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Claus ' ~ o x i n Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal Tradução: Luís Greco RENOVAR Aio de Janeiro São Pouio 2000 Todos os direitos reservados i LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ CEP: 2001 1-000 - Tels.: (21) 531-2205 / 531-1618 / 531-3219 - Fax: (21) 531-2135 LIVRARIA: Rua da Assembléia, 10 - loja E - Centro - RJ CEP: 2001 1-000 - Tels.: (21) 531-1316 1531-1338 - Fax: (21) 531-1873 FILIAL RJ: Rua Antunes Maciel, 177 - São Cristóvão - RJ CEP: 20940-010 - Tels.: (21) 589-1863 1 580-8596 1 860-6199 - Fax: (21) 589- 1962 FILIAL SÃO PAULO: Rua Santo Amaro, 257-A - Bela Vista - SP CEP: 01315-001 - Tels.: (1 1) 3104-9951 1 3104-5849 Collselho Editurial lL', \ , 5% L-' Arnaldo Lopes Sussekind - Presidente Carlos Alberto Menezes Direito P n -f 8% -1- Caio Tácito Luiz Emygdio F da Rosa Jr Celso de Albuquerque Mello _a&- : Ricardo Pereira Lira Ricardo Lobo Torres i - r " 3 f T Vicente de Paulo Barretto .L, Revisüo Tipográfica 1 "S. Andreia Amara1 do Espínto Santo Luciene Rocha Seixas i CU/JU Simone Villas Boas O Editoraçüo Elerr8nica TopTextos Ediçóes Gráficas Ltda. "i - - -4 CIP-Brasil Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Roxin, Claus R887p Política cnminal e sistema jurídico-penal / Claus Roxin, tra- dução. Luís Greco - Rio de Janeiro Renovar, 2000 118p , 21cm. I ISBN 85-7 147-177-0 1 Nota do tradutor 1. Título penal -Alemanha. I. Título. CDD-345.43 Quando, em 1970, este pequeno trabalho foi publicado na Alemanha, dificilmente alguém poderia imaginar o papel que lhe caberia de- sempenhar na evolução da ciência do direito penal. E, por ocasião do seu aniversário de 30 1 anos, resolveu-se presentear o público de língua portuguesa, especialmente o brasileiro, com uma tradução desta obra fundamental. Tão sucinto quanto fecundo, este estudo mar- ca o início de uma nova época na dogmática jurídico-penal moderna: a época do sistema fun- cionalista, ou teleológico-racional, da teoria do delito. Foi proposto um novo sistema, fundado sobre uma diferente concepção de direito e Es- tado, bem como da relação entre direito penal e política criminal; e esta proposta foi aceita por i?, um talentos0 grupo da nova geração de penalis- i 3 tas1, dando valiosos frutos, entre os quais pode- sa é~ mos apontar a teoria da imputação objetiva. 8 3 3 . i Longe de querer ser exaustivo, podem ser apontados Proibida a reprodução (Lei 5.988173) Impresso no Brasil Printed in Brazil Advirto o leitor, porém, de que as opiniões aqui expostas foram desenvolvidas e, em alguns pontos, modificadas pelo autor, apesar de as li- nhas mestr;; se manterem as mesmas. Para o pensamento atual de Roxin, recorra o leitor ao tratado, cujo primeiro volume já alcançou a ter- como defensores desta concepção sistemática, na Alema- nha, Hans ACHENBACH, Individuelle Zurechnung, Verant- wortlichkeit, Schuld, em: Schünemann (ed.) , Grundfragen I des modernen Strafrechtssystems, DeGruyter, Berlin/New York, 1984; f i u t AMELUNG, Zur Kritik des km'minalpoli- 1 tischen Strafrechtssystems von Roxin, em: Grundfragen; Wolf- I gang FRISCH, Vorsatz und Risiko, Heymanns, Koln/Ber- i l in/Bonn/München, 1983; Hans-Ludwig GÜNTHER, em: Systematisclzer Kommentar zum Strafgesetzbuch, 7Qdiçã0, Luchterhand, Berlin, 1997; Günther JAKOBS, Strafrecht - Allgemeiner Teil, ZQdição, DeGruyter, Berlin/New York, 1993; Harro OTTO, Grundkurs StraJTecht, 5Qdiçã0, i DeGruyter, Berlin/New York, 1996; Hans-Joachim RU- i DOLPHI, em: Systematischer Kommentarzum Strafgesetzbuclz, 7%dição, Luchterhand, Berlin, 1997; Bernd SCHUNE- I MANN, Die deutschspraclzige StraJi-eclztswissenschaft nach der Strafreclttsreform im Spiegel des Leipziger und des Wiener Kom- mentars, em GA (1985), pp. 341 e ss.; JURGEN WOLTER, Objektive und personale Zurechnung von Verhalten, Gefahr und Verletzung in einem funktionalen Straftatsystem, Duncker & Humblot, Berlin, 1981; fora dela, Diego-Manuel LUZÓN PENA, Curso de derecho penal, I, Editorial Universitas, Ma- drid, 1996; Margarita MARTINEZ ESCAMILLA, La impu- tacion objetiva de1 resultado, Edersa, Madrid, 1992; Santiago MIR PUIG, EZ derecho penal en e1 estado social y democrático ! de derecho, Ariel, Barcelona, 1994; Jorge de FIGUEIREDO 4 DIAS, Questões Fundamentais de Direito Penal Revisitadas, 5 1 RT, São Paulo, 1999. 3 B ceira edição, havendo tradução espanhola da segunda. Fiz um esforço consciente no sentido de man- ter absoluta fidelidade ao texto original. Nos casos de palavras de correspondência duvidosa em língua portuguesa, consignei o termo ori- ginal entre parênteses ou numa nota de roda- pé. As notas do tradutor são identificadas por (N. do T.). As demais notas limitam-se a escla- recer referências ou expressões com que o leitor brasileiro não esteja familiarizado. Por fim, agradeço ao prof. Claus Roxin, pela confiança em mim depositada; a meu pai, prof. Leonardo Greco, que teve o cuidado de revisar a tradução; a Fernando Gama, Roberto Vascon- cellos e Cláudia Cruz, meus grandes amigos, que igualmente me ajudaram na revisão; e a Eliel Corrêa Marques Filho, cujos préstimos me foram de grande valia. Luís Greco Abreviaturas AE Alterrutiv-Entwurf eines Strafgesetzbuclies (Projeto Alternativo do Código Penal) BGB Burgerliclies Gesetzbuch (Código Civil Alemão) BGH Bundesgerichtshof (Tribunal Superior Federal) BGHSt Decisóes do Buridesgerichtshof (Tribunal Superior Federal) em rnatéria penal CP Código Penal Brasileiro E 1962 Entwurf 1969 (Projeto Governamental do Código Penal) GA Goltdanimers Arcliiv für Strafreclit GG Grundgesetz (Lei Fundamental) JR Juristische Rundscliau Jus Juristische Schulung Jz Juristenzeitung MDR Monatssclirift fur deutsclies Recl-it hlSchrKi-im Moiiatsclirift für Kriminologie und Strafreclitsreform NJW Neue juristische Woclienssclirift SG Studium Geiierale StGB Strafgesetzbuch (Código Penal Alemão) StPO StrufprozeBordnung (Código de Processo Penal Alemão) S tRG Strafi-echtsreforrngesetz (Lei de Reforma do Direito Penal) ZStW Zeitschrift fur die gesainte Strafrechtswissenscliaft Prefácio do autor a tradução brasileira Alegra-me bastante que o engajamento cien- tífico e de amizade de meu tradutor, Luís Greco, tenha possibilitado apresentar meu pequeno es- crito programático "Política Criminal e Sistema Jurídico- Penal", aparecido há 30 anos, agora também em português brasileiro. Nesta oportu- nidade, tentei, em oposição aos esforços natura- listas-causais, bem como aos finalistas - teorias que partiam de fundamentos ônticos - sugerir uma concepção normativa, que orientasse o sis- tema jurídico-penal em pontos de vista valorati- vos político-criminais. Naturalmente tenho pas- sado as últimas décadas empenhando esforços no sentido de desenvolver a idéia base desta aqui presente primeira tentativa. O espaço disponível neste curto prefácio não permite expor tudo detalhadamente. Porém, aponte-se ao menos para dois aspectos. Hoje penso que a teoria da imputação obje- tiva, por mim (re)fundada quase que simulta- neamente a publicação do presente escrito, e que vem encontrando vários adeptos tanto na Alemanha quanto fora dela, desempenhe, ao lado do princípio nullum-crimen, um papel cen- tral na estrutura preventivo-geral do tipo, tendo em vista que este dirige tábuas de proibição à totalidade dos cidadãos. Segundo esta teoria, o injusto típico deixa de ser um acontecimento primariamente causal ou final, para tornar-se a realização de um risco não permitido dentro do âmbito (isto é, do fim de proteção) do respectivo tipo. Assim é possível salvaguardar, de modo po- lítico-criminalmenterazoável, o tipo de uma ex- L-nsão ilimitada - em especial nos delitos ne- gligentes - reduzindo a punibilidade ao que seja indispensável do ponto de vista preventivo- geral: à criação e realização de riscos intoleráveis para um convívio seguro entre as pessoas. Além disso, a expansão da sistemática da " cul- pabilidade" através de pontos de vista preventi- vos, e sua reunião no novo conceito de " respon- sabilidade", que já vem rapidamente exposta neste estudo, tem sido por mim consideravel- mente desenvolvida e tornado produtiva para novos grupos de problemas. Segundo esta or- dem de idéias, a responsabilidade penal pressu- põe sempre dois requisitos: a culpabilidade do autor e, além disso, a necessidade preventivo-ge- ral ou especial de punição. Culpabilidade e pre- venção limitam-se, portanto, reciprocamente: necessidades preventivas jamais podem levar a que se puna onde inexista culpabilidade. Mas a culpabilidade de uma pessoa igualmente não basta para legitimar a pena, enquanto esta não seja indispeiisável do ponto de vista preventivo. Esforcei-me em expor este pensamento de modo mais aprofundado exatamente em difíceis ques- tões limite da punibilidade (estado de necessi- dade supralegal excludente de responsabilidade, crime por convicção, desobediência civil, negli- gência leve). Mas devemos reservar a discussão de todas essas questões para uma outra oportunidade. Por ora, tenho de me contentar em agradecer calorosamente a meu muito estimado tradutor, Luís Greco, pelo seu excelente trabalho, e à edi- tora Renovar, pela cuidadosa impressão e publi- cação de meu texto! Possam minhas propostas encontrar o interesse dos penalistas brasileiros e contribuir para o aprofundamento das rela- ções científicas entre nossos países! Munique, 9 de fevereiro de 2000 Claus Roxin Ich freue mich sehr, daí3 das wissenschaftlich- freundschaftliche Engagement meines Überset- zers Luis Greco es mir ermoglicht hat, meine vor 30 Jahren erschienene kleine Programm- schrift uber " Kriminalpolitik und Strafrechtssys- tem" nun auch in brasilianisch-portugiesischer Sprache vorzulegen. Ich habe darnals versuch t, den naturalistisch-kausalen und finalistischen Bemühungen um die Systematisierung des Straf- rechts - Lehren also, die auf ontischer Grun- dlage beruhen - eine normative Konzeption entgegenzusetzen, die das Strafrechtssystem an leitenden kriminalpolitischen Wertvorstellun- gen orientiert. Natürlich bin ich in den letzten Jahrzehnten bestrebt gewesen und noch damit be-schaftigt, den Grundgedanken meines hier vorliegenden ersten Versuchs auf diesem Gebiet weiter zu entwickeln. Der Raum dieses kurzen Geleitwortes gestattet es nicht, das im einzelnen auszuführen. Doch sei wenigstens auf zwei Punk- te hingewiesen. Fiir mich spielt heute bei der geileralpraven- tiven Strukturierung des Tatbestandes, der ge- wissermaBen die an alle Burger gerichteten Ver- botstafeln aufstellt, neben dem nullum-crimen- Grundsatz eine zentrale Rolle die Lehre von der objektiven Zurechnung, die ich fast gleichzeitig mit der vorliegenden Schrift (wieder) begrundet habe und die seitdem in Deutschland und der Welt viele Anhanger gewonnen hat. Danach ist das tatbestandliche Unrecht kein primar kausa- les oder finales Geschehen, sondern die Venuirk- lichung eines unerlaubten Risikos innerhalb der Reichweite (das heií3t des Schutzzwecks) des je- weiligen Tatbestandes. Auf diese Weise ist es mo- glich, den Tatbes tand in kriminalpolitisch ver- nunftigem MaBe - vor allem bei der Fahrlassig- keit - vor uferloser Ausdehnung zu bewahren und die Strafbarkeit auf das generalpraventiv UnerlaBliche einzuschranken: auf die Schaffung und Realisierung von Risiken, die fur ein gesi- chertes Zusammenleben der Menschen untrag- bar sind. Sodann habe ich die Erweiterung der Sys- temstufe der "Schuld" um praventive Gesichts- punkte und ihre Zusammenfassung in einer neuen Kategorie der "Verantwortlichkeit" , die in dieser Studie schon knapp dargelegt wird, wesentlich weiter ausgebaut und fur neue Pro- blemfelder fruchtbar zu machen versucht. Da- nach setzt die strafrechtliche Verantwortlichkeit immer zweierlei voraus: eine Schuld des Taters und auí3erdem eine general- oder spezialpraven- tive Bes trafungsno twendigkei t. Schuld und Pra- vention beschranken sich also wechselseitig: Pra- ventive Bedurfnisse durfen nie dazu fuhren, ohne Schuld zu strafen. Aber die Schuld eines Menschen ist allein auch keine Legitimation fur eine staatliche Strafe, solange diese nicht pra- ventiv unerlaBlich ist. Ich habe mich bernuht, diese Gedanken gerade bei heiklen Grenzfragen der S trafbarkeit (ubergese tzlicher veran twort- lichkeitsausschlieBender Notstand, Gewissens- tat, ziviler Ungehorsam, geringfugige Fahrlassig- keit) naher darzulegen. Aber es muB einer spateren Gelegenheit vor- behalten bleiben, uber alle diese Fragen weiter zu diskutieren. Fur den Augenblick muB ich mich darnit begnugen, meinem hochgeschatz- ten Übersetzer, Herrn Luis Greco, fur seine vor- zugliche Arbeit und dem Verlag Renovar fur den sorgfaltigen Druck und die Veroffentlichung meines Textes herzlich zu danken! Mochten meine Ausfuhrungen das Interesse der brasilia- nischen Strafjuristen finden und zur Vertiefung der strafrechtswissenschaftlichen Beziehungen zwischen unseren Landern beitragen! Munchen, 9. Februar 2000 Claus Roxin Sumário Nota do Tradutor ................................................................ V .......................................................................... Abreviaturas ..IX Prefácio do autor à tradução brasileira .............................. XI Gelatwort ................................................................................ XV Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal ........................... 1 Posfácio ................................................................................... 89 Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal" "O direito penal é a barreira intransponível da política criminal" - esta famosa frase de * O presente estudo corresponde à palestra que proferi, em versáo reduzida, por motivos de tempo, no dia 13 de Maio de 1970, em Berliin. Trata-se de urna primeira teu- tativa de reunir as idéias metodológicas e dogmáticas fundamentais que venho desenvolvendo em meus estu- dos e monografias jurídico-penais em uma concepção sistemática global - ainda que fragmentariamente e à maneira de um esboço. É daí, e da ~iecessidade de expli- car mais detalhadamente o que no texto não é mais que insinuado, que se explicam as constantes referências a trabalhos próprios anteriores, pelas quais peço a com- preensão do leitor. Também as referências a outros au- tores e as controvérsias que inseri nas minhas notas ser- vem principalmente a um esclarecimento exemplificador de minhas teses; em face da inesgotabilidade do tema, não haveria como almejar ser completo nas referências literárias. Franz v. LISZT' caracteriza uma relação de ten- são, que ainda hoje está viva na nossa ciência. Os princípios empíricos com base nos quais se tratam os comportamentos socialmente desvian- tes são contrapostos por LISZT ao método jurí- dico (em sentido estrito) de construção e orde- nação sistemática-conceitual dos pressupostos do delito. Ou, dito de forma sucinta: a frase caracteriza, de um lado, o direito penal como ciência social e, de outro, como ciência jurídica. Neste caráter dúplice de sua recém-fundada "ciência global do direito penal"2 corporifica- vam-se, para LISZT, tendências contrapostas. A política criminal assinalava ele os métodos racio- nais, em sentido social global, do combate à criminalidade, o que na sua terminologia era designado como a tarefa social do direito penal,1. Em: Strafiechtliche Aufsatze und Vortrage, (Estudos e pa- lestras jurídico-penais), vol. 11, 1905, p. 80. Os dois volu- mes, nos quais estão colecionados os trabalhos de LISZT até 1904, contêm o material essencial para qualquer es- tudo deste autor; eles foram republicados em 1970, numa reedição fotomecânica da editora Walter de Gruyter, Ber- lim. Sobre LISZT veja-se agora: Franz von Liszt zum Ge- dachtnis (Em memória de Franz von Liszt), 1969 (publi- cado simultaneamente com o vol. 81, caderno 3, da ZStW) . 2. (N. do T.) O termo em alemão é " gesamte Strafrechts- wissenschaft". FIGUEIREDO DIAS (Questões Fundamen- tais de Direito Penal Revisitadas, RT, São Paulo, 1999, p. 24). Apresenta três possibilidades de tradução: "ciência conjunta (total ou global) do direito penal". enquanto ao direito penal, no sentido jurídico do termo, competiria a função liberal-garantís- tica3 de assegurar a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado "Leviatãf14. Noutras pala- vras, invocando agora duas expressões lisztianas que compõem o repertório clássico de citações do penalista: a "idéia de fim no direito penal"5, (estudo no qual LISZT apresentou seu programa de Marburgo, que marcou uma época), é a es- trela guia da política criminal, enquanto o có- digo penal, como "magna carta do delinquen- te", de acordo com a expressa declaração de LISZT, protege "não a coletividade, mas o indi- víduo que contra ela se levantou", concedendo a este o direito "de só ser punido sob os pres- supostos e dentro dos limites legais" 6. LISZT não desejava, portanto, o que seria a consequência de sua idéia de fim, isto é, que "o caso concreto .. ." 3. (N. do T.) A expressão traduzida é "rechtstaatlich-li- berale Funktion" . " Rechtstaat1icI-i" é uma adjetivaçáo do substantivo "Rechtstaat", Estado de Direito, sendo difícil encontrar uma correspondência perfeita em língua por- tuguesa. Optei pelo termo " garantístico", que será dora- vante utilizado toda vez que o texto original contiver o referido adjetivo. 4. Ob. e loc. cits. 5. Primeiramente publicado em ZStW, vol. 3, 1882, p. 1 e ss.; posteriormente em: Strafrechtl. Aufsatze und Vortrage, Vol. I , 1905, p. 126 e ss. 6. Ob. e loc. cits. à n. 1. pudesse "ser decidido de maneira vantajosa para a coletividade sem nenhuma das fórmulas arti- ficiais dos 'criminalistas ~lássicos"'~, mas pensa- va7: " Enquanto estivermos empenhados em pro- teger a liberdade do indivíduo em face do arbí- trio ilimitado do poder estatal, enquanto nos ativermos ao princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, a rígida arte de uma interpretação de leis que opere com princípios científicos man- terá a sua importância política." Desses fundamentos deriva que o objetivo dos esforços sistemáticoss será estranho a qualquer orientação político-criminal, devendo mesmo opor-se a ela. LISZT, a quem se pode atribuir a atual estrutura da teoria do delito em seus fun- -- 7. StraJ+echtl. Aufsatze und Vortrage, Vol. 11, 1905, p. 434. s. Os conhecimentos básicos jurídico-teóricos da com- trução de sistemas jurídicos dão-se por pressupostos, não podendo, nos limites deste trabalho, ser erigidos em ob- jeto de análise autônoma. Uma excelente introdução e síntese, inclusive com referências bibliográficas, dá-nos ENGISCH, Sinn und Tragweite juristischer Systematik (Sen- tido e alcance da sistemática jurídica), em: SG, 1957, pp. 173-190. Da literatura jurídico-penal mais antiga são de lembrar-se, principalmente: RADBRUCH, Der Handlungs- bepyf in seiner Bedeutung fur das Strafrechtssystem (O con- ceito de ação em seu significado para o sistema jurídico- penal), 1903; o mesmo, Zur Systemaiik der Verbrechenslehre (Sobre a sistemática da teoria do delito), Frank-Festausgabe (Edição em homenagem a Frank), vol. I, 1930, p. 158 e ss.; ZIMMERL, Der Aujbau des Strqfrechtssystems (A estru- tura do sistema jurídico-penal) , 1930. damentos, na última edição de seu manual" con- siderava "a verdadeira tarefa do direito penal: ver o crime e a pena como generalizações con- ceituais numa abordagem puramente técnico-ju- rídica; desenvolver os preceitos legais, ascenden- do até os últimos conceitos e princípios básicos, num sistema fechado". A ciência jurídica, a seu ver1', "deve ser e permanecer uma ciência defi- ni tivamen te sistemática: pois só a organização dos conhecimentos num sistema garante um do- mínio claro e sempre manuseável de todos os detalhes, domínio sem o qual a aplicação jurí- dica nunca passará de diletantismo, entregue ao acaso e ao arbítrio". Nestas referências se encontram as palavras- chave que retornam ainda hoje em nossos ma- nuais, quando é explicada a importância da sis- temática jurídico-penal. Assim é que se lê, por ex., em ~VVIZLZEL~~, sobre a ciência do direito penal: "Ela garante, como ciência sistemática, a uniformidade e a justiça da aplicação da lei, vez que só através do conhecimento das estruturas intrínsecas do direito vem tal aplicação a ser elevada além do acaso e do arbítrio." E em seu recente tratado escreve JESCHECK1"ue, sem a 9. 