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Rodrigo Souza Chagas - O HOMEM E SUA FISIONOMIA EM OSWALD SPENGLER (Monografia)

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FACULDADE SÃO BENTO DA BAHIA
LICENCIATURA EM FILOSOFIA
RODRIGO SOUZA CHAGAS
O HOMEM E SUA FISIONOMIA EM OSWALD
SPENGLER
Salvador
2009
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RODRIGO SOUZA CHAGAS
O HOMEM E SUA FISIONOMIA EM OSWALD
SPENGLER
Projeto monográfico apresentado ao Curso de
Licenciatura em Filosofia, da Faculdade São Bento
da Bahia, como requisito parcial para obtenção do
título de Licenciado em Filosofia.
Orientadora: Prof.ª Elsa Marisa Muguruza
Salvador
2009
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 04
2. VIDA E OBRA 07
3. O PROBLEMA DA TÉCNICA 08
4. TIPOS DE VIDA 14
4.1 A VIDA IMÓVEL 14
4.2 AVIDA MÓVEL 14
5. DIFERENÇAS FISIONÔMICAS 16
6. A ALMA ANIMAL 18
7. APARECIMENTO DA MÃO 20
8. O HOMEM ANTI-NATURAL 27
9. CONCLUSÃO 30
10. REFERÊNCIAS 32
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1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é investigar n o livro “O Homem e a Técnica” de
Oswald Spengler como a fisonomia foi importante para o homem apreender o mundo ao
seu redor. Como a questão física vai trazer uma tranformação anímica no ser humano.
Como o olho e seu ato de olhar, enxergar o mundo, a mão (e a tranformação que ela
traz), fazem o homem perceber-se no mundo e agir nesse ambiente circundante. C omo
essas duas questões físicas (o olho e a mão), junto com a intenci onalidade “criada” a
partir delas transformarão a história da humanidade.
Apesar do pensamento de Spengler nesse livro, ter um enfoque
fundalmentalmente antropológico, nesta pesquisa procuramos encontrar uma abordagem
filosófica para escrever esta monografia.
Essa abordagem filosófica em “O Homem e a Técnica” foi encontrada a partir da
leitura do seguinte pensamento :
Nosso tratamento e classificação anatômicos do mundo animal acham -se
inteiramente dominados (como era de esperar em vista de suas origens) pelo
ponto de vista materialista. A imagem do corpo, tal como ela se oferece aos
olhos do homem (e só aos do homem), e, a fortiori, o corpo dissecado,
preparado quimicamente e maltaratado pelas experiências deram lugar a um
sitema que Lineu fundou e que a escola de Darwin aprofundou com a
palentologia. É um sitema de particularidades estáticas e oticamente
observáveis, ao lado do qual encontramos outra ordem dos modos de vida que
se revela apenas na convivência intimamente sentida do Ego e do Tu, que
qualquer camponês, bem como qualquer poeta, conhece. Gosto de meditar
sôbre (sic) dos modos em que se manifesta a vida animal e sôbre (sic) as
espécies da alma animal, deixando aos zoologistas a sistemática da estrutura
corporal. Revela-se então uma hierarquia, do corpo e não do espírito,
completamente diversa. (SPENGLER, 1941, pgs 40-41).
Nessa hierarquia do corpo – e não do espírito – fundamenta-se uma perspectiva
ontológica materialista do homem e do mundo original. Este é um ponto importante no
livro, uma idéia diferente dos pensamentos clássicos e vigentes da época. P ois não é a
alma que vai alimentar o corpo, mas sim o corpo que vai alimentar essa a lma e
transformá-la. O poder de ser um animal predador, de r apina, vai fazer essa primeira
transformação anímica no homem. Outro ponto importante nessa questão fisionômica
do homem em Spengler é que toda a cultura e “intelectualidade” do homem surgirão a
partir desses aspectos fisionômicos, principalmente na mão, que oriunda toda nossa
capacidade ao desenvolver armas, que depois vai se expandindo para desenvoltura de
outras técnicas. Mas tudo vem a partir desse poder, dessa vontade predadora do homem ,
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e não porque ele seja dotado de uma razão superiora, ou um ser feito especialmente por
um deus. Todo destaque e diferença do homem vêm a partir de sua relação de
dominador, predador, do mundo – e do outro - ao seu redor. Eis aqui o ponto de partida
do trabalho: a fisionomia como fundamento para compreensão ontológica do homem.
No livro “O homem e a técnica”, Spengler vai explicar o desenvolvimento da
técnica desde o “primeiro momento” do homem até a “era mecanicista”, que é criticada
duramente pelo filósofo. Quando surge esse “primeiro momento” o autor não explica
exatamente, mesmo porque considera impossível ter acesso a esse exato momento de
transformação. Não se trata de partir desse homem já um pouco desenvolvido que nós
conhecemos, para Spengler é necessário retroceder a um “primeiro” momento, o
“começo” do homem, como ele vai surgindo , antes mesmo de suas classificações pré -
históricas. É a partir desse “primeiro momento” que dará o salto para qualquer
classificação posterior.
Nos temas abordados aqui , Spengler falará dos vegetais, dos animais, fazendo
uma distinção entre os herbívoros e carnívoros. O homem encontra -se entre os
carnívoros, que é um animal de rapina , onde a técnica é a tática da vida, uma batalha
onde o homem escolhe suas próprias armas e as cria conforme sua vontade e
criatividade. A partir de uma distinção fisiognômica, a mão principalmente, o autor vai
explicando como o homem apreende – e enxerga – esse mundo, que é sua presa, assim
como os outros animais. Spengler vai falar do aparecimento da mão, e de como ela irá
transformar substancialmente a histó ria da humanidade, comenta sobre a linguagem e
sobre o aparecimento da cultura mecânica . Nessa última é onde ele quer chegar a partir
da sua compreensão sobre a alma predadora humana, explicando a ânsia do homem por
sempre criar mais, produzir mais, sem se importar com o outro e a natureza ao seu
redor. Mas o “começo” disso tudo está nessa luta de sobrevivência do homem, o
começo de sua percepção como homem através do olho. Todo o desenvolvimento da
cultura vem a partir dessa batalha, onde o homem é o dominador , sendo o mundo e o
outro o dominado.
Nesse livro é possível observar uma antecipação do pensamento de Heiddeger
quando Spengler afirma que o homem é o único animal que tem capacidade , ou a
“preocupação”, de projetar-se para o futuro, percebendo também seu passado e presente.
A mão fez o homem que é capaz de criar armas para aniquilar o outro, dominar o
mundo para sobreviver, tornando -se o único animal que conseguiu transcender seu
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“estado natural”, criando artíficios para essa dominação . Como veremos adiante, antes
da mão, o olho fez com que o homem situe -se no mundo.
Este trabalho prentende trazer uma reflexão antropológica-filosófica, onde a
partir do olho e a mão é possível explicar a percepção e apreensão do mundo
circundante, nos perceber nele e apreendê-lo. Apesar do livro se ater mais na questão da
técnica - e isso sem dúvida ser de uma grande importância - no trabalho aqui
apresentado vamos focar fundalmentalmente nos três primeiros capítulos da obra, onde
os conceitos dessas duas partes físicas (olho e mão) são desenvolvidos, e procurar
compreender de que maneira elas, junto com nossa intencionalidade , nos faz perceber
nossa própria existência.
O método investigativo obedeceu a s eguinte ordem dissertativa: apresentação do
problema da técnica, os tipos de vida, suas distinções fisionomicas e suas determinações
na apreensão de mundo em cada uma, as consequentes mudanças na alma, a libertação
do homem da coação da espécie e finalment e o conceito de homem como um ser anti -
natural.
Vale ressaltar que este é um trabalho que visa apresentar, comentar, expor, o
pensamento de Oswald Spengler e não é um trabalho crítico, ou de objeções, da obra do
autor.
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2. VIDA E OBRA
Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880 – 1936) foi um historiador e filósofo
alemão, que alcançou prestígio ao escrever O Declínio do Ocidente (1918), considerada
um marco nos debates historiográficos, filosóficos e políticos, da intelectualidade
européia durante a 1ª metade do século XX. Essa obra lhe deu uma notoriedade
mundial, chegando a vender na Alemanha no ano de seu lançamento mais de 100 mil
exemplares, apesar de não ser considerada de fácil leitura.
Em “O Homem e a Técnica”, lançado em 1931 , Spengler procura lançar uma luz
sobre o que parecia obscuro no Declínio do Ocidente, afirmando que a cultura técnica
da idade da máquina criada pelo homem com sua capacidade peculiar para a técnica
individual atingiu seu ponto máximo e que o futuro trará catástro fes. Essa era mecânica
não possui vida cultural progressiva, somente ânsia de poder e de posse. O triunfo da
máquina não conduz a menos trabalhadores e menos trabalhos, mas a um estado de
regimentação em massa, onde essa técnica ditou o destino da civiliza ção ocidental, o
avanço dessa técnica da era das máquinas e o crescimento populacional. Spengler, no
livro, estuda os efeitos da técnica sobre a coletividade e os indivíduos.
