais novo). A mãe 
relata que esse contato foi tranquilo e, apesar de serem acontecimentos 
aparentemente marcantes, a mãe não entra muito em detalhes sobre o que se 
sucedeu. 
Outra questão que se apresenta nessa família é referente à cor da pele, visto 
que Cláudia e Vinícius são negros e Lúcio é branco. Na entrevista inicial Cláudia 
falou brevemente a respeito disso, mas Lúcio raramente traz essa questão na 
terapia. Trata-se, assim, de uma família adotiva que vive uma situação peculiar de 
adoção inter-racial. 
Atualmente, Lúcio está cursando o 5º ano em uma escola pública, sendo que 
até o ano passado ele e seu irmão estudavam em escola particular. Os dois estão 
na mesma sala, por questões estruturais da própria escola (há uma única classe no 
período da tarde). Lúcio tem trazido às sessões muitos assuntos referentes à escola, 
contando sobre as diferenças que vem percebendo entre a atual escola e a antiga, 
sobre seus amigos e algumas dificuldades que encontra (está de recuperação esse 
semestre). É importante destacar aqui que sua mãe encontra-se em atendimento 
psicológico por outra estagiária, no mesmo serviço clínico, e que buscou 
atendimento também para Vinícius, sendo que, possivelmente, este vai ser iniciado 
no segundo semestre desse ano. 
Durante o ano de 2012, Lúcio esteve em atendimento na clínica-escola por 
outro estagiário. Após as férias deu-se a mudança de estagiário-terapeuta. Assim, 
está sendo acompanhado pela atual terapeuta desde março de 2013, com 
frequência de duas vezes por semana. Os dias da semana em que ele vem ao 
atendimento foram mantidos, tendo mudado apenas o horário de um deles (ao invés 
das 8h00 passou para as 9h00), o que pode ter influenciado no que diz respeito à 
redução dos atrasos, que eram muito mais frequentes no ano anterior. No total 
foram realizadas 32 sessões ludoterápicas, tendo havido 10 atrasos (que variaram 
entre 5 e 35 minutos) e uma falta, justificada devido à morte da avó. 
 
 
 
33 
 
Resultados e discussão 
Para apresentar o processo percorrido no atendimento de Lúcio até o 
momento foram organizados quatro momentos principais, divididos de acordo com o 
que predominava nas diferentes fases vividas por Lúcio em terapia, sendo elas: 
Testes à Capacidade de Tolerância da Terapeuta e Formação do Vínculo; 
Exposição Clara de Conteúdos Internos; Introspecção; Relativa Estabilidade. 
1º Momento: Testar a Capacidade de Tolerância da Terapeuta e Formação do 
Vínculo: Este foi um momento bastante desafiador, Lúcio parecia desconfiado e 
desanimado com o processo que se estava iniciando, e por diversos momentos 
tentava alguma forma de ataque à terapeuta. Iniciaram-se, então, extensas 
conversas a respeito de brinquedos falsos ou verdadeiros, pessoas pobres ou ricas, 
apresentando uma angústiareferente ao quanto tem dúvida não só em relação a 
sua própria existência (falsa ou não), mas também do quanto o que chega pra ele, o 
que é oferecido a ele é falso, é pobre, o que pode ser estendido para a área dos 
afetos recebidos por Lúcio, ou seja, uma dúvida do quanto o amor que chega até ele 
é de fato real, ou se é falso, temporário, ou passível de ser destruído. Analisando a 
entrevista inicial realizada com a mãe, foi possível identificar algumas falas que 
podem ser relacionadas com esses sentimentos da criança, principalmente quando 
a mãe conta como foi o encontro do filho com sua mãe biológica, ocorrido em 
dezembro do ano passado por pedido do próprio Lúcio, devido à influência e 
provocação do irmão, segundo Cláudia. No decorrer do relato, a mãe disse frases 
como: 
Cláudia: “Eu disse a ele que se ele quisesse podia chama-la de mamãe, ele 
disse que tudo bem, mas por fim acabou não chamando... Mas eu falei pelo menos, 
até porque é mãe dele também né?” 
 Diante disso, o amor e a preocupação da mãe ficam em um nível de 
racionalidade extremo, o que faz com que pareçam muito frágeis e dispensáveis, 
podendo Lúcio acreditar que reencontrar a mãe biológica não gera nenhum receio 
em sua mãe adotiva, o que se relaciona diretamente com seus anseios a respeito da 
veracidade dos afetos que o rodeiam. Segundo Levinzon (2006), para os pais 
adotivos o medo de perder o filho aparece como um fantasma permanente, em 
graus diferentes em cada família, como se a falta de um elo consanguíneo não 
 