21~22%dição, 1919, pp. 1-2; primeiramente em: Stra- frechtl. Aufsatze und Vortrage, vol. I, 1905, p. 212 e ss. 10. Ob. cit., p. 2. 11. Das deutsche StraJfrecht, 11Qdiçã0, 1969, p. 1. 12. Lehrbuch des Strafrechts, Allgemeiner Teil, 1969, p. 136. estruturação sistemática do conceito de crime, a solução dos casos concretos permaneceria "in- segura e subordinada ao sentimento". "Os ele- mentos gerais do conceito de crime, que são sintetizados na teoria do delito, possibilitam uma jurisprudência racional e uniforme, desempe- nhando um papel essencial na garantia da segu- rança jurídica." Tudo isso vale independente- mente das transformações e mudanças de siste- mas, que, como se sabe, também hoje consti- tuem objeto de vivas controvérsias. Que a estruturação sistemática do material jurídico realmente conceda as vantagens acima descritas, não se pode negar. Permanece, po- rém, um certo desconforto, que sempre se in- tensifica quando se pergunta se o minucioso tra- balho sistemático de nossa dogmática, feito atra- vés de sutilíssimas precisões conceituais, não se caracterizaria por uma desproporção entre os esforços investidos pelos estudiosos e suas con- seqüências práticas. Se o que importa é somente organização, igualdade e domínio sobre a ma- téria, então todas as discussões sobre o sistema " correto" parecem pouco produtivas. Assim também declara Hellmuth MAYER~~: "Como o demonstra a história da dogmática, a matéria jurídica se deixa capturar nos mais distintos sis- 13. Strafrecht, Allgemeiner 'Teil, Kohlhammer Studienbuch 1967, p. 58. temas. Todos esses sistemas são úteis, se utiliza- dos de modo conseqüente." A exigência de que a pesquisa e a doutrina orientem seus esforços, isso sim, para questionamentos criminológicos e político-criminais tem aqui uma de suas fon- tes14. Uma outra crítica direciona-se contra a espé- cie de dogmática resultante da dicotomia lisztia- na entre direito penal e política criminal: se os questionamentos político-criminais não podem e não devem adentrar no sistema, deduções que dele corretamente se façam certamente garanti- rão soluções claras e uniformes, mas não neces- sariamente ajustadas ao caso. De que serve, po- rém, a solução de um problema jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada? Não será prefe- rível uma decisão adequada do caso concreto, ainda que não integrável no sistema? Quase se poderia responder afirmativamente a esta per- gunta, e permitir que se quebrasse a rigidez da 14. Assim é que pensa, por ex., Richard SCHMID, no prefácio ao seu volume Kritik der Strafiechtsrefomz (Críticada Reforma Penal), Edition Suhrkamp, 11-64, 1968, p. 9 - livro no mais pouco notável - que: "as funções garantísticas do direito penal" seriam "entretanto pouco importantes, porque óbvias"; compare-se, também, GIM- BERNAT Ordeig, Hat die StraJTechtsdogmatik eine Zukun.? (Tem futuro a dogmáticajurídico-penal?) , em: ZStW, vol. 82, 1970, p. 379 e ss. regra, por motivos político-criminais. Assim é que diz, por ex., JESCHECK, em continuação à justificativa do pensamento sistemático por mim citada15: "Não se podem desconhecer os perigos de uma dogmática reduzida a fórmulas abstratas: eles estão no fato de que o juiz passe a confiar no automatismo dos conceitos teóricos, não atentando, portanto, às peculiaridades do caso concreto. O essencial é sempre a solução do problema; exigências sistemáticas, por serem menos importantes, devem recuar para um se- gundo plano." SCHAFFSTEIN, meu admirado colega de Gottingen, em um estudo sobre a pro- blemática jurídico-penal do erro16, deixou em aberto o questionamento por ele feito "sobre a hierarquia entre as duas perspectivas". Mas tam- bém ele pensa que se deva primeiro enfrentar o problema valorativo orientando-se por consi- derações político-criminais, com independência de construções conceituais, e resolvê-lo autono- mamente, para só depois, numa segunda etapa, utilizar os resultados obtidos por " dedução 1ó- gico-dogmática" " para um controle complemen- tar". Ainda assim, pressupõe este procedimento, 15. Veja-se a nota 12. 16. Tatbestandszn-tum und Verbotszn-tum (Erro de tipo e erro de proibição), em: Gttznger Festschrift fur das Oberlandsge- richt Celle (Edição comemorativa de Gottingen para o Tribunal Superior de Celle) 1961, p. 175 e ss. (p. 178). como em JESCHECK, a possibilidade de corrigir soluções dogmático-conceituais através de solu- ções político-criminais discrepantes. Se considerarmos um tal método permitido, a função de construção sistemática de conceitos está mal servida. Pois ou esta quebra permitida dos princípios dogmáticos, através de valorações político-criminais, acabará abalando uma aplica- ção constante e não arbitrária do direito - caso em que todas as vantagens da sistemática acima apontadas serão perdidas; ou se demonstra que uma solução diretamente valorativa do proble- ma não fere de modo algum a segurançajurídica e o domínio do material jurídico - caso em que se pergunta para que serviria ainda o pensamen- to sistemático. Estas desestimulantes dificuldades espelham uma crise, na qual recentemente caíram o pen- samento sistemático em geral e as teorias do delito em especial. Um sintoma disso é que a polêmica em torno da teoria finalista da ação e de suas conseqüências, que na década de cin- qüenta levou às mais acaloradas discussões, hoje desperta muito pouco interesse. Não se acredita mais em soluções deduzidas de conceitos siste- máticos superiores, e menospreza-se a capacida- de de rendimento prática de tais categorias1'. Por outro lado, basta imaginarmos um direito 17. Isto vem ressaltado cada vez com maior freqüência nas controvérsias em torno do conceito de açáo. Com- parem-se, por ex., GALLAS, Zum gegenwartigen Stand der Lehre vom Verbrechen (Sobre o estado atual da teoria do delito), em: ZStW, vol. 67, 1955, p. 1 e ss., passim; agora em: Beitrage zur Verbrechenslehre (Contribuições para a teo- ria do delito), 1968, p. 19 e ss.; também meu estudo Zur Kntik der finalen Handlungslelzre (Contribuição à crítica da teoria finalista da ação), em: ZStW, vol. 75, 1962, p. 515 e ss.; SCHONKE-SCHRODER, Strafgesetzbuclz, Kom- mentar, 15%dição, 1970, nota preliminar n. 36: " Quanto ao mais, o conhecimento de que o conceito de ação é doçmaticamente inútil deve propagar-se"; BAUMANN, Strafrecht, Allg. Teil, 5%dição, 1969, p. 131, pensa que "a discussão sobre a estrutura da açáo punível ganhou im- portância excessiva na dogmática atual, em prejuízo de outros temas"; assim também SCHMIDMUSER, Stra- freclzt, Allgemeiner Teil, 1970, p. 145: " São jus tificadas todas as reservas que se fizeram ao conceito de ação ou sua recente supervaloração." Também Arthur KAUFMANN observa (Festschrift fur Hellmuth Mayer [Estudos em home- nagem a Hellmuth Mayer], 1966, p. 80) que o conceito de ação "i150 pode desempenhar tudo o que muitos parecem esperar dele". Isto vale, mutatis mutandis, para as deduções que se fazem de outras categorias sistemáti- cas. A solução de problemas dificultosos (como a disci- plina do erro de proibição ou da participação em ação não dolosa) 1150 pode, como antigamente com freqüên- cia se considerava, depender do posicionamento sistemá- tico do dolo no tipo ou na culpabilidade. É através dessa resignação em face do tradicional pensamento sistemá- tico que se explica o que, por ex., escreve BAUMANN penal sem parte geral, para concluirmos que o desprezo a uma teoria do delito, tanto genera- lizadora, como diferenciadora, em favor de uma "valoração" individual, faria nossa ciência retro- ceder vários séculos, relançando-a naquele esta- do de " acaso" e " arbítrio", que é lembrado des- de os tempos de LISZT por todos os apologistas do sistema. Se, portanto, a possibilidade de des- vencilhar-se do sistema não é seriamente discu- tível'' e as críticas acima feitas permanecem in- tocadas, é de supor-se que não se dirijam elas no prefácio de seu livro (desde a 1-dição, 1960) : " Não é concedida atenção excessiva às cor-itrovérsias teóricas sobre a sistemática do conceito de delito ..." 