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ENFOQUE - Pentateuco

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PENTATEUCO
A primeira parte da Bíblia é chamada de Tora (Pentateuco, em grego). Tora, em hebraico significa Lei. Mas “lei’, em português, normalmente tem sentido negativo, e, por vezes, proibitivo. Seguidamente, ouve-se pessoas relacionando o Antigo Testamento como “Lei” e o Novo Testamento como “Evangelho”. Esta é uma visão equivocada da Bíblia e, se aplicada dessa forma, traz sérios problemas para a compreensão e a interpretação do Antigo Testamento. Na verdade, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento possuem lei como evangelho. O termo Tora, aplicado a Gênesis e ao Pentateuco, possui um sentido mais neutro como “instrução” ou mesmo “Palavra de Deus”.
	
GÊNESIS
Os títulos de muitos livros no Antigo Testamento são extraídos da respectiva primeira palavra hebraica desse livro. Assim, o título hebraico de Gênesis é “Bereshith” ou “No princípio”. O nome do livro em português é copiado da Vulgata e da Septuaginta. Bem antes da divisão dos capítulos, o primeiro livro da Bíblia foi dividido em dez “histórias”, ou “gerações”. Ela é conhecida como “fórmula toledoth”:
Esboço 					Referências de capítulos
1-11 História primeva 			11 Torre de Babel
12-26 Abraão e Isaque 			14 Abraão e Melquisedeque
27-36 Jacó e Esaú 				19 Sodoma e Gomorra
37-50 José 					22 Sacrifício de Isaque
28 Sonho de Jacó
49 Bênção de Jacó
O autor de Gênesis não estava interessado em descrever uma história sociológica ou econômica dos inícios da civilização. Estava interessado sim em que o círculo da graça e da promessa iniciado com a humanidade se estendesse de maneira concêntrica a Noé, Abraão, Jacó, Isaque e aos filhos de Jacó. 
Visto a literatura babilônica ser mais antiga do que Gênesis, presume-se que as semelhanças provam a dependência bíblica do relato babilônico. Conforme essa teoria, Israel teria emprestado esses conceitos mitológicos dos babilônios e feito uma adaptação à sua perspectiva monoteísta. O grande problema dessa hipótese é a implicação que a história dos princípios em Gênesis acaba tornando-se simplesmente mitologia. Se Gênesis for mitologia, então a consequência é que não se precisa crer que personagens como Adão, Eva, Caim, Abel ou o próprio jardim do Éden realmente existiram.
Embora haja semelhanças entre Gênesis e tais narrativas mitológicas, as diferenças as superam. Estudiosos que fizeram ampla análise linguística e literária concluíram que tal suposta dependência literária não pode ser sustentada. Aqui, como na maioria dos relatos paralelos com Gênesis, acredita-se ser mais provável que tradições mesopotâmicas e bíblicas tenham tido uma mesma fonte. A épica de Atrahasis, por exemplo (início do segundo milênio), é muito similar, de novo, à narrativa bíblica da criação. Na verdade, a épica só vem confirmar que a história básica apresentada em Gênesis 1-11 era bem conhecida em todo o Antigo Oriente Próximo.
Os patriarcas
A história patriarcal (Gn 12-50) nos fornece algumas possibilidades de cronologia. Grande parte dos estudiosos entende que o chamado de Deus a Abraão em Ur da Caldeia, na Mesopotâmia, acontece num contexto geográfico e histórico significativo. O mundo de Abraão é um mundo ativo, econômica e tecnologicamente avançado para a sua época. Nesse período, por volta do ano 2000 a.C., além dos antigos sumérios e acadianos dispersos pela Mesopotâmia, encontramos outros grupos importantes como os amorreus, os hurrianos e os hititas, que começaram a se destacar nessas terras.
Devido ao progresso no conhecimento do Antigo Oriente Próximo no segundo milênio, muitos estudiosos, que antes colocavam dúvidas sobre a historicidade dos patriarcas, passaram a atribuir maior valor histórico a essas narrativas. O maior expoente dessa perspectiva foi o teólogo e arqueólogo William F. Albright. A posição de Albright reflete posição dominante. “Como um todo”, diz ele, “o quadro de Gênesis é histórico, e não há motivos para duvidar da exatidão geral dos detalhes biográficos e dos traços de personalidade que fazem com que os patriarcas surjam com uma intensidade inexistente em nenhum personagem extrabíblico em toda a vasta literatura do Antigo Oriente Próximo.”
Os acontecimentos do capítulo 22 parecem colocar em risco a vida de Isaque e a promessa dada a Deus ao patriarca Abraão. Críticos liberais insinuam que este evento tem por objetivo polemizar o sacrifício de crianças que, segundo eles, era prática comum entre os israelitas até bem mais tarde. Mas não há nada no texto que justifique essa análise. A ênfase da história não é outra senão o teste pelo qual passa “o pai de todos os crentes”.
O episódio de Judá e Tamar (cap. 38) – obviamente, umas das razões do autor é chamar a atenção para a tribo de Judá de onde virá Davi e, a partir da dinastia davídica, o Messias. Da mesma forma, o capítulo 49, chamado de “Bênção de Jacó”, é importante linguisticamente devido a vários aspectos poéticos arcaicos, e ainda mais importante teologicamente em razão da referência davídico-messiânica em conexão com a bênção dada a Judá.
