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2014 teses criminal

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SUMÁRIO 
 
1. Autor: Cristina Emy Yokaichiya e Juliana Garcia Belloque.................4 
Súmula: “No julgamento realizado no plenário do júri, há 
incompatibilidade entre o reconhecimento do homicídio 
privilegiado pelos jurados – quando a conduta se realizou sob o 
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta 
provocação da vítima (art. 121, §1º, última parte, CP) – e o 
quesito referente à qualificadora do emprego de recurso que 
dificultou a defesa da vítima, quando a imputação estiver 
apoiada na surpresa da agressão (art. 121, §2º, IV, do CP). 
Admitido o privilégio pelos jurados, o quesito da qualificadora 
deve ser declarado prejudicado, nos termos do artigo 490, 
parágrafo único, do CPP. A não observância a esta regra 
autoriza o Tribunal a afastar a qualificadora em sede recursal, 
independentemente de novo júri.” 
 
2. Autora: Cristina Emy Yokaichiya...............................................................11 
Súmula: “Quando o réu é absolvido no primeiro júri e 
condenado por homicídio qualificado no segundo júri, 
realizado por força do acolhimento de recurso do Ministério 
Público com base no art. 593, III, d, do Código de Processo 
Penal, deve ser assegurado o duplo grau de jurisdição com 
base na mesma alínea, em relação às qualificadoras do delito 
ou a outras circunstâncias que não tenham sido abordadas no 
primeiro recurso, afastando-se a previsão do art. 593, §3º, do 
Código de Processo Penal.” 
 
3. Autor: Joemar Rodrigo Freitas................................................................20 
Súmula: “A imputação do crime de furto qualificado, ou roubo 
majorado, em razão do concurso de duas ou mais pessoas, em 
concurso material com o crime de corrupção de menores 
acarreta bis in idem.” 
 
 
 
 
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4. Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva.........................25 
Súmula: “Inexistindo interrupção do serviço público, é 
possível a aplicação do princípio da insignificância na hipótese 
de furto de fios elétricos e de telecomunicações.” 
 
5. Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva.........................35 
Súmula: “Nos crimes envolvendo violência doméstica e 
familiar contra a mulher, nos termos da Lei 11.340/06, é 
cabível a substituição da pena privativa de liberdade por 
restritiva de direito de limitação de fim de semana, com 
fundamento no parágrafo único do artigo 152 da Lei de 
Execução Penal, que criou hipótese de exceção ao inciso I do 
artigo 44 do Código Penal, consistente em comparecimento 
obrigatório do condenado a programas de recuperação e 
reeducação.” 
 
6. Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva e Fernanda 
Costa Teixeira...........................................................................................50 
Súmula: “Instaurado incidente de insanidade mental no 
processo penal, o réu tem o direito de não comparecer ao 
exame, sendo inconstitucional a sua internação com 
fundamento no artigo 150 do Código de Processo Penal e 
ilegal por força da Lei 10.216/01, e, se comparecer, tem o 
direito de permanecer em silêncio, sem que este se interprete 
em seu desfavor, pelo corolário do nemu tenetur se detegere.” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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TESE 1 
 
Nome: Cristina Emy Yokaichiya e Juliana Garcia Belloque 
Área de Atividade: Criminal (Júri) 
REGIONAL: I JÚRI DA CAPITAL 
Endereço: Av. Dr. Abraão Ribeiro, 313, 2º andar, sala 2-065 
Bairro: Barra Funda 
CEP: 01133-020 Cidade: São Paulo – SP 
Telefone: 11 - 3392-6952 
E- mail: cemy@defensoria.sp.gov.br; jbelloque@defensoria.sp.gov.br 
 
 
SÚMULA 
 
No julgamento realizado no plenário do júri, há incompatibilidade entre o 
reconhecimento do homicídio privilegiado pelos jurados – quando a conduta se 
realizou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da 
vítima (art. 121, §1º, última parte, CP) – e o quesito referente à qualificadora do 
emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, quando a imputação estiver 
apoiada na surpresa da agressão (art. 121, §2º, IV, do CP). Admitido o privilégio 
pelos jurados, o quesito da qualificadora deve ser declarado prejudicado, nos 
termos do artigo 490, parágrafo único, do CPP. A não observância a esta regra 
autoriza o Tribunal a afastar a qualificadora em sede recursal, independentemente 
de novo júri. 
 
ASSUNTO 
 
INCOMPATIBILIDADE ENTRE AS CIRCUNSTÂNCIAS. QUESITO 
SOBRE A QUALIFICADORA DA SURPRESA PREJUDICADO EM FACE DO 
RECONHECIMENTO DE HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. DEFEITO NA 
VOTAÇÃO. REFORMA DA DECISÃO INDEPENDENTEMENTE DE NOVO 
JÚRI. 
 
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ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA 
DEFENSORIA PÚBLICA 
Constitui atribuição institucional da Defensoria Pública zelar pela plenitude de 
defesa e evitar a continuidade de votação no Tribunal do Júri quando há 
incompatibilidade entre os quesitos apresentados na sala secreta. 
Art. 5º, III e IX, da Lei Complementar 988/06 e art. 4º, I e V da Lei 
Complementar 80/94, 
Art. 5º São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre 
outras: 
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses 
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos 
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais 
Superiores; 
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o 
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: 
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos 
os graus; 
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o 
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos 
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, 
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de 
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses; 
 
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 
 
A causa de diminuição de pena na hipótese de homicídio privilegiado, 
decorrente de conduta realizada sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida 
à injusta provocação da vítima, possui, diferentemente das circunstâncias de 
relevante valor social e moral, natureza dúplice: objetiva-subjetiva. 
O referido privilégio possui três elementos típicos: “o domínio de violenta 
emoção”, de natureza subjetiva, pois demonstra o estado psíquico do agente, “logo 
em seguida” e “a injusta provocação da vítima”, aspectos estes objetivos, pois 
referem-se à questão temporal da ação e a existência de uma situação fática 
anterior (ação da vítima). 
 
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Os dois elementos objetivos da figura do homicídio privilegiado por 
domínio de violenta emoção logo em seguida de injusta provocação afastam a 
imputação de ataque de inopino, capaz de gerar o emprego de recurso que 
dificulta a defesa da vítima, qualificadora objetiva (art. 121, §2º, IV, do CP). Por 
uma questão lógica, se houve injusta provocação imediatamente anterior à reação do 
agente, não é possível que tenha ocorrido surpresa por parte da vítima e que ela não 
esperasse o contra-ataque a sua afronta. 
Não se trata, portanto, de circunstâncias compatíveis: uma de natureza 
subjetiva e outra objetiva. Assim, o Conselho de Sentença não pode ser submetido ao 
julgamento de ambos os quesitos mencionados, diante da impossibilidade de 
concomitância da qualificadora de surpresa com o homicídio privilegiado. 
Nesse sentido, uma vez reconhecido pelo Conselho de jurados que osagentes 
estiveram em um contexto de injusta provocação da vítima que culminou no delito, 
não há que se falar que a vítima foi surpreendida. 
Nos termos do artigo 490, parágrafo único, do Código de processo Penal, o 
Magistrado-presidente, ao ver reconhecida a causa de diminuição da pena pelos 
jurados, não deve proceder à votação da qualificadora no inciso IV, do art. 121 
quando se tratar de ataque inopinado, pois incompatíveis com a figura do 
homicídio privilegiado em questão (art. 564, parágrafo único, do Código de 
Processo Penal). 
Assim já se manifestou magistrada presidente do 1º Tribunal do Júri da 
Capital: 
“Ora, no caso, o recurso que dificultou a defesa das vítimas está descrito 
como sendo derivado da surpresa – circunstância que inviabilizaria a reação 
dos ofendidos. De outro lado, a injusta provocação estaria associada à 
discussão, às ameaças feitas ao réu e às agressões, momentos antes dos 
crimes. Assim, inviável tomar uma ação como surpreendente, quando já existe 
prévia desavença entre as partes, razão pela qual mantenho minha decisão de 
não quesitar a circunstância qualificadora, caso reconhecido o privilégio” 
(Processo n. 0000239-09.2004.8.26.0052, do 1º Tribunal do Júri da 
Capital/SP) 
Explica com muita clareza esta incompatibilidade os acórdãos abaixo: 
“Como se vê nitidamente, as respostas dos jurados são totalmente 
incompatíveis, tanto sob o aspecto jurídico como sob o enfoque realista, pois, 
se o recorrente agiu sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a 
injusta provocação da vítima, é inadmissível também que tenha agido de 
 
