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Aula_2_Percurso_Critico.pdf

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Percurso crítico 
 
O vínculo com a experiência1 permanece em Wolff, discípulo de Leibniz; para ele, a 
filosofia seria um saber escolástico,2 ou seja, rigorosamente organizado e baseado 
em um exame racional dos conceitos. Conforme afirma, a análise filosófica deveria 
se reportar a leis supremas concernentes tanto ao pensamento (nele incluindo-se a 
ciência), quanto à realidade. Ele acreditava que certos princípios procedessem da 
experiência, dando lugar a conhecimentos prováveis; mas, para que a filosofia 
alcançasse o estatuto de saber completo e rigoroso, não poderia prescindir de 
verdades necessárias. 
Kant, formado no clima do racionalismo wolffista, herda do século XVIII dois 
conjuntos de conhecimentos certos e indiscutíveis: a matemática e a física. A 
primeira desenvolveu-se bastante a partir do Renascimento – sobretudo pela 
criação da geometria analítica por Descartes (1596-1650) e do cálculo infinitesimal 
por Newton e Leibniz –, tornando-se modelo do conhecimento científico, por ser 
necessária e universal. A física matemática desponta, nesse período, mediante o 
corpo doutrinal newtoniano, também se constituindo num conjunto de proposições 
necessárias e universais. 
Essenciais, os resultados obtidos por Newton no que diz respeito ao movimento dos 
corpos e à astronomia indicavam o caminho a ser seguido por todos que 
pretendessem conhecer os fenômenos naturais. Em torno desse quadro teórico, 
Kant descobriu uma espécie de abismo entre os princípios de uma metafísica 
dogmática e os princípios matemáticos da filosofia natural; julgava os primeiros 
insuficientes para explicar os segundos. Soluciona este impasse tomando como alvo 
filosófico o refinamento dos princípios que guiam a teologia natural,3 demonstrando 
 
1 Experiência: pode ser entendida como “apreensão de uma realidade por um 
sujeito (...), [sendo, assim,] um modo de conhecer algo imediatamente antes de 
qualquer juízo formulado sobre o apreendido” (FERRATER MORA:1971, 618). 
 
2 Escolástica: “que pertence à ‘Escola’, quer dizer, ao ensino filosófico dado nas 
escolas eclesiásticas e nas Universidades da Europa entre os séculos X e XVII, 
aproximadamente. Esse ensino tem como características distintivas, por um lado, 
estar coordenado com a teologia, procurando um acordo entre a revelação e a luz 
natural da razão; por outro, ter como métodos principais a argumentação [lógica] e 
a leitura comentada dos autores antigos conhecidos nessa época, sobretudo de 
Aristóteles [(384-322 a.C.)]” (LALANDE:1999, 318). 
 
3 Teologia: “ciência de Deus, dos seus atributos, das suas relações com o mundo e 
com o homem” (LALANDE:1999, 1124). 
 
 
 
 
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qual relação imperava entre as realidades sensíveis (concernentes aos sentidos) e 
inteligíveis (relacionadas às idéias), ao invés de derivar o sensível do inteligível. 
A metafísica, contudo, não era capaz de oferecer soluções aceitas unanimamente, 
apesar de tentar demonstrações rigorosas. Kant foi despertado do “sono 
metafísico” (KANT:1783, 260) pelo pensamento de David Hume (1711-1776), 
empirista inglês, dele retendo, especialmente, a noção de causalidade. No quadro 
desta filosofia, a razão não poderia pensar a partir de conceitos anteriores a 
qualquer experiência – a priori – a conexão de causa e efeito, pois, se isto fosse 
verdadeiro, tais ligações deveriam ocorrer necessariamente. A conexão causa/efeito 
surgiria a partir da repetição da experiência, criando no sujeito pensante a noção 
de causa através do hábito. Kant propõe corrigir e ampliar o vínculo da razão com a 
experiência proposto por Hume; entramos, assim, no cerne de sua filosofia: a 
questão do conhecimento.

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