Quando Jacó morre, os irmãos de José temem por suas próprias vidas. Pensaram, como o mundo pensa, que haveria uma vingança da parte de José (50.15). Relembrando a amargura e as tribulações que se seguiram, José faz uma confissão de fé e confiança magníficas. Virando-se para seus irmãos ele diz: “Vós intentastes o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem” (50.20). É fácil falar assim quando você esteve na prisão por dois anos e os causadores dessa injustiça estão à sua frente? É possível perdoar? José sabia que Deus tinha usado essa tragédia para Seus propósitos. No dia em que o lançaram naquele poço seco em Dotã (37.24), eles deram início a uma série de acontecimentos ordenados por Deus destinados a tornar seu irmão desprezado num líder e conselheiro cuja habilidade, discernimento e fé trariam esperança e salvação a muitos.
Exôdo
O nome do segundo livro do Pentateuco deriva-se do grego Exodos, que passou para a Vulgata (Latim) Exodus e, daí para o português. “Êxodo” significa “saída” (19.1). Êxodo descreve, pois, a saída do povo de Israel do Egito, sendo o tema predominante do livro. No cânone hebreu, o nome vem das palavras iniciais “shemoth” (“nomes”) em 1.1.
Esboço 						Referências de capítulos
1-19 Êxodo e a Aliança 				3 Chamado de Moisés (sarça)
20-40 Orientações divinas no
Sinai (Decálogo; “Livro da Aliança;
Tabernáculo; Partes “prescritivas” x
“descritivas”)						12 Ritual da Páscoa
14 Êxodo
15 Cântico do Mar
20 Decálogo (= Dt 5)
20.23-23.33: “Livro da Aliança”
24 “Sangue da primeira aliança”
28-29 Vestes sacerdotais e consagração
32 Bezerro de ouro
34 Renovação da Aliança
O livro registra acontecimentos desde o nascimento de Moisés até a construção e dedicação do tabernáculo no Sinai no segundo ano da saída do Egito (1.1; 19.1; 40.17). Dessa forma, a história do livro em si abrange cerca de 85 anos. O maior problema é determinar o século em que os fatos associados à saída do Egito aconteceram. Nesse debate, duas posições surgiram: os que defendem uma data mais antiga e os que defendem uma data mais recente para o êxodo. Como apenas dois faraós do Egito reinaram por mais de 40 anos, que corresponde ao exílio de Moisés no deserto durante a opressão dos hebreus, seus reinados se tornaram foco de debate na datação do êxodo. A posição da data mais antiga identifica Tutmosis III (1504-1550) como o faraó da opressão e Amenófis II (1450-1425) como o faraó do êxodo. Defensores da data mais antiga acentuam uma interpretação literal dos números bíblicos em Êxodo 12.40, Juízes 11.26, e 1 Reis 6.1 e recorrem à arqueologia para fundamentar sua posição Um destes é Walter Kaiser, que, ancorado em dados historiográficos, “adota o século XV a.C. para o êxodo, localizando-o na 18ª Dinastia. As afirmações de 1 Reis 6.1 sustentam que o êxodo aconteceu 480 anos antes de Salomão iniciar a construção do templo em 967 a.C. Estes dados colocam o êxodo em 1447 a.C. e a conquista em 1407 a.C.”.¹¹ Os que sugerem uma data mais recente identificam Ramsés I (1320-1318)e Seti I (1318-1304) como faraós da opressão e Ramsés II (1304-1237) como faraó do êxodo. Nesse debate sobre a data do êxodo está a questão da interpretação de dados bíblicos e extrabíblicos. Os proponentes da data recente interpretam os números simbolicamente e dão prioridade às informações históricas extrabíblicas e à evidência arqueológica.¹² Na verdade, nenhuma evidência matemática, arqueológica ou de interpretação bíblica pode determinar com certeza a data do êxodo. O que sabemos é que o êxodo do Egito é um evento histórico e deve ter ocorrido em algum tempo entre 1500 e 1200 a.C.
O conteúdo de Êxodo se divide basicamente em duas partes: Cap. 1-19 trata da saída do Egito até o monte Sinai. Cap. 20-40 fala das leis que Deus revela ao povo no monte Sinai. Embora Moisés seja o personagem humano principal das narrativas, a verdadeira história é a obra redentora do Senhor ao livrar o povo da escravidão do Egito e estabelecer com ele uma aliança singular. O livro desempenha papel tão importante para o Antigo Testamento quanto os evangelhos para o Novo Testamento. O evento do êxodo é o coração do evangelho no Antigo Testamento e termos como “redenção” e “cordeiro” têm seus significados teológicos lincados a este episódio. Deus faz de Israel Seu povo pelo cumprimento da Sua promessa aos patriarcas e através deste dramático ato de salvação. O Êxodo é a base para a fé de Israel no Antigo Testamento assim como a ressurreição de Cristo é para o cristianismo. Hoje já não se pode mais duvidar da existência de Moisés nem da historicidade do Êxodo.
As pragas foram milagres da parte de Deus, não apenas desastres naturais. O objetivo das pragas está vinculado a uma falsa concepção de Deus por parte dos egípcios e, por causa disso, elas são enviadas para solapar o fundamento da sua crença nas divindades. Em Êxodo 12.12, Deus diz: “...executarei juízo sobre todos os deuses do Egito”, e o livro de Números confirma que “contra os deuses executou o Senhor juízos” (33.4). Estudos hoje comparam as pragas à religião e aos deuses dos egípcios e sugerem que as pragas visavam desestruturar o conceito de que os deuses egípcios estavam no controle da história. O quadro abaixo ilustra esse aspecto.O faraó pergunta: “Quem é Yahweh para que lhe ouça eu a voz e deixe ir a Israel?” (Êx 5.2). A julgar pelo fato de Israel ser escravo, o Deus de Israel é para o faraó um deus fraco; os deuses do Egito devem ser bem mais fortes. Na verdade, Yahweh mostra ao faraó e aos egípcios quem Ele é.
