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Artigo - Comida e gênero as relações e suas tramas

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Comida e gênero: as relações e suas tramas 
Mônica Chaves Abdala* 
 
 
Na presente comunicação propomos uma apresentação bibliográfica sobre a relação 
entre comida e gênero. O objetivo de pensar essa relação foi refletir sobre a afirmação de que 
as práticas relativas à cozinha permaneceram invisíveis em boa parte dos estudos que se 
debruçaram sobre as relações de gênero, em parte devido à associação com o universo e as 
práticas femininas entendidas nesse aspecto como “atividades menores”. 
 Os trabalhos brasileiros sobre a comida e a cozinha foram tímidos e pouco numerosos 
nas décadas de 1960 a 1980, mas a partir dos anos 1990 se intensificaram, enfocando aspectos 
variados como culturas e identidades regionais, estudos étnicos, histórias da alimentação e 
análises de literatura ou de cinema relativos ao tema. 
Nossa iniciação na temática de gênero se deu com a pesquisa desenvolvida no 
doutorado sobre mudanças nos hábitos alimentares e formas de sociabilidade de famílias 
mineiras, quando analisamos a dinâmica que se estabelece na organização do trabalho 
doméstico e sua relação com o crescimento do consumo de serviços fora do lar, dentre eles as 
refeições realizadas fora de casa1. 
Retomamos a reflexão ao organizar um dossiê sobre pesquisas que tratam a relação 
comida e gênero2, seguido de um simpósio sobre o tema durante a reunião internacional 
Fazendo Gênero 8 (FG8), em agosto de 20083, que contou com a participação de 
pesquisadoras da Argentina, México, Estados Unidos, Portugal e Espanha4. Também no 
Brasil há estudos que consideramos pioneiros e que mereceram uma reflexão especial, como 
 
*
 Profa. Dra. do Instituto de Ciências Sociais, do Programa de Pós graduação em História e do Mestrado em 
Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. 
1
 ABDALA, Mônica C. Mesas de Minas: as famílias vão ao self-service. Tese (Doutorado em Sociologia) – 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São Paulo. 2003. 
2
 Dossiê do v.19 da revista Caderno Espaço Feminino, organizado e apresentado por Renata Menasche e por 
mim. Agradeço-a por permitir a reprodução, nesta comunicação, de alguns trechos da apresentação que fizemos 
em conjunto. 
3
 O Simpósio ocorreu em Florianópolis, coordenado por Renata Menasche, Viviane Kraieski Assunção e por 
mim. Nesta comunicação abordamos apenas os trabalhos efetivamente apresentados e aqueles cuja versão 
completa consta no site do evento. Ressaltamos que alguns dos artigos do dossiê resultaram de comunicações do 
Simpósio. 
4
 Referimo-nos às contribuições de Carole Counihan, Isabel Drumond Braga; Mabel Gracia; Pedro Sanchez 
Vera; Sara Gil publicadas nos volumes 19, 20 e 21 da Revista Caderno Espaço Feminino, disponíveis no site 
http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem. 
 