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surpresa, ou seja, de inopino, de forma a impossibilitar a defesa da vítima, 
que o provocara, conforme afirmado anteriormente. Aliás, assim já decidiu 
este Egrégio Tribunal de Justiça, quando decidiu, em caso análogo, que „quem 
mata sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação 
da vítima, não pode fazê-lo insidiosamente ou de surpresa, ou de modo a 
impossibilitar a defesa da ofendida‟ (TJSP - Ap. Rei. Dirceu de Mello - 
RJTJSP 73/341). 
Decididamente, quem age sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida 
a injusta provocação da vítima, logicamente não emprega surpresa ao revidar 
contra o autor da injusta provocação. Daí a incompatibilidade da 
qualificadora com o homicídio privilegiado" (TJSP - Ap. Rel. Marino Falcão - 
RT 596/315).” (Ap. 993.07.127139-0, TJSP, Rel. José Henrique Rodrigues 
Torres, jul. 10/11/08). 
“Somente em poucos e excepcionais casos tem a doutrina e jurisprudência 
admitido a ocorrência do homicídio privilegiado-qualificado, mais 
especialmente nas hipóteses de privilégio decorrente de relevante valor social 
e moral. O privilégio reconhecido em termos de ação sob o domínio de 
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, é 
obviamente incompatível, por incongruência, com a qualificadora que 
objetivaria essa mesma ação como insidiosa, à traição, de emboscada, ou 
mediante dissimulação (Ap. 683024921, 3ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. 
Milton dos Santos Martins, j. 29/09/1983). 
Não bastassem estas incompatibilidades, também o elemento típico subjetivo 
do homicídio privilegiado analisado afasta por completo a qualificadora do uso de 
recurso que dificultou a defesa do ofendido. 
Seria incompatível afirmar que o acusado, tendo agido sob o domínio de 
violenta emoção, teria conseguido pensar em qual meio, dentre aqueles 
disponíveis, se utilizaria para especialmente dificultar a defesa da vítima. 
A configuração do tipo qualificado de homicídio exige o dolo, elemento 
subjetivo do injusto, de forma que o acusado deveria ter optado, conscientemente, 
pelo emprego de recurso que dificultasse a defesa do ofendido, o que não lhe era 
possível já que totalmente envolvido por violento estado emocional. 
Assim também já decidiu o E. Tribunal de Justiça paulista: 
“Inexpugnável é a contradição entre o homicídio privilegiado e a 
qualificadora do uso de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa 
do ofendido. Isto porque, naquele, a execução é subitânea, imprevista, 
tempestuosa, circunstâncias que não compadecem com os temperamentos 
 
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racionais que ditam o modo ou meio da execução, sempre precedidos de 
processo mental ordenado” (TJSP – Rel. Dirceu de Mello – RT 576/340). 
 
Conforme CLAUS ROXIN, “(...) o dolo típico deve abarcar todas as 
circunstâncias que constituem o tipo também como categoria sistemática; ou seja, 
a ação e suas modalidades, o resultado, as qualidades do autor e os pressupostos 
materiais relevantes para a imputação (...) O dolo se dirigirá em geral a 
circunstâncias do tipo descritivo ou normativo existentes ou por produzir-se (...) 
Pode-se dizer resumidamente que objeto do dolo típico são todas as 
circunstâncias do tipo objetivo a partir das quais se constrói a figura do delito”. 
(Derecho Penal – Parte General - tomo I, tradução da 2ª ed. alemã, Madrid, Civitas, 
1997, p. 477 (tradução livre)). 
Por outro lado, sob a ótica do ofendido, explicita CEZAR ROBERTO 
BITENCOURT que “a surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto e 
imprevisível, além do procedimento inesperado, é necessário que a vítima não tenha 
razão para esperar a agressão ou suspeitar dela”. Acrescenta, ainda: “A surpresa 
assemelha-se muito à traição. Não basta que a agressão seja inesperada; é necessário 
que o agressor atue com dissimulação, procurando, com sua ação repentina, 
dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima” (Tratado de Direito Penal. 9ª ed. p. 
63). 
Destarte, tanto do ponto de vista da vítima, que – por ter provocado o acusado 
em momento imediatamente anterior à sua reação – tem razões próximas para 
aguardar a reação; quanto do ponto de vista do acusado, que – por se encontrar sob o 
domínio de violenta emoção em decorrência das provocações recebidas – não é 
capaz de eleger o meio específico de execução do delito de forma dissimuladamente 
surpreendente, não há como compatibilizar o privilégio reconhecido pelos jurados 
com a qualificadora da ação de surpresa. 
Como, na ordem da quesitação, a causa de diminuição de pena é sujeita 
anteriormente à votação, os jurados não devem ser submetidos à votação da 
qualificadora se o privilégio já tiver sido reconhecido. Caso assim não proceda o 
Juiz-presidente, se o tema for debatido em sede de apelação, entende-se que não 
se trata de hipótese de realização de novo julgamento. O equívoco não partiu do 
veredicto popular, mas sim da equivocada condução da votação pelo 
Magistrado, que deixou de declarar como prejudicado o quesito da 
 
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qualificadora, incompatível com a parte anterior do veredito popular. Nesse 
caso, o Tribunal, reconhecendo que foi indevida a continuidade da votação, deve 
declarar inválida a votação da qualificadora, independentemente de novo júri, 
tornando-a sem efeito, com a consequente readequação da pena. 
A lei disciplina a ordem de votação das teses aduzidas em plenário, fazendo a 
clara opção por conceder o benefício à defesa de votação, em primeiro lugar, das 
teses defensivas, sendo que incumbe ao r. Juiz Presidente vislumbrar as eventuais 
incompatibilidades entre as alegações das partes com o fim de evitar julgamentos 
com conteúdo contraditório. Esse direito de preferência concedido pelo legislador à 
defesa merece imperiosa observância, daí a conclusão a que se chega no sentido de 
que deve o Tribunal simplesmente corrigir um equívoco do juiz togado, e não do 
conselho de sentença, não sendo o caso de realização de um segundo julgamento. 
 
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA 
 
A jurisprudência majoritária versa sobre a compatibilidade do privilégio pela 
violenta emoção com a qualificadora do homicídiopela surpresa, por compreender 
que se trata de circunstâncias subjetiva e objetiva, respectivamente. 
A análise jurídica demonstra que o homicídio privilegiado contém caráter 
subjetivo-objetivo e, por uma questão lógica, não pode conviver com a qualificadora 
de recurso que dificultou a defesa da vítima proveniente do ataque inopinado. 
Como, em regra, o posicionamento dos tribunais é negativo, faz-se necessário 
trabalhar a questão em primeira instância, no momento da votação, fazendo constar 
na ata de julgamento, bem como trazer ao debate jurisprudencial toda a abrangência 
dos institutos, jogando luz sobre aspectos, contidos nessa tese, que não vem sido 
enfrentados pelos Tribunais, os quais julgam de maneira rasa a questão. 
 
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO 
 
A princípio, o ideal seria tratar dessa matéria em primeira instância para que o 
juiz presidente não submeta os jurados à votação do quesito referente ao recurso que 
dificultou a defesa quando reconhecido o homicídio privilegiado. Se esse não for o 
entendimento, importante faz constar o pleito na ata de julgamento para se evitar 
alegação de preclusão da matéria. 
 
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Quando a matéria for tratada em sede recursal, deve-se argumentar a questão 
como preliminar nas razões, requerendo o afastamento da qualificadora independente 
da realização de novo júri. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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TESE 2 
 
Nome: Cristina Emy Yokaichiya 
Área de Atividade: Criminal (Júri) 
REGIONAL: I JÚRI DA CAPITAL 
Endereço: Av. Dr. Abraão Ribeiro, 313, 2º andar, sala 2-065 
Bairro: Barra Funda 
CEP: 01133-020 Cidade: São Paulo – SP 
Telefone: 11 - 3392-6952 
 
 
 
SÚMULA 
 
Quando o réu é absolvido no primeiro júri e condenado por homicídio qualificado no 
segundo júri, realizado por força do acolhimento de recurso do Ministério Público com 
base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, deve ser assegurado o duplo grau de 
jurisdição com base na mesma alínea, em relação às qualificadoras do delito ou a outras 
circunstâncias que não tenham sido abordadas no primeiro recurso, afastando-se a 
previsão do art. 593, §3º, do Código de Processo Penal. 
 