18. E ainda menos no direito penal, onde o princípio nullum-cnmen faz com que seja dada uma importância à segurança jurídica maior que nas outras disciplinas do direito. Daí se explica que as vivas discussões ocorridas no direito civil em torno do pensamento tópico tenham encontrado tão pouca ressonância no direito penal. Com- parem-se, porém, WURTENBERGER, Diegeistige Situation der deutschen Strafrechtswissensclzaft (A situação espiritual da ciência do direito penal alemã), 2" edição, 1959; RO- XIN, Taterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato), lV2%dição, 1963/67, p. 587 e ss.; ANDROULA- KIS, Studien zurl'roblematik der unechten Unterlassungsdelikte (Estudos sobre a problemática dos delitos omissivos im- próprios), 1963; LUDERSSEN, Zum Strafgrund der Teil- nahme (Sobre o fundamento da punição da participação), 1967, p. 30 e ss.; bastante crítico, WELZEL, Das deutsche Strafrecht, ll%dição, 1969, p. 116; quanto a WELZEL, veja-se minha resenha em ZStW, vol. 80, 1968, p. 712 e ss. ao próprio pensamento sistemático, mas a pre- missas errôneas em seu desenvolvimento dogmá- tico. De fato, penso que ainda hoje arrastamos conosco na teoria do delito a herança do posi- tivismo, que cunhava de modo exemplar o pen- samento de LISZTlg; e eu tentarei demonstrar que as aporias acima apresentadas têm aqui a sua causa. O positivismo como teoria jurídica caracteri- za-se por banir da esfera do direito as dimensões do social e do político. Exatamente esse pensa- mento, por LISZT tomado como um óbvio axio- ma, fundamenta a oposição entre direito penal e política criminal: o direito penal só será ciência jurídica em sentido próprio, enquanto se ocupar da análise conceitual das regulamentações jurí- dico-positivas e da sua ordenação no sistema. A política criminal, que se importa com os conteú- dos sociais e fins do direito penal, encontra-se fora do âmbito do jurídico. Aos seus cultores resta somente o apelo ao legislador e o espaço quase livre do direito (der quasi rechtsfreie Raum) que era a execução penal, na qual tam- bém LISZT tentou influir de modo socialmente 19. De modo similar aponta também SCHMIDJX~USER, Strafrecht, Allgemeiner R i l , 19'70, p. 145, que as premissas sistemáticas jurídico-penais de LISZT seriamerrôneas. As correlações com o liberalismo positivista, porém, não são traçadas na exposição de SCHMIDMUSER, cuja crí- tica em muitos pontos se assemelha à aqui feita. reformador'' com sua conhecida doutrina dos tipos de autor2'. A lei, porém - e também o código penal -, "não é instrumento de reforma social2*, mas somente meio de reestabelecimen- to e de ordenação das liberdades coexi~tentes"~~; ou, ao menos, assim era compreendida pelos teóricos do Estado de Direito liberal, entre os quais estava LISZT. Atualmente, porém, a tarefa da lei não se esgota mais nesta função garantí~tica*~. Qual- 20. (N. do T.) O termo "sozialgestaltend" é de difícil tradução. " Gestalt" significa forma; " gestaltend" é for- mador, o que dá forma. Optei pelo termo reformador, mais condizente com o sentido contextual em que a expressão se encontra. 21. (N. do T.) Tal doutriria prevê que a pena tenha uma finalidade distinta, consoante o tipo de autor a que se aplique: visa a corrigir os corrigíveis, intimidar os ocasio- nais, e tornar inofensivos os habituais, náo corrigíveis nem intimidáveis. (LISZT, Der Zweckgedanke im Strafrecht [A idéia de fim no direito penal], em: Strafrechtl. Aufsatze und Vortrüge, vol. I, Berlin, 1905, p. 126 e ss., p. 163.) 22. (N. do T.) Como na nota 20. 23. Como expressou BADURA em sua clara exposição sobre o Venualtungsrecht des liberalen Rechtsstaates ( O Direi- to administrativo do estado liberal de direito), 1967, p. 25. 24. (N. do T.) Veja-se nota 3. quer jurista sabe, por exemplo, da posição do- minante que atingiram no direito administrativo as formas jurídicas da administração prestadora ao lado da tradicional administração de inter- venção, vinda do século passado25; e a doutrina jurídico-administrativa já se pôs em dia com esta realidade. De maneira análoga deve ser reco- nhecido também no direito penal - mantendo intocadas e completamente íntegras todas as exi- gências garantísticas - que problemas político- criminais constituem o conteúdo próprio tam- bém da teoria geral do delito2(j. O próprio prin- 25. (N. do T.) Os termos originais são "Leistungsvenval- tung" (que traduzi por administração prestadora), e "Eingriffsvenvaltung" (cliarnei de administração de in- tervenção). A primeira dessas espécies de admiiiistração tem um sentido positivo, atua de forma estimulante: "preocupa-se com a possibilidade e melhoria da vida dos membros da comunidade, estimulando e distribuindo a busca de interesses diretamente, através de garantias. Ela expande a posição jurídica do indivíduo". A segunda parece atuar negativamente, tolhendo os indivíduos: "ocupa-se com a boa ordem da comunidade, através de limitações regulamentares da busca de interesses dos SLI- bordinados à administração". (WOLFF/BACHOF/STO- BER, Vmaltungsrecht I (Direito administrativo I), 10"di- ção, Beck, 1994, n. 3/5-6). 26. Compare-se, sobre o tema, também WURTENBER- GER, Strafrechtsdopatik und Soziologze (Dogmática jurídi- co-penal e sociologia), em: KriminaZpolitik im sozialen Rechtsstaat (Política criminal no estado social de direito), 1970, p. 27 e ss. cípio nullum-crimen possui, ao lado de sua função liberal de proteção, a finalidade de fornecer di- retrizes de comportamento; através disto, torna- se ele um significativo instrumento de regulação socialz7. E isto ocorre também em todos os cam- pos da teoria do delito: quando, por ex., nossos tribunais se deparam com o problema de se o injustamente agredido pode defender-se com uma arma ou se é de se lhe exigir que fuja, isso só aparentemente se trata de uma delimitação entre esferas de liberdade e de ação - pois até aí, a tese rigorista de que o direito nunca precisa ceder ao injusto concede a solução mais clara; na realidade, procura-se solucionar as situações de conflito de modo mais socialmente correto e flexível. E quando dissertamos sobre a punibi- lidade daquele que em sua atividade proibida erra de qualquer forma ou desiste de uma ten- tativa, temos diante de nós problemas de natu- reza puramente político-criminal, que - para dizê-lo com JESCHECK - não podem ser solu- cionados adequadamente com o " automatismo dos conceitos teóricos". 27. (N. do T.) Novamente, a palavra " Sozialgestaltung" . Preferi, entretanto, traduzi-la agora como regulaçáo so- cial, e não como reforma, porque quem fornece diretri- zes de comportamento quer, antes de reformar algo, regular. O contexto da nota 20 é radicalmente distinto, pois corrigir presos é fazer efetiva reforma, é modificar a sociedade, e não só regulamentá-la, dar-lhe regras. Isto não é, naturalmente, nada de novo; a realidade se impõe em qualquer exame pouco cuidadoso dos fatos da vida. Mas não se pode dizer que tais conhecimentos tenham sido pro- cessados metodológica e sistematicamente de modo satisfatório. Para uma teoria do delito que, à maneira positivista, exclui todos os pontos de vista político-criminais, sendo concebida como -- - -- pura classificação formal, a única saída é a já explicada "correção valorativa". Assim, é possí- vel - se me permitem permanecer no âmbito dos exemplos já utilizados -, no que se refere à legítima defesa contra ataques de crianças, de- clará-la em si permitida nos limites do necessá- rio, já que também as crianças podem agir an- tijuridicamente; mas como, mesmo assim, lesões graves a crianças, enquanto não forem inadia- velmente necessárias, parecem inaceitáveis para a consciência atual2', dever-se-ia exigir em tais casos que o agredido fugisse. Ou também se pode, como fez o E 196ZZ9, admitir um fato do- 28. Assim diz, por ex., JESCHECK, Allgemeiner Teil, 1969, p. 231: "O direito de defender-se deve terminar ali, onde o seu exercício feriria o sentimento jurídico de maneira grave." O que significa, neste contexto: "Também a exi- gência de que se deva escapar (...) do ataque de crianças é justa." 29. (N. do T.) Trata-se do Projeto Governamental de Có- loso no erro sobre os pressupostos de justifica- ção, em virtude de razões dogmático-sistemáti- cas, aplicando-se, por considerações político cri- minais, a pena do crime negligente3'. 31&m tal --- procedimento ultrapassa a separação lisztiana entre direito penal e política criminal, pois abre caminho para que valorações político-criminais se introduzam na parte geral; mas mantém a separação em sua íntegra, pois ambas as esferas permanecem desvinculadas, uma ao lado da ou- tra. Desta maneira surge uma dupla medida, que faz com que possa ser dogmaticamente correto o que é .político-criminalmente errado, e vice- versas2. Já demonstrei anteriormente que isso significa uma desvalorização da importância do sistema. Mas também os interesses político-cri- digo Penal, de 1962 (Eiitwurf-1962), que depois foi plas- nado ao Projeto Alternativo (chamado AE, ou Alterna- tiv-Eritwurf), dando origem à 2"ei de Reforma, que instituiu a nova Parte Geral do Código Penal alemão. 30. Tratei deste método, de maneira profunda e crítica, no meu estudo Die Behandlung des Irrtums im Entwurf 1962 (O tratamento do erro no Projeto Governamental 1962), em: ZStW, vol. 76, 1964, p. 582 e ss. 31. (N. do T.) Optei por seguir a sugestão terminológica de Juarez TAVARES, que prefere valer-se das palavras negligência e delito negligente para designar o que a doutrina tradicionalmente chama de culpa e delito cul- poso (Direito penal da negligência, RT, São Paulo, 1985, p. 128). 