 
os de Klaas e Helen Woortmann5. No entanto, nesta comunicação, estabelecemos como 
recorte os estudos brasileiros e de estudiosas estrangeiras no Brasil, reunidos no dossiê e 
apresentados no simpósio acima citados. 
Vale destacar que boa parte de pesquisadores(as) brasileiros(as) realizaram suas 
primeiras análises e sistematizações sobre o assunto para o evento e a publicação. No 
conjunto dos trabalhos, a invisibilidade se constituiu em temática comum. Foi interessante 
notar que as práticas consideradas invisíveis, por meio das reflexões propostas, tornaram 
visível a forma como se constituíram as relações entre homens e mulheres tanto no espaço 
doméstico como no público, nas diversas formas por meio das quais a alimentação esteve 
presente em tais espaços nos diferentes períodos históricos abordados. De maneira especial 
chamaram nossa atenção as discussões sobre as práticas femininas do cozinhar em 
movimentos sociais, destacando o papel político das mulheres nessa função de nutrir e 
alimentar, na maioria das vezes naturalizada6. 
Ao incorporar a perspectiva de gênero, trouxemos para nossas reflexões características 
fundamentais de tal perspectiva, dentre as quais destacamos duas: a possibilidade de uma 
análise multidisciplinar, um diálogo entre as Ciências Sociais, a História e a Nutrição; e a 
perspectiva de rompermos com as análises de tipo binário, que tradicionalmente associaram 
esfera doméstica com o domínio feminino e esfera pública com o domínio masculino. Os 
estudos desenvolvidos apontaram a complexidade das relações trazendo à cena mulheres que 
desde muito cedo atuavam no espaço público, como as negras quituteiras, vendedoras 
ambulantes nas ruas das capitais brasileiras, na Salvador do séc. XVII ou no Rio de Janeiro, 
nos anos oitocentos. Além disso, mostraram a presença de homens nas cozinhas domésticas, a 
exemplo da procura por cozinheiras e cozinheiros para pensões e fornecimento de refeições a 
empresas, anunciados nos jornais da capital brasileira do séc. XIX7. 
Para efeito de organização da discussão agrupamos os textos em temáticas comuns, 
embora admitamos que, dependendo do ângulo de análise, outras organizações seriam 
possíveis, além do fato de que, em alguns casos, mais de uma temática está presente. Partimos 
dos próprios grupos temáticos do dossiê e do simpósio que organizamos. 
 
5Klaas e Helen Woortmann têm vários trabalhos publicados sobre essa relação. Dentre eles, WOORTMANN, 
H.F.; WOORTMANN, K. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: EdUNB, 
1997. No dossiê citado contamos com um clássico de Klaas Woortmann. 
6
 ABDALA, M.; MENASCHE, R. Apresentação. Comida e gênero: repensando teorias e práticas. Caderno 
Espaço Feminino, v.19, n.1, jan/jul. 2008. p. 7-8. 
7
 ABDALA; MENASCHE. Op. cit. p. 8. 
 
 
 
Comida e gênero: diversidade de abordagens e categorias 
Alguns dentre os trabalhos focam na percepção de atribuições de gênero e suas 
relações com os domínios público e privado. Nesta categoria destacamos seis estudos cujas 
análises abordam diferentes períodos históricos: dois deles tratam os séculos XVII e XVIII e 
os demais os séculos XX e XXI - sendo um deles sobre uma sociedade indígena. 
Iniciamos pelo estudo Mulheres, açúcar e comidas no Brasil seiscentista. Numa 
sociedade concebida em termos das atividades masculinas e inteiramente dependente do 
trabalho escravo, Papavero recupera traços marcantes da vida social feminina, tendo como 
base as referências dos cronistas do século XVII aos procedimentos de abastecimento e de 
consumo alimentar. São destacadas as mulheres tidas como “de famílias honradas”, que 
pouco saíam de casa, dedicando-se à cozinha e à costura, assim como as viúvas que 
sobreviviam da venda de doces e guisados, pelas escravas, nas ruas da capital, à época 
Salvador, e da vila de Olinda, localidades prósperas devido à expansão comercial do açúcar8. 
Sobre o século XIX, Almir El-Kareh aponta como, a partir dos anos 1840, se 
estabelece no Rio de Janeiro, então capital brasileira, “uma crise habitacional, de moradias de 
baixo custo, e uma forte demanda por alimentos preparados”. O fato se deve à chegada dos 
imigrantes que aí se fixaram, na sua maioria do sexo masculino e solteiros, provocando 
proliferação de cortiços e pensões de famílias que passaram a locar quartos e fornecer 
refeições prontas. Nesse contexto, as mulheres livres pobres adquiriram importância social, 
como empresárias, embora, nos dizeres do autor, continuassem a ser vistas como “simples 
extensão da cozinha doméstica e, por isso, socialmente desclassificadas.” A percepção dessa 
invisibilidade marca o texto Comida quente, mulher ausente: produção doméstica e 
comercialização de alimentos preparados no Rio de Janeiro no século XIX9. 
As habilidades da anfitriã: casa bem dirigida, mulher bem preparada, refere-se ao 
estudo realizado por Pilla sobre os papéis de mulheres, de anfitriã e administradora do lar, no 
início doséculo XX. Tendo como fontes os guias de civilidade, livros de cozinha e 
administração do lar do período, a pesquisadora trata mudanças e permanências de preceitos 
sobre alimentos e rituais do bem receber. Retrata, desse modo, a construção de uma vida 
privada ligada ao público, num momento em que a sala de jantar torna-se espaço de uma 
 