ASSUNTO 
 
GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO PARA ANÁLISE 
DAS QUALIFICADORAS DO HOMICÍDIO OU OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE 
NÃO TENHAM SIDO ABORDADAS NO PRIMEIRO RECURSO. SEGUNDO 
RECURSO COM BASE NO ART. 593, III, D, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 
NÃO APLICAÇÃO DO ART. 593, §3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA DEFENSORIA 
PÚBLICA 
Constitui atribuição institucional da Defensoria Pública zelar pela garantia do duplo 
grau de jurisdição e pela aplicação dos tratados internacionais de Direitos Humanos. 
Prescreve o art. 5º, III e IX, da Lei Complementar 988/06 e art. 4º, I e V da Lei 
Complementar 80/94: 
 
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Art. 5º São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras: 
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses individuais ou 
coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos jurisdicionais do Estado e em 
todas as instâncias, inclusive os Tribunais Superiores; 
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o 
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: 
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; 
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o 
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e 
judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou 
extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e 
efetiva defesa de seus interesses; 
 
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 
 
O art. 593, §3º, do Código de Processo Penal, última parte, prevê a impossibilidade de 
novo recurso de apelação baseado em julgamento manifestamente contrário à prova dos 
autos. 
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) 
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: 
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; 
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; 
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de 
segurança; 
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. 
(...) 
§3º Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se 
convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, 
dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, 
pelo mesmo motivo, segunda apelação. 
 
Ocorre que, quando o acusado é absolvido no primeiro julgamento perante o Tribunal 
do Júri, os jurados limitam-se a analisar a autoria e a materialidade delitiva, bem como 
outras teses defensivas de absolvição. Assim, os demais quesitos relacionados às 
qualificadoras do homicídio, ou outras circunstâncias, tais como privilégio, 
inimputabilidade relativa ou desclassificação, restam prejudicados. 
 
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As razões de recurso de acusação contra decisões de absolvição do Tribunal do Júri, 
igualmente, limitam-se a contestar a materialidade, a autoria e as teses defensivas de 
absolvição, não podendo por certo abordar as qualificadoras e outras circunstâncias acima 
mencionadas, uma vez que não foram julgadas pelo Conselho de Sentença. 
Assim, a decisão do Tribunal do Justiça a respeito da apelação não verifica, por 
exemplo, se as qualificadoras são ou não manifestamente contrárias à prova dos autos; 
versa, tão-somente, sobre os primeiros quesitos votados, determinando, caso dê razão ao 
recurso de acusação, a realização de novo júri. 
No novo julgamento, se o réu for condenado com todas as qualificadoras, deve haver 
a possibilidade de duplo grau de jurisdição acerca das qualificadoras, casos a decisão a 
respeito delas seja manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, do CPP). 
Não é aplicável a previsão legal do art. 593, §3º, do CPP nesta situação. Primeiro, porque 
significaria supressão do duplo grau de jurisdição e, depois, porque contrariaria a 
interpretação constitucional da expressão “pelo mesmo motivo” presente em tal dispositivo 
legal. 
Para a garantia do duplo grau de jurisdição, a defesa deve poder apelar em relação às 
qualificadoras do crime de homicídio ou outras circunstâncias que não tenham sido 
abordadas no primeiro recurso, se manifestamente contrárias às provas dos autos. 
Há de se ressaltar que a segunda apelação pela defesa não pode versar sobre o mesmo 
motivo da apelação anterior, visto que a primeira apelação – quando focaliza a absolvição – 
em momento algum discute elementos como as qualificadoras do homicídio. Ou seja, a 
análise sobre todos os elementos não decididos no Conselho de Sentença responsável pela 
primeira absolvição nunca foi submetida ao duplo grau de jurisdição. 
A interpretação constitucional da expressão “pelo mesmo motivo” presente no art. 
593, III, d, do Código de Processo Penal exige que ela se refira aos motivos da apelação. 
Fosse a expressão cingida à contrariedade manifesta à prova dos autos, estaria admitida a 
imposição de pena sem possibilidade de revisão jurisdicional, em contrariedade manifesta à 
Constituição Federal, que reconhece “a instituição do júri, com a organização que lhe der a 
lei”, assegurada ”a plenitude de defesa”, nos termosdo art. 5o, XXXVIII, a. 
Aury Lopes Jr., ao tratar da apelação no tribunal do júri e da limitação ao segundo 
recurso, expõe: “se o réu é absolvido, o Ministério Pública apela, com base na letra “d”, e o 
tribunal acolhe o pedido. Pode a defesa apelar, com base na alínea “d”, argumentando que 
essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e que não incide o 
 
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impedimento contido no §3º, pois é a primeira vez que o réu recorre com este fundamento? 
Não. O dispositivo impede uma segunda apelação com base nesse fundamento 
independente de quem tenha recorrido. Ademais, existe um obstáculo lógico: como, 
julgando um mesmo caso penal, ambas as decisões (absolutória e condenatória) podem ser 
manifestamente contrárias à prova dos autos? Ou ainda: que prova é essa que não autoriza 
absolver ou condenar? Como uma mesma prova pode ser completamente incompatível com 
a absolvição e a condenação ao mesmo tempo? A questão aqui é de lógica probatória” 
(LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, p. 1235). 
Para que fique claro, o raciocínio acima exposto não pode ser aplicado ao caso do 
segundo recurso fundamentado no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, quando o 
primeiro recurso voltou-se contra uma decisão absolutória, visto que este segundo recurso 
não pleiteia, nem discute no sentido estrito, a absolvição do acusado – questão decidida e 
re-decidida pelos jurados soberanos, imutável nos termos do §3º, do art. 593, do CPP. A 
apelação da decisão de um segundo Conselho de Sentença instaurado por força de decisão 
judicial que acolheu recurso de acusação contra decisão absolutória RESTRINGE-SE à 
apreciação das qualificadoras ou outras circunstâncias que não tenham sido abordadas no 
primeiro recurso, eis que manifestamente contrária à prova dos autos. Ou seja, o recurso de 
apelação fundado no art. 593, III, d, do CPP pode ser utilizado uma única vez em relação a 
essa temática. 
O não conhecimento da apelação em relação a este tópico representaria violação ao 
duplo grau de jurisdição, afrontando diretamente a Convenção Americana de Direitos 
Humanos, ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. 
O art. 8º da mencionada CADH, internalizada no ordenamento com status de norma 
materialmente constitucional, ao dispor sobre as garantias judiciais, estabelece o duplo grau 
de jurisdição aos condenados na esfera penal. 
8.2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, 
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa 
tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: 
(...) 
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 
 
Se antes esta garantia estava implícita, diante da organização judiciária prevista na 
Constituição Federal, agora ela aparece de forma categórica com a CADH. 
Em recente julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconheceu-se 
 
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o direito ao duplo grau de jurisdição como a possibilidade de a pessoa acusada ter acesso a 
um recurso eficiente e amplo (que permita revisar fatos, provas e o direito aplicado), a ser 
analisado por outra instância, superior e diferente, daquela responsável pela decisão 
condenatória proferida pela primeira vez. 
“92. Tendo em conta que as garantias judiciais buscam que quem esteja incurso em 
um processo não seja submetido a decisões arbitrárias, a Corte interpreta que o 
direito de recorrer da condenação não pode ser efetivo se não se garante a respeito de 
todo aquele que é condenado, já que a condenação é a manifestação do exercício do 
poder punitivo do Estado. Resulta contrário ao propósito desse direito específico que 
não seja garantido frente a quem é condenado mediante uma sentença que revoga 
uma decisão absolutória. Interpretar o contrário, implicaria deixar o condenado 
desprovido de um recurso contra a condenação. Se trata de uma garantia do indivíduo 
frente ao Estado e não somente uma guia que orienta o desenho dos sistemas de 
impugnação nos ordenamentos jurídicos do Estados Parte da Convenção. 
(...) 
100. Deve entender-se que, independentemente do regime ou sistema recursivo que 
adotem os Estados Partes e a denominação que deem ao meio de impugnação da 
sentença condenatória, para que este seja eficaz deve constituir um meio adequado 
para procurar a correção de uma condenação errônea. Ele requer que possa analisar 
questões fáticas, probatórias e jurídicas em que se baseia a sentença impugnada, 
posto que na atividade jurisdicional existe uma interdependência entre as 
determinações fáticas e a aplicação do direito, de forma tal que uma errônea 
determinação dos fatos implica uma errada ou indevida aplicação do direito. 
Consequentemente, as hipóteses de cabimento do recurso devem possibilitar um 
controle amplo dos aspectos impugnados da sentença condenatória.” 
 