32. Veja-se o estudo citado à nota 30, p. 585 e ss. minais ficam mal servidos com um tal proceder. Pois enquanto os fundamentos da valoração pro- vierem do sentimento jurídico ou de orientações isoladas, sem encontrar apoio na lei, permane- cerão eles turvos, casuais e sem poder de con- vencimento ~ i e n t í f i c o ~ ~ . Isso se nota de maneiraespecialmente crassa na teoria da participação, onde o desenvolvimento da jurisprudência levou a que a distinção entre autor e partícipe fosse feita sem orientação alguma em categorias siste- máticas, à livre discrição do ISSO foi tor- 33. Também quanto a isso, ob. cit., p. 587 e ss. 34. Quanto a este desenvolvimento comparem-se, apro- fundadamelite, o meu livro sobre i~tersclzaft und 'latlzerr- schaft (Autoria e domíriio do fato), 2"dição, 1967, p. 612 e ss.; também JESCHECK, Allgemeiner ièil, 1969, p. 433: "Na jurisprudência, a distinção entre autoria e partici- pação está entregue 2 discricionariedade do juiz de fato." 35. (N. do T.) A jurisprudência alemã adotou, por bas- tante tempo, a cllamada teoria subjetiva da autoria e da participação. Partindo do pressuposto de que toda con- tribuição causal era equivalente, coiicluía ser impossível encontrar qualquer diferença entre autor e partícipe no plano objetivo. Daí porque se tornaria necessário recor- rer a um difereiiciador subjetivo: autor só poderia ser aquele que atuasse com animus auctoris, a vontade de autor, desejando o ato corno próprio; e partícipe, aquele que agisse com animus socii, vontade de partícipe, dese- jando o ato como alheio. (Veja-se, por ex., MAU- RACH/GOSSEL, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Vol. 11, 7"di- ção, C. F. Müller Juristischer Verlag ~eidelberg , 1989, 47/50.) Tal teoria levou a conclusões inadmissíveis, tais como a possibilidade de que o sujeito que praticasse o nado possível porque o aparente critério distin- tivo da "vontade de autor", que não existe como realidade física, é utilizado de tal maneira pela jurisprudência, que se determina, através de uma valoração imediata, quem merece a pena por autoria, quem por participação; é de acordo com o resultado dessa decisão que se nega ou afirma a vontade de autor. As conseqüências dessa jurisprudência são conhecidas: as senten- ças contradizem-se entre si de maneira grossa, e a frase, de já 60 anos, que caracterizou a teoria da participação como "o mais sombrio e confuso capítulo da doutrina tornou-se lugar comum. crime dolosainente de mão própria fosse considerado mero partícipe (ob.cit., 47/58: o famoso caso da banliei- ra, em que a irmã de uma part~iriente matou a pedidos desta o recém-nascido, afogando-o numa banheira; e o caso Stacliiilski, no qual um agente russo assassinou duas pessoas com uma pistola de gás, por ordem de um órgão do governo soviético) . ROXIN ( Strafiecht - Allgemeiner Teil, Vol. I, 3Qdiçã0, C. H. Beck, 1997, 7/74) e STRA- TENWERTH (Strafrecht - Allgemeiner Teil, Die Strafat, 3" edição, Heyrnaiins, 1981, 12/748) apontam que tal teoria foi construída também para contornar a rigidez e a in- flexibilidade da pena (que era a de morte, à época da prática do caso da banlieira, e prisão perpétua, à época do caso Stacliiilski), prevista para o homicídio qualifica- do (Mord) , possibilitando-se a aplicação de uma reduzida pena de partícipe. 36. Ela vem de KANTOROWICZ, em: MSchrKnm, 1910, p. 306; foi depois retomada por BINDING, Strafrechtl. und De todo o exposto, fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal forma que a fundamentação legal, a clareza e previsibilidade, as interações harmônicas e as conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão for- mal-positivista de proveniência lisztiana. Submis- são ao direito e adequação a fins político-crimi- nais (kriminalpolitische ZweckmaBigkeit) não podem contradizer-se, mas devem ser unidas numa síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos incon- ciliáveis, mas compõem uma unidade dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Es- tado planejador e providencialista que não aco- lha as garantias de liberdade do Estado de Di- reito. Isto fica especialmente nítido hoje em dia, na reforma do sistema das sanções e da execução penal: ressocialização não significa usar de penas indeterminadas ou colocar os condenados à dis- posição do tratamento forçado estatal. A refor- ma só fará justiça ao encargo constitucional se Strafprozessuale Ablzandlungen (Estudos de direito penal e processual), vol. I, 1915, p. 253, e desde então por nu- merosos autores. fortalecer, através da introdução dos modernos métodos teraupêtico-sociais, a posição jurídica do aprisionado, se der uma estrutura jurídica à figura pouco explicável da relação especial de poder37 ". A própria coisa o exige; pois dificil- mente se compreende uma educação para uma vida legal, na liberdade de um Estado de Direito, 37. Fundamental a respeito da "relação especial de po- der", bem como para a sua crítica, SCHULER-SPRINGO- RUM, Strafvollzug im Ühergang (Execução perial em trans- formação), 1969. Para a síntese entre o Estado de Direito e o Estado Social no sistema sa~~cionatóno compare-se também meu estudo sobre Franz von LISZT und die kri- mina~olitisclze Konzeetion des Alternativentwurfs ((Fraiiz v. LISZT e a concepção político criminal do Projeto Alter- nativo), em: ZStW, vol. 81, 1969, p. 613 e ss. (637 e ss.) [Este estudo foi traduzido para o português, e está pu- blicado na coletânea Problemas Fundamentais de Direito Pe- nal, 2Qdiçã0, Veja Editora, 1993, Lisboa, pp. 49-89 (N. do T.) .] 38. (N. do T.) As relações especiais de poder (besondere Gewaltverlialtriisse) são aquelas que pressupõem uma maior proximidade do indivíduo ao Estado, por estar aquele agindo no campo de uma instituição estatal. Exemplos seriam a situação dos estudantes em escolas públicas, dos soldados, dos presos (EHLERS em: ERICH- SEN (org.) , Allgemeines Vmaltungsrecht (Direito adminis- trativo geral), 11 "dição, DeGruyter, Berlin / New York, 1998, 4/20). Este conceito, que era utilizado principal- mente para justificar a inoperância dos direitos e garaii- tias fundamentais nas apontadas situações (o estudante não teria direito à liberdade dentro da escola, o preso 1150 teria direito ii intimidade), caiu em descrédito, pelo seu evidente autoritarismo (ob. e loc. cits.). através da supressão de todas as liberdades. Tam- bém o direito da medida da pena3" que só no pós-guerra alcançou status de disciplina autôno- ma, desenvolve-se não no sentido da discricio- nariedade de uma valoração individual pelo juiz, mas, muito pelo contrário, esforça-se por alcan- çar uma ordem sistemática e uma controlabili- dade racional dos critérios de medida da pena político-criminalmen te mo tivados4'. A unidade sistemática entre política criminal e direito penal, que no meu entender também deve ser realizada na construção da teoria do delito, é somente o cumprimento de uma tarefa que é colocado a todas as esferas de nossa ordem jurídica. Até agora, porém, não foram feitas ten- tativas globais nesse sentido na dogmática da parte geral. A estrutura do crime, cujo modelo standard da doutrina e da jurisprudência encon- tramos com diversas variações nos diferentes au- tores, parece muito mais um conglomerado de vários estilos de época. 1. Fruto de um ponto de partida positivista, chegou-nos um sistema classificatório, na forma de uma pirâmide conceitual, de modo bastante 39. (N. do T.) A palavra alemã é " Strafzumessu~~gsrecl:t", e indica o raino do direito que estuda a fixação da medida da pena pelo juiz. 40. Fundamental a respeito é a obra de H.-J. BRUNS, Strafzumessungsrecht, Allgmeiner iei l (Direito da medida da pena, Parte Geral), 1967. análogo ao sistema de plantas de Lineu": a cons- trução ergue-se da massa dos elementos do crime através de sucessivas abstrações4', feitas estrato por estrato, até chegar ao conceitosuperior e genéri- co da ação. A causa pela qual um sistema fechado, surgido de tal maneira, nos afasta da solução de nosso problema, eu já a tentei explicar: ele isola a dogmática, por um lado, das decisões valorativas político-criminais, e por outro, da realidade so- cial, ao invés de abrir-lhe os caminhos até elas. 2. A metodologia referida a valores do neo- k a n t i ~ m o ~ ~ , que era dominante na década de 41. A comparação com o sistema de plantas de Lineu vem de RADBRUCH, Prank-Festgabe (Edição de homenagem a Fraiik), Vol. I, 1930, p. 158; ela é retomada agora também por SCHMIDHAUSER, Zzcr Systematik der Verbre- clzenslehre (Sobre a sistemática da teoria do delito), em: Gedaclztn.isscl~n~ fur Gustav Radbruch ((Estudos em memó- ria de Gustav Radbrucl:), 1968, p. 269. 42. Ein LISZT diz-se, sobre a "ordeilação sistemática" (em: Strafrechtl. Aufsatze und Vortrage, vol. I, 1905, p. 215): "Cada vez mais alto ascende ela, no carninlio da abstra- ção, do conceito particular ao mais geral." 43. Esta evolução, ii~flueiiciada pelos traballios jurídico- filosóficos da escola do sudoeste aleinão (Wiiidelband, Lask), encontrou acolliida no direito penal (priricipal- inerite pelos escritos de RADBRUCH, MEZGER, Enk WOLF, GRUNHUT e SCHWINGE), e aqui se supõe co- nhecida. Finalizando: MITTASCH, Die Auszuirkungen. des wo-tbaielzenden Denkms in der Strafrechtsystematik (As con- seqiiências do peilsamer-ito referido a valores na sisteiná- tica jurídico-penal) , 1939. vinte, poderia ter chegado a um novo "quadro do sistema do direito penal", se tivesse tomado como critério, ao qual deveriam referir-se todas as entidades dogmáticas, as decisões político-cri- minais. Mas jamais foi construído a partir desses fundamentos um sistema em oposição à estru- tura lógico-formal da antiga teoria do delito44 capaz de estabelecer-se. A evolução somente - mas pelo menos - levou a que, na teoria do tipo, surgisse a interpretação em função do bem jurídico4" e se desse um suporte normativo às causas de justificação, com a teoria da assim cha- mada antijuridicidade material46, e à culpabilida- de, através de sua fundamenta;'Fão pelo elemen- 44. ENGISCH, SG, 1957, p. 184, diz acertadamente que o sistema classificatório de LISZT "permanece ainda hoje por trás de nossa teoria do delito". Notável é que EN- GISCH, apesar de um tratamento exaustivo do sistema teleológico (ob. cit., p. 178 e ss.), não formule nenhum exemplo da teoria geral do delito. 