	
	A celebração da festa da Páscoa é considerada por muitos críticos liberais ainda hoje como um tipo de festival de pastores de ovelhas nomádicos e que mais tarde foi artificialmente associada ao êxodo do Egito. O fato é que a Páscoa foi comemorada nas casas particulares exatamente porque não havia ainda santuário nem sacerdotes. O evento da Páscoa e seu ritual é um tipo da grande e maior Páscoa que acontece no Novo Testamento. O evento da Páscoa, envolvendo o sacrifício do cordeiro e o derramamento de sangue, apontava para frente, para a obra de Cristo, o Cordeiro Pascal (1 Co 5.7). Jesus institui a Santa Ceia durante a ceia da Páscoa. A “saída” de Jesus da sepultura na manhã da Páscoa é o cumprimento deste episódio como um todo e que revela a vitória sobre a escravidão do pecado e da morte.
	Muitas vezes se atribui ao Antigo Testamento um caráter legalista que ele não possui. O Decálogo é tomado como exemplo dessa visão. Entretanto, é de suma importância enfatizar que do ponto de vista da gramática, ou seja, do próprio texto, o Decálogo é indicativo, não imperativo. Os “Mandamentos” iniciam com a partícula negativa lo’ em hebraico e não com a partícula `al, que resultaria no imperativo negativo. E Israel não é mais qualquer povo ou nação; Israel agora é povo de Deus. Assim sendo, o Decálogo não é algo que Israel precisa cumprir para se tornar povo de Deus ou para merecer crédito diante Dele e quem sabe a salvação. As “dez palavras”, como o texto bíblico chama (cf. Êx 34.28), são orientações que Israel, assim como todos os cristãos, vão querer seguir voluntária e espontaneamente como povo de Deus que são. Estas afirmações do Decálogo “representam os perímetros ou fronteiras do reinado de Deus que o crente não vai ultrapassar, mas dentro dos quais ele é essencialmente livre para responder de maneira alegre e voluntária, como é ilustrado também nas demais ‘leis’ ou ‘códigos’ do Antigo Testamento”. 20 É evidente que nenhum cristão jamais pode chegar a esse padrão, pois ele permanece pecador e santo. Nesse sentido o Decálogo é um espelho que mostra a sua natureza pecaminosa, que não poderá ser revertida pelo cumprimento de mandamentos senão apenas pela total dependência do amor de Deus.
	Comentário especial deve ser feito com relação à assim chamada “lex talionis”
ou “lei do talião”, a lei do “olho por olho” em Êxodo 21.24. Vezes sem conta esta passagem é citada para mostrar como o Antigo Testamento representa uma baixa moralidade e um espírito de vingança em contraste com a lei do amor no Novo Testamento. Mas esta é uma visão equivocada da narrativa bíblica. O contexto desta passagem deixa claro que a lei visa restrição e não retribuição a sangue-frio. Aqui o foco é Israel como Estado e não como igreja, e o objetivo da lei é garantir equilíbrio e bom senso tanto quanto possível na sociedade de Israel como tal.
Se no Antigo Testamento essa lei fosse levada ao pé da letra, muitos em Israel certamente teriam apenas um olho (ou nenhum), um braço (ou nenhum), um dente... Mas não há exemplo de que isso tenha acontecido como não há episódio em que esta lei tenha sido aplicada de forma literal. Para salvaguardar a ordem, a intenção da lei é mostrar que a punição pelo crime não deve ser excessiva, mas que deve corresponder à severidade da infração. Este princípio, na verdade, era “uma grande vantagem para o povo, pois elevava a injúria pessoal do delito civil a um ato criminal, impedindo retaliações excessivas (Gn 4.23-24). Dessa maneira, elevava a dignidade das pessoas”.
	O tabernáculo era um santuário portátil, formado de uma estrutura de madeira de acácia coberta por duas grandes cortinas de linho. Uma das cortinas cobria o recinto maior chamado Lugar Santo, enquanto a segunda cobria o Santo dos Santos (ou “Santíssimo”), uma sala menor ao fundo do Lugar Santo, separado por uma cortina especial. Rodeado por um átrio ou pátio aberto, o tabernáculo compunha-se, pois, de duas partes: o `ulam ou “Lugar Santo” e o debir ou Santíssimo”. No interior do Santo dos Santos ficava apenas a arca da aliança – uma caixa de madeira de acácia que continha as tábuas do Decálogo. Sobre a tampa da arca ficava o propiciatório, o lugar onde se aspergia o sangue no Dia da Expiação (Lv 16). Acima do propiciatório ficavam dois querubins sobre os quais o Senhor se entronizava e de onde falava com Moisés (Nm 7.89). No Santo Lugar ficava o altar de incenso, o candelabro e a mesa com o Pão da Presença. No pátio, diante do tabernáculo ficava o altar dos holocaustos e entre eles ficava o mar de bronze.
A descrição do tabernáculo se acha nos capítulos 25-40 de Êxodo. É importante lembrar que o tabernáculo não é imaginação ou criação de Israel. Teologicamente significativo é o fato que ele segue um “modelo” que foi dado pelo próprio Deus (Êx 25.9). O tabernáculo e assim todo o seu ritual são um reflexo, uma miniatura, uma cópia do templo celeste. Nos céus está o trono de Deus, mas precisa se “encarnar” num lugar especial entre a humanidade em vista da alienação dela em pecado. A mesma linguagem e o mesmo conceito são aplicados no templo mais tarde e também a Cristo, na sua encarnação. O Novo Testamento fala da presença visível de Deus no mundo na pessoa de Jesus Cristo.