Assim, justamente para que se reconheça a soberania dos veredictos, disposta no art. 
5º, XXXVIII, da CF, certo é que o sistema de justiça precisa assegurar a ”plenitude de 
defesa”, não tolerando ilegalidades e injustiças. Por este motivo, admite-se, inclusive, a 
utilização da revisão criminal para os casos de decisão condenatória oriunda do Tribunal do 
Júri. 
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. 
TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. 
POSSIBILIDADE. DIREITO DE LIBERDADE. PREVALÊNCIA SOBRE AS 
SOBERANIA DOS VEREDICTOS E COISA JULGADA. RECURSO MINISTERIAL A 
QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É possível, em sede de revisão criminal, a 
absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri. 
2. Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição, as normas 
 
16 
constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada, mas como preceitos 
integrados num sistema unitário, de modo a garantir a convivência de valores 
colidentes, não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente. 3. 
Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de 
liberdade, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este, 
considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro 
judiciário. 4. Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos 
veredictos por uma ação revisional que existe, exclusivamente, para flexibilizar uma 
outra garantia de mesma solidez, qual seja, a segurança jurídica da Coisa Julgada. 5. 
Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal, observa-se que entre as 
prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a 
possibilidade de absolvição do réu, enquanto a determinação de novo julgamento 
seria consectário lógico da anulação do processo. 6. Recurso a que se nega 
provimento. (STJ. Recurso Especial nº 964.978 - SP (2007/0149368-9) Rel. Ministra 
Laurita Vaz). 
 
Essa jurisprudência converge com a tese ora defendida, de que sempre deve ser 
acolhida a a apelação por motivo diverso, quando tal matéria não foi apreciada em segundo 
grau de jurisdição. Não faria sentido admitir revisão criminal para as decisões 
condenatórias transitadas em julgado provenientes do Tribunal do Júri e não considerar, por 
força da soberania dos veredictos, a apreciação em sede de apelação de elementos jamais 
abordados em segunda instância. 
Ademais, a soberania dos veredictos não pode suprimir outros direitos fundamentais, 
como, no caso em tela, a reanálise por tribunal superior e o direito à liberdade, quando há 
condenação injusta. 
É dominante o entendimento quanto à possibilidade de revisão das decisões do Júri, 
quando o réu condenadodefinitivamente pode ser até absolvido diretamente pelo Tribunal 
competente, como entendem os processualistas Frederico Marques, Tourinho Filho, 
Grinover, Gomes Filho, Fernandes, Mirabete, Greco Filho, Rangel, Capez, Ceroni, Távora 
e Alencar (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 31 ed. São 
Paulo: Saraiva. 2009. p. 771. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10 ed. São 
Paulo: Atlas, 2000. p. 676. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio 
Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. 3 ed. São 
Paulo: RT, 2001. p. 316. RANGEL, Paulo. Curso de direito processual penal. 14 ed. Rio de 
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 854. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4 
ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 457. CERONI, Carlos Roberto Barros. Revisão criminal. 
 
17 
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 196. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 
11 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 596. TÁVORA, Nestor; ALENCAR; Rosmar 
Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 920). 
Tem-se entendido que a soberania dos veredictos é apenas inflexível para garantir a 
liberdade do réu. Assim, pela manutenção do jus libertatis, Frederico Marques é 
decisivo: 
A soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a 
liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, 
atentado algum se comete contra o texto constitucional. Os veredictos do Júri são 
soberanos enquanto garantirem o jus libertatis. Absurdo seria, por isso, manter essa 
soberania e intangibilidade quando se demonstra que o Júri condenou erradamente. 
(MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1997. 
p. 102). 
Esta noção de garantia individual, também é a lição esposada por Júlio Fabbrini 
Mirabete: 
Não se pode pôr em dúvida que é admissível a revisão de sentença condenatória 
irrecorrível proferida pelo Tribunal do Júri. A alegação de que o deferimento do 
pedido revisional feriria a "soberania dos vereditos", consagrada na Constituição 
Federal, não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos vereditos é 
instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser 
atingida enquanto preceito para garantir a sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser 
invocada contra ele. Assim, se o tribunal popular falha contra o acusado, nada 
impede que este possa recorrer ao pedido revisional, também instituído em seu favor, 
para suprir as deficiências daquele julgamento. Aliás, também vale recordar que a 
Carta Magna consagra o princípio constitucional da amplitude de defesa, com os 
recursos a ela inerentes (art. 5°, LV), e que entre estes está a revisão criminal, o que 
vem em amparo dessa pretensão. Cumpre observar que, havendo anulação do 
processo, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 
(MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 676.) 
A Ministra Ellen Gracie ratificou o entendimento mantido pelo STF: 
[...] A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível violação à 
garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento do recurso de 
apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b, do Código de Processo Penal. 2. 
A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao 
controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de 
Processo Penal. [...] 4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma 
constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no 
julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de 
que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos 
 
18 
Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 
82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 5. O sistema recursal relativo às 
decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma 
constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. 
Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, 
entre outros). [...] (RHC 93248, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, 
julgado em 05/08/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT 
VOL-02329-03 PP-00486). 
 
Assim, a previsão do art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, analisada à luz da 
presunção de inocência, admite a reanálise da decisão do Conselho de Sentença pelo 
Tribunal quando esta não encontra amparo na prova objetivamente produzida nos autos, 
ainda que já tenha havido acolhimento de apelação contra decisão absolutória 
fundamentada no mesmo dispositivo. Trata-se de exceção ao dogma da soberania das 
decisões do júri, quando há inadequação da decisão em relação ao contexto probatório. 
A garantia de duplo grau de jurisdição, portanto, deve ser assegurada no caso em que 
o acusado é condenado após recurso do Ministério Público, a fim de analisar matéria que 
não foi anteriormente ventilada em sede recursal. 
 
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA 
 
Conforme previsão legal do art. 593, §3º, do Código de Processo Penal, não é 
possível nova apelação com base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal (que 
permite apelação de decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos), “pelo 
mesmo motivo”. 
A interpretação de alguns operadores do direito é que o referido dispositivo impediria 
quaisquer novas apelações fundamentadas no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal. 
Contudo, o duplo grau de jurisdição deve ser assegurado quando há condenação após 
apelação do Ministério Público, caso as qualificadoras do homicídio ou outras 
circunstâncias que não tenham sido abordadas no primeiro recurso nunca tenham sido 
apreciadas pelo Tribunal de Justiça. 
 
 
 
 
 
19 
 
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO 
 
A matéria deve ser tratada como preliminar no recurso de apelação, de forma a 
garantir o necessário prequestionamento com relação ao primado do duplo grau de 
jurisdição assegurado em tratado internacional de Direitos Humanos. Caso haja recusa no 
recebimento do recurso, tal tese deve ser argumentada em carta testemunhável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 
TESE 3 
 
Nome: Joemar Rodrigo Freitas 
Área de Atividade: Criminal 
REGIONAL: São Carlos 
Endereço: Rua Bento Carlos, 1028 
Bairro: Centro 
CEP: 13560-660 Cidade: São Carlos – SP 
Telefone: 16 3368-8181 
 
 
 
SÚMULA 
 A imputação do crime de furto qualificado, ou roubo majorado, em razão do 
concurso de duas ou mais pessoas, em concurso material com o crime de corrupção 
de menores acarreta bis in idem. 
 
ASSUNTO 
Criminal 
 
INDICAÇÃO DO ITEM ESPECÍFICO RELACIONADO ÀS ATRIBUIÇÕES 
INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA: 
 
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar Estadual 988/2006 
 
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 
 
A despeito do princípio do non bis in idem no direito penal, por muitas vezes 
encontram-se denuncias nas quais se imputam ao acusado os delitos previstos ou no 
artigo 155, §4º, IV, ou no artigo 157,§2º, todos do Código Penal, em concurso 
material com o delito previsto no artigo 244-B da lei 8069/90. 
No entanto, para estes casos impõe-se a aplicação do princípio da consunção, 
haja vista o conflito aparente entre as normas do artigo 155, §4º, IV /157, §2º, II do 
Código Penal e do artigo 244 da lei 8069/90, senão vejamos.21 
Para maior elucidação da tese, segue texto das normas lado a lado: 
 
Art. 157 - Subtrair 
coisa móvel alheia, para si ou 
para outrem, mediante grave 
ameaça ou violência a 
pessoa, ou depois de havê-la, 
por qualquer meio, reduzido 
à impossibilidade de 
resistência: 
Pena - reclusão, de 
quatro a dez anos, e multa. 
[...] 
§ 2º - A pena aumenta-
se de um terço até metade: 
[...] 
II - se há o concurso 
de duas ou mais pessoas; 
 
Art. 155 - 
Subtrair, para si ou 
para outrem, coisa 
alheia móvel: 
[...] 
Furto qualificado 
§ 4º - A pena é 
de reclusão de dois a 
oito anos, e multa, se o 
crime é cometido: 
[...] 
IV - mediante 
concurso de duas ou 
mais pessoas. 
 