45. Quaiito a isto, especialmente, SCHWINGE, Teleologi- sche Begmffsbildung i m Strafrecltt (Construção teleológica de conceitos no direito penal), 1930. 46. Aprofuiidadamente, HEINITZ, Das Probbm der mate- riellen Reclzts7uid?agkeit (O problema da antijuridicidade material) 1926, e: Zur Entwicklung der Lehre von der mate- riellen Reclztszuidrigkeit (Sobre o dese~ivolvimen to da teoria da an tij~tridicidade material), em: Festsclzrift für Eberlzard Sclzmidt (Ediçáo em homenagem a Eberhard Schmidt), 1961, p, 266 e ss. mento da " reprovabilidade" 47 :idéias das quais $ . brotaram tanto a excludente e i ~citu e o es- tado de necessidade s ~ ~ r a l e g a l ~ ~ ? 4" como o con- ceito da exigibilidade5' na teoria da culpabilida- de. Esta incorporação de valorações político-cri- minais na hierarquia positivista-conceitual da 47. Esse assim chamado coiiceito norinativo de culpabili- dade, hoje absolutamente dominante, é atribuído a FRANK, lher den A u . a u des Sclzuldbegriffs (Sobre a estru- tura do conceito de culpabilidade), em: Festschnit für die juristische Fakultat i n GieJen (Ediçáo comemorativa para a Faculdade de Direito de GieBen) 1907, p. 521 e ss. 4s. Aprofundadamerite, LENCKNER, Der recktjèrtigende Notstand (O estado de necessidade justificante), 1965. 49. (N. do T.) O estado de necessidade justificante é aquele em que se sacrifica bem de menor valor para salvar outro de valor superior. Costumava ele ser também chamado de supralegal, porque não vinha previsto ex- pressamente no anterior StGB, tendo sido desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência (com destaque para a famosa sentença do Reicl-isgencht, dos fins da década de 20, que considerou justificado o aborto com o fim de evitar o perigo de suicídio da mãe), baseando-se na teoria da antijjuridicidade material. Hoje, esta causa de justifi- cação está legalmente tipificada, no 5 34, do StGB. (Veja- se, por ex., SAMSON, em: RUDOLPHI/ HORN/ GUNT- HER/ SAMSON, Systematischer Kommentar zum Strafgesetz- buch, '7"diçáo, Luchterhand, Berlin, 1997, S 34/1-3.) 50. Quanto a isso, um resumo e novas concepções em HENKEL, Zumutbarkeit und Unzumutbarkeit als replatives Reclltsprinzip (Exigibilidade e inexigibilidade como prin- cípio jurídico regulativo), em: Festschrift für Mezger (Estu- dos em homenagem a Mezger). teoria do delito criou uma ambigüidade sistemá- tica, que se espelha na bipartição entre uma perspectiva formal e material. Quando a inter- pretação de tipos, avalorada e quase automática, em correspondência ao ideal positivista-liberal, não alcança soluções claras ou aceitáveis, a so- lução é procurada teleologicamente, através do bem jurídico protegido. Quando, após o exame da antijuridicidade formal, a busca por uma cau- sa escrita de justificação se mostra infrutífera, mas o juízo de antijuridicidade parece político- criminalmente errôneo, pode-se chegar à nega- ção da antijuridicidade material através de uma ponderação de bens e interesses. Ao mesmo tem- po, na teoria da culpabilidade, a rigidez dos pre- ceitos da lei positiva é atenuada por considera- ções de exigibilidade. Todas essas iniciativas re- velam valiosos pontos de partida para a introdu- ção de orientações político-criminais no traba- lho dogmático, mas também para aquele enfra- quecimento individual-valorativo do sistema, cuja questionabilidade já se demonstrou e que impediu que, por ex., fossem reconhecidas am- plamente a teoria do fim5' como formulação do 51. (N. do T.) Refere-se o autor à chamada " Zwecktheo- riem , defendida por DOHNA e LISZT, que via como fun- damento material do estado de necessidade que o com- portamento típico constituísse um justo meio para um justo fim (veja-se ROXIN, Strafrecht.. . , 14/38). estado de necessidade supralegal ou a inexigibi- lidade como causa geral de exclusão de culpa- bilidade. 3. A teoria finalista da ação, com sua volta para as estruturas Ônticas e para a realidade so- cial, conseguiu, com sucesso, aproximar a dog- mática penal da realidade, e devolver à teoria da ação e do tipo a plasticidade de verdadeiras descrições de acontecimentos. O finalismo, po- rém, através de seu método lógico-axiomático52 de deduzir soluções jurídicas de dados do ser - especialmente de um conceito de ação tido como préjurídico -, criou um sistema que, por um lado, diferencia-se fundamentalmente da clássica tripartição positivista-causal, mas que, por outro, não confere espaço autônomo a di- retrizes político-criminais na dogmática. Com ra- zão notou SCHAFFSTEIN~~, que se sente vincu- lado à teoria finalista da ação, que nela "a ênfase recai sobre a construção lógico-conceitual". A 52. Confira-se WELZEL, Aktuelle StrafreccAtsprobleme im Rah- men derfinalen Handlungsle/~re (Problemas jurídico-penais atuais no âmbito da doutrina finalista da ação), 1953, p. 3: "A teoria finalista da ação (...) parte de axiomas e utiliza métodos, que são estritamente contrários aos da prática científica dominante no direito." 53. Tatbestands- und Vèrbotsintum (Erro de tipo e de proi- bição) , em: Gottinger Festscltn~ fur das Oberlandesgericht Celle, 1961, p. 176. Compare-se, também, ob. cit., p. 178: WELZEL teria "dado à dedução lógico-dogmática um impulso de que desde Binding não se tinha notícia". tensão entre deduçõessistemáticas e valorações imediatas de que nós partimos não consegue ser superada54 pelo finalismo. Esta rápida marcha pela história de nossa metodologiajurídico-pena155 mostrou-nos que as três exigências principais, com as quais se pode construir um sistema frutífero - ordem e cla- reza conceitual, proximidade à realidade e ori- entação por fins político-criminais -, são reali- zadas pelos diferentes desenvolvimentos das pre- missas metodológicas pela chamada " doutrina dominante" de maneira parcial e unilateral, com desprezo dos demais aspectos. Por isso é que hoje, mais do que antigamente, me parece 54. (N. do T.) Emprega o autor o termo hegeliano "auf- gehoben", que significa tanto suspenso, quanto supera- do. Na filosofia de Hegel, tese e antítese são suspensas, superadas, pela síntese. 55. Bons esboços da evolução dos sistemas jurídico-penais se encontram em JESCHECK, Allgerneiner Teil, 1969, S 22: " Die Entwicklungsstufen der neueren Verbrechensleh- rem, (As etapas de desenvolvimento da nova teoria do delito), p. 138 e ss., e em SCHMIDHL~USER, Allgemeiner i'eil, 1970, 7Qapítulo: " Die Entwicklung der Straftatsys- ternatik in der neueren deutschen Strafrechtswissens- chaft" (A evolução da sistemática penal na recente ciên- cia alemã do direito penal). necessário que nosso tema se torne objeto de reflexões científicas e de consideração para a construção sistemática. Se me permitirem tomar GOETHE" como testemunha, desejo expressá- 10 com as suas palavras: "Antigos fundamentos se honram, mas não se pode abdicar do direito de, em algum lugar, começar tudo outra vez." Uma tal tentativa, que vou apresentar em suas linhas fundamentais, precisa partir da premissa de que cada categoria do delito - tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade - deve ser ob- servada, desenvolvida e sistematizada sob o ân- gulo de sua função político-criminal. Essas fun- ções são de espécies diversas: o tipo está sob a influência da idéia de determinação legal5', à qual a legitimação da dogmática por muitas ve- 56. Dos Anos de peregrinação de Willzelm Meistc hoje im- presso majoritariamente em Máximas e Reflexões. A nume- ração é feita diferentemente em cada edição; na Arte- mis-Gedenkausgabe se trata da máxima de n. 548. 57. (N. do T.) O termo é "Gesetzesbestimmtheit", que sintetiza a exigência co~lstitucional de que a lei, especial- mente a penal, seja clara e determinada: nullum crimen sine lege certa (veja-se, por ex., JESCHECK-WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts - Allgemeiner Teil, 5%dição, Dunc- ker & Humblot, Berlin, 1996, § 15, n/', 3). Na Alemanha, costuma-se chamar esta idéia de "Bestimmtheitsgebot" (ob. e loc. cit.), o que, ao pé da letra, se traduziria como comando de determinação. Porém, quando este termo surgir, traduzi-lo-ei pela expressão "princípio da determi- nação", que me parece mais clara, apesar de nenhuma das duas pertencer ao nosso corrente vocabulário jurídico. zes é reduzida; os tipos servem, na verdade, ao cumprimento do princípio nullum-crimen, deven- do ser estruturados dogmaticamente a partir dele5'. A antijuridicidade, pelo contrário, é o âm- bito da solução social de conflitos, o campo no qual interesses individuais conflitantes ou neces- sidades sociais globais entram em choque com as individuais. Sejam intervenções policiais, que precisam ser equacionadas com o direito geral da personalidade e a liberdade de ação do cida- dão, seja a exigência de uma decisão para uma situação de necessidade, atual e imprevisível: sempre se trata da regulação socialmente correta de interesse e contra-interesse. Esta concepção, certamente, não é novidade alguma. Mas as con- seqüências dogmáticas e sistemáticas que dela se poderão extrair, em comparação 5 interpre- tação dos tipos, ainda não estão suficientemente claras. Por fim, a categoria do delito que tradi- cionalmente se chama de culpabilidade, e que 58. Obviamente também nos tipos surgem soluções de conflitos