No Antigo Testamento o termo hebraico para “sacerdote” no sentido legítimo é kōhēn. Por outro, o termo para identificar o sacerdote idólatra é kōmēr, que ocorre três vezes no texto bíblico (2 Rs 23.5; Os 10.5; Sf 1.4). Segundo a narrativa do Antigo Testamento, o sacerdócio não era apenas levítico, masfundamentalmente araônico. Tecnicamente, é mais correto se pensar em sacerdócio “araônico” do que em sacerdócio “levítico”. Arão era da tribo de Levi, mas o sacerdócio propriamente inicia-se com ele e fica restrito à sua descendência. Por isso, todos os sacerdotes são levitas, mas nem todos os levitas são sacerdotes. 
Os sacerdotes do Antigo Testamento exerciam um papel mediador entre o povo de Deus e o próprio Yahweh. Isso não significa que essa função inibisse qualquer iniciativa direta do indivíduo com Deus. De uma forma especial, como ocorre nas atividades cúlticas do cristianismo, os sacerdotes concediam o perdão de Deus àqueles que confessavam seus pecados e ofereciam os sacrifícios de maneira adequada. Ao determinar a aceitação de um sacrifício, o sacerdote presidia o ritual pelo qual a expiação era feita e os pecados absolvidos (Lv 1.4; 5.15; 19.7). Embora Israel fosse designado como “reino de sacerdotes” (Êx 19.6), nem de todos era esperado que servissem como sacerdotes. No sacerdócio o povo estava sendo substituído e representado perante Yahweh. Esta representatividade se materializa quando o sumo sacerdote carrega sobre os seus ombros e seu peito os nomes das doze tribos de Israel gravados em pedras preciosas. Ao comparecer perante o Senhor, o sumo sacerdote corporificava todo o Israel. Ele era o Israel reduzido a um. Nele todo o Israel era “santo ao Senhor”, como lembrava a inscrição na lâmina de ouro da coroa que trazia em sua cabeça (Êx 28.36; 39.30; Zc 3.5; cf. 14.20).
	Os sacerdotes (e também levitas) eram ministros da Palavra de Deus. Não apenas presidiam os sacrifícios e festas e comungavam com o povo perante o Senhor, como ensinavam a Torá, ou seja, eram responsáveis pela instrução ou catequese do povo de Deus e, vez por outra, mediavam situações de conflito de acordo com ela (Dt 17.8-13; 19.17; 21.5; 31.9). Parte de suas funções consistia também em preservar e, talvez, copiar os textos que compunham a Escritura (Dt 31.9; cf. a atividade de Esdras). Toda essa atividade requeria estudo e treinamento intensos. Ao menos cinco anos de aprendizado eram necessários ao aronita que aspirasse ao ofício do sacerdócio e nele fosse instalado aos 30 anos de idade (cf. Nm 4.3; 8.24).
	Os levitas são os descendentes do terceiro filho de Jacó. Nem todos os levitas deveriam servir como sacerdotes; todos, entretanto, atuavam como auxiliares no santuário. Dedicavam-se a esse serviço em várias frentes: (a) demonstraram ter tido zelo perante o Senhor (Êx 32.25-29); (b) substituíam os primogênitos de Israel, poupados na noite da Páscoa quando da saída do Egito (Êx 13.2, 12-13; Nm 3.12-13; 8.14-16); (c) representavam o povo de Israel como oferta movida perante o Senhor (Nm 8.11). Ao contrário dos demais (Js 13-19), os levitas não receberam herança de terra: Yahweh era a sua herança (Nm 18.20). Contudo, os levitas receberam 48 cidades espalhadas por todo o território, das quais seis eram chamadas “cidades de refúgio”, que abrigavam pessoas que tivessem cometido homicídio involuntário. Além dos rebanhos que eram criados ao redor dessas cidades, os levitas obtinham sustento pelo dízimo que recebiam pelo seu status levítico (Nm 18.21-24; Dt 18.1-4; Js 13.14) e pelos mesmos benefícios estendidos a viúvas, órfãos e estrangeiros (Dt 14.20-29; 16.11, 14; 26.11-13). Talvez por julgarem desempenhar funções subalternas, muitos levitas não mais suspiravam por retornar à Palestina após o exílio, preferindo agregar-se a outras atividades na Babilônia.
	A instituição do sumo sacerdócio começa quando Moisés consagra Arão e seus quatro filhos (Êx 28). A escolha é divina (Êx 28.1). O sumo sacerdócio foi passado de Arão ao seu primogênito, Eleazar, cujo filho, Fineias, recebe a aliança perpétua do sacerdócio porque também agira com zelo perante o Senhor (Nm 25.12-13). Fineias oficiou durante o período dos juízes. O sumo sacerdócio foi então preenchido por Eli, provavelmente da família de Itamar, o quarto filho de Arão. Os descendentes de Eli exerceram a função até Salomão depor Abiatar em favor de Zadoque, descendente de Eleazar (1 Rs 2.27; 1 Cr 24.3), cuja linhagem oficiaria até a queda de Jerusalém. No
templo visionário, Ezequiel limitou o serviço sacerdotal aos “filhos de Zadoque”, excluindo dele todos os levitas que haviam apostatado (Ez 44.10). Com a ausência da monarquia, abria-se a porta para a hierocracia. 