 
34 
 
garantisse a solidez do vínculo que liga os pais a criança. Lúcia pode, portanto, 
acreditar de alguma forma que os laços de sangue são fortes o suficiente para suprir 
qualquer laço que ela criou com Lúcio desde seu nascimento e, diante disso, viu-se 
sem recursos para lutar ou sentir merece mais o amor de seu filho do que a mãe 
biológica dele. 
 Em sua primeira sessão, Lúcio mostrou-se muito inseguro, quis que sua mãe 
entrasse junto, e só quando eu o chamei para me apresentar e para ver o que tinha 
na sua caixa lúdica (mantida da terapia do ano passado) é que foi possível que sua 
mãe saísse da sala. Disse por diversas vezes que não gostava de nada que tinha 
ali, trazendo para a sessão uma sequência de “nãos”, para os brinquedos, para mim 
e para a terapia como um todo. Tentou de diferentes formas atacar os limites do 
setting terapêutico, jogando bolinhas de papel no ventilador e massinha molhada no 
teto, de forma bastante impulsiva, e, por fim, usou tanta força com sua caixa lúdica 
que esta quebrou. Tudo isso transparece a maneira como os impulsos agressivos de 
Lúcio estavam dominando seu mundo interno, de forma a ser difícil controlar e 
necessário haver um espaço para expressá-los. 
Na quinta sessão, Lúcio já estava criando um pouco mais de confiança e 
segurança naquele ambiente, e foi então que em meio a uma brincadeira de caça ao 
tesouro ele fez uma pergunta muito significativa. Ao esconder um soldado em um 
lugar muito difícil percebeu que a terapeuta não estava encontrando, e então 
começou a dificultar ainda mais colocando tempo limite, até disse sucessivas vezes: 
“Você vai desistir? Vai desistir é?”. Parecia que ele estava testando até onde a 
mesma daria conta de encontrar aquilo que ele tanto escondia, e então a mesma 
respondeu: “Eu não! Eu não vou desistir”. Os aspectos simbólicos envolvidos por 
detrás dessa brincadeira foram muito significativos tanto para a terapeuta quanto pra 
o paciente, representando confiança e segurança. 
Apesar dessa aproximação, Lúcio continuou seus testes ao ambiente 
terapêutico, fazendo misturas com cola, massinha e outros objetos, as quais dizia 
ser macumba, ou algo que não sabia o que era e nem porque fazia, e pedindo para 
guardar até a próxima sessão, repetiu isso por três sessões, e na quarta deixou 
apenas água no pote, e na sessão seguinte colocou sua mão na água e disse: 
“Olha, ainda está gelada”. Esse último acontecimento pode caracterizar um final dos 
 