sociais. Elas são o resultado das considerações legislativas, quanto a se um comportamento pode ou não ser criminalizado. Mas trata-se de decisões legislativas político-criminais de espécie pré-codificadora. O traba- lho dogmático parte de tipos já dados. Ele não deve, portanto, atentar primariamente a considerações de me- recimento de pena, mas deixar-se guiar pelo princípio nullum-cm'men: uma possível analogia que ultrapasse o sentido literal possível não é permitida, ainda quando a ratio da apenação legal a favoreça. tem na verdade pouco a ver com a comprovação, empiricamente difícil, do poder-agir-de-outro- modo, importa-se muito mais com a questão nor- mativa de como e até que ponto é preciso aplicar a pena a um comportamento em princípio pu- nível, se for ele praticado em circunstâncias ex- cepcionais. Para responder a esta pergunta de- vem ser levadas em conta no trabalho dogmático tanto a função limitadora da pena desempenha- da pelo princípio da culpabilidade, como con- siderações de prevenção geral e especial. Se, por exemplo, o estado de necessidade exculpa com menor facilidade o que pertence a uma profissão de enfrentamento de riscos (como o policial ou o bombeiro) que um outro qualquer, é nitida- mente a proteção dos bens jurídicos, ou seja, um interesse da coletividade, que exige aqui a sanção. Uma situação análoga ocorrida com aquele que não detém um dever social específico poderá isentá-lo de sanção, vez que ele não pre- cisa ser ressocializado, e, por causa da excepcio- nalidade da situação, igualmente não poderá dar um mau exemplo. Vendo-se as coisas desta forma, são o postulado do princípio nullz~m-crimen, a regulação social me- diante ponderação de interesses em situações de conflito e as exigências das teorias dos fins da pena, que formam o substrato político-criminal sobre o qual descansam as nossas conhecidas ca- tegorias do delito. Duas delas, isto é, a teoria da tipicidade e da culpabilidade, devem ser interpre- tadas através de máximas especificamente jurídi- co-penais, enquanto o âmbito da antijuridicidade leva em conta tarefas de toda a ordem jurídica. A isto corresponde o fato de que as excludentes de ilicitude surjam de todos os campos do direito, irmanando o direito penal com os outros ramos do direito, na unidade da ordem jurídica. Nossa próxima investigação deve ser dedica- da à questão de como se pode desenvolver o sistema a partir dessas premissas. Começaremos com a doutrina do tipo. É conhecido que se pode distinguir entre os mais diferentes elemen- tos e espécies de delitos, que também costumam ser apresentados de maneira confusa e pouco criteriosa sob esta rubrica. Do nosso ponto de vista, porém, deve ser tomado como o critério principal de diferenciação sistemática a maneira como as exigências do postulado nullz~m-crimen são realizadas pelo legislador. Deixando de lado as construções típicas incomuns, notamos que existem para tanto dois métodos fundamental- mente distintos, de que o legislador também se utiliza variadamente. O primeiro consiste numa descrição tão exata quanto possível de ações: " Quem, através de violência contra uma pessoa, ou ameaça de perigo atual para o corpo ou a vida, subtrai a outrem coisa alheia móvel na in- tenção de apoderar-se dela antijuridicamente" 59 - esta é uma descrição de fatos externos e in- ternos que juntos nos mostram um ladrão em ação. Pode-se falar aqui de um delito de ação. O legislador vale-se de um segundo método, po- rém, preferentemente onde lhe interessam não tanto as características da conduta, porque o fundamento da sanção está em que alguém in- fringe as exigências de um papel social por ele assumido. Quando o § 266 do S~GB~O ameaça com uma pena aquele que "viole seu dever de cuidar de interesses patrimoniais alheios",então está claro que é indiferente o modo pelo qual o autor pratica esta conduta, desde que ele viole sua obrigação de modo a causar lesões patrimo- niais. O legislador realiza, nestes casos, o prin- cípio nulla-poena referindo-se a deveres entre as partes oriundos da esfera extra-penal. O que existe de criticável, de um ponto de vista garan- tístico, no S 266, está não na ausência de uma descrição de conduta, mas na falta de clareza 59. (N. do T.) É o 242, do StGB, que define o crime de furto. Observe-se, de passagem, que este dispositivo foi recentemente modificado pela 6"ei de Reforma do Código Penal, entrada em vigor em 1" de abril de 1998, que não exige mais que o agente subtraia a coisa para si (apoderar-se, sich zuzuezgnen) , cometendo ação típica tam- bém quem subtrai para outrem, tal como ocorre no CP brasileiro. 60. (N. do T.) O delito tem o nomen zuris de infidelidade (Untreue) . dos deveres a que o tipo se refere. Onde estes deveres estiverem fixados de modo claro, bastará indicá-los, e tal indicação será apta a substituir a descrição da conduta, para satisfazerem-se as exigências do postulado nullum-crimen. É só pen- sar, por ex., nos tipos da libertação de presos ou de patrocínio infiel6', e veremos que o com- portamento do autor é indiferente; mas como os deveres do papel social de carcereiro ou ad- vogado estão fixados de modo exato em regula- mentos e estatutos, estes tipos, que eu chamo de delitos de dever6', são equivalentes aos crimes si. (N. do T.) " S 121. Libertação de presos. (1) Quem dolosamente liberta um preso do presídio, do poder das forças armadas, de um funcionário ou daquele, sob c ~ g a guarda, acompanhamento ou vigilância o preso se en- contra, é punido com privação de liberdade em até três anos." Atualmente, ocupa este crime com ligeiras altera- ções o § 120, do StGB. " S 356. Patrocínio infiel (Parteiverrat - literalmente, traição ii parte) (1) Uin advogado ou outro assisteilte jurídico que, no exercício desta qualidade em questões a ele confiadas, sirva ambas as partes através de conselho ou assistência em violação a seu dever num mesmo pro- blema jurídico (Rechtssache), é punido com privação de liberdade de três meses a cinco anos. (2) Se a ação for praticada com concordância da outra parte, em prejuízo da parte por ele assistida, a pena será de um a cinco anos de privação de liberdade." 62. Quanto a isso, aprofundadamente, pela primeira vez: Tatmchaft und iàtlzerrscl~aft (Autoria e domínio do fato), 1V2" edição, 1963/6'7, p. 352 e ss. de ação no que se refere às exigências de deter- minação legal. Até agora, tudo bem. Mas a conseqüência prática de uma tal bipartição sistemática na teo- ria do tipo parece-me estar no seguinte: em pri- meiro lugar, o ponto de partida normativo con- segue trazer à tona a realidade social, que subjaz a toda diferenciação dogmática, de forma sur- preendente. Nos delitos de dever, há esferas de vida já organizadas (as relações entre gestor de patrimônio e mandante, vigia e preso, advogado e cliente) cuja funcionalidade deve ser protegida pelos tipos; nos delitos de ação, o autor, vindo de fora (por ex., através de um homicídio, rou- bo, violação de correspondência, gravações se- cretas em fita etc.) irrompe em esferas que ele deveria deixar intocadas. Esta diferença, oriun- da da própria natureza das coisas, tem portanto efeitos dogmáticos, que ainda não foram reco- nhecidos de maneira nítida. Neste contexto eu não posso, obviamente, apresentar uma parte geral completa, mas algumas alusões bastarão para tornar compreensível o que penso. 1. A conhecida problemática da equivalência dos crimes omiss iv~s~~ , que nos últimos anos tem 63. (N. do T.) O Código alemão de 18171 não continha nenhum dispositivo incriminando expressamente a co- missão por omissão, o que gerava dúvidas quanto a sua admissibilidade em face do princípio nullum crimen sine lege. O novo Código, de 19'75, houve por bem inserir na sido objeto de um número de monografias, ma- nifesta-se de maneira distinta nos delitos de de- ver e nos delitos de ação. Se é a violação de um dever oriundo de um papel social que cria de- terminados tipos, então está claro que, sob o aspecto da problemática do nullum-crimen, tanto faz que o comportamento seja comissivo ou omissivo. Se o vigia que deseja ajudar o preso a libertar-se abre a porta da cela violando o seu dever por uma ação positiva, ou se em oposição às regras ele deixa de trancá-la, não faz diferença alguma para o tipo do § 34664 do StGB. Da mes- parte geral um artigo esclarecendo este problema, nos seguintes termos: "S 13. Comissão por omissão. (1) Quem se omite de impedir um resultado, que pertence a um tipo legal, só é punível por esta lei, se tiver de responder juridicamente (rechtlich einzustehen hat) pela não ocor- rência do resultado, e quando a omissão corresponder à realização do tipo legal através de um agir." E a este segundo requisito, da correspondência da omissão à ação positiva, que faz referência o texto. Uma rápida exposição dos diferentes posicionamentos encontra-se em Juarez TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal, 1996, p. 79 e ss. 64. (N. do T.) " 5 346. Encobrimento no exercício de função (Begunstigung im Amte) : (1) Um funcionário que, valendo-se de sua função de assistir a processo penal, à execução de pena ou de medida de segurança, subtraia conscientemente alguém do cumprimento de pena ou medida de segurança legalmente prevista, será punido com privação de liberdade de um a cinco anos. (2) ..." ma forma, pouco importa se o advogado pratica seu patrocínio infiel através de manobras ativas ou de omissão de medidas necessárias. Onde, ao contrário, o princípio nullum-crimen é preen- chido por descrições de condutas, lá sim - e somente lá - surge a paradoxal pergunta, difi- cilmente