	Após o Exílio, o sumo sacerdote assume muito das prerrogativas que até então pertenciam ao rei. Em 520 a.C., o sumo sacerdote Josué e o governador davídico Zorobabel estão lado a lado como iguais (Ag 1.1, 12, 14; 2.2, 4). Juntos iniciam a reconstrução do templo (Ed 3.1) e dividem o governo da comunidade como “os dois ungidos” (Zc 4.14). Aos poucos, com o fim da dinastia davídica, o sumo sacerdote assume o controle, encabeçando o governo eclesiástico e civil. No período intertestamental, o sumo sacerdote preside o “senado”, composto por sacerdotes, escribas e chefes de famílias (1 Mc 12.6; 2 Mc 4.44; 11.27) – uma forma embrionária do Sinédrio. Durante a hegemonia grega, o sumo sacerdócio passou a ser um prêmio cobiçado por mentes inescrupulosas. A partir de então inicia-se um conflito permanente entre indivíduos e grupos reivindicando a
legitimidade do ofício sumo sacerdotal.
	O livro de Êxodo termina com a consagração do tabernáculo pela descida da mesma “glória” (kavod, no hebraico) que havia trazido o povo de Israel do Egito e que passa a ter residência permanente sobre o propiciatório, no Santo dos Santos. Logo, o significado primordial do tabernáculo e do templo como o tipo maior da encarnação, com a consumação que nos aguarda no fim dos tempos, é uma certeza que não pode deixar de ser enfatizada.
LEVÍTICOS
Israel está no monte Sinai, mas está a caminho; ali não é a Terra Prometida. A missão de Deus não acontece no deserto. No deserto pode acontecer o preparo, a formação para a missão de Deus. Mas o povo de Deus de ontem e de hoje precisa tornar-se fonte de bênçãos salvadoras para todas as nações (Gn 12.3), compartilhando sua redenção com todos os povos, e para isso necessita engajar-se no mundo e na sociedade. Ademais, o Sinai não é a terra da promessa; ela fica mais acima, em Canaã.
Levítico é o nome do terceiro livro do Pentateuco. O nome hebraico do livro é extraído do primeiro versículo vayiqra’, “E chamou”. O nome “Levítico” deriva-se do nome dado pela LXX Levitikos, daí para a Vulgata Leviticus e, então, para o português: Levítico.
No monte Sinai a nação teocrática foi organizada, a aliança ratificada e o tabernáculo erigido. Mas antes que o povo continue sua viagem à Terra Prometida, precisa receber orientação quanto ao culto no tabernáculo e quanto à conduta como povo de Deus. Logo, para ser bem compreendido, Levítico pressupõe o conteúdo de Êxodo.
Os sacrifícios
Os capítulos 1-7 contêm a mais longa orientação sobre sacrifícios na Bíblia. Tudo o que era trazido ao Senhor como oferta devia ser cerimonialmente puro. Do reino animal: bois (gado), ovelhas, cabritos, pombas podiam ser sacrificados; do reino vegetal: cereais, vinho e azeite.
	Sacrifício animal era oferecido em lugar, ou como substituto, do pecador. A imolação do animal, seu sangue, na verdade não expiavam o pecado. Antes, o sacrifício apontava para frente, para o sacrifício que viria, cujo sangue derramado iria efetivamente expiar os pecados do mundo todo. Pelo sacrifício do animal e pela fé no que o sacrifício antecipava, o crente no Antigo Testamento recebia perdão dos pecados. Jamais era o caso de o ofertante “obter” perdão simplesmente por realizar um ato mecânico sacrificando um animal para Deus. O sacrifício era acompanhado por um coração arrependido e confiante na graça divina.
O ritual dos sacrifícios
O livro de Hebreus, especialmente, nos diz que o sacerdócio do Antigo Testamento era um tipo de Cristo que era (e continua sendo) Sacerdote, Profeta e Rei (cf. Hb 8.1). Os sacerdotes ofereciam sacrifícios; Cristo ofereceu um sacrifício – sacrifício que expiou os pecados do mundo inteiro. Os profetasintercederam pelo povo; Cristo intercede pelo Seu povo (p. ex., Rm 8.34).
Com respeito ao sacrifício de animais e a cerimônia de expiação, a palavra hebraica para expiação vem do verbo kafar, que significa cobrir. A expiação significa que o castigo que cobre o pecador é transferido para cobrir outro objeto. Com o sacrifício envolvendo expiação, o animal era imolado e pelo derramamento do seu sangue descrevia o julgamento divino sobre a morte como punição pelo pecado. Cada etapa do ritual do sacrifício tipificava algum aspecto da obra expiatória de Cristo (Hb 10.11-12). O ritual do sacrifício, de uma forma geral, consistia dos seguintes passos:
1. O animal trazido pelo ofertante devia ser macho e sem defeito. O melhor deve ser dado a Yahweh. Apenas Aquele que é perfeitamente puro pode levar os pecados dos outros (1 Pe 1.19).
2. O ofertante impõe a mão sobre a cabeça do animal (Lv 1.4). Este gesto sinaliza a transferência da culpa do culpado (ofertante) para o inocente (o animal). Assim, o animal se torna o substituto do ofertante. Cristo foi feito pecado por nós (2 Co 5.21).
3. O animal é imolado pelo ofertante e no lugar do ofertante. O sangue representa a vida do animal: Levítico 17.11. Novamente, este gesto aponta para frente, para o sacrifício de Cristo, que aconteceu uma vez por todas.
4. A vida sacrificada era então entregue a Deus por meio da aspersão e queima sobre o altar (Lv 1.6-9; Êx 24.6; cf. Ef 5.2).