 
35 
 
testes iniciais à terapeuta e uma formação de vínculo com a mesma, visto que além 
de ter deixado água ao invés de macumba para que a terapeuta guardasse, ainda 
reconheceu o quanto havia sido bem guardado e conservado do jeito que ele deixou 
até a próxima sessão, tendo o setting terapêutico transformado-se em um ambiente 
confiável. 
2º Momento: Exposição clara de conteúdos internos: Nesse segundo 
momento, Lúcio começou a falar abertamente sobre suas angústias, raivas e sobre 
desejos bastante profundos, quase que em um movimento catártico. Na 7ª sessão 
Lúcio estava parecendo nervoso. Havia trazido um conjunto de Lego, mas não se 
interessou por ele, deixou em cima da mesa e sentou-se na poltrona, sendo que foi 
nesse momento que ouviu a voz de sua mãe na sala de espera, o que foi o estopim 
para que tudo começasse a ser dito e sua agressividade começasse a tomar forma. 
Após um breve silêncio Lúcio diz que sua mãe chegou na sala de espera, e que 
estava ouvindo sua voz (ela estava estacionando o carro), quando questionado 
sobre como ele se sentia em saber que a mãe dele o aguardava lá, ele responde: 
Lúcio: Me irrita! 
T: O que mais te irrita? 
Lúcio: O menino da minha escola que me bate e me chama de filho da puta. 
Mas eu pego ele, bato nele, estrangulo ele e jogo ele no lixo [...] [Nesse momento 
está sentado de costas para mim]. Às vezes eu tenho vontade de matar ela, tenho 
muita raiva, não gosto dela, ela é muito chata, não queria ter sido adotado por ela, 
queria ter sido adotado por alguém que quisesse ser mãe [...] É uma bosta ter 
parente, não queria ter, só gosto do meu tio [...]. 
Faz um desenho na lousa de um rosto sem boca, como se a mesma 
estivesse tampada com um lenço, e diz: “Não conta pra ela se não ela me bate”. 
[Então eu reforço que ali é nosso espaço, que o que acontece ali só nós sabemos e 
que nada do que ele dizia ali eu contaria para a mãe dele]. 
As críticas que Lúcio fez à mãe são fortes e cheias de conteúdo para serem 
refletidos, e chamam atenção, principalmente por terem sido ditas por uma criança 
de 10 anos. Em relação a este trecho, é possível associar a ideia de Winnicott 
(1997) de que muitas crianças adotadas, à medida que vão crescendo começam a 
pensar que se tivessem podido escolher, não teriam escolhido os pais que lhe foram 
 
 
36 
 
destinados, porém, na adoção, assim como os pais adotivos se arriscam, também se 
arriscam as crianças adotadas. 
 Na 9ª sessão fica claro como Lúcio usou do mundo externo para tentar dar 
sentido para tudo o que estava sentido, para tentar transformar isso em algo que 
possibilitasse seu desenvolvimento. Nesta sessão ele criou os personagens que 
passou a utilizar constantemente nas sessões, são eles: a Burra (boneca Barbie), o 
Burrinho (bebê da família lúdica) e o Zé Ninguém (homem da família lúdica). O 
manuseio que Lúcio fez baseou-se em encher a Burra de cola e colar o Burrinho no 
peito dela, e ao tentar me explicar disse: “O bebê cagou ela”, depois amarrou bem 
firme com um barbante e escreveu “SOCORRO” no peito do bebê. Sobre o Zé 
Ninguém disse que ele era filho das drogas, e fez um outro rosto para ele, para que 
ele ficasse mais feio ainda. Vale ressaltar que os nomes foram dados no final, após 
tudo já estar pronto, e que ele queria grudar no corredor da clínica para que todos 
vissem a Burra, mas como isso não era possível acabou grudando na tampa de sua 
caixa lúdica (apenas a Burra e o Burrinho). Essa pode ter sido a maneira que ele 
encontrou de tentar elaborar esses conteúdos ainda muito primitivos e sem forma 
dentro dele, e apesar de nessa sessão tudo ainda ter ficado muito confuso e intenso, 
é importante dizer que no decorrerdo atendimento ele foi desconstruindo um pouco 
do desespero passado por essa cena inicial, visto que em diferentes sessões foi 
desfazendo a colagem que realizou na caixa lúdica, e foi deixando tudo guardado na 
caixa, sendo que atualmente quase não usa mais, exceto o Zé Ninguém que ele 
frequentemente diverte-se jogando-o contra a parede, de forma bastante agressiva e 
violenta. 
3º Momento: Introspecção: Após toda a agitação do segundo momento, Lúcio, 
em determinada sessão, organizou a sua caixa lúdica, como quem organiza seu 
mundo interno, limpando e criando espaço para o que ele realmente usava dali. E 
depois disso, entrou num momento mais introspectivo, mais silencioso e 
aparentemente calmo, no qual fez muitos desenhos e que evitou falar mais do que 
explicações sobre o que tinha desenhado. Apesar da tranquilidade que Lúcio 
passava, os conteúdos de seus desenhos eram bastante agressivos, trazendo 
sempre diabos, zumbis, morte, dragões, entre outros. O mais impactante foi um que 
cabeças mortas nasciam das árvores, o que pode em determinada instância ser 
 