Art. 244-
B. Corromper ou facilitar a 
corrupção de menor de 18 
(dezoito) anos, com ele 
praticando infração penal 
ou induzindo-o a praticá-
la: 
Pena - reclusão, de 1 
(um) a 4 (quatro) anos. 
 
Nota-se que o tipo penal previsto no artigo 244-B, da lei 8069/90 possui dois 
verbos nucleares (corromper e facilitar), seguido de duas frases subordinadas 
explicativas. 
Ou seja, o dispositivo legal elenca dois modos de execução para a consecução 
do verbo nuclear, e, por conseguinte, consumação do delito. 
Na primeira frase subordinada explicativa, o sujeito ativo pratica com criança 
ou adolescente infração penal, corrompendo-o por este fato. Na segunda, o sujeito 
não pratica infração penal com criança ou adolescente, mas o induz a praticá-la, 
corrompendo-o do mesmo modo. 
Trata-se de crime formal, consumando-se independentemente da efetiva 
corrupção da criança ou adolescente, conforme entendimento preconizado pela 
súmula 500 do STJ. 
 
22 
Sendo assim, basta que o sujeito ativo pratique delito com menor de dezoito 
anos para que reste configurado o tipo penal do 244-B do Estatuto da Criança e 
Adolescente. 
No entanto, no caso em tela, também há a incidência da qualificadora do artigo 
155, §4º, IV, ou da majorante do artigo 157,§2º, II, todos do CP, pelo fato do sujeito 
ativo simplesmente ter praticado o delito com adolescentes. 
Evidente o conflito aparente entre duas normas. 
A um, porque a prática do crime de furto (ou roubo) está contida na expressão, 
“com ele praticando infração penal”, inserida no artigo 244-B da lei 8069/90. A dois, 
pois crianças e adolescentes são pessoas, e sendo assim, estão compreendidas pela 
expressão “com duas ou mais pessoas”, inserida tanto no artigo155, §4º, IV como no 
artigo 157, §2º, II do CP. 
De fato, o critério da especialidade não é suficiente para solucionar a presente 
antinomia, pois ambos os delitos contêm critérios especializantes, seja em relação ao 
sujeito (244-B, ECA), seja quanto à infração penal praticada (155/157, CP). 
Em suma, o artigo 244-B é norma especial se considerarmos o sujeito que 
concorre para o crime (critério subjetivo). E os artigos 155/157 são especiais se 
considerarmos a infração penal praticada (critério objetivo). 
Por outro lado, aplicar à hipótese a regra do concurso material, haverá 
incidência de duas normas diferentes pelo mesmo fato, e, por conseguinte, violação 
ao non bis in idem. 
Na presente hipótese, a violação da norma subseqüente se revela 
desdobramento normal da violação da norma antecedente, sendo, portanto, esta 
derrogada por aquela. 
No caso em tela, a norma que tipifica o delito de furto qualificado/ roubo 
majorado pelo concurso de pessoas deve derrogar a norma que prevê o delito de 
corrupção de menores. Porquanto, este se revela ante factum impunível, devendo, por 
conseguinte, aplicar-se o princípio da consunção, que segundo Oscar Stenvenson
1
: 
 “pelo princípio da consunção ou absorção, a norma definidora de um crime, 
cuja execução atravessa fases em si representativas do delito previsto em 
outra, exclui, por absorção a aplicabilidade desta, bem como de outras que 
incriminem fatos anteriores posteriores do agente, efetuados pelo mesmo fim 
prático.” 
 
1
 STEVENSON, Oscar. Conflito Aparente de Normas, in: Estudos em homenagem a Nelson Hungria 
Rio de Janeiro: Forense. 1962 p. 40 
 
23 
E acrescenta Juarez Cirino: 
O tipo consumido não está em relação de necessidade lógica (como na 
especialidade ou subsidiariedade), mas em relação de regularidade 
fenomenológica com o tipo consumidor (Lex consumens derogat legi 
consumptae).2 
 “Noutras palavras, a sanção cominada pela norma consuntiva serve também 
para a violação da norma consumida, evitando, destarte, o bis in idem”3. 
Há de salientar que, segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros
4
, o princípio 
da consunção não se prende exclusivamente ao critério do bem jurídico protegido ou 
à unicidade de vítima, mas também ao fim perseguido. 
“Toda vez que a violação de uma norma tem por escopo normal e subseqüente 
violação de outra, não se pode deixar de absorver o fato anterior
5”. 
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar a súmula 17. 
Nesta não exige das normas, aparentemente em conflito, identidade de bens jurídicos 
protegidos. 
Igualmente, não exige identidade de bem jurídico no exemplo comum de que o 
homicídio absorve o delito de porte de arma. 
Conclui-se, portanto, que a diversidade de bens jurídicos protegidos pelas 
normas, em aparente conflito, não é obstáculo para a aplicação do princípio da 
consunção. 
Sendo assim, observa-se que a violação da norma subseqüente é 
desdobramento normal da violação da norma antecedente, devendo, portanto, ser 
aplicada apenas aquela. 
Ante o exposto, deve o acusado ser absolvido pela prática do crime de 
corrupção de menores, uma vez que a sanção cominada pela norma tanto no artigo 
155, §4º, IV, CP, como no artigo 157,§2º, II, CP servem também para a violação da 
norma do artigo 244-B da lei 8.069/90, evitando, destarte, o bis in idem. 
 
 
 
 
 
2
 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6ªed., Curitiba, PR: ICPC. 2014 p.418 
3
 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral v. 1. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: 
Saraiva. 2006. p. 216 
4
 Ibid. 
5
 Ibid. p. 218 
 
24 
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA 
 
Com o advento da lei 12.015 de 2009 que introduziu o artigo 244-B da lei 
8069/90, e com a edição da súmula 500 pelo Superior Tribunal de Justiça, que 
considera crime formal o delito de corrupção de menores, tornou-se comum 
encontrar sentenças, condenando o réu pelos crimes previstos, ou no artigo 155, §4º, 
IV, ou artigo 157,§2º, II, todos do CP, em concurso material com o crime previsto no 
artigo 244-B da lei 8069/90, em que pese à vedação do bis in idem. 
Dessa forma, levando-se em consideração o princípio da consunção, impõe-se 
a absolvição do acusado pela prática do crime de corrupção de menores, uma vez que 
a sanção cominada pela norma do artigo 155, §4º, IV, ou pela norma contida no 
artigo 157,§2º, II, todos do Código Penal, também servem para a violação da norma 
artigo 244-B da lei 8.069/90, evitando, destarte, o bis in idem. 
 
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO: 
 
Utilizar a tese acima exposta em sede de alegações finais, apelações, habeas 
corpus e, se for o caso, como fundamento de eventuais recursos especiais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
TESE 4 
 
Nome: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva 
Área de Atividade: Criminal (conhecimento) 
REGIONAL: GUARULHOS 
Endereço: Rua Sete de Setembro, n
o
 30 
Bairro: Centro 
CEP: 07011-040 Cidade: GuarulhosTelefone: 11 - 2087-2727 / 2229-1660 
Email: ratsilva@defensoria.sp.gov.br 
 
 
 
SÚMULA 
 
Inexistindo interrupção do serviço público, é possível a aplicação do princípio 
da insignificância na hipótese de furto de fios elétricos e de telecomunicações. 
 
ASSUNTO 
 
DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. FIOS E 
CABOS ELÉTRICOS E DE TELECOMUNICAÇÕES. 
 
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA 
DEFENSORIA PÚBLICA 
 
A presente tese dialoga com as atribuições institucionais de representação em 
juízo dos necessitados no âmbito criminal, em todas as instâncias, e de assegurar aos 
necessitados o exercício do contraditório e da ampla defesa, também, no processo 
penal. 
Tais atribuições encontram-se dispostas na legislação orgânica nacional e 
estadual da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Veja-se, da Lei 
Complementar 80/94, com redação alterada pela Lei Complementar 132/09: 
 
 
26 
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: 
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos 
os graus; [...] 
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o 
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos 
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, 
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de 
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”. 
 
Ainda nesse sentido, veja-se a Lei Estadual 988/06: 
 
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, 
dentre outras: [...] 
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses 
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos 
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais 
Superiores; [...] 
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o 
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
 
Por conseguinte, vislumbra-se a pertinência da presente com as atribuições 
legais da Defensoria Pública atinentes à sua atuação em sede de processo 
penal. 
 