5. Há, no ritual, indicação de que a comunhão de Deus com os homens estava sendo mantida. Parte do sangue do sacrifício podia ser aspergida sobre o povo (Ex 24.6; 19.6-8; cf. Êx 24.11)
Exteriormente, os sacrifícios de Israel tinham muito em comum com os sacrifícios de outras nações. Podiam até ser confundidos com eles. Mas, funcionalmente, no que respeita aos motivos, eles são “sacramentos”, são meios da graça, ordenados por Deus, para expiar o pecado. Não são mágicos. A fé deve estar envolvida. O rito sem fé não agrada a Deus. A lei cerimonial servia como meio pelo qual a fé no Salvador que viria podia ser exibida, antes da Sua real encarnação. Contudo, o ritual era eficaz apenas quando acompanhado da fé do ofertante. Tinham valor para a pessoa apenas se ela depositasse fé no que a cerimônia significava. Os sacrifícios oferecidos por descrentes, e por isso mesmo impenitentes, eram uma abominação ao Senhor (cf. Pv 15.8; 21.27). Não é muito diferente do cristão hoje, que recebe perdão por meio da Santa Ceia. É claro que o povo recebia perdão também fora dos atos cerimoniais, por meio da fé.
Dia da Expiação
O capítulo 16 é o ponto climático do livro de Levítico: é o Dia da Expiação (Yom Kippur), única vez mencionado na Escritura. O livro de Hebreus, de forma especial, expõe o antítipo cristológico do ritual. O aspecto principal é o fato de que, assim como o Dia da Expiação ocorre apenas uma vez ao ano, o sacrifício de Cristo ocorre uma vez para sempre.
No Dia da Expiação há três purificações envolvidas. Primeiro, o sumo sacerdote, que, como o pastor, não está isento de pecado, faz sacrifício de um novilho pelo seu próprio pecado. Na medida em que leva uma porção do sangue ao Santo dos Santos, ele também purifica o santuário e o altar do holocausto. Em cada um desses dois ritos de purificação o sumo sacerdote entra no Santo dos Santos, onde o Senhor estava entronizado acima dos dois querubins, sobre a arca da aliança. Ali aspergia o sangue da aliança sobre a tampa do propiciatório. Depois aspergia sangue no altar do holocausto para purificá-lo.
No Dia da Expiação acontecia também o ritual dos dois bodes, escolhidos por sorte. Um bode é destinado para Yahweh e é sacrificado por todo o povo. O outro bode não é sacrificado, mas é enviado ao deserto, para “Azazel”, para ali morrer. Este episódio acontece depois que os pecados da congregação de Israel tivessem sido confessados sobre ele e sobre ele transferidos. A expressão “bode emissário” é expressão que vem desde Jerônimo, que considerou uma fusão de termos e optou por essa tradução. “Azazel”, entretanto, parece ser nome próprio dado a Satanás ou a um de seus anjos-demônios. Dessa forma, pecado e impureza retornam à sua fonte, o pai da mentira: lá é o seu lugar.
A conexão aos capítulos 17 a 26 é natural. Klostermann, em 1877, denominou este conjunto de capítulos como “Código de Santidade” (do inglês Holiness Code, daí a sua abreviação para “H”). Esta sigla ainda é empregada hoje por questão prática, mesmo sem levar em consideração os argumentos de Klostermann e outros críticos que, por premissas evolucionistas, transportam esta secção para o período pós-exílico.
Uma passagem, ao menos, merece destaque no “Código da Santidade”. Trata-se de Levítico 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação pela vida”. Neste versículo se faz um jogo com o termo vida ou pessoa (a palavra nefesh significa uma ou outra). A fonte de vida é o sangue. Quando o sangue de um animal é derramado em sacrifício, esse animal dá a vida pela pessoa que pecou. A vida do animal é derramada na morte – é a penalidade por causa do pecado – de modo que o ofertante possa continuar vivo. Há, portanto, um elemento de substituição, um sacrifício vicário, na dinâmica do sacrifício. O princípio é vida por vida, significando que a expiação é alcançada sobre um fundamento sólido e justo. Cumprir um ritual não garante perdão automático. Isso implica que antes de prover o perdão, Deus sonda os motivos da pessoa que faz o sacrifício. O Antigo Testamento não ensina nenhum conceito mágico de sacrifício. O ofertante confia na misericórdia do Senhor para obter aceitação e perdão. Pela fé, olhando além do sacrifício, o ofertante vislumbrava o sacrifício maior e completo do “Cordeiro de Deus, que tira o pecado dele e do mundo inteiro” (Jo 1.29).
NÚMEROS
Nome
O título hebraico do livro, “no deserto”, vem do primeiro versículo. O nome é adequado porque o livro de Números registra fatos importantes associados ao período da peregrinação no deserto antes da morte de Moisés e da conquista da Terra Prometida. “Números” é tradução do título adotado pela LXX, Arithmoi, que reflete os dois censos ordenados por Deus e descritos nos capítulos 1 e 26.
Contexto histórico e geográfico
O livro de Números começa com uma orientação que Deus dá a Moisés no monte Sinai no primeiro dia do segundo mês do segundo ano da saída do Egito. No décimo segundo dia desse mês, “a nuvem se ergueu de sobre o tabernáculo da congregação”. E então os filhos de Israel levantaram acampamento do monte Sinai (Nm 10.11 e ss.). Deuteronômio começa com uma referência ao primeiro dia do décimo primeiro mês do quadragésimo ano, ou cerca de 38 anos, 8 meses e 10 dias após a saída do Sinai. O livro de Números, portanto, cobre um intervalo de 38 anos e 9 meses – o período da peregrinação pelo deserto.