 
37 
 
associado com a história de Lúcio, que passou por muitas tentativas de aborto, e 
também viveu na pele o abandono, permitindo refletir sobre o quanto ele não podia 
mesmo sentir que nasceu morto, que já nasceu num contexto de rejeição e o quanto 
ele não compreende isso, o quanto isso ainda é angustiante para ele. Parece que 
muito desse potencial destrutivo vivido logo no início de sua vida foi introjetado por 
Lúcio, de forma a deixá-lo perdido em meio a seus impulsos agressivos, sendo que 
a terapia passou a desenvolver o papel do espaço em que tudo isso pode aparecer 
para que seja transformado em algo que vá em direção a uma melhor convivência 
com todos esses conteúdos e com toda sua história. 
 Isso perdurou por aproximadamente um mês, sendo que na 24ª sessão esse 
momento foi radicalmente finalizado. Lúcio chegou na sala de espera 20 minutos 
atrasado, dizendo que não queria entrar, que não gostava de nada ali, e sua mãe 
mostrou-se muito irritada com essa situação, forçando-o a entrar na sala, primeiro 
fisicamente e depois em forma de “chantagem”. Ele entrou, permaneceu os 20 
minutos restantes, porém em silêncio, produzindo muito barulho com as mãos e com 
os pés continuamente até o fim da sessão. Apesar dessa sessão ter parecido 
ameaçadora à continuidade da terapia, na sessão seguinte Lúcio compareceu e o 
processo continuou sem que voltassem no que aconteceu na sessão anterior. 
4º Momento: Relativa Estabilidade: Nesse momento, a influência de Cláudia 
como participante indireta do contexto terapêutico de Lúcio fica evidente, sendo que 
o aspecto estável desse momento foi justamente a experiência com Lúcio, que 
parecia estar mais confiante na terapia, mais à vontade e mais preparado para lidar 
com seus conteúdos internos. O que estava relativizando essa estabilidade era 
Cláudia, que passou a fazer sutis ataques à terapeuta e ao contexto geral da terapia 
de Lúcio. 
Com Lúcio esse momento está sendo de muita conversa, e de alguns 
“rituais”. Um deles é pegar o Zé Ninguém em algum momento da sessão 
(geralmente no início) e chutá-lo ou jogá-lo contra a parede, sem grandes 
explicações, e como algo que transmite uma sensação de alívio. Às vezes Lúcio me 
chama para participar desse ritual, e parece se divertir muito em ver o Zé Ninguém 
nessa situação em que ele o coloca. Acredito que isso possa se relacionar à 
percepção que Lúcio tem sobre o setting, como um espaço no qual ele pode expor 
 