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 
 
 O princípio da insignificância tem origem na Doutrina do Direito Penal 
alemão, notadamente a partir do trabalho de Claux Roxin, dialogando diretamente 
com outros princípios restritivos do Direito Penal. Nas palavras de Gustavo 
Junqueira e Patrícia Vanzolini: 
 
“Corolário do princípio da intervenção mínima e fragmentariedade, nem toda 
agressão merece reprimenda penal, mas apenas aquela que afetar os bens 
jurídicos de forma suficiente a justificar a intervenção penal. É a ideia que 
decorre do brocardo minimis non curat praetor. 
Como consequência desse raciocínio, surge em 1964 o princípio da 
insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da 
 
27 
maioria dos tipos [...]” (JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia. 
Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 45; grifos do original). 
 
Rogério Greco explica que, para a devida compreensão do princípio da 
insignificância, deve-se sedimentar o conceito de tipicidade conglobante, e, a partir 
dele, aferir-se a noção de tipicidade material. Cita-se: 
 
“Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar 
dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se 
o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside 
nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada 
tipicidade material. 
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição 
a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa 
adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao 
tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo 
objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade 
de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o 
patrimônio –, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela 
vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando seu 
valor” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral – Volume I. 
16a ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 67; grifos do original). 
 
Greco assevera ainda que, em certa medida, há um certo campo de 
subjetividade em torno da aplicação do princípio da insignificância nos casos 
concretos. Para o autor: 
 
“Teremos, outrossim, de lidar ainda com o conceito de razoabilidade para 
podermos chegar à conclusão de que aquele bem não mereceu a proteção do 
Direito Penal, posto que inexpressivo” GRECO, Rogério. Curso de Direito 
Penal: Parte Geral – Volume I. 16a ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 68; grifos 
do original). 
 
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal, em decisão que acabou fixando 
precedente próprio a respeito do princípio da insignificância – o HC 84.412 – 
delineou quatro vetores a guiarem o intérprete na aplicação de referido princípio: a) a 
mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da 
 
28 
ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a 
inexpressividade da lesão jurídica provocada. 
Adotados ou não tais vetores, fato é que a Jurisprudência, quase 
unanimemente, tem rechaçado em absoluto a aplicação do princípio da 
insignificância quando a res furtiva em questão for fios e cabos elétricos, bem como 
fios e cabos de telecomunicação. 
Entende-se que se trata de bens públicos, o que per si afastaria por completo o 
reconhecimento da atipicidade material nesses casos, além de se pontuar, por vezes, a 
questão da periculosidade social da ação, quando a subtração ocasiona a interrupção 
dos serviços públicos de iluminação e de telefonia. 
Ocorre que em raras vezes há o efetivo enfrentamento fático da questão, ou 
seja, a verificação no caso concreto se houve efetivo menoscabo à prestação do 
serviço público – bastando, para que se afaste o princípio da insignificância de tal 
campo de incidência, de simples alusão a dano potencial a serviços públicos, bem 
como à natureza de bens públicos da res furtiva. 
Primeiro, deve-se ter por claro que, juridicamente, cabos e fios empregados nos 
serviços públicos de iluminação ou de telecomunicações é de bens privados, sob a 
figura de Direito Administrativo dos bens reversíveis. 
Isso porque esses serviços são prestados sob o regime jurídico de concessão, 
regidos, portanto, pela Lei 8987/95. E, segundo tal diploma normativo, são cláusulas 
essenciais dos contratos de concessão aquelas relativas aos bens reversíveis, 
conforme seu artigo 23, inciso X, já que esses bens permanecem sob propriedade da 
concessionária, retornando à esfera patrimonial da Administração Pública somente 
com a extinção da concessão (artigo 35, §1
o
, da Lei 8987/95). 
A respeito desse regime jurídico, próprio dos bens reversíveis, cabe destacar os 
artigos 101 e 102 da Lei 9472/97, a chamada Lei Geral de Telecomunicações (marco 
regulatório do setor de telecomunicações), e o artigo 18 da Lei 9427/96 (marco 
regulatório do setor de energia elétrica): todos esses dispositivos reiteram, nesses 
setores específicos, a reversibilidade dos bens afetos à concessão, ou seja, os bens 
permanecem sob domínio do concessionário até a extinção da concessão – e somente 
a partir da extinção da concessão passam a ser bens públicos. 
Nesse sentido leciona José dos Santos Carvalho Filho: 
 
 
29 
"[...] Parece-nos, ao contrário, que os bens das pessoas administrativasprivadas, como é o caso das empresas públicas, sociedades de economia mista 
e fundações públicas de direito privado, devem ser caracterizados como bens 
privados, mesmo que em certos casos a extinção dessas entidades possa 
acarretar o retorno dos bens ao patrimônio da pessoa de direito público de 
onde se haviam originado. O fator que deve preponderar na referida 
classificação é o de que as entidades têm personalidade jurídica de direito 
privado e, embora vinculadas à Administração Direta, atuam normalmente 
com a maleabilidade própria das pessoas privadas. 
Por conseguinte, o regime jurídico dos bens das pessoas privadas da 
Administração será, em princípio, o aplicável às demais pessoas privadas. 
Pode ocorrer que, excepcionalmente, a lei instituidora da pessoa 
administrativa disponha de modo diverso, criando alguma regra especial de 
direito público. Essa norma, é claro, será derrogatória da de direito privado, 
mas os bens continuarão a ser considerados como privados. 
Como sucede, em regra, com as pessoas privadas, a alienação e a oneração 
de seus bens devem atender ao que dispõem os respectivos regulamentos. 
Aliás, não custa lembrar que a Lei n.° 6.404/76, que dispõe sobre as 
sociedades anônimas, prevê, no artigo 242, que os bens de sociedades de 
economia mista, entidades integrantes das pessoas administrativas privadas, 
são normalmente executáveis e penhoráveis. Ora, se a própria lei os 
reconhece como sujeitos à penhora é porque, obviamente, não podem ser 
qualificados como bens públicos” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. 
Manual de Direito Administrativo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, 
p. 826-7). 
 
Ainda que se entendesse por públicos tais bens, o simples fato de ostentarem 
tal natureza jurídica não obsta, per si, o reconhecimento do princípio da 
insignificância – o que seria, à luz do princípio da proporcionalidade, inadmissível. 
Além disso, cabe recordar que é reconhecido o princípio em outras figuras 
delitivas em que há lesão patrimonial para a Fazenda Pública, como no exemplo mais 
notório do descaminho. Com efeito, se a lesão ao Erário é insignificante e por isso 
não ensejaria uma ação cível indenizatória ou uma execução fiscal, logicamente 
desproporcional haver punição penal em tais casos. 
Segundo, deve restar evidenciado nos autos que houve efetivo prejuízo ao 
serviço público prestado, com a interrupção do serviço, sendo esta a única forma de 
se aferir a periculosidade social da ação. 
 
30 
É que a presunção de inocência, como rígida regra constitucional incidente 
sobre o processo penal, implica um tratamento do réu sob o estado de inocência e, no 
que concerne às decisões judiciais, manifesta-se sob a forma de regra de julgamento. 
Veja-se, na Doutrina, o posicionamento de Gustavo Badaró: 
 
“A presunção de inocência assegura a todo e qualquer indivíduo um prévio 
estado de inocência, que somente pode ser afastado se houver prova plena do 
cometimento de um delito. 
O dispositivo constitucional, contudo, não se encerra neste sentido político, de 
garantia de um estado de inocência. A „presunção de inocência‟ também pode 
ser vista sob uma ótica técnico-jurídica, como regra de julgamento a ser 
utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do 
processo. Para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário 
provar, além de qualquer dúvida razoável, a culpa do acusado. Nesta 
acepção, presunção de inocência confunde-se com o in dúbio pro reo” 
(BADARÓ, Gustavo. Processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 
22; grifos do original). 
 
Em idêntico sentido, Aury Lopes Júnior: 
 
“Em suma: a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de 
tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente), 
que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele. 
Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – primeiramente – ao 
juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, 
se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza 
inexoravelmente à absolvição [...]” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito 
Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 230; grifos do 
original). 
 