Esboço e referências
1.1-10.10 Preparação para deixar o Sinai 		6.22-27 Bênção araônica
10.11-21.9 Do Sinai ao vale do Jordão 		13-14 Espias em Canaã
21.10-36.13 As planícies de Moabe 			21 A Serpente de Bronze
24 Oráculos messiânicos de Balaão
Cronologia de Israel após a saída do Egito
É possível estabelecer, pela narrativa de Êxodo a Josué, uma cronologia para marcar o desenvolvimento da história de Israel após a saída do Egito.
O simbolismo da organização do acampamento no capítulo 2 é significativo tanto teológica quanto militarmente. O tabernáculo está no centro e três tribos acampadas em cada um dos quatro lados, com Judá, messianicamente sendo posicionada no lado leste do acampamento. Os capítulos 3 e 4 descrevem a divisão de tarefas entre as famílias levíticas de Gerson, Coate e Merari. O diagrama abaixo indica a posição de cada grupo no acampamento:
O capítulo 6 se destaca pelo voto voluntário do nazireado, representado por um tipo exemplar de santidade ideal não muito diferente do ideal monástico da Igreja da Idade Média, embora sem os pressupostos questionáveisdesta. O período de tempo de um voto podia mudar, mas uma vez feito Deus exigia cumprimento (6.21). Hoje também fazemos voto: batismo, confirmação, casamento. Quando fazemos um voto, cumprimos o voto e nesse processo honramos a Deus.
A bênção
Depois de apresentar novas orientações para ao acampamento (cap. 1-6), o Senhor acrescenta uma bênção para o povo. A tríplice repetição do nome divino (cf. Sl 24.8-10; 113.1; 136.1-3) antecipa o tríplice nome que Jesus emprega em Mateus 28.19, a base para a doutrina da Trindade. A primeira cláusula de cada linha da bênção evoca um movimento de Deus em relação a Seu povo; a segunda cláusula evoca Suas ações. É oportuno chamar a atenção que apenas os sacerdotes tinham permissão para dizer a Bênção Araônica, como o próprio nome indica. A bênção segue uma fórmula empregada por Arão quando ele “levantou as mãos para o povo e o abençoou” (Lv 9.22). O ritual em Levítico 9 era a consagração de Arão. A ocasião específica da bênção em Números 6 não é fornecida. Talvez fosse proferida no final de cultos regulares no tabernáculo. O uso frequente da bênção se observa pelos ecos que aparecem nos Salmos e por uma inscrição da bênção em amuletos de prata encontrados numa caverna-sepultura em Ketel Hinom, nas imediações de Jerusalém.
Em Números 10.11 o povo de Deus finalmente levanta acampamento e deixa o Sinai. Logo adiante, no capítulo 21.9 o povo chega a Moabe. Isso quer dizer que a maior parte dos 40 anos no deserto se acha comprimida nestes poucos capítulos do livro de Números. Aparentemente, a maior parte dos 40 anos se passou ao redor do oásis de Cades (ou Cades-Barneia). O nome “Cades”, em si, significa “santo” provavelmente, sugerindo uma associação sacra (pagã evidentemente) mesmo antes de os israelitas peregrinarem pelo local.
Rebeliões
A narrativa é pontuada por outras rebeliões espacialmente contra Moisés e sua autoridade. Em Números 12 Miriã e Arão se opõem ao casamento de Moisés com a mulher “cuxita” – cujo termo pode ser traduzido por “negra”, mas que aqui pode simplesmente significar “Midianita”. Não sabemos se a expressão se refere a Zípora ou a outra mulher. Mais adiante, no capítulo 16, os agitadores são Corá, Datã e Abirã. O ponto climático desse processo negativo é a rebeldia de Moisés contra o próprio Deus junto às águas de Meribá (20.7ss.). Este ato passa ser um dos motivos por que Moisés não entra na Terra Prometida. É preciso lembrar que o pecado de Moisés foi além da simples desobediência à ordem divina de falar em vez de ferir a rocha. A ira e a autopromoção de Moisés equivalem a insubordinação, pois ele, assim como Arão, usurpam o lugar preeminente de Yahweh perante Israel (Nm 20.2-13). O castigo infligido a Moisés, a saber, a negação da entrada em Canaã, se justifica dada a natureza da responsabilidade associada a quem exerce a liderança no Antigo Testamento e o julgamento divino coerente de rebelião em outros trechos no livro de Números.
Deuteronômio
Nome
O nome “Deuteronômio”, ou “Segunda Lei”, é uma infelicidade baseada em má interpretação feita pelos tradutores da Septuaginta da expressão que ocorre em 17.18. Nesta passagem bíblica, no hebraico é ordenado ao rei que prepare “uma cópia desta lei”, mas os tradutores gregos equivocadamente verteram para “esta segunda lei” (deuteronomion touto). Há, sem dúvida, repetição de certas leis, mas a grande ênfase está na teologia da Torá, ou “Lei”, ou seja, as boas-novas do evangelho que motiva toda e qualquer inclinação do ser humano diante de Deus. Não é sem razão que Deuteronômio seja citado com tanta frequência no Novo Testamento.
Autoria
O próprio livro de Deuteronômio testifica que sua maior parte foi escrita por Moisés (1.5; 31.9, 22, 14) e outros livros concordam (1 Rs 2.3; 8.53; 2 Rs 14.6; 18.12), embora o preâmbulo (1.1-5) e o relato da morte de Moisés (cap. 34) possam ter sido escritos por alguém outro, mas não necessariamente. O próprio Jesus dá testemunho da autoria mosaica (Mt 19.7-8; Mc 10.3-5; Jn 5.46-47), e o mesmo fazem escritores do NT (At 3.22-23; 7.37-38; Rm 10.19). Ademais, Jesus cita Deuteronômio como autoritativo (Mt 4.4, 7, 10). No NT há quase 100 citações ou alusões a Deuteronômio. A tradição a uma voz atesta a autoria mosaica do livro (cf., p. ex., Mc 12.19).