solucionável, de como alguém pode, através de uma inação, agir no sentido de uma descrição típica precisa. É um segredo conheci- do que a jurisprudência, até então, tem contor- nado a ausência de uma base legal através de sua livre ~riat ividade~~. Nos delitos de ação, po- rém, somente seria correto admitir a equipara- ção do agir positivo ao omitir onde houvesse delitos de dever introduzidos no tipo dos delitos de ação, como, por ex., no caso de uma mãe que deixa o filho passar fome ou do médico que deixa o paciente morrer por não lhe ministrar, de modo contrário ao dever, remédios que lhe salvassem a vida. Nestes casos há crassas violações de deveres advindos de uma esfera preexistente de relações, que só não precisam ser transfor- madas em crimes próprios, porque o tipo da ação de homicídio já as cobre. Nestes delitos de dever ocultos ou "delitos de ação impróprios", como também poderiam ser chamados, é indi- ferente para a realização do tipo se o médico 65. (N. do T.) Veja-se a nota 63. mata pela injeção de uma dose exagerada ou por sua total omissão, se o agulheiro provoca a colisão dos trens pela errônea modificação das agulhas ou por as manter intocadas. Pois no exercício de papéis sociais independentes do di- reito penal, na alimentação da criança, no tran- car a porta, no modificar as agulhas, na inter- posição de recursos, o significado de fazer ou não fazer é definido unicamente pelas relações sociais, e é através delas que obtém a sua rele- vância para o tipo. Se, ao contrário ocorre algo fora da normalidade das regras sociais, como um acidente, um falso testemunho, ou o embe- bedamento de um freguês num bar, nestas hi- póteses os deveres de salvamento e de evitação de causadores de danos, partes processuais, gar- çonetes etc. são tão pouco idênticos à ação des- crita no tipo, que subsumir sobesta descrição também a inação não satisfaz o princípio nul- lum-crimen. A substituição da ação ausente pela obrigação de impedir o resultado nos crimes cujostipos o legislador deixou somente a ação constituir foi, na verdade, uma livre criação do direito pelos j ~ í z e s ~ ~ . As exigências do princípio 66. Não é aqui o lugar para expor isso tudo, num exame l-iistórico-dog~nático, que leve em consideração a vasta literatura que recentemente vem surgido sobre o crime omissivo. Interessa-me unicamente tornar compreensível o princípio sistemático. nullum-crimen poderiam ser facilmente satisfeitas através do § 330c do s~GB~', com algumas qua- lificações (para os casos de ingerência, paren- tesco etc.) e da criação de alguns poucos crimes omissivos próprios para grupos concretos de ca- sos, O que, ao mesmo tempo, teria salvo a nossa doutrina da desconcertante desordem que sem- pre surge quando cada autor e também os tri- bunais definem ao seu próprio alvedrio o alcan- ce da responsabilidade por omissão de maneira quase legislativo-criativa (in quasi gesetzschop- ferischer Wei~e)~ ' . Aqui deveria - ao menos de lege fmenda - ocorrer uma reorientação; e ela poderia (através de uma exaustiva construção, com ricos frutos dogmáticos!) já ter acontecido 67. (N. do T.) Dizia o citado parágrafo: " S 330c. Omissão de socorro. Quem, em caso de acidente ou perigo comum ou riecessidade, não prestar ajuda, apesar de isso ser necessário e, de acordo com as circunstâncias, exigível, especialmente por ser possível sem elevado perigo pró- prio e sem violação de outros deveres importantes, é punido com pena de privação de liberdade até um ano ou com pena de multa." Hoje, este dispositivo mudou de nUmero, passando para o S 323c. 6s. Isto pode ser claramente reconliecido no fato de que as novas inonografias sobre a problemática da equivalên- cia dos delitos de omissão (RUDOLPHI, 1966; PFEIDE- RER, BÃRWINKEL, WELP, os três de 1965) che, oam todas a coi-iclusões completamente distintas: trata-se não de interpretação, mas de uma forma de criação de leis, ainda que os autores não estejam conscientes disso. há muito, se o princípio orientador político cri- minal da teoria do tipo tivesse sido aproveitado dogmaticamente. 2. Um segundo campo, no qual a sistemati- zação acima exposta chega a novos resultados, é a teoria da participação. Trata-se, dogmatica- mente, de um problema de tipo, da pergunta sobre até que ponto um comportamento pode ser enquadrado sob a descrição de um delito, gerando a autoria. Só quando isto não ocorrer, atentar-se-á para as causas extensivas de punibi- lidade, que são o induzimento e o auxílio. A jurisprudência, infelizmente, desconheceu des- de o início que a doutrina da participação era um problema de tipicidade, perdendo de vista um ponto de apoio orientado pelo princípio nullum-crimen, como exige a lei6'. Poderia, assim, ocorrer que a mais frouxa contribuição a um ato preparatório - ainda que seja somente um conselho ou um meneio afirmativo com a cabeça - faça de alguém um autor diante de nossos tribunais, enquanto aquele que age para fazer um favor a outrem, mesmo que realize indubi- tavelrnente o tipo, tem a chance de obter a pena 69. Quanto a isto, aprofundadamente minha 'Taterschaft und Tatherrschaft (Autoria e domínio do fato) 2Qdiçá0, 1967, p. 615 ss., SAX, JZ 1963, p. 332 ss.; bastante claro agora também JESCHECK, Allgemeiner Teil, 1969, p. 428 e ss. de partícipe'u. Esse desenvolvimento, que pôs a lei de cabeça para baixo e lançou nossa teoria da participação no caos, caracteriza um caminho errado, que também a jurisprudência, querendo ou não, terá de abandonar, vez que o sentido literal da 2"ei de Reforma do Código penal7' não se coaduna mais com a chamada teoria "sub- je t i~a" '~. Deve ser reconhecido que existe uma 70. (N. do T.) Veja-se a nota 35. 71. (N. do T.) A 2"ei de Reforma do Código Penal, ou, abreviadamente, 2. StRG, de 04.07.69, continha a nova Parte Geral do Código alemão, entrada em vigor em 01 . O 1 .I975 (veja-se ROXIN, Strafrcht ..., 4/25). 72. De acordo com essa lei, prescreve o S 25, (1): "É punido como autor, aquele que pratica o frito crimii-ioso ele mesmo ou através de um outro." Se todo que praticar "ele mesmo" o fato é expressamente cl-iarnado de "au- tor", não se poderá puni-10 fut~irameiite como partícipe em virtude de faltar-llie o "ânimo de autor". A mesma consequência surge de se ter retirado o antigo 32 E 1962 [Trata-se do Projeto Governamental de Código Pe- nal (N. do T.)] (que tornou a pena de ator ou de par- tícipe, no caso de erro sobre o dolo de autor, dependerite da direção da vontade do que erra), maiitendo-se, ao inesmo tempo, a exigêiicia de um fato principal doloso para o iilduzimei-ito e o auxílio nos 26, 27 [Dispõem os referidos artigos, numa clara adoção dos postulados firialistas, que só haveria participação como coiltribuição dolosa ern injusto doloso: "S 26. Induzirnento. Pune-se como induzidor, com a mesma pena do autor, quem tiver determinado dolosamente um outro a seu ato doloso antijurídico. S 27. Auxílio. (1) Pune-se como auxiliador, quem tiver ajudado dolosamente um outro ern seu ato 41 diferença fundamental entre delitos de ação e de dever, e a distinta estrutura de seus tipos naturalmente dará à teoria da participação orientações diversas. Nos delitos de ação, é autor aquele que domina a ação típica; aqui é decisivo o domínio do fato. Nos delitos de dever, pelo contrário, pratica uma ação típica somente, mas sempre, aquele que viola o dever extrapenal, sem que o domínio sobre o acontecimento ex- terior se revista da menor importância. O admi- nistrador do patrimônio que contribui de ma- neira mínima à dissipação do patrimônio que lhe foi confiado é sempre autor de infidelida- des3, enquanto o extraneus que possua talvez so- zinho o acontecimento externo em suas mãos é, apesar de seu domínio do fato, somente par- tícipe. A partir destes fundamentos pode-se de- senvolver até seus detalhes, com grande exati- dão, um sistema da autoria bipartido entre de- litos de domínio e de dever. Tentei fazê-lo em doloso antijurídico. (2) ..." (N. do T.)] da 2"ei de Re- forma: quern determina outrem à prática de um fato criinirioso, na suposição errônea de que o determinado agirá com dolo, não pode ser punido nem como autor, nern corno partícipe, apesar de que, pela teoria subjetiva, ele teria de ser responsabilizado, sem neiihu~na dúvida, pelo iriduzimento, tendo ern vista que possui o "ânimo de partícipe" . 73. (N. do T.) Veja-se a nota 60 e o texto do autor, a que ela se refere. outro lugar de maneira bastante pormenoriza- das4, e retenho-me de dar mais explicações. Que uma perspectiva sistemática como a aqui propos- ta é frutífera, parece-me já estar suficientemente provado75. Mas a sua produtividade para a teoria do tipo não se esgotou de maneira alguma. Assim, por ex., o posicionamento do dolo no tipo decorre já da exigência garantística da determinação: ações e violações de dever não se deixam des- crever como um mero acontecer causal. Somen- te o dolo dá limites claros a um fato7fi!se ele for perdido de vista, como o fez o chamado sistema " clássico" sob a influência ainda hoje presente do naturalismo, gerar-se-ão extensões problemá- ticas de punibilidade. Foi isto o que ocorreu na 74. Ein meu livro sobre iatersclzaft und iàtl~errscl~aft (Au- toria e domínio do fato), 1V2- edição, 1963/67. 75. A distinção que fiz entre delitos de domínio e de dever na teoria da participação é cada vez mais reconhecida pela doutrina; expressamente neste sentido, SCHONE- SCHRODER, Kommenlar, l5"dição, 1970, co~nentário prévio ao S 47, n"; S 266, 11"l; WESSELS, Strafrecht, AZlg. TeiZ, 1970, S 11 11, 2, p, 87/88.
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