Portanto, é inconstitucional qualquer presunção em desfavor do réu, sem lastro 
probatório nos autos, a indicar que a subtração tenha ocasionado a interrupção e o 
menoscabo da prestação do serviço público. Dito de outro modo: se a área em que se 
deu os fatos não ficou sem iluminação pública e/ou sem acesso à telefonia. 
A propósito, no que concerne à telefonia, é imperativo destacar que o artigo 62, 
caput, da Lei Geral de Telecomunicações distingue os serviços de interesse coletivo 
 
31 
dos serviços de interesse restrito quanto à sua abrangência – sendo de amplo acesso e 
interesse públicos os primeiros. 
Nesse sentido, uma interpretação à luz dos princípios do Direito Penal leva à 
conclusão de que apenas a interrupção dos primeiros poderia obstar a aplicação do 
princípio da insignificância. 
A definição de tais serviços é de competência da agência reguladora do setor, a 
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, a qual definiu e classificou os 
serviços telefônicos no Ato n
o
 3.833/13. Segundo tal ato normativo, são de interesse 
coletivo os serviços: a) Especial de Frequência Padrão; b) Especial de Boletim 
Meteorológico; c) Especial de Sinais Horários; d) Móvel Global por Satélite; d) 
Radiocomunicação Aeronáutica; e) Rede de Transporte de Telecomunicações; f) 
Limitado Especializado; g) Rede Especializado; e h) Circuito Especializado. 
São também de interesse coletivo: i) o Serviço Telefônico Fixo Comutado – 
STFC (art. 4
o
 do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado, Anexo à 
Resolução nº 426/09 da ANATEL); j) o Serviço Móvel Pessoal – SMP (art. 4o do 
Regulamento do Serviço Móvel Pessoal, Anexo à Resolução nº 316/02 da 
ANATEL); e k) o Serviço Móvel Especializado – SME (art. 5o do Regulamento do 
Serviço Móvel Especializado, Anexo à Resolução nº 404/05 da ANATEL). 
O mencionado Ato n
o
 3.833/13 definiu como serviços de interesse restrito os 
serviços Especial para Fins Científicos e Experimentais e Móvel Aeronáutico. 
Também dispõe que os serviços Especial de Radiodeterminação e Móvel Marítimo 
podem ter interesse coletivo ou restrito, sendo desta última hipótese caracterizada 
pelo “atendimento pela autorizada de determinados grupos selecionados da 
coletividade alvo do serviço” (art. 3o). 
Assim, em se tratando de serviço de interesse restrito, sequer há que se 
verificar de interrupção ou não do serviço para fins da aplicação do princípio da 
insignificância, o que só é cabível, repise-se, quando se tratar de serviço de interesse 
coletivo. 
A tese tem recebido acolhida jurisprudencial, notadamente pelo Supremo 
Tribunal Federal, nas decisões do Ministro Gilmar Mendes. O primeiro precedente 
data de 2011: 
 
“Habeas corpus. 2. Furto. Pacientes denunciados por terem subtraído, 
mediante rompimento de obstáculo, 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada 
 
32 
das dependências do Centro de Tradições Gaúchas Chaleira Preta, situado 
em Ijuí/RS (art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal). Bens avaliados em R$ 
81,80. 3. Mínimo grau de lesividade da conduta. 4. Aplicação do princípio da 
insignificância. Possibilidade. 5. Ordem concedida” (STF, HC 110.244/RS, 2a 
Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. do Acórdão Min. Gilmar 
Mendes, j. 08/11/11). 
 
Posteriormente, um segundo precedente foi firmado, em 2013, inclusive por 
força de atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo: 
 
“Habeas corpus. 2. Tentativa de furto de fios e cabos elétricos do interiorde 
imóvel em reforma. 3. Bens avaliados em R$ 116,00 (cento e dezesseis reais). 
4. Presença dos 4 vetores apontados no julgamento do HC 84.412/SP, relator 
Ministro Celso de Mello, para reconhecimento do princípio da insignificância: 
a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de 
periculosidade social da ação (não houve violência ou grave ameaça à 
pessoa ou qualquer repercussão social significante, uma vez que não houve 
cessação do serviço público de energia elétrica para a coletividade); c) o 
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) 
inexpressividade da lesão jurídica provocada. 5. Ordem concedida para 
trancar a ação penal na origem” (STF, HC 115.576/SP, 2a Turma, Rel. Min. 
Gilmar Mendes, j. 11/05/13; grifo nosso). 
 
E, mais recentemente, em Acórdão do começo de 2014, negou-se a concessão 
da ordem pelo fundamento de ter ocorrido interrupção do serviço público: 
 
“Habeas corpus. 2. Furto de fios elétricos praticado mediante concurso de 
agentes. Condenação. 3. Pedido de aplicação do princípio da insignificância. 
4. Ausência de dois dos vetores considerados para a aplicação do princípio da 
bagatela: a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de 
reprovabilidade da conduta. 5. A prática delituosa é altamente reprovável, 
pois afeta serviço essencial da sociedade. Os efeitos da interrupção do 
fornecimento de energia não podem ser quantificados apenas sob o prisma 
econômico, porque importam em outros danos aos usuários do serviço. 6. 
Personalidade do agente voltada ao cometimento de delitos patrimoniais 
(reiteração delitiva). Precedentes do STF no sentido de afastar a aplicação do 
princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade 
delitiva comprovada. 7. Furto em concurso de pessoas. Maior desvalor da 
 
33 
conduta. Precedentes do STF. 8. Ordem denegada” (STF, HC 118.361/MG, 2a 
Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/02/14; grifo nosso). 
 
Portanto, há fundamentos jurídicos suficientes para que se aplique o princípio 
da insignificância, reconhecendo-se a ausência de tipicidade material na imputação 
de furto de fios elétricos ou de telecomunicações, em não havendo interrupção do 
serviço público prestado. 
 
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA 
 
Não poucas vezes Defensoras e Defensores públicos atuantes nos processos 
penais, na fase de conhecimento, deparam-se com persecuções que têm por objeto 
suposta prática de furto, simples ou qualificado, em modalidade tentada ou 
consumado, cuja respectiva res furtiva consiste em quantidade de cabos e fios 
elétricos ou de telecomunicações. 
Via de regra, se há instauração de inquérito policial ou se há prisão em 
flagrante, o Ministério Público acaba denunciando a pessoa suspeita de tal conduta – 
sendo raras as hipóteses de arquivamento nesses casos. 
Nesses casos, é de praxe haver nos autos do inquérito ou do auto de prisão em 
flagrante o chamado auto de avaliação, no qual a vítima ou representante da 
empresa-vítima é chamada para declinar o valor da res furtiva em fase policial, que 
passa a constar dos autos e, invariavelmente, da denúncia. 
E, avaliando não apenas o valor afixado nos autos – que, aliás, é passível de 
questionamento pela defesa técnica – bem como as circunstâncias do suposto delito, 
consoante afirmado acima, é possível o reconhecimento no caso concreto do 
princípio da insignificância e, consequentemente, sua arguição como tese de defesa. 
Sendo um cotidiano da atuação criminal, a verificação da aplicabilidade do 
princípio da insignificância em casos envolvendo furto de tais fios e cabos acaba se 
fazendo necessária, não só como estratégia de defesa do usuário, como também 
como medida de justiça material – já que se trata de patente ausência de tipicidade, 
como visto, por falta de tipicidade material, dado que não há lesão substancial ao 
bem jurídico tutelado pela normal penal. 
 
 
 
34 
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO 
 
A tese pode ser operacionalizada tanto em sede de resposta à acusação quanto 
em sede de alegações finais. 
Na primeira hipótese, caso indeferida pelo juiz, é cabível a impetração de 
habeas corpus, ainda que não se trate de réu preso cautelarmente, uma vez que o 
próprio fato de estar sujeito a processo penal como réu já é per si estigmatizante e 
socialmente marginalizante, gerando consequências nefastas e deletérias para 
usuários e usuárias. 
Ainda que seja oferecida proposta de suspensão condicional do processo pelo 
Ministério Público, e esta aceita pelo acusado, é cabível a impetração de habeas 
corpus, visando à extinção do feito por meio de absolvição sumária (artigo 397, III, 
do Código de Processo Penal), fundada na atipicidade (material) da conduta. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
35 
TESE 5 
 
Nome: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva 
Área de Atividade: Criminal (conhecimento) 
REGIONAL: GUARULHOS 
Endereço: Rua Sete de Setembro, n
o
 30 
Bairro: Centro 
CEP: 07011-040 Cidade: Guarulhos 
Telefone: 11 - 2087-2727 / 2229-1660 
Email: ratsilva@defensoria.sp.gov.br 
 
 
 
SÚMULA 
 
Nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, nos 
termos da Lei 11.340/06, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por 
restritiva de direito de limitação de fim de semana, com fundamento no parágrafo 
único do artigo 152 da Lei de Execução Penal, que criou hipótese de exceção ao 
inciso I do artigo 44 do Código Penal, consistente em comparecimento obrigatório 
do condenado a programas de recuperação e reeducação. 
 