Contexto histórico e geográfico
Deuteronômio localiza Moisés e o povo de Israel no território de Moabe, na região onde o rio Jordão desemboca no mar Morto (1.5). Como ato final neste importante momento de transferir a liderança a Josué, Moisés profere seus discursos de despedida para preparar o povo para sua entrada em Canaã. Tais discursos foram, na verdade, uma renovação da aliança. Neles Moisés enfatiza as orientações necessárias a um tempo como aquele e as apresenta de forma adequada àquela circunstância. Contrastando com o livro de Levítico e Números, o livro de Deuteronômio chega até nós de uma forma acolhedora, pessoal e sermônica.
Esboço e referências
Os capítulos 5 a 11 de Deuteronômio são, em vários aspectos, o centro do livro ao menos no que diz respeito à articulação teológica. Logo no vers. 3 ocorre uma aplicação homilética atualizada da aliança quando Deus diz: “Não foi com vossos pais [apenas] – mas convosco [também] que fez o Senhor aliança”. E a partir daí o cap. 5, com pequenas alterações, reitera o Decálogo estabelecido em Êxodo 20.
Estas palavras passam a ser o “credo” do judaísmo posterior e moderno. Elas destacam a unidade e a peculiaridade de Yahweh, o Deus de Israel, especificamente no relacionamento estabelecido entre Ele e Seu povo. O vers. 5 é o “primeiro e grande mandamento” citado por Jesus (Mt 22.37) juntamente com Levítico 19.18 como sumário de toda a Torá.
Eleição
A ênfase do capítulo 7 está em dois temas importantes do livro, a saber, a eleição de Israel e a necessidade do extermínio do paganismo cananeu. A pergunta é: Por que Deus escolhe Israel? A eleição de Israel tem um fundamento retroativo na história. Encontra-se no chamado de Abraão (Gn 12.1-3; 15.1-6), quando a promessa de Deus é dirigida à “descendência” de Abraão. Esta ideia é lançada na primeira linha do chamado de Deus a Moisés (Êx 3.6). Mais adiante, é lembrada na revelação da Lei no Sinai (Êx 20.2, 12) e no sistema sacrificial apresentado em Levítico (Lv 18.1-5, 24-30). Uma referência a esta promessa encontra-se no relato sobre o envio dos espias a Canaã (Nm 13.2) e no relatório da minoria proativa formada por Josué e Calebe (Nm 14.8). Eleição é a ideia que permeia Deuteronômio.
O verbo “escolher” (bachar) é o mais empregado para definir esta relação de Israel com Deus. Mas o conceito aparece mesmo quando esta palavra não ocorre explicitamente (cf. 4.32-35). A escolha foi feita, diz Deus, não por causa da superioridade numérica de Israel (7.7), mas “porque o Senhor vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais...” (7.8).
O conceito de eleição tem também outra face. Já na escolha de Abraão havia um propósito mais amplo e nobre. Deus lhe diz: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). O amor de Deus para com Israel não nasce de Sua indiferença para com outros povos; ao contrário, surge de Sua vontade de que Israel passe adiante a verdade divina. Se não houver cuidado em guardar a verdade que Yahweh revelou em palavra e atos, a verdade jamais chegará ao conhecimento do restante do mundo.
No chamado “Código deuteronômico” (capítulos 12 – 26), Moisés exemplifica o que seja viver uma vida fiel à aliança com Deus. É o que podemos chamar, como dissemos antes, de “Terceiro uso da Lei”. De uma forma geral, as orientações neste “código” se mostram de um caráter menos civil e mais religioso que nos “códigos” anteriores. Nas orientações anteriores havia maior ênfase no amor a Deus; nesta a ênfase maior está no amor ao semelhante como decorrência do amor divino.
Rei
Dois temas neste “código” são constantemente mencionados pelos críticos liberais como argumentos para uma autoria pós-mosaica. O primeiro trata da profecia em Deuteronômio13 e 18 e o segundo fala sobre o estabelecimento de um rei em Israel, no cap. 17.14-20. Esta é a única passagem que aborda o tema sobre reinado no Pentateuco. Moisés tinha plena consciência das atrações e dos perigos de um reinado. Talvez muito mais que Samuel tempos depois. No Egito ele havia, em primeira mão, experimentado os efeitos de um regime monárquico absoluto. E contatos havia tido com reis menos poderosos na Transjordânia como Seom, Ogue, Balaque. A história de Gideão, em Juízes 8. 22 ss., mostra quão cedo este problema aflorou e quão oportuna tinha sido a advertência. Deuteronômio deixa claro que os reis em Israel deveriam estar sujeitos à aliança – um fato constantemente lembrado pelos profetas mais tarde.
O segundo tema fala de profecia. O tema não é novo; tanto o texto bíblico como a arqueologia mostram que profecia, de alguma forma, era anterior a Moisés. A diferença entre verdadeira e falsa profecia o povo havia percebido na história de Balaão. Aqui, em Deuteronômio 18.16, a origem e a legitimidade da profecia bíblica estão atreladas à súplica dos israelitas no monte Sinai, quando, amedrontados, pedem que Moisés seja o intercessor entre eles e Deus. O vers. anterior assegura que Israel nunca precisará recorrer a “profetas” pagãos porque o Senhor continuamente suscitará mediadores da aliança depois de Moisés. Esta sucessão profética terá sua culminância naquele que é o Profeta e Mediador no sentido pleno (At 3.22-13; 7.37; cf. Jo. 5.46).

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