 
38 
 
sua agressividade, e agora ele está conseguindo dosar melhor essa agressividade 
de modo a precisar expressá-la, porém conseguindo fazer isso de maneira menos 
explosiva. Outro ritual seria o de soltar puns na sessão, pois Lúcio por três vezes 
soltou pum na sessão, e fala disso de modo divertido e espontâneo. Isso pode ser 
muito significativo para o contexto terapêutico, visto que o pum pode ser interpretado 
de diferentes formas pela psicanálise, e uma delas é como uma expressão de 
agressividade, como uma falta de controle dos impulsos agressivos, o que pode ser 
visto como uma evolução vivida pelo paciente de modo a estar se dispondo a entrar 
em contato com essa agressividade, com esses impulsos, e também estar fazendo 
isso de uma forma menos confusa e desorganizada como era no início de todo esse 
processo. 
Simultaneamente a esse momento de Lúcio, aconteceram alguns ataques por 
parte de Cláudia à própria terapia do filho, ataques que em alguns momentos 
ficaram bem evidentes. Como exemplo, em uma sessão Cláudia deu o cartão de 
presença do terapeuta antigo de Lúcio para que o filho levasse para a atual 
terapeuta, o que de alguma forma estaria gerando uma instabilidade dentro do 
setting terapêutico ao fazer com que não só a terapeuta, mas também Lúcio 
lembrasse da experiência vivida no ano anterior, a qual levou muito tempo para ser 
elaborada e para que fosse possível dar um lugar à mesma e construir o atual 
vínculo. 
Em outro momento, no dia que Lúcio não quis entrar na sala de atendimento, 
a mãe trocou o nome da terapeuta do filho com o de sua própria terapeuta, o que 
pode ser visto como muito mais que um ataque, mas também um sinal do quanto os 
dois estão misturados dentro dela, e o quanto é difícil pra ela separar até mesmo o 
momento da terapia, sendo fundamental considerar como Lúcio sente tudo isso, 
como pode se perceber misturado e até mesmo desenvolvendo papéis para essa 
mãe que na realidade não são de sua responsabilidade. Por fim, em outra sessão 
Lúcio chegou um pouco manhoso, dizendo que não queria entrar na terapia porque 
estava com vontade de vomitar; a mãe, numa tentativa de descontração, comentou 
sobre o novo corte de cabelo dele, e disse “Nossa filho, você tá parecendo mais filho 
da tia do que da mamãe” (como tia ela estava se referindo à terapeuta). Isso causou 
bastante incômodo na terapeuta, pois, mais uma vez, tratou com certo descaso a 
 
 
39 
 
possibilidade de o filho ser mais filho de outra pessoa do que dela, ou outra pessoa 
merecer mais que ela ser mãe dele, enfim, pode ter reforçado dentro dele a 
diferença entre os dois, e ter contribuído para a angústia de Lúcio a respeito da 
veracidade do amor que ele recebe de sua mãe. Apesar de tudo, essas falas da mãe 
contribuem para que a terapeuta possa conhecer um pouco melhor as relações do 
filho com a mãe, possibilitando compreender as influências desses conteúdos para o 
que é trazido na terapia, e também compreender um pouco do que a terapia pode 
estar provocando nessa relação. 
 
 
 
Considerações finais 
 
 Lúcio, ao longo de todo o processo terapêutico, apropriou-se muito bem do 
espaço que lhe era oferecido para expressar seus conteúdos mais íntimos e 
inquietantes. A partir do panorama traçado no presente trabalho é possível notar 
claras mudanças em Lúcio, e isso é confirmado pelo discurso da mãe em uma 
conversa de acompanhamento realizada no final do semestre, quando a mesma diz 
que este passou por um momento em que não tinha paciência com ela, 
demonstrando muita raiva, mas que naquele momento estava tudo mais tranquilo, 
que melhorou seu desempenho na escola, não tendo recebido mais reclamações e 
que Lúcio tem obedecido mais os horários que ela coloca para que ele e o irmão 
façam tarefas. Cláudia mostrou-se muito disposta e atenta ao filho, inclusive quando 
a conversa foi sobre momentos difíceis da terapia, como o dia em que Lúcio não 
quis entrar. 
Diante do exposto, no intuito de compreender a evolução do processo 
terapêutico, é possível supor que a psicoterapia está exercendo a função de holding, 
ao sustentar angústia veiculadas por meio

Continue navegando