ASSUNTO 
 
DIREITO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A 
MULHER. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PENA RESTRITIVA DE DIREITO DE 
LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA. 
 
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA 
DEFENSORIA PÚBLICA 
 
A presente tese dialoga com as atribuições institucionais de representação em 
juízo dos necessitados no âmbito criminal, em todas as instâncias, e de assegurar aos 
 
36 
necessitados o exercício do contraditório e da ampla defesa, também, no processo 
penal. 
Tais atribuições encontram-se dispostas na legislação orgânica nacional e 
estadual da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Veja-se, da Lei 
Complementar 80/94, com redação alterada pela Lei Complementar 132/09: 
 
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: 
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos 
os graus; [...] 
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o 
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos 
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, 
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de 
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”. 
 
Ainda nesse sentido, veja-se a Lei Estadual 988/06: 
 
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, 
dentre outras: [...] 
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses 
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos 
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais 
Superiores; [...] 
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o 
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
 
Por conseguinte, vislumbra-se a pertinência da presente com as atribuições 
legais da Defensoria Pública atinentes à sua atuação em sede de processo penal. 
 
FUNDAMENTAÇÃOJURÍDICA 
 
 O art. 45 da Lei 11.340/06, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, 
promoveu uma alteração no artigo 152 da Lei de Execução Penal, inserindo nele um 
parágrafo único, inexistente na redação anterior. 
 
37 
O artigo 152 da LEP trata da pena restritiva de direito de limitação de fim de 
semana, prevista no artigo 43, inciso VI, do Código Penal. Mantido inalterado o 
caput, passou a figurar com o seguinte enunciado normativo: 
 
“Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de 
permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas. 
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz 
poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de 
recuperação e reeducação”. 
 
Entretanto, a Lei Maria da Penha não trouxe qualquer alteração ao texto do 
Código Penal, permanecendo intactos os requisitos do artigo 44 para a substituição 
das penas privativas de liberdade por restritivas de direito dispostos nos seus 
respectivos incisos. 
Um desses requisitos, constante do inciso I, diz respeito ao crime não ter sido 
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.Por força de tal restrição, não se 
aplica o artigo 44 do Código Penal aos delitos de ameaça e lesão corporal, por 
exemplo, já que envolvem grave ameaça e violência contra a pessoa. 
Porém, a alteração legislativa acima mencionada suscitou a questão de 
aplicação do dispositivo aos crimes com violência e grave ameaça cometidos em 
contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher – esta última, definida 
pelos artigos 5
o
 e 7
o
 da Lei 11.340/06. 
Isso porque o novo parágrafo único do artigo 152 da LEP prevê expressamente 
ser aplicável ao condenado por crime envolvendo violência doméstica contra a 
mulher a pena restritiva de direito específica de limitação de fim de semana, 
consistente, nessa hipótese, em comparecimento obrigatório do condenado a 
programas de recuperação e reeducação. 
Com efeito, é absolutamente incoerente interpretar a letra fria do artigo 44, 
inciso I, do Código Penal, de maneira assistemática em relação ao novo dispositivo. 
Primeiro, porque o parágrafo único do artigo 152 da LEP foi inserido pela 
própria Lei Maria da Penha, o que evidencia a mens legis de que se aplique, quando 
cabível, a pena de limitação de fim de semana aos sentenciados por crime 
envolvendo violência doméstica contra a mulher – observados, portanto, os demais 
requisitos do artigo 44 do Código Penal. 
 
38 
Segundo, porque o Código Penal e a LEP não podem ser interpretados como 
diplomas normativos estanques e incomunicáveis, o que jamais foram. A 
permeabilidade entre os dois textos normativos é eminente, sendo de rigor uma 
hexegese sistemática (ou lógico-sistemática), que reúna todos os seus elementos, à 
luz dos princípios constitucionais e internacionais (especialmente interamericanos) 
que limitam o Direito Penal. 
Mesmo porque, com as várias reformas parciais que foram sendo promovidas 
na legislação penal, bem como com a promulgação de diversas leis penais especiais, 
restou ao intérprete um dever e um esforço de concatenar as diferentes – e por vezes 
divergentes – normas penais postas, sempre partindo dos direitos fundamentais e 
humanos. 
Nesse sentido, veja-se a lição doutrinária de Cezar Roberto Bitencourt: 
 
“O critério lógico-sistemático de interpretação constitui valoroso instrumento 
de garantia da unidade conceitual de todo o ordenamento. Na verdade, 
somente se pode encontrar o verdadeiro sentido de uma norma se lhe for dada 
interpretação contextualizada. Com efeito, a ciência jurídico-penal constrói 
sistemas e microssistemas que auxiliam e facilitam a aplicação da lei penal. 
Importante destacar, no entanto, neste momento, que o legislador, por vezes, 
tem-se mostrado como um péssimo sistematizador. Aliás, desde o início da 
última década do milênio passado tem-se encarregado de destruir a harmonia 
que o sistema penal brasileiro apresentava. Mas ainda assim o intérprete não 
pode ignorar esse importante aspecto da interpretação, que deve encontrar 
seu norte dentro do sistema como um todo” (BITENCOURT, Cezar Roberto. 
Tratado de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 
2008. p. 152-3). 
 
Ainda que se venha a adotar uma perspectiva crítica do próprio Direito Penal, 
não se pode descurar da relevância de uma tal interpretação sistemática, até mesmo 
como forma de manifestação do garantismo penal e de limitação do poder punitivo 
estatal. É, mais ainda, um imperativo de racionalidade, se se pretende o Direito uma 
praxis racional. Não é outro o apontamento feito na Doutrina por Eugenio Raúl 
Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar: 
 
“Não é possível prescindir-se de um sistema conceitual na elaboração de um 
direito penal que almeje cumprir alguma função dentro de um modelo de 
 
39 
estado de direito, por ser inadmissível que a irracionalidade seja fonte de um 
saber que aspira a uma função racional. O sistema demanda uma decisão 
política prévia que lhe permita sua construção teleológica baseada em uma 
função manifesta, porque, do contrário, seria igualmente irracional (um 
caminho sem objetivo), violentaria a realidade (ao pretender que seus 
conceitos não tenham função política, apenas porque não a expressam) e, 
além do mais, seria politicamente negativo (pretenderia servir para qualquer 
objetivo, incluindo os do estado de polícia). Mesmo porém com todas essas 
precauções não se garante um sistema teleológico racional, pois tudo 
dependerá do conteúdo da mencionada decisão, isto é, da função manifesta 
que lhe seja atribuída. No estado constitucional de direito o objetivo do direito 
penal deve ser a segurança jurídica, ameaçada pelo exercício ilimitado do 
poder punitivo. Segurança jurídica é a segurança dos bens jurídicos de toda a 
população. São bens jurídicos aqueles que possibilitam ao ser humano sua 
realização como pessoa, ou seja, sua existência como coexistência, o espaço 
de liberdade social no qual pode escolher e realizar sua própria escolha. O 
direito penal deve construir um sistema que permita às agências jurídicas um 
exercício racional de seu poder para conter o poder punitivo, o qual, 
estruturalmente, tende para um exercício ilimitado e arrasador de todo espaço 
social. Tal objetivo, que representa a decisão política anterior à construção 
do sistema, deve reger sua elaboração e sua eficácia contentora dependerá do 
cumprimento de vários requisitos metodológicos” (ZAFFARONI, Eugenio 
Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal 
Brasileiro: Primeiro Volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4a ed. Rio de 
Janeiro: Revan, 2011. p. 170). 
 
Terceiro, porque a pena restritiva de direito em questão, consoante posta na 
atual redação da LEP, objetiva promover a superação do ciclo de violência, por meio 
de um trabalho não apenas com a vítima, mas também com o agressor sentenciado. É 
que, com efeito, entende-se tal medida muito mais eficaz para afastar o condenado do 
contexto de práticas de violência, obliterando as possibilidades de reincidência – já 
que, em muitos casos, o agressor também foi vítima de violência e/ou cresceu 
presenciando atos de violência em seu seio familiar, vivenciando experiências que 
vivificou e internalizou como “naturais”, ou até que as venha a reproduzir de forma 
inconsciente. 
Deve-se ter por claro que, mesmo que cumprida pena privativa de liberdade, 
após seu termino – ou até antes disso, pela conquista de direitos em sede de execução 
penal – o condenado retornará ao convívio social e, eventualmente, encontrará nova 
 
40

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