A técnica maquinicista, segundo Spengler, é oriunda da capacidade única do
homem e de sua talento individual de criação. “O Homem e a Técnica”, um “pequeno”
livro, se compararmos seus números de páginas em relação as suas outras obras, contém
uma enorme força compacta, uma peroração de um discurso prévio que amplia o que ele
já havia começado em sua obra mais famosa.
No ano de 1933 Spengler lança Anos de decisão, considerado como
complemento final da Decadência do Ocidente , apresentando os anos que viriam como
anos decisivos para a cultura ocidental. Esse parece ser o livro mais polêmi co dele, pois
nele o autor defende uma volta ao prussianismo, à virtude militar e à disciplina. Essa
defesa do povo alemão foi mal interpretada onde os nazistas confundiram – e usaram -
as idéias fortes de Spengler em prol do Nacional -Socialismo, mas Spengler foi um
crítico firme desse movimento e seu racismo, por isso, muitos ainda olham para as obras
dele com pré-conceitos. Spengler morreu em Munique no dia 8 de Maio de 1936, antes
da 2ª Guerra Mundial estourar.
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3. O PROBLEMA DA TÉCNICA
“O Homem e a Técnica”, é considerada uma das primeiras (senão a primeira)
obra a comentar a relação entre o homem e a técnica no século XX. O que mais chama
atenção para esse livro é que ele parte de uma visão organicista, fisiognômica, para
explicar essa relação. Toma como ponto de partida as origens da história do homem,
pois muitos cometem o erro de começar por um momento particular da existência
humana, de um aspecto particular, como a política, a religião ou da arte, elas devem sim
serem levadas em consideração, mas como um todo, e não somente uma parte delas. Por
isso a abordagem desse “começo” organicista, fisiognômico, da humanidade , para a
partir dele, compreender o destino do homem, desse grande segredo, tão grande quanto
o nosso passado, pois para Spengler toda cultura, civilização, teve seu começo, apogeu e
declínio. Em sua obra máxima ele previa que o ocidente estava vivendo seu declínio. O
livro “A Decadência do Ocidente” começou a ser escrito pouco antes da primeira guerra
mundial, mas lançado no seu final em 1918, foi um momento propício para esta obra
chamar atenção mundial, apesar de muitos defenderem que Spengler enxergou a derrota
germânica na primeira guerra mundial como a decadência de toda civilização ocidental.
Spengler comenta em “O Homem e a Técnica” que somente no século XIX é
que se apresenta o problema da técnica na filosofia e de sua relação com a história e
cultura. No século anterior a dúvida quase “desesperada” do Ceticismo já tinha proposto
esse valor de sentido cultural, criando uma amplitu de e subdivisões, que vão ser uma
base para essa possibilidade do olhar para a História Universal como um problema.
Ainda nesse mesmo século tinha -se uma visão romântica de um homem “primitivo”
naturalmente bom e que a cultura, a sociedade, corrompeu -o, não havia uma
preocupação com o aspecto técnico da humanidade ou não se enxergava uma atenção
digna pare esse aspecto, não se dirigia uma atenção para o assunto. Mesmo quando
perguntada, essas questões na época, para Spengler, não tiveram respostas convincen tes,
para questões como a do valor da técnica para dentro da história, seu valor dentro da
vida, seu sentido. Muitas respostas foram dadas, mas o autor disse que elas foram na
época reduzidas a duas.
Na primeira, que é referente ao século XVIII, tudo que estivesse fora da
chamada “cultura” era considerada inferior, como por exemplo os assuntos econômicos
e a própria técnica, apenas era importante naquela época os números de livros ou
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quadros “produzidos” ; o político só era “digno” se patrocinasse a arte, nã o se importava
como ele conduzia o restante, o estado era visto como uma barreira à cultura verdadeira,
que era buscada pelos estudiosos e os artistas . A realidade estava “afastada” pela
cultura. Até mesmo a economia era algo indigno de atenção, apesar de seu caráter
cotidiano. A arte estava em primeiro plano, acima de tudo, abaixo de nada.
Sua outra crítica pula do século XVIII para o XIX e ataca o materialismo,
Spengler considerava um produto de essência inglesa, que tinha um otimismo vulgar,
digamos até messiânico, em relação a máquina. Ele considerava que os jornalistas
liberais, os marxistas, os escritores éticos-sociais e as assembléias populares radicais
como desprovidos de senso de realidade e sem sentido algum de profundidade. Apenas
o que era considerado pelos materialistas como útil a “humanidade” servia, só havia
legitimidade na utilidade das coisas que servissem para o homem, de resto não servia de
nada, só era legitimado como cultura o que tivesse essa finalidade útil, uma felicidade
da massa, que seria salva pela chegada de seu novo messias: a máquina.
Essa ia salvar o homem da “escravidão”, com ela o homem poderia enfim
descansar, tirar o peso do trabalho árduo das costas, sentir -se livre, ter mais tempo, viver
um ócio produtivo, criar, considerando essa evolução da técnica como uma nova
religião que salvaria a humanidade no século XX. Mas essa observação era uma visão
romântica daqueles que viam-se cansados de trabalhar, queriam na máquina o momento
de libertação da opressão que esmagava seus ossos e tomava seu tempo, para aqueles
que esperam que a máquina trouxesse o “paraíso terrestre” que outrora a religião
deixara para o além. Até mesmo as diferenças sociais e as mazelas do mundo seriam
extinguidas com o surgimento desse novo messias -mecânico, mais uma vez o
espectador deposita no desconhecido uma vã esperança. Spengler comenta que essa
esperança mecanicista que existia na década de 1880 é antiquada, e no começo do
século XX, esse século que começava , mostrou que a história não foi assim, qu e era um
século maduro, não um século de esperança de massas e de alguns indivíduos com
tendências racionalizadoras, não se pode afi rmar mais “talvez seja assim” ou “deveria
ser assim” (como ele mesmo fala no texto), mas austeros “é assim” e “há de ser ass im”
(usando mais uma vez duas expressões dele) . Um orgulho cético toma o lugar desse
sentimentalismo esperançoso do século retrasado. História e esperança não vão andar de
mãos juntas só porque alguns desejam assim, uma coisa é o sonho, outra a realidade.
Após a crítica desses dois séculos Spengler começa sua explicação acerca do seu
entendimento sobre homem e técnica. Afinal todos falavam sobre muita coisa, mas não
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de uma coisa essencial quando se fala do homem: a sua Alma. Para Spengler ela vai ser
crucial para o nascimento da cultura e o destino do homem, para essa vontade que vai
conduzir o homem à fatalidade do seu destino, esses aspectos do seu pensamento vamos
abordar nas seções seguintes.
Antes disso é importante destacar que Spengler chama atenção para o Tato
Fisiognomônico, sobre esse tato ele comenta:
[...] nos permite penetrar o sentido de todo o acontecimento...o tato
fisiognomônico é que descobre no indivíduo, seja êle (sic) pessoa ou coisa, a
sua significação mais profunda . (SPENGLER, 1941, pgs 23-24).
Não se deve partir dessa técnica maquinicista para compreender sua essência,
nem da falsa idéia de que fabricar esse maquinário e utensílios como o objetivo da
técnica, pois a mesma é anterior a isso e não tem uma data histórica definida, elatranscende a origem do homem, pois ela é animal, sem distinção de “racionalidade”,
temos que transcender esse “racional” e voltar ao animal. O animal é mais livre do que a
planta, do que o vegetal, pois ele tem mobilidade, coisa que a forma de vida vegeta tiva
não possui. O animal possui uma própria vontade e independência da natureza, seja ela
em maior ou menor grau, é um ser -vivo móvel. O animal está contra a natureza, tem que
ter uma certa “superioridade” em relação a mesma, já que a planta está totalmen te
aprisionada a ela, sem mobilidade, apesar de depender dela ele tem que “opor -se” a ela
se quiser sobreviver, lutar com ela, não ficar preso somente ao espaço em que se
encontra na natureza, pode movimentar -se e mudar caso não esteja “satisfeito” ou não
exista mais condições de sobrevivência ali, no caso do vegetal isso é praticamente
impossível, se não existir mais meio de vida onde ele se encontra ira perecer ali mesmo,
enquanto o animal lutará por essa sobrevivência, libertando -se daquele ambiente. Essa
questão das vidas imóveis e movéis será melhor abordada nos capítulos posteriores.
Para atribuir uma significação a técnica Spengler sugere partir da alma animal e
somente dela. Pois como dito acima essa livre mobilidade significa que temos que lutar
para sobreviver, não aceitar a condição dada se ela não nos serve e procurar outra que
nos dê condições de vida, temos que nos mostrar superior ao “outro” que nos circunda,
independente de quem seja esse “outro”, um animal ou um vegetal, é impor -se diante
dele. Essa imposição que decide essa história de vida .
O que determina se seu destino é sofrer a história dos outros. A Técnica é a
tática da vida; é a forma íntima cuja expressão exterior é a conduta no conflito
– no conflito que se identifica com a própri a vida. (SPENGLER, 1941, p. 26).
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Outro aspecto que Spengler frisa é que não devemos compreender a técnica
como inseparável dos instrumentos, pois a importância da batalha está na arma, não na
fabricação das armas, mas sim o manejo delas, como colocamos a intencionalidade em
usá-las, somente a intenção de como usar é que vai dar a significação ao instrumento
manejado, sem essa intenção ele não tem finalidade, nem mesmo propósito.
O autor chama atenção para algumas técnicas que não necessitam de
instrumentos para serem executadas, como por exemplo, a da administração que serve
para manter o Estado, das pinceladas do pintor, das guerras químicas ou de gases,
pilotar carros ou dirigíveis. Essas coisas sem uma intencionalidade são sem propósito.
Ele chama atenção para os museus que apenas mostram as coisas, mas não se
preocupam na intencionalidade delas, ou como elas surgiram para chegar até ali, um
mostruário sem propósito histórico, intencional. Os carros, navios, aviões não surgem
da idéia de carro ou avião, mas sim de uma vontade, intencionalidade de movimentar -
se, daí esses meios de transportes sur gem, o método é uma arma em si. O
comportamento interessado que faz surgir essa técnica e não ao contrário.
A astúcia humana é a mais antiga arma do homem, de sum a importância nesse
processo de desenvolvimento, nessa vida de luta, uma vida ativa. Desde a primeira
armadilha a mais moderna tecnologia, faz com que o homem transcenda essa condição
animal que a natureza “impôs” a ele. Esse progresso leva o homem para um caminho
que ele não sabe onde vai parar, essa marcha para algum lugar que não se sabe onde vai
dar nem agora, nem depois. Uma marcha do infinito para o infinito, de várias
possibilidades. Essa finalidade não se faz quando se pensa no começo, pois existe u m
medo do fim, um vazio nele. Essa evolução implica em um momento cumprido, um
fim, aqui está mais uma diferença importante entre o homem e os outros animais . Pois o
homem projeta para o futuro a medida em que percebe o passado, o futuro, uma “morte
futura”, coisa que os outros animais não percebem, a não ser que tenha sua vida
ameaçada naquele momento, o homem liberta -se dessa cadeia do aqui e agora e tem
essa projeção de futuro. A idéia de uma morte futura assombra o homem, nessa fraqueza
ante a morte ele tenta esconder-se atrás das artes, religiões, até mesmo do progresso .
Temendo não só a sua morte, mas o esquecimento, pois não só morre o homem, como
culturas também morrem.
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O homem era e é demasiadamente superficial e covarde para suportar a idéia
da mortalidade de todas as coisas vivas. Ele a envolve no otimismo cor -de-rosa
do progresso, amontoa sobre ela as flores da literatura, fica a rastejar por trás
de uma muralha de ideais para não enxergar nada. Mas a transitoriedade, o
nascimento e o passamento, é a forma de tudo quanto tem realidade - desde
as estrelas, cujo destino para nós é incalculável, até o efêmero formigueiro do
nosso planeta. A vida do indivíduo, seja ele animal, planta ou homem, é tão
perecível como a dos povos e das culturas. Cada c riação está predestinada à
decomposição; todo o pensamento, todo o descobrimento, todo o feito estão
condenados ao esquecimento. Aqui e alí, por toda a parte vislumbramos cursos
da história de grandioso destino e hoje desaparecidos. Vemos em torno de nós
ruínas das obras ‘que foram’, de culturas mortas. No descomedimento de
Prometeu, que ergue as mãos para os céus para submeter as potências divinas
ao homem, estava implícita a queda. Que é feito, p ois, dessa palavrosa alusão
às “realizações imorredoiras (sic)?” (SPENGLER, 1941, pgs 30-31).
A partir desse momento, apesar, da pequena – e breve - história humana em
relação ao universo (e o mesmo não se importa com essa dita “história universal”) , vai
mostrando-se “frágil”, súbita, mas mesmo assim não deixa de ser uma batalha, pois
senão o homem seria engolido pelo universo infinito ao seu redor. Depois, apesar de
toda essa “insignificância” em relação ao infinito, Spengler vai dizer porque o homem
usa a expressão “história universal” . Antes de chegarmos nesse conceito de história
universal o filósofo afirma que não existe um homem em si. Adiante será explicado
melhor sobre a alma animal (tanto do homem quanto dos outros animais), que pode
confundir-se neste momento como um homem em si. O autor descarta essa idéia, visto
que o homem apesar de libertar -se da cadeia do aqui e agora, de transcender isso, vive
no seu tempo (pois é “jogado” e nasce nele). Não existe esse homem em si, mas um
homem temporal e mutável, a partir de sua era, sua vivência nela, de sua cultu ra. O
homem vive no mundo que está inserido, nesse momento de mundo que ele conhece e
percebe, por mais que consiga enxergar além dele (como alguns homens conseguem) ,
ele é um ser desse momento e esse mundo segue não se importando com ele. Spengler
rejeita essa idéia de homem em si, pois o homem faz parte desse tempo em que vive,
mas isso não quer dizer que ele sucumba facilmente, tem que lutar para viver, para
continuar existindo, percebendo e interferindo nesse mundo circundante. Como o
próprio Spengler comenta sobre o homem inserido nesse mundo e sua luta para
continuar nele:
Entre os enxames das estrelas “eternas” intrinsecamente não importa qual seja
o destino deste pequeno planeta que segue seu curso por breve tempo em
algum lugar do espaço infinito. Ainda mais insignificante é aquilo que em sua
superfície se move durante alguns instantes. Mas cada um de nós,
intrinsecamente um nada, se vê lançado nesse universo rodopiante por um
minuto indizivelmente breve. Por isso este mundo em miniatura, esta hist ória
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universal, é algo de suprema importância. E, o que é mais, o destino de cada
um desses indivíduos não consiste apenas em, por seu nascimento, terem sido
eles trazidos para dentro desta história universal, mas sim em haverem
aparecido num determinado século, num determinado país, num determinado
povo, numa determinada religião, numa determinada classe. Não está ao nosso
alcance escolher entre ser filho dum camponês egípciode 3.000 A.C., de um
rei persa ou então dum vagabundo de nossos dias. A esse destino temos de nos
adaptar. Ele nos condena a certas situações, concepções e ações. Não existe “ o
homem em si” tal como querem os filósofos, mas apenas homens de uma
época, de uma localidade, de uma raça, de uma índole pessoal que travam
batalha com um dado mundo e acabam vencendo ou sucumbindo, enquanto o
universo ao redor deles segue lentamente o seu curso com uma indiferença
divina. Essa batalha é a vida - a vida, sim, no sentido nietzschiano - uma luta
tôrva (sic), impiedosa e sem quartel, que nasce da vo ntade-de-poder.
(SPENGLER, 1941, pgs.31-33.).
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4. TIPOS DE VIDA
Para Spengler a vida dos seres vivos no nosso planeta se difere em 2 partes: a
vida imóvel e a vida móvel. O homem é um animal de rapina (adiante será mostrada
com mais detalhes neste trabalho, que o homem está inserido na categoria da vida
móvel e rapace), isso se encontra desde pensamentos de grandes filósofos a contos de
fadas, do acadêmico ao popular. Apesar de alguns filósofos idealistas e teólogos não
admitirem essa idéia do homem ser um animal rapace, mesmo assim eles deixam
escapar em suas obras momentos em que o homem age como esse animal predador.
4.1 VIDA IMÓVEL
A vida dos seres vivos se diferem; a planta é um ser vivo restrito, apesar de
haver uma vida nela e ao seu redor, ela simplesmente faz parte da natureza sem opção
de escolha e “vontade”, ela é imóvel e sua mobilidade é “ditada” pelo movimento da
luz, do vento, do calor, não escolhendo seu alimento e nem sua posição. Ela está “presa”
a “imposição” da natureza, ao local que lhe é “dado”.
4.2 VIDA MÓVEL
Acima dessa vida vegetal está a vida livre dos animais móveis, que escolhem
para onde movimentar-se, mas nessa vida animal existem dois estágios : Os Herbívoros
e os carnívoros. De um lado os animais unicelurares, os palmíades e os ungulados que
segundo Spengler “[...] Cuja vida depende em sua manutenção do mundo imóvel das
plantas, pois estas não podem fugir nem defender -se” (SPENGLER 1941, p. 42). Esse
animal “ataca” e sobrevive da vida imóvel, mas acima desses animais estão os animais
de rapinas, predadores natos, que sobrevivem do assassinato de outros animais, para
continuarem vivos matam outros seres viventes que possuem a mesma mobilidade que
eles, mas não a mesma força predatória. Matam presas móvei s e possuem grande astúcia
para esse fim. Spengler ressalta que estamos tão familiarizados com essa luta “terrena” ,
estamos tão acostumados a ela, e quando nos deparamos com essa vida de assassinatos
num ambiente diferente, como o fundo do mar e suas espéc ies “estranhas” aos nossos
olhos, ao nosso entendimento, n ós ficamos horrorizados, pois não estamos acostumados
a perceber, vivenciar, esse combate.
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Percebemos aqui que o homem é um predador, um animal de rapina, um
carnívoro que se difere das plantas e dos herbívoros, está num patamar acima desses
dois, segundo o autor. Spengler afirma que a forma mais alta da vida é a vida móvel,
pois possui mais liberdade de movimento, possui mais possibilidades , habilidades,
astúcias para poder lutar, matar e vencer, onde o eu afirma-se na derrota do outro. E
como o ser humano está nesse estágio de animal rapace, o mesmo possui a alta
dignidade desse tipo de vida.
Ao contrário do animal de rapina o herbívoro é destinado a ser presa, vitimais
naturais do animal rapace. Enquanto o animal de rapina é ofensivo, destruidor, de
ataque, o herbívoro é um animal defensivo. Na tática de artimanhas dos animais a
diferença já é visível, enquanto o herbívoro é mestre em ocultar -se, esconder-se, fugir, o
de rapina é hábil em atacar, arremessar-se em sua presa. Spengler não nega que os
herbívoros também tem suas habilidades, mas chama o carnívoro de forte e o herbívoro
de fraco. Temos que ter cuidado aqui para não cair numa idéia maniqueísta de que o
fraco é um coitadinho, uma coisa “ ruim”, e o rapace um malvado, ou o grande herói da
história. Não se deve enxergar dessa maneira , essa é uma luta natural, apenas isso ,
apesar de Spengler não esconder sua admiração pelos animais de ataque.
A astúcia pertence aos animais de rapina e compar ados aos animais predadores,
os herbívoros são obtusos. Pois até mesmo os animais herbívoros mais fortes como o
touro ou o cavalo deixam-se dominar e só mudam esse comportamento quando estão
com raiva, ou quando querem copular , é que estão prontos para lutar, mas esses são
momentos e não uma coisa constante na vida desses animais, em sua existência.
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5. DIFERENÇAS FISIONÔMICAS ENTRE OS HERBÍVOROS E
CARNÍVOROS - E SUA IMPORTÂNCIA NA APREENSÃO DE
MUNDO PARA CADA UM DELES
A diferença entre o animal he rbívoro e o de rapina já começa na anatomia de
cada um, em como seus órgãos de sentido estão dispostos. Esse órgão que faz apreender
o mundo, na percepção desse planeta em que o animal está inserido, eles “enxergam”,
se relacionam de maneira diferente com esse universo em que vivem, e vão percêbe-lo
de maneiras diferenciadas, independente de notar o mundo ou ser notado nele. Cada um
tem uma maneira de relacionamento, de intencionalidade com esse mundo que o
circunda.
É, porém, a relação – misteriosa, inexplicável por qualquer raciocínio humano
– que se estabelece entre o animal e o ambiente, por meio dos sentidos do tacto
(sic), da ordem e do intelecto, que transforma o simples am biente em um
mundo circundante. (SPENGLER, 1941, p.44).
Esse começo de relação é obscuro para Spengler, mas depois que ele acontece os
órgãos do sentido fará a diferença nessa apreensão de mundo e a diferença do herbívoro
e o carnívoro irá mostrar-se nessa relação de dominação e dominado com o mundo e o
outro.
Os herbívoros superiores são governados pelo ouvido, mas acima de tudo pelo
olfato; os carnívoros superiores, por outro lado, dominam com os olhos.
(SPENGLER, 1941, p.44).
Aqui existem dois verbos que definem a característica de apreensão de mundo
de ambos, por um lado o herbívoro é governado pelo ouvido e olfato, enquanto o s
carnívoros dominam com os olhos. O olho domina esse mundo, tem controle dele e o
ouvido e o olfato são órgãos “dominados”. Enquanto o herbívoro usa seus órgãos para
fugir dessa dominação, desse governo, os predadores dominam pelo olhar, um fareja o
perigo, para afastar-se, fugir, o outro ao olhar penetra, comanda, domina, atira -se para
dominar o outro, seja ele vegetal ou animal. O olhar visa e ataca, o olfato fareja e foge.
Outra diferença anatômica entres os dois tipos de animais estão nos olhos (e no jeito de
cada um olhar, apreender, o mundo ao seu redor), enquanto os herbívoros tem os olhos
laterais que dão para eles um olhar sem perspectiva, cada olho tem uma perspectiva , um
olhar diferente, um olhar segundo Spengler que traz já uma idéia de dominado. Já os
17
animais de rapina tem no mundo circundante um olhar de dominador, tem olhos que
visa a presa, olhos que fixam num ponto do ambiente, olhos fixados, ambos glóbulos
oculares são dirigidos para dia nte e paralelamente, um olho que é um órgão de ataque,
olhos que fascinam a presa, o olhar fascinante do predador, uma visão hostilizadora que
já dá para a vítima a idéia do seu destino, destino esse que não se pode fugir. Nessa
apreensão assassina, predadora, que nasce o mundo, o nascimento do mundo pelo olhar
de rapina.
Mas êsse (sic) ato de fixação de dois olhos dirigidos para diante e
paralelamente é equivalente ao nascimento do mundo no sentido da posse do
mundo pelo homem – isto é, como um quadro, como um mundo diante dos
olhos, como não um mundo apenas de luzes e côres (sic), mas de distâncias em
perspectiva, de espaço e de movimentos no espaço, de objetos situados em
determinados pontos[...] A imagem do mundo é o mundo circundante
dominado pelos olhos. (SPENGLER, 1941, p. 45).
O mundo nasce nesse olhar do campo de batalha em que o animal vive e o
animal que consegueesse transcender esse “simples” olhar é o Homem, que vai
conseguir ultrapassar o simples ato de enxergar, olhar, para o de apreender e
compreender o mundo, que nasce, que é compreendido, percebido a partir do momento
em que dominamos o outro . Nesse ato de olhar dominador percebemos que além do
outro há um mundo ao redor dele e ao nosso redor. Essa idéia de espaço circundante que
dominamos nos faz dar esse salto revelador.
Existe um olhar do senhor e do escravo, um olhar do dominador e dominado.
Esse tipo de olhar nos concedeu uma liberdade, esse olhar dominador nos concedeu uma
superioridade em relação ao outro, num poder de saber, enxer gar, que o outro pode ser
dominado por esse olhar dominante. A concepção de mundo , de um ataque do olhar,
onde o mundo apresenta-se para ser “atacado”, apreendido, dominado e o homem está
aqui para dominá-lo. Spengler afirma que, a partir do fato em que mundo é a nossa
presa, é que nasceu toda a cultura humana e virá a ser um conjunto de formas artificiais
pessoais e próprias da vida do homem.
18
6. A ALMA ANIMAL
A força do predador faz-o sentir-se divino, poderoso, num corpo “matador”,
assassino, apesar de mortal. Essa idéia de poder, de superioridade traz mudanças
internas para o homem, ao perceber esse mundo externo, muda -se o mundo interno.
Mudanças na alma que os animais fortes são dotados. Sobre essa alma Spengler
comenta:
A alma – êsse (sic) quê de enigmático que sentimos ao ouvir esta palavra, mas
cuja a essência não é acessível a nenhuma ciência; essa chispa divina neste
corpo vivo que neste mundo divinamente cruel e divinamente indiferente tem
de dominar ou de capitular – a alma é o contra-polo do mundo luminoso que
nos cerca. Daí o fato de o pensamento e o sentimento humanos estarem sempre
prontos a aceitar a existência de uma alma cósmica dentro dele. Quanto mais
solitário é o ser e mais resoluto se mostra no formar um mundo para si mesmo,
contra tôdas (sic) as outras conjunturas de mundo a seu redor, tanto mais
definida e forte é a têmpera de sua alma. Qual é o oposto da alma de um leão?
A alma de uma vaca. Os herbívoros substituem a fôrça (sic) da alma individual
pelo grande número, pelo reban ho, pelo sentir e pelo fazer em comum das
massas. Quanto menos, porém o indivíduo precisa dos outros, tanto mais
poderoso êle (sic) é. O animal de rapina é inimigo de todo o mundo. Não tolera
nunca um igual em seu antro. Aquí (sic) estão as raízes do verda deiro conceito
régio de propriedade. A propriedade é o domínio no qual exercitamos poder
ilimitado, o poder que conquistamos em batalha, que defendemos contra
nossos pares, que mantivemos vitoriosamente. Não é um direito a um mero
haver, mas sim o soberano direito a fazer o que queremos com o que é nosso.
(SPENGLER, 1941, p. 46-47).
Percebemos aqui que existe uma alma “carnívora”, alma solitária, con quistadora
do mundo circundante. O que é do carnívoro obedece a sua vontade, esse animal
predador é inimigo do mundo, que cria a sua propriedade . Opondo a essa alma
predadora o herbívoro possui uma alma mais solidária, o predador é mais solitário, pois
é menos dependente, mais poderoso, já o s herbívoros “Seriam mais fracos e na busca
por alcançar a firmeza da alma procura uma quantidade e de uma certa forma ficariam
com mais dependência do mundo circundante ” ( HACK e ABRÃAO, 2005, p.17).
Podemos compreender aqui o que Spengler chama de ética do carnívoro e do herbívoro
e não está no alcance de ninguém alterar e ssa ética, pois pertence a forma íntima do
animal, sua tática em toda vida , são inalteráveis, mesmo que se aniquile a vida, não
pode-se alterar o caráter. O filósofo comenta quando aprisionado o animal rapace sente -
se mutilado, com uma saudade cósmica, já os herbívoros quando capturados nada
perdem na domesticação. O carnívoro não aceita essa dominação, não faz parte de sua
alma, sua ética, como diz Spengler :
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Essa é a diferença entre o destino dos herbívoros e do animal de rapina. Um
dêsses (sic) destinos apenas ameaça; o outro exalta. Aquele deprime,
empequenece e acobarda (sic); êste (sic) eleva por meio do poder e da vitória,
do orgulho e do ódio. E a luta da natureza -interna com a natureza-externa já
não deve ser considerada miséria como afirmava Schopenhauer, ou “luta pela
existência”, como achava Darwin, mas sim um grande sentido que enobrece a
vida, o amor fati de Nietzsche. É esta espécie e não a outra que o Homem
pertence. (SPENGLER, 1941, p. 48).
Alguns têm uma alma dominadora e outrem dominada , a alteração nessa alma
causa um desconforto para os carnívoros, um impedimento de vivê-la, viver sua alma
“orignal”. Não é apenas uma luta cega, mas uma luta que tem uma vontade, uma
intenção, um caminho escolhido que não pode ser impedido, aí que está a r iqueza dessa
batalha: a escolha do Homem. Ele vai escolher como e porque lutá-la. Como se portar
diante dela, ela é uma opção para ele, apesar de necessitá -la, mas aqui há uma escolha,
um desejo que o move e não simplesmente uma luta às escuras contra o de sconhecido,
contra o não desejado, não intencionado, a luta da natureza externa contra a natureza
interna é escolhida por quem tem o desejo de vencê -la e como vencê-la, quais os meios
a serem usados para essa vitória.
Na página 49 do livro Spengler diz: “ O Homem não é nenhum simplório ‘bom
por natureza’ e estúpido; nem um semi -macaco com tendências técnicas”, indo de
contra ao pensamento de Rousseau que dizia que o homem era “bom” por natureza e a
sociedade o corrompia, continuando a fala de Spengler, na m esma página 49, contra
essa idéia do contratualista suíço.
Não, a tática de sua vida é a de um esplêndido animal de rapina, corajoso,
astuto e cruel. Vive de atacar, de matar e destruir. Êle (sic) quer, e desde que
existe sempre tem querido, ser senhor . (SPENGLER, 1941, p. 49) .
Mais uma vez o homem tem a intenção e sabe muito bem o que quer quando está
nessa batalha de vida, quer vencê -la e a técnica escolhida vai ser substancial pra isso,
pra vencer e como vencer esta luta .
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7. A LIBERTAÇÃO DO HOMEM DA COAÇÃO DA ESPÉCIE E O
APARECIMENTO DA MÃO (E DO HOMEM)
Para Spengler a técnica não é mais antiga que o homem, ele afirma que
certamente não é, pois aí está a diferença intencional da técnica humana em relação aos
outros animais, que possuem uma técnica genérica e nunca transcenderam-na, já a do
homem é inventiva e suscetível ao desenvolvimento, enquanto a dos outros animais são
as mesmas desde seu “começo”, o autor afirma:
O tipo de abelha desde que existe tem construído do seus favos
exatamente como o faz agora e há de continuar a construí -los assim até
a sua extinção. Os favos pertencem à abelha como a forma de suas asas
e a côr (sic) de seu corpo. As diferenças entre a estrutura corporal e o
modo de vida só existem vistas do ângulo do anatomista . Se partimos
da forma interna da vida em vez de da (sic) forma externa do corpo,
veremos então a tática de vida e a distribuição do corpo como uma
única e mesma realidade orgânica. A “ espécie” é uma forma, não do
visível e estático, mas da mobilidade – uma forma não do ser-assim
mas do fazer-assim. A forma corporal é a forma do corpo ativo.
(SPENGLER, 1941, p. 50).
Ou seja intencionalmente fazer -se assim. Existem diferenças anatômicas e
corporais, externas, mas a espécie em sua tática é interna. Os animai s possuem
“técnicas”, construções admiráveis, disso o autor não duvida, até porque tudo que o
homem pode fazer toda a espécie animal já o fez . Spengler diz que essas tendências
existem adormecidas sob a forma de possibilidade, dentro da vida móvel, a vida dos
animais, Spengler diz na página 51 “O homem nada realiza que não seja realizável pela
vida como um todo” , então seria a técnica algo somente humano e anti -natural? Pois de
alguma maneira “imitamos” o que os animais já fazem naturalmente, elas não
transcendem essa sua natureza (ou não precisam?),mas o homem sim e quer e pôde
querer voar ou ir até o fundo do mar, demorou -se milhares de anos, mas ele conseguiu,
a partir dessa vontade, dessa transcendência, que foi desencadeada a partir da batalha de
vida em que ele se encontrou. O homem é o único animal que liberta -se, transcende,
deseja ultrapassar, ir além da coação da espécie, libertando -se dela e cria uma técnica
pessoal (que nos outros animais é gen érica, impessoal e inalterável). Numa melhoria
técnica, o homem cria sua tática e dessa criação, dessa criatividade, ele cria a cultura, a
partir dessa técnica pessoal e alterável. A partir desse ponto vamos usar “homem” para
para o ser humano e “animal” para os outros animais que não o homem. Spengler fala
21
da projeção do homem para o futuro, outra diferença em relaç ão aos demais animais.
Pois o homem sabe seu “momento” no mundo, sua “colocação” nele. como o autor
mesmo pontua essa diferença consciente entre o homem e o animal, não só da “técnica”,
como “existencial”.
No entanto isso nada tem a ver com a técnica humana. Eis o que significa a
palavra “instinto”. Estando o “pensamento” animal estritamente ligado ao
agora e aquí (sic) imediatos e não conhecendo o passado e o futuro, não
conhece também a experiência da preocupação. Não é verdade que entre os
animais as fêmeas se ‘preocupem’ com os filhotes. Preocupação é sentimento
que pressupõe visão mental futuro a dentro, interêsse (sic) pelo que está por
acontecer, do mesmo modo que remorso implica em conheci mento do que
aconteceu. Um animal não pode odiar nem desesperar. O cuidado da cria é,
como tudo mais que se mencionou acima, um impulso obscuro e inconciente
(sic) como os que se encontram em muitos tipos de vida. Pertence à espécie e
não ao indivíduo. A técnica genérica não é apenas inalterável, mas também
impessoal. Pelo contrário, há até um fato único com relação a técnica humana:
o de que ela é independente da vida do gênero humano. É o único caso em
tôda (sic) história da vida em que o indivíduo se lib erta da coação da espécie.
Precisamos meditar longamente sôbre (sic) essa idéia se quisermos apanhar -
lhe a imensa significação. A técnica na vida do homem é conciente (sic),
arbitrária, alterável, pessoal e inventiva. Apreende-se e é suscetível de
melhora. O homem se fez criador de sua tática de vida. Esta é a sua grandeza
e a sua fatalidade. E à forma interna dessa criatividade chamamos cultura, –
possuir cultura, criar cultura, padecer pela cultura. As criações do homem são
a expressão de sua existência em forma pessoal. (SPENGLER, 1941, pgs. 51-
52).
O interessante nessa fala de Spengler é que o homem “escolhe” libertar-se, tem
essa intenção libertadora, de ser diferente do outro, um ser particular e toda cultura
humana surge dessa escolha, dessa liberta ção pessoal da espécie, um ser único e
“diferente” do outro. A sua escolha determina sua vida, a escolha de sua batalha, de
como ela será, de que armas usar, como usar , e não só isso, a direção de sua vida futura
e consciência de sua vida passada e para on de vai e como irá. O homem nesse aspecto é
livre para sua escolha, pelo menos lutará para que sua opção pessoal seja realizada, seja
feita a sua vontade, seu desejo. Pois ele é consciente da movimentação de sua vida,
desde o começo e de como ela poderá aca bar, assim como do seu momento presente.
A intencionalidade faz o homem se libertar, quando o olho e a mão “abriram”
suas possibilidades de percepção do mundo ao seu redor. Esse carnívoro inventivo surge
com o aparecimento dessa mão, que não existe arma eq uivalente no mundo da vida
móvel, essa mão incrível e seu poder são de um ineditismo que não havia aparecido até
então no planeta, não se pode comparar a nenhum outro membro dos animais, tão
poderosa que Spengler compara como se fosse um “sexto sentido” ta manha é a
importância desse “novo” membro que o homem descobre.
22
O sentido do tacto (sic) se acha em tal grau concentrado na mão que esta pode
ser quasi (sic) considerado o órgão táctil (sic), no mesmo sentido em que os
olhos são os órgãos visuais e os ouvidos os órgãos auditivos. A mão não só
distingue o quente do frio, o sólido do líquido, o duro do mole, mas também,
acima de tudo, o peso (sic) da forma, o lugar das resistências, etc., - em suma,
as coisas no espaço. (SPENGLER, 1941, pg. 57).
A mão não é somente aquilo que sente, mas aquilo que diferencia e cria, produz,
é capaz a partir dela “de sentir” a melhor forma para o que vai construir, quase que
independente. Não está somente no tato que estamos acostumado, está além del e. Essa
mão toca e age, sente, quase que com uma vida própria, não é passiva apenas de sentir
sensações no tocar, numa passividade, ela age também, sente o agir, é ativa. “Aos olhos
do animal de rapina que contemplam “teoricamente” o mundo, ajunta -se a mão do
homem que o domina praticamente” (SPENGLER, 1941, pg. 58). Como se olhar fosse
algo virtual e a mão real, os olhos vêem e as mão atacam, o olho percebe, mas é a mão
que sente fisicamente o que os olhos circundam e desejam. A mão é tão poderosa que
depois dela é que “tudo” muda, digamos que a existência do homem vem pela sua mão.
Para Spengler a mão é tão importante que a postura surgiu por causa dela,
praticamente junto com ela.
Além e acima dessa função, porém, a atividade da vida se reúne de modo tão
completo na mão que tôda (sic) a postura e marcha do corpo tomou –
simultaneamente – a configuração dela. Não há nada em todo o mundo que se
possa comparar a esse (sic) membro ca paz igualmente de toque e ação.
(SPENGLER, 1941, pgs. 57-58).
E a origem dessa mão foi súbita e nã o evolutiva como os darwinistas afirmam,
não é uma mão darwinista , ele afirma que ela surgiu de forma abrupta, como um
relâmpago ou um terremoto, que uma maneira lenta e flaugmática são bem típicas dos
ingleses e não da natureza. Spengler afirma :
Para apoiar a teoria recorre-se a milhões de anos, uma vez que dentro dos
períodos de tempo mensuráveis nada se revelava dêsse (sic) processo. Mas na
verdade não poderíamos distinguir as diversas camadas geológicas se não
houvessem sido elas separadas uma das o utras por catástrofes de natureza e
origem desconhecidas; e não poderíamos conhecer as espécies das criaturas
fósseis se estas não tivessem aparecido de súbito, mantendo -se invariáveis até
a sua extinção. Nada sabemos dos “antepassados” do homem, a despeit o de
tôdas (sic) as nossas investigações e da anatomia comparada. O esqueleto
humano desde que apareceu tem sido exatamente o que é hoje. Em qualquer
reunião popular podemos encontrar até o homem de Neanta rdal. (SPENGLER,
1941, pgs. 58-59).
23
O autor não aceita que existe um “homem” com uma mão diferente, ou
atrofiada, ou qualquer coisa diferente do homem atual, quando compara -se com o
primeiro “homem” de onde nós “surgimos” . O que configurou a nossa espécie
fisicamente, que é igual até hoje, não houve um diferença fisica gigante entre esse
homem e o dos nossos dias. Essa mão antepassada, primórdia é igual até hoje se
comparada com esses antigos fósseis, agora o surgimento dela, o que ela era antes, não
se pode afirmar exatamente como era, pois não aparece u até hoje, para Spengler, um
indicador para esclarecer. Nossa configuração fisíca é a mesma e ela nos fez como nós
somos até hoje, a partir dessa mão e sua demora seria prejudifial a nossa “evolução”,
nossa transformação no que seríamos com o advento dela , a mão.
Spengler diz que a nossa postura ereta, nosso marchar, posição da cabeça e
outras coisas nesse aspecto não surgiram de forma independente e sim juntas e de
repente.
Quanto a essa “evolução”, em geral afirmam os darwinistas que a posse de
armas tão admiráveis como essas favoreceu e conservou a espécie na luta pela
vida. Mas o certo é que só a arma já completamente formada poderia constituir
uma vantagem. A arma, durante o processo de evolução – e dizem que êsse
(sic)processo durou milênios – teria sido uma carga inútil e teria trazido mais
prejuízos que benefícios à espécie. Como imaginar o início de tal evolução?
Esta caça das causas e dos efeitos, que no fim de contas são formas do
pensamento humano, e não do vir -a-ser do mundo, torna-se um tanto imbecil
se esperarmos penetrar com ela nos segredos dêsse (sic) mundo. (SPENGLER,
1941, pg. 59, Nota 1 ).
 Não se pode ficar “perdendo” tanto tempo com algo que não é possível explicar,
e procurar essa causalidade em algo que não se tem como comprovar , é algo típico do
homem. Até esse momento o homem ainda não era o que é até o advento do “olhar” e
da mão, fazia mais parte da natureza do que esse homem anti -natural que somos depois
do olho e da mão. O autor mostra nesse trecho que o desenvolvimento da arma é que
nos fez ser o que somos e não foi um processo muito longo e demorado demais, porque
senão seria um fardo, uma coisa desnecessária, tinha que ser urgente para
sobrevivermos, essa urgência nos fez acelerar mais do que nunca na breve história
humana em releção a poderosa e “eterna” natureza. Ou erámos rápidos ou morreríamos,
demorar para desenvolver essa arma seria o nosso fim. Nesse caso “seja rápido ou
morra” não poderia ser uma frase melhor para contar a continuidade do homem no
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mundo, “perpertuar” nossa espécie aqui neste planeta. Essa mudança que o homem
viveu é o que se chama de mutação.
A história do mundo avança de catástrofe em catástrofe, quer possamos
compreender e provar o fato, quer não. A isso chamamos hoje, segundo A. De
Vries, Mutação. É uma mudança interior que subitamente se apodera de todos
os exemplares duma espécie, naturalmente “sem -tom-nem-som”, como tudo
mais que se passa na realidade. É um ritmo misterioso do real. (SPENGLER,
1941, pg. 60).
Aqui mais uma vez o autor mostr a que nem tudo que acontece na vida humana é
algo que tem um “por que”, ou uma finalidade, muitas coisas acontecem de maneira
misteriosa, “sem sentido”, acidentalmente . Alguns acidentes vão mudar o percurso do
universo inteiro, sem razões, e somente o homem e seu egocentrismo acha que tudo vai
acontecer por causa dele e para ele. A citação do nome de Hugo de Vries mostra bem
isso, pela maneira “aleatória” que alguns seres vivos nascem na natureza no meio dos
outros normais da mesma espécie, não corresponden do a uma “ordem obrigatória”,
“matemática”, de ter que ser igual sempre . “Acidentes” acontecem e trazem uma série
de mudanças radicais e abrutas que fazem surgir espécies novas e diferentes. Mudanças
que não estão necessariamente determinadas pelo ambiente, podem ser independentes,
espontâneas, e apesar de nem sempre serem adaptativas, podem servir para o novo “ser”
e com isso ser útil para o mesmo, desenvolver uma vantagem em relação ao ambiente -
e aos outros seres que estão ao seu redor - e começar uma “dominação” dessa nova
espécie “mutante”. Coincidentemente, ou acidentalmente, essas mutações do homem
fazem surgir essa nova espécie que nunca havia existido antes, e ele passa a ser o “dono
do mundo”, ou imagina ser, começa a configurá -lo a partir de sua existência e vontade.
Essa relação de mão e instrumento nunca foi observada até Spengler chamar atenção
para isso. Pois a mão inerme sozinha não tem utilidade alguma, mas munida de uma
arma (e uma intenção de como usá -la) ela transforma-se. Para ser a mão uma arma
precisa estar com uma arma. E essas armas são modeladas a partir do formato da mão e
conseqüentemente a mão tomou também a configuração desse instrumento.
É insensato procurar separá-los a ambos no tempo. É impossível que a mão já
formada tenha exercido atividade, mesmo que por curto tempo, sem o
instrumento. Os mais remotos restos humanos e os mais remotos instrumentos
têm a mesma forma. (SPENGLER, 1941, pgs. 60-61).
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É um grande exemplo de simbiose predadora, a mão e a arma. Mostra que o
autor não nega uma transformação anterior na mão, só não pode falar dela, pois não há
amostras dessa mão. Quando o homem se configura, transforma -se, no que ele é, ela - a
mão - não mudou fisicamente, mas sim, diga mos, intencionalmente e habilidosamente.
Como o instrumento é fabricado e para que ele seja usado é que vai tomando novos
contornos com o passar do tempo. Essas técnicas vão mudando com o passar do tempo,
não se construirão apenas armas, mas a partir da criatividade com que as construímos,
com essa nova percepção, vão surgir violinos, aviões, casas. E uma coisa é a técnica de
construir e outra é a de manusear, manejar , o que se constrói. São duas técnicas
diferentes que se desenvolve, podendo -se claro ser hábil nas duas ou apenas em uma
delas. Graças a essa mão, essa novidade que ela traz, eis o homem configurado, pois
nenhum outro animal de rapina jamais escolheu que tipo de arma usar, somente o
homem faz isso, e não somente escolhe, como a produz do seu jeito particular, de suas
idéias individuais. Isso o faz “superior” em relação aos outros animais e a natureza,
apesar da última ser mais forte que ele, o homem vai sempre tentar transformá -la em seu
favor. Aqui o homem criador de armas libera -se da coação da espécie, a liberdade de
criar suas próprias armas, sua escolha pessoal.
Isso significa sua liberação da coação da espécie – fenômeno único na
história de tôda (sic) a vida dêsse (sic) planeta. Com isso o homem começa a
ser. Faz sua vida ativa em larga escala independente das condições do corpo.
O instinto genérico ainda persiste com plena fôrça (sic), mas dêle (sic) se
separou um pensamento e uma ação inteligente que não dependem da espécie.
Essa liberdade consiste na liberdade de escolha. Cada um fabrica as suas
próprias armas, de acôrdo (sic) com sua habilidade e raciocínio próprios. O
descobrimento de grandes acervos de instrumentos falhos e abandonados são
testemunhos eloqüentes do cuidado dêsse (sic) pri mitivo “fazer conciente
(sic)”. (SPENGLER, 1941, pg. 61-62).
O homem fabrica e sabe o que quer fabricar, tem a intenção do que ele quer e
sabe como quer, sabe muito bem quando algo não serve a sua vontade e procura
aperfeiçoar. Há um ponto interessante que Spengler comenta, que apesar de toda essa
individualização de escolha há uma certa semelhan ça nas “construções” dessas armas,
nas “culturas”, como ele mesmo comenta:
Se, a-pesar-de tudo, êsses (sic) espécimes são tão semelhantes que – embora
com justificação duvidosa – possamos deduzir a existência de “culturas”
diferenciavéis, como a acheulense e a solutrense – desta vez certamente sem
justificação – paralelos de tempos nas cinco partes do mundo, deve -se isso ao
fato de que essa liberação da coação da espécie surgiu a princípio apenas como
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uma grande possibilidade e está muito longe de ser ind ividualismo já
realizado. Ninguém gosta de parecer extravagante, nem tampouco de imitar os
outros. De fato, cada qual pensa e trabalha para si mesmo, mas a vida da
espécie é tão poderosa que a despeito disso o resultado é semelhante em tôdas
(sic) as partes – como no fundo acontece até mesmo hoje. (SPENGLER, 1941,
pg. 62).
Algumas “necessidade” e “vontades” fazem o homem obter resultados
semelhantes em várias partes do mundo, mesmo sendo uma escolha particular,
muitas vezes essa escolha parte de uma neces sidade da espécie, independendo da
região onde vive, apesar disso ser um fator crucial na fabricação das coisas, mas
existe algumas semelhanças em certos objetos criados em todos os tempos na
nossa história.
Existe agora, como Spengler diz, “pensamento das mãos” e além do
“pensamento dos olhos”.
Assim, pois, além do “pensamento dos olhos”, do olhar agudo e compreensivo
dos grandes animais de rapina, temos agora o ‘pensamento da mão’. Do
primeiro desenvolveu-se nesse entretempo o pensamento, que é teórico,
contemplativo, observante – a “reflexação” e a “sabedoria”. E agora, do
segundo nasce o pensamento a tivo e prático, nossa “astúcia”, a “inteligência”propiamente dita. O ôlho (sic) indaga sôbre (sic) causa e efeito; a mão trabalha
segundo o princípio dos meios e do fim. A questão do próprio e do impróprio –
o critério do fazedor – nada tem a ver com a verdade ou falsadidade, que são
valores do observador. E um fim, um alvo, é um fato, ao passo que uma
conexão de causa e efeito é uma verdade. Dess´arte surgiram os diferentes
modos de pensar dos homens-de-verdade – o sacerdote, o estudioso, o filósofo
– e dos homens-dos-fatos – o político, o general, o comerciante. Desde então,
pois, até mesmo nossos dias, a mão que comanda, que dirige, a mão de punhos
cerrados é a expressão de uma vontade. Tanto é assim que temos realmente
uma grafologia e uma quirosofia, para não falar em figuras de linguagem como
o “punho de ferro” do conquistador, a “mão hábil” do financista e a “mão” do
artista ou do criminoso. (SPENGLER, 1941, pgs. 62-64).
Junto com os olhos a mão ajudou a formar novos homens, suas vontades, desejos
e “habilidades”. Uma junção do olhar e do manusear fez surgir esse homem criador de
coisas. Enquanto os outros animais permaneceram em seus “limites” em que a sua
espécie o “condenou”, o homem conseguiu transcendê -lo, espalhando sua “cultura” pelo
mundo a fora, conseguindo mover -se nele e habitar novos lugares . O homem agora com
esse poder, com essa percepção do mundo circundante, deixa de ser um coadjovante no
universo e agora pode chamar a sua breve história de história universal, a natureza agora
é o plano de fundo, um objeto a sua mercê e o meio de sobrevivência, mas ele, o
homem, é o agente principal em toda existência do mundo. Sur ge a “humanidade”,
como consequência dessa percepção/dominação de tudo que o circunda.
27
8. O HOMEM ANTI-NATURAL
Comentando um pouco mais dessa coação do homem em relação a espécie e da
mão e suas causas e efeitos, seus fins e meios, Spengler afirma:
À atividade da mão pensante chamamos de feitos. Já existe atividade na
existência dos animais, mas os feitos só começaram com o Homem. Nada
caracteriza melhor essa diferença que a história do fogo. O Homem vê (causa e
efeito) como surge o fogo, e o mesmo vêem muitos dos animais. Mas só o
Homem (fim e meios) pensa num processo para provocar o fogo. Nenhum
outro ato nos deixa como êsse (sic) a impressão do sentido da criação. Um dos
mais fantásticos, violentos e enigmáticos fenômenos da Natureza – o raio, o
incêndio da floresta, o vulcão – é chamado à vida pelo próprio Homem, contra
a Natureza. Que se teria passado na alma do Homem quando pela primeira vez
êle (sic) viu o fogo que sua própria mão provocara? (SPENGLER, 1941, pgs.
64-65).
O homem vê e consegue reproduzir o que a natureza faz naturalmente, o homem
cria artifícios para poder fazer isso, não só como uma pura cópia, mas de uma maneira
consciente do que faz e consegue também controlar, comandar isso, direcionar para o
que deseja e nenhum outro animal consegue fazer com maestria es sa infinitude de
“repodruções conscientes” que o homem realiza.
Mas todo esse poder também trouxe muita solidão ao homem, essa mão
assassina, destrutiva, construtiva, torna -o solitário, pois ao usar esses artifícios, não
naturais, o homem afasta-se da natureza quando progride, cria uma alma solitária do
homem poderoso, é uma alma rebelde também, aliás surge aí a verdadeira Alma
Humana:
Sob a impressão poderosa dêsse (sic) ato singular, livre e e conciente (sic),
que assim emerge da uniforme “atividade da espécie”, atividade essa
impulsiva e coletiva, tomou forma a alma humana verdadeira, alma mui
solitária (mesmo comparada com a dos outros animais de rapina), cheia de
expressão pensativa e orgulhosa, alma de quem conhece seu próprio destino;
alma dotada dum incoercível sentimento de poderio que se concentra no punho
habituado aos feitos; alma inimiga de todos; alma que mata, que odeia,
decidida à conquista ou à morte. Essa alma é mais profunda e mais apaixonada
que a de qualquer outro animal. Acha -se ela em oposição irreconciliável ao
mundo inteiro do qual a separa seu próprio caráter criador. É uma alma
rebelde. (SPENGLER, 1941, pg. 66).
Eis um homem que rebela-se contra a natureza que o criou, não somente rebela -
se contra a sua própria “natureza” , mas contra ela mesmo, afrontando-a, e muitas vezes
destruindo-a, não somente ela, mas ao outro , seja ele da raça humana ou outra espécie
animal, e nessas duas espécies ele tem que ser o maior, o único, e qualquer outro
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representa perigo contra ela, um inimigo, e tem que extermina-lo, tem que possuir, um
alma guerreira e desconfiada, que só conhece o que é “meu” e o “eu”, egoísta. Sente a
embriaguez ao atacar, cortar, matar o inimigo, esse poder de vencedor, essa alma de
triunfador, esse deleite assassino, orgulh o predador, o embriagador poder do
assassinato, sem compaixão, que ele possui ao matar, comandar, o outro. E todo homem
verdadeiro, mesmo o urbano, sente esse prazer de sua alma adormecida de tempos em
tempos esse fogo em sua alma, quando sente -se temido, admirado e odiado por possuir
“força”. Essa alma vai acompanhá-lo até os dias atuais, mesmo que não sempre
presente, de tempos em tempos, manifesta-se em alguns homens, e não estamos apenas
falando do temor do assassinato nesse momento, mas do poder em tod os os sentidos.
Não há aqui o menor vestígio dessa lament ável estimação das coisas como
“úteis” e “economizadoras de trabalho” e muito menos dêsse (sic) desdentado
sentimento de compaixão, reconciliação e dêsse (sic) anseio de paz. Em vez,
porém, disso, há um profundo orgulho de se saber temido, admirado e odiado
pela sua ventura e pela sua fôrça (sic), e a necessidade urgente de vingança
com relação a tudo, tanto os seres vivos como às coisas – pois todos
constituem, pelo simples fato de existirem, uma a meaça a êsse (sic) orgulho.
(SPENGLER, 1941, pgs. 67-68).
O homem “alheio” a natureza é anti -natural e cria a “arte” que é o contrário da
natureza, pois ele cria coisas para substituir o que não lhe é natur al. Os animais de
rapinas possuem suas armas natu rais, enquanto o punho do homem empunha uma arma
que não é natural, é criada e escolhida por ele. Nesse ponto Spengler chama a “arte”
como um conceito contraposto à natureza. Nesse momento uma arte criadora, a arte de
atirar, guerrear, cavalgar, navegar, v oar, governar, da pintura e por aí se desenvolve rão
as artes, que primeiramente vem dessa criação de armas para depois chegar a mais alta
tecnologia atual. O homem é artificial nessas artes, desde quando ele reproduz o fogo
até nas Culturas Superiores quando reproduz em telas (sejam elas de pintura ou
cinematográficas), em livros ou fotos. Como se o homem “roubasse” da natureza para
criar suas coisas, talvez roubar fosse muito forte, mas inspirar -se nela e trazer para seu
mundo, do seu jeito, do seu modo. E sse afastamento do homem faz com que a natureza
seja sua “inimiga”, por causa dele ter essa alma rebelde e predadora e daí principia a
tragédia humana:
O homem arrebatou à Natureza o privilégio da criação. A “vontade livre” é em
si nada menos que um ato de rebeldia. O homem criador se libertou dos laços
da Natureza e com cada criação nova se afasta cada vez mais dela, tornando-se
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cada vez mais seu inimigo. Isso é “História Universal”, a história de uma
dimensão fatal que se ergue, incoércível, sempre cres cente, entre o mundo do
homem e o universo – a história de um rebelde que cresce para erguer a mão
contra a própria mãe. Aquí (sic) principia a tragédia do homem – porque a
Natureza é mais forte dos dois. O Homem continua a depender dela, porque a
despeito de tudo ela o inclui, como a tudo mais, no seu seio. Tôdas (sic) as
grandes culturas são derrotas. Raças inteiras, interiormente destruídas e
quebrantadas, permanecem entregues à esterilidade e à decomposição
espiritual, como cadáveres abandonados no camp o. A luta contra a Natureza é
uma luta sem esperança, e no entantoo homem a leva até o amargo final.
(SPENGLER, 1941, pg. 69).
Aqui o homem percebe sua fraqueza perante a essa natureza maior que ele , ela
existiu antes dele e vai existir mesmo que o útli mo ser humano desapareça da face
terrestre. A percepção desse mundo só aparece quando o homem surge para apreendê -
lo, isso para a natureza não significa nada, afinal o homem está abraçado por ela, assim
como todos as coisas vivas nesse mundo.
É com o aparecimento da linguagem que o homem muda , acontece uma
tranformação anímica e mais complexa no homem. Podemos dizer que a linguagem
“domesticará” o homem, que até então não tinha ainda um conceito até mesmo de
“civilização”. Esse homem solitári o ainda não possui algo concreto como uma
sociedade, um povo.
O homem primitivo preparava sua guarida, solitário como uma ave de rapina.
Se várias “famílias” se reuniam num bando, era um bando da forma mais livre
e frouxa. Não se podia falar ainda em tribus (sic) e mu ito menos em povos.
Essa horda é uma reunião acidental de uns poucos machos – que dessa vez não
lutam uns com os outros, – e de suas mulheres e dos filhos dessas mulheres.
Não têm (sic) sentimento de comunidade. Vivem em perfeit a liberdade. Não
constituem um “nós” como o simples rebanho composto de exemplares duma
espécie. (SPENGLER, 1941, pgs. 66-67).
Desta forma, a linguagem torna o homem mais complexo se comparamos com
as transformações fisionômicas anteriores. O aparecimento da linguagem só foi
possível depois dessas modificações físicas, sem as quais o homem não conseguiria
“caminhar” para essa transformação anímica que a linguagem trará. Como se a
história da humanidade começasse quando nos enxergamos nela, tocando-a e depois
“comunicando-se” com ela. Agora o homem pode expressar com a linguagem tudo
aquilo que ele vivenciou nessas tran sformações ao longo de sua percepção histórica.
O homem não enxergará somente sua existência, ele pode finalmente “escrevê -la”.
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9. CONCLUSÃO
Percebemos nesse caminho percorrido pelo homem abordado por Spengler, um
homem preso ao seu tempo, no “primeiro momento” que falamos no começo, que
ainda está no nível dos demais animais . O fato de pertencer a “linha” dos animais
rapaces, capazes de não somente mover-se, mas de atacar os outros animais,
consegue a partir dos olhos projetados pra frente perceber-se no mundo. Mundo esse
percebido não para somente ser admirado, mas para ser atacado, percebendo-o (e
percebendo-se nele); é nesse momento que a cultura nasce e desenvolve-se. A
sensação de poder que essa alma predadora traz , nos faz mais fortes com o
aparecimento da mão, liberta-nos da condição de animal irracional e transforma-nos
na única espécie que libertou-se da coação que a natureza nos con cedeu, quebrando
seus grilhões, tentando colocá-la a nossa vontade, tranformando-a, imitando-a, e
muitas vezes melhorando o que ela criou, o utras destruindo-a, modificando–a
conscientemente. A relação de dominação não é apenas de matar a pr esa, mas
dominá-la também, como fazemos com um rebanho de gado por exemplo, fazendo
que ela sirva ao homem, num fazer para si consciente. Descobrimos o mundo e
fazemos dele o que bem entedemos e desejamos. Seguindo nossa vontade, mesmo
que seja uma vontade cega e destruidora.
O homem é uma tábula rasa onde não é a razão que vai prêenche -lo e conduzi-
lo, mas sim a força, que vai servir de “motor” para chegar em um determinado
momento até a razão. Todo “conhecimento” humano vem a partir dessas diferenças
fisionomicas responsáveis pelo salto trascendental em sua existência anterior a elas.
A batalha de sobrevivência trará, não somente a apreensão do mundo, mas o
comportamento diante dele, para dominá-lo, e criar nosa cultura “anti-natural”. Para
Spengler, não existe o homem em si, mas um homem temporal e mutável, um
homem inserido em sua época , sua vivência, sua cultura. É assim a explicação da
transformação humana para Spengler, que não se detêm aqui. Para o filósofo, a
existência da humanidade terá um final trágico, mesmo assim, não podemos desistir,
porém aceitar a “derrota” de nossa alma faústica e “perder” com honra e dignidade .
Por fim, a proposta de inversão hierárquica alma -corpo e sua abordagem
fisionômica do homem, fundamentam uma concepção ontológica do ser humano
quebrando com as tradições fi losóficas e teológicas dominantes .
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Por ultimo, é de destacar que o presente trabalho demandou um esforço não
previsto inicialmente, devido a escassez de material bilbiográfico e especialmente
comentadores da obra de Spengler. O livro usado como base é um livro antigo, raro,
lançado no Brasil em 1941, com poucos investigadores atuais sobre seu tema
principal, que teriam facilitado maior esclarecimento sobre o pensamento de Oswald
Spengler. Foi possível detectar que todos os livros do autor foram lançados no país
há muitas décadas e não foram mais reeditados, tendo sido serviço digno de um
arqueólogo achar essas obras em lojas e livrarias de livros usados em todo território
nacional.
Ainda assim foi altamente gratificante entrar em contato com o pensamento
peculiar deste filósofo que na sua época foi bastante discutido e atualmente
esquecido. Sem maiores pretensões, nossa espectativa também é despertar o
interesse atual pelas suas idéias.
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10. REFERÊNCIAS
BRÜSEKE, Franz Josef. “Ética e Técnica? Dialogando com Marx, Spengler,. Jünger,
Heidegger e Jonas”. In: Ambiente & Sociedade - VOL VIII, n. 2, jul./dez. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28604.pdf> . Acesso em:
27/02/09.
DURANT, Will. Os Grandes Pensadores . 7. ed. Tradução: Monteiro Lobato. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
HACK, Cássia e ABRÃO, Elisa. "A Técnica na Perspectiva da Kulturkritik: Oswald.
Spengler.". In: Socitec e-prints. Florianópolis, Vol. 1 - n2. pgs. 12-24. Jul - Dez.
2005 . Disponível em: <http://www.socitec.pro.br/e-
prints_vol.1_n.2_A_tecnica_na_perspectiva_da_kulturkritik.pdf >. Acesso em:
27/02/09.
 SPENGLER, Oswald. A Decadência do Ocidente . Tradução de Hebert Caro. Rio de
Janeiro: JZE, 1964.
______. O Homem e a Técnica: Uma Contribuição à Filosofia da Vida .
Tradução de Érico Veríssimo. Porto Alegre: Meridiano, 1941.

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