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1 Aula_4_ Rudolf Carnap A teoria da constituição encontra-se no marco teórico estabelecido pelas reflexões do círculo. Carnap entende, a esse respeito, o caminho que conduza à superação definitiva do dilema entre ser ‘engendrado’ e o ser ‘conhecido’ de um objeto, ou modo formal e material de se falar do mundo. Afastando-se de proposições formais que conduzem a falsas asserções sobre os objetos, afirma a necessidade de se constituir uma linguagem neutra no plano da ciência, que não coloque questões de índole metafísica. Propõe, assim, “ (...) um sistema de constituição, isto é, um sistema de objetos (ou conceitos) ordenados de acordo com diferentes graus; a ordem gradual está determinada, por sua vez, pelo fato de que os objetos de cada grau são ‘constituídos’ sobre a base dos objetos de grau inferior” (cf. FERRATER MORAa:1971,347). Constituída por objetos, a linguagem científica seria compreendida sobre um modo material de se falar da realidade empiricamente determinável. Em relação à sintaxe lógica do mundo, Carnap sistematiza a idéia de que qualquer proposição científica seja reduzida a uma combinação de enunciados protocolares – proposições ou sentenças básicas que resultam de observações obtidas no ‘protocolo’ de laboratórios e, em geral, de qualquer ‘observatório’ científico. Ele especifica, assim, um conjunto pequeno de expressões referidas à experiência imediata, acrescentando-lhes dimensões lógico-matemáticas e demonstrando como elas determinam regras constitucionais que poderiam definir expressões da linguagem científica normal. O problema que enfrentou, no entanto, residia na determinação de um fato por uma hipótese, visto que esta última seria, apenas, a expressão de dados sensíveis presentes imediatamente ao sujeito. Ele aceitou, num certo momento de seu percurso, que fatos não correspondem integralmente a enunciados, mas a algumas formulações teóricas privilegiadas, por razões de conveniência com o que se investiga cientificamente. Nesse sentido, acatou a idéia de que critérios simplesmente empíricos dessem conta da tarefa de verificar formulações próprias da ciência. Preocupado com a linguagem utilizada tanto pelo conhecimento quanto pela filosofia, concluiu que 2 sentenças sintáticas formuladas no modo material poderiam ser convertidas ao modo formal de se falar do mundo, passando a exprimir afirmações verdadeiras e significativas sobre os objetos. Embora tenha atenuado essa concepção ao logo de sua obra, permitindo à filosofia referir-se não apenas aos aspectos sintáticos – formais – da linguagem, mas também aos semânticos, nunca abandonou a perspectiva de uma relevância teórica do domínio filosófico, na medida em que o mesmo defina uma linguagem que cuida (ou está além, metá) de qualquer linguagem formal – metalinguagem. O último aspecto de sua obra gira em torno da atribuição de uma referência lógica indutiva1 à ciência. Como afirma no artigo Testabilidade e Significado, publicado em 1936-1937, ele substituiu o princípio de verificabilidade por um outro mais flexível de “confirmabilidade” (CARNAP:1975,196): “Quando chamamos uma sentença S de confirmável, não queremos dizer que é possível chegar a uma confirmação de S sob circunstâncias tais como elas existem realmente. Ao contrário, entendemos essa possibilidade sob algumas circunstâncias possíveis, sejam elas reais ou não. Deste modo, porque meu lápis é preto e sou capaz de discernir por observação visual que ele é preto e não vermelho, não posso chegar a uma confirmação positiva da sentença ‘meu lápis é vermelho’. No entanto, chamamos essa sentença de confirmável, ou completamente confirmável, porque somos capazes de indicar as observações – realmente não existentes, mas possíveis – que confirmariam aquela sentença.” Aceitando que as leis científicas nunca podem ser completamente verificadas, Carnap enuncia, como critério de significação na ciência, a idéia de confirmação gradual. Uma experiência científica seria mais ou menos confirmada pela experiência, por “algumas circunstâncias possíveis”, de acordo com a quantidade de evidência disponível a seu favor. 1 Entende-se indução como o processo pela qual se estabelece uma verdade universal ou uma proposição geral, considerando-se alguns dados singulares ou proposições de menor generalidade, enquanto a dedução estabelece um caminho de conseqüência necessária entre premissas e conclusões. 3 Definiu, ainda, a noção de testabilidade: a realização de experimentos capazes de testar (ou confirmar) proposições científicas. Com relação à psicologia, ressaltou a influência “saudável” do behaviorismo, ainda que com restrições aos seus resultados científicos, quando afirma em O caráter metodológico dos conceitos teóricos (1956): “Na psicologia, ainda mais do que na física, tornam-se necessárias e úteis as críticas dos empiristas e operacionalistas contra determinados conceitos, para os quais não se davam regras de uso suficientemente claras. Por outro lado, talvez devido às excessivas restrições dos princípios originais do empirismo e do operacionalismo, alguns psicólogos tornaram-se muito prudentes na formação de novos conceitos. (...) De um modo similar às tendências filosóficas do empirismo e do operacionalismo, o movimento psicológico do behaviorismo teve, por um lado, uma influência muito saudável devido à sua ênfase na observação do comportamento como uma base intersubjetiva e digna de crédito para as investigações psicológicas, enquanto, por outro lado, impunha restrições execessivas. Em primeiro lugar, sua rejeição total da introspecção era injustificada. Embora muitos dos pretensos resultados da introspecção fossem com efeito questionáveis, deve-se reconhecer que a consciência de uma pessoa com relação a seu próprio estado de imaginação, de sentir, etc., é um tipo de observação, em princípio não diferente da observação exterior, e, portanto, deve-se reconhecer que é uma fonte legítima do conhecimento, embora limitada por seu caráter subjetivo. Em segundo lugar, o behaviorismo, combinado com as tendências filosóficas mencionadas, conduzia freqüentemente ao requisito de que se devem definir todos os conceitos psicológicos em termos de comportamento ou de disposições para o comportamento. Interpretava-se um conceito psicológico aplicado a uma pessoa X pelo investigador Y, seja enquanto estado ou processo 4 momentâneo, seja enquanto propriedade ou característica permanente, com uma disposição Dsr de tal tipo que S era um processo que afetava o órgão sensorial de X, mas que também era observável por Y, e R era um tipo especificado de comportamento, de modo análogo também para Y. Em contraste com isto, a interpretação de um conceito psicológico como um conceito teórico, embora possa aceitar o mesmo procedimento de teste baseado em S e R, não identifica o conceito (estado ou característica) com a disposição Dsr. A diferença decisiva consiste no seguinte: com base na interpretação teórica, não se considera o resultado deste teste ou de qualquer outro teste, ou, geralmente, de quaisquer observações, exteriores ou interiores, como uma evidência absolutamente conclusiva para o estado em questão; ele é aceito somente como uma evidência probabilística, logo, quando muito como uma indicação digna de crédito, isto é, uma indicação que produz para o estado uma alta probabilidade” (CARNAP:1975,254- 5). REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS: 1. FERRATER MORA, José. Diccionario de filosofia, tomo I. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1971. 1.072 p. 2. CARNAP, Rudolf. Testabilidade e significado. In: Pensadores (Schlick, Carnap, Popper). São Paulo: Abril Cultural, 1975. 3. CARNAP, Rudolf. O caráter metodológico dos conceitos teóricos. In: Pensadores (Schlick, Carnap, Popper). São Paulo: Abril Cultural, 1975. 4. SCHLICK, Moritz. O fundamento do conhecimento. In: Pensadores (Schlick, Carnap, Popper). São Paulo: Abril Cultural, 1975.
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