8
 Idem, p. 9-10. 
9
 Idem, p. 10. 
 
 
mise-em-scène da boa conversação, da etiqueta, do bom comportamento e bom convívio 
social10. 
Athila, por sua vez, recorre à pesquisa realizada entre os Rikbaktsa, Dentro da “casa 
dos homens”: sobre topologias rituais e os dilemas do etnólogo em campo, para analisar e 
problematizar atribuições rituais e relativas ao como se faz e por quem é feito aquilo que se 
come e que se bebe no interior do grupo, assim como dicotomias entre domínios público e 
privado, cerimonial e doméstico, associados respectivamente ao masculino e ao feminino. A 
autora aponta que tais dicotomias podem adquirir diferentes contornos quando analisadas em 
diferentes contextos, a exemplo do estudo etnográfico que realiza sobre o “rito” do gavião 
real. A abordagem permite situá-la também numa temática centrada na identidade do grupo, 
embora neste trabalho a ênfase tenha sido nos aspectos acima mencionados11. 
Ainda no mesmo grupo temático, a questão dos profissionais de cozinha é tratada em 2 
trabalhos que mostram que a igualdade entre homens e mulheres nesse campo ainda está 
longe de existir. Scavone aponta como a mulher sempre esteve associada à cozinha doméstica 
enquanto os homens dominaram o espaço das cozinhas públicas como chefs, termo que, como 
ela destaca, não tem um correspondente feminino. A questão que se coloca é como esse 
quadro se configura no presente. A autora chama a atenção para o crescimento da presença 
feminina na cozinha profissional e um certo “desconforto” provocado por esse fato que 
transparece no modo como é tratado na mídia brasileira nos anos 2000. Ela trata essas 
questões em sua dissertação de mestrado retomando-as no trabalho O superchef e a menina 
prodígio: as posições ocupadas pelos gêneros na gastronomia profissional. 
No artigo Cozinha doméstica e cozinha profissional: do discurso às práticas, Collaço 
desvela o universo da produção das refeições consumidas fora, revelando uma cisão entre 
gênero e hierarquia de restaurantes. O estudo aponta que “o universo masculino está 
concentrado em estabelecimentos destinados às classes mais favorecidas que utilizam roteiros 
e guias para selecionar suas escolhas”, ao passo que o trabalho feminino se concentra nos 
estabelecimentos que servem por peso, cantinas de colégios, cozinhas de hospitais e 
 
10
 Vale destacar aqui o trabalho de Eliane Considera sobre o Livro das Noivas, apresentado no Fazendo Gênero 
8, mas em outro simpósio: Sociabilidades, representações e gênero. O livro é fonte de estudo da história das 
mulheres e das relações de gênero no início do século XX. Ela analisa, por meio das receitas, a forma como as 
noivas eram preparadas para propiciar o bem estar de sua família. 
11
 Essa ênfase nos domínios público e privado pode ser conferida em ATHILA, Adriana. Dentro da “casa dos 
homens”: sobre topologias rituais e os dilemas do etnólogo em campo. Disponível em: 
www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST6/Adriana_Athila_06.pdf 
O texto completo saiu no v. 20 da Revista Caderno Espaço Feminino. 
 
 
refeitórios de empresas. Desta forma, evidencia “disputas entre gêneros” no interior do 
universo analisado12. 
Dois outros textos analisam os serviços de refeição fora de casa, mas com enfoque 
diferenciado dos acima mencionados, constituindo uma segunda unidade temática. “Cozinha 
especial e comida a qualquer hora”: dos serviços de proprietários e cozinheiros nas casas de 
pasto, restaurantes e afins (Curitiba, 1890-1940), de Carvalho, é originalmente um estudo 
histórico que propõe um novo olhar sobre os serviços de casas de pasto, restaurantes e afins, 
na Curitiba de final do século XIX à primeira metade do século XX, com a perspectiva de 
perceber a forma como homens e mulheres exerceram seus papéis nesses espaços13. 
Documentos e entrevistas são “re-visitados” na busca da compreensão da dimensão das 
relações de gênero. 
Tratando também dos serviços de alimentação fora de casa, no artigo Escolha 
alimentar: a questão de gênero no contexto da alimentação fora de casa, Jomori, Proença e 
Calvo abordam os restaurantes self-service por peso, em pesquisa realizada no início deste 
século na cidade de Florianópolis. Recuperando uma discussão atualizada sobre a questão de 
gênero, objetivam mostrar que as diferenças de gênero podem ser percebidas também na 
composição dos pratos14. 
Um terceiro grupo temático que identificamos reúne temas caros aos estudos de 
alimentação, como a questão de sua relação com o corpo e com as representações e formas 
pelas quais os grupos se pensam. Nesse campo, recuperamos discussões clássicas como a de 
Klaas Woortmann, um de nossos pioneiros nos estudos da alimentação, que tratou as 
associações construídas em relação ao masculino e ao feminino, relacionadas às classificações 
alimentares, no seu texto Quente, frio e reimoso: alimentos, corpo humano e pessoas15. 
Wedig, Martins e Menasche apresentam em Plantar, criar, comer: classificação da 
comida e das pessoas no interior das famílias rurais um estudo etnográfico realizado em 
comunidade rural no Vale do Taquari, RS. Partem de reflexões clássicas sobre classificações 
associadas à comida, ao gênero e espaço em comunidades camponesas, como a de 
Woortmann, acima citado. No dizer das autoras “os modos de morar e comer apresentam-se 
 
12
 ABDALA, M.; MENASCHE, R. Op. cit., p. 10-11. 
13
 Idem, p. 12. 
14
 Idem, p. 13. 
15
 Idem, p. 8. 
 
 
como modos de ler a hierarquia familiar”16. Essa “leitura” possibilita, então, perceber como 
agricultores e agricultoras operam as classificações relativas à comida que produzem e 
consomem, como também mudanças e permanências no universo pesquisado. 
Abordando também alimentação no meio rural, Oliveira e Vela trazem o artigo 
Escolhas alimentares, decisões culturais: a mulher define o que vai pra mesa no qual 
enfocam as escolhas alimentares realizadas de modo privilegiado pela mulher rural, num 
contexto de conflito entre escolhas culturalmente aceitas e um modelo de consumo “agro-
industrial”. A pesquisa foi realizada com famílias rurais no município de Jaboticaba, RS. 
Um outro estudo sobre a mulher e seu papel na escolha alimentar da família foi 
realizado por Assunção, na comunidade do Morro da Caixa, município de Tubarão, SC. 
Partindo de referências teóricas centrais aos estudos de gênero, Comida de mãe: notas sobre 
alimentação, família e gênero, analisa mães de camadas populares e médias nas cozinhas, 
evidenciando saberes e práticas da alimentação como possibilidades de abordagem para a 
apreensão das dinâmicas familiares e hierarquias delas constitutivas17. 
O trabalho de Delgado, Revista Capricho: a comida e as práticas discursivas de 
gestão do corpo, analisa como, nas páginas e no site da Revista Capricho, corpos de 
adolescentes são submetidos a um conjunto de discursos que relacionam comida, saúde e 
exercícios físicos, visando discipliná-los, moldá-los, em busca de “aperfeiçoamento” e beleza. 
No entender da autora, prescrições e técnicas de controle e “disciplinarização” dos corpos 
informam sobre sua generificação e sobre a constituição “de sujeitos femininos na 
contemporaneidade”18. 
Pensando também o corpo, como idealmente perfeito, temos o estudo de Martins, 
Imagem corporal e comportamento alimentar contemporâneo: o caso da anorexia nervosa. A 
autora mostra que o culto ao corpo magro influenciaos hábitos alimentares femininos e a 
percepção da magreza associada à saúde e ao sucesso profissional e pessoal. Os altos índices 
de anorexia entre as mulheres revelam as consequências desse culto para a saúde e a auto-
estima feminina. 
Dimensões da prática social de cozinhar na participação política de mulheres em 
movimentos sociais da Argentina contemporânea é um estudo desenvolvido em universidade 
 
16
 WEDIG, Josiane; MARTINS, Viviane; MENASCHE, Renata. Plantar, criar, comer: classificação da comida 
e das pessoas no interior das famílias rurais. Disponível em: www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST6/Wedig-
Martins-Menasche_06.pdf O texto completo sairá no v.20 da Revista Caderno Espaço Feminino. 
17
 ABDALA, M.; MENASCHE, R. Op. cit.,p. 11. 
18
 O trabalho foi apresentado no Fazendo Gênero 8. O resumo está disponível em: 
www.fazendogenero8.ufsc.br/st06.html. 
 
 
brasileira, em que Adriana Bogado propõe um olhar sobre a prática do cozinhar no cotidiano 
de mulheres que integram movimentos sociais na Argentina contemporânea, objetivando 
desnaturalizar a visão da mulher como dona de casa e cozinheira e ampliando a compreensão 
da participação política feminina19. 
A questão da identidade em diferentes momentos e diferentes grupos sociais é a base 
de construção de instigantes reflexões. Os estudos sobre grupos indígenas se concentram mais 
nesta temática. Este grupo agregou o maior número de trabalhos nessa área da relação entre 
comida e gênero. 
Comida e gênero entre os Mbyá-Guarani, de Tempass, é um estudo etnográfico que 
propõe a análise do sistema alimentar do grupo estudado, centrando a discussão nas práticas 
alimentares de homens e mulheres e, de modo mais específico, como a mulher está inserida 
no que ele considera “democracia alimentar” do grupo20. 
Outra discussão etnográfica entre grupos indígenas é Aspectos da vida diária 
Kaingang: papéis de gênero na aquisição, preparo e distribuição da comida, em que Oliveira 
dialoga com uma literatura antropológica clássica que aponta os diversos modos pelos quais 
as mulheres nas sociedades indígenas contribuem para a construção dos corpos e sujeitos 
sociais, tendo a comida um lugar central nesse processo. Ao analisar a vida diária Kaingang 
ele visa descrever como essa construção se dá, verificando os papéis de homens e mulheres na 
aquisição, preparo e distribuição da comida. 
O papel da mulher no processo de adaptação alimentar dos imigrantes europeus em 
Blumenau, artigo de Silva, resulta de um estudo etnográfico que objetivou pesquisar o 
impacto que a colonização européia provocou nos hábitos alimentares no Médio Vale do 
Itajaí. A autora demonstra que as mulheres tiveram papel central nesse processo ao substituir 
ingredientes por itens locais, assim como seu saber culinário influenciou a criação das 
confeitarias e indústrias de laticínios e salsicharia na região. 
A pesquisa de Renk e Savoldi é sobre o processo de “etnização” dos caboclos da 
região do oeste catarinense. Comida e gênero num contexto de etnização propõe mostrar 
como práticas tradicionais, dentre elas as comidas, tornam-se idiomas de etnicidade. Tanto 
produtos “crioulos”, sem agrotóxico, quanto as festas de partilha, com seus momentos 
religiosos, de preparação de alimentos e de servir as refeições são elementos para se pensar as 
possíveis relações entre a comida e seus significados com a religião e as relações de gênero. 
 
19
 ABDALA, M.; MENASCHE, R. Op. cit., p. 12. 
20Idem, p. 11. 
 
 
Em um trabalho sobre o alimento que é hoje reconhecido como patrimônio imaterial 
da cidade de Curitiba, Reinhardt e Silva escrevem sobre a broa de centeio destacando sua 
dimensão identitária. Para não se perder: a broa invertendo papéis coloca em relevo as 
maneiras como homens e mulheres relacionam-se com o saber-fazer desse produto 
emblemático21. 
Santos e Zanini, em seu Comida e simbolismo entre imigrantes italianos no Rio 
Grande do Sul (Brasil), trazem a comparação de duas pesquisas etnográficas entre 
descendentes de imigrantes italianos, para analisar a centralidade da comida nos dois grupos, 
envolvendo organização do trabalho familiar e coletivo, em que se percebem relações de 
gênero, hierárquicas, entre outras22. 
Maués e Guimarães apresentam uma análise que também resulta de um estudo 
etnográfico. Neste caso, a respeito do espaço familiar de judeus em Belém do Pará: Dietética 
judaica e relações de gênero: práticas em espaço familiar. Os autores apontam que a inserção 
das mulheres no lar judaico é prioritariamente feminina, mas não exclusivamente. Por meio da 
análise das práticas alimentares cotidianas pretendem abordar o modo pelo qual as relações de 
gênero marcam o espaço da casa assim como tais práticas, num contexto de fortes influências 
de valores religiosos nas relações familiares. 
O texto Vozes femininas, saberes culinários: o feminino e a dinâmica das identidades 
regionais por meio da culinária, de Gimenes e Morais, também reflete sobre a dimensão 
identitária do alimento, partindo de uma perspectiva que coloca em diálogo a história da 
alimentação e os estudos de gênero. As autoras procuram dar voz a duas cozinheiras 
tradicionais, uma mineira e outra paranaense, salientando seu lugar na constituição da 
culinária de suas regiões23. 
Para finalizar, temos a biografia de uma personagem mais conhecida por sua obra 
literária, mas que marcou de maneira decisiva a doçaria tradicional da cidade de Goiás. Nos 
dizeres de Andréa Delgado, sua obra e sua história de vida são entrelaçadas “para instituí-la 
como artesã e guardiã da memória, socialmente investida do poder de testemunhar e eternizar 
o passado.” Cora Coralina: a construção da Mulher-Monumento propõe traçar um novo 
itinerário na rede de memórias que disputam a biografia hegemônica de Cora Coralina, 
 
21
 Idem, p.12. 
22
 Idem, p.11. 
23
 ABDALA, M.; MENASCHE, R. Op. cit. 
 
 
investigando a teia discursiva que a produz “como símbolo da cidade de Goiás, entrelaçando o 
conceito de memória com a categoria gênero”24. 
 
Considerações finais 
O conjunto dos textos indica que as temáticas que possibilitam pensar a relação 
comida e gênero têm sido bem diversificadas, permitindo um amplo leque de análises. No 
entanto, como foi alertado em vários dos artigos citados, nesse campo generalizações são 
problemáticas, sendo necessário atentar para os diversos contextos e formas que as relações 
de gênero assumem quando se trata de analisá-las tanto no espaço doméstico quanto no 
público, por meio da observação das práticas e saberes associados à comida. Nessa 
perspectiva, o recurso às etnografias, bastante utilizado, conduziu a um novo olhar sobre 
representações constituídas e arraigadas que naturalizam papéis femininos e masculinos. 
Nesse aspecto, embora a noção de papéis relacionados aos sexos venha sendo 
rediscutida, percebe-se sua permanência em alguns dos estudos, o que mostra o “perigo” das 
generalizações. Ao mesmo tempo, tal permanência não deixa de ser uma surpresa, pois, em 
contextos contemporâneos, a noção de papéis vem perdendo força. Estamos longe de um 
equilíbrio e os numerosos artigos corroboram essa que é uma observação generalizada. No 
espaço doméstico cresce a participação masculina nas tarefas, mas a responsabilidade do 
cuidado com a casa, a cozinha e as crianças permanece sendo feminina. Numerosos são os 
estudos a apontar que, nesse campo os homens apenas “ajudam”. No entanto, as conquistas 
femininas são crescentes, a construção de percursos e biografias cada vez mais 
individualizadas, em que homens e mulheres lutam para construir suas carreiras e projetos de 
vida colocam em questão a existência de papéis claramente definidos.A própria perspectiva 
de analisar relações de gênero não colocaria em questão essa noção de papéis demarcados, 
nos dias atuais? 
Há ainda muito que construir nessa perspectiva que adotamos. Muitos(as) de nós, que 
nos dispusemos ao desafio de novos olhares sobre nossas dissertações e teses, propondo uma 
reflexão sobre a relação entre comida e gênero, estamos construindo caminhos para efetivar 
esse diálogo. Um avanço significativo se processa no fato de darmos visibilidade às práticas e 
 
24Idem, p. 13. 
 
 
relações entre homens e mulheres e à sua complexidade, o que joga por terra dicotomias 
instituídas, como apontamos no início desta comunicação. 
Pensamos que agora devemos começar a refletir também sobre uma invisibilidade das 
atividades que o homem vem desempenhando no espaço doméstico, pois a maioria dos 
trabalhos citados ainda não se dedicou a fazê-lo, ao passo que as conquistas da mulher no 
espaço público são alvo de numerosas análises. Os estudiosos europeus têm tido condições 
para avançar mais nesse aspecto. Citamos os exemplos da França e da Espanha. Os estudos 
dos chamados budget temps possibilitam avaliar o quanto homens e mulheres se dedicam aos 
afazeres domésticos e fora do lar, propiciando observações sobre as mudanças no emprego do 
tempo de franceses e francesas25. Também entre espanhóis há dados que permitem uma tal 
análise26. No entanto, quando se trata de avaliar o espaço doméstico, o enfoque nas mulheres 
e na diminuição de sua dedicação à casa e à cozinha prevalecem como foco de interesse. 
Uma melhor visão de permanências e mudanças e da forma como homens e mulheres 
têm lidado com essas exigiria mais do que um olhar sobre a distribuição do tempo em 
contextos históricos e sociais determinados. Seria importante um aprofundamento de outros 
aspectos, a exemplo das discussões por geração. 
De qualquer modo, os estudos elencados tiveram significativas contribuições ao 
desvendar práticas femininas e masculinas e suas intrincadas relações e, por esse viés, 
desvelar a própria teia de relações sociais. Contudo, alguns de nós ainda temos um árduo 
caminho a enfrentar na densa reflexão teórica e metodológica que faz do gênero não apenas 
um espaço de relações para o qual tenhamos de dar visibilidade, mas uma categoria de 
análise. Talvez seja esse nosso maior desafio. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
ABDALA, Mônica C. Mesas de Minas: as famílias vão ao self-service. Tese (Doutorado em 
Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São Paulo. 2003. 
 
25
 Na França há as enquêtes realizadas pelo INSEE e INRA. Outra enquête, nos anos 1960, em vários países da 
Europa, foi dirigida por Szalai: Le Multinational Time- Budget Research Project. São numerosas as pesquisas 
que trabalham esses dados, citamos uma delas: AYMARD; GRIGNON; SABBAN (Dir.). Le Temps de manger. 
1993. 
26
 Um exemplo é o site www.migualdad.es/MUJER/cifras/tablas/W202.XLS citado por GRACIA, M. ¿Qué hay hoy 
para comer?: alimentación cotidiana, trabajo doméstico y relaciones de gênero. (Caderno Espaço 
Feminino,v.21,no prelo). No artigo a autora faz uma análise das diferenças do uso do tempo para homens e 
mulheres a partir dos dados do site. 
 
 
 
ABDALA, Mônica; MENASCHE, Renata. Comida e gênero: repensando teorias e práticas. 
Caderno Espaço Feminino, v.19, n.1, jan/jul. 2008. NEGUEM, Universidade Federal de 
Uberlândia. p. 7-13. 
ASSUNÇÃO, Viviane K. de. Comida de mãe: notas sobre alimentação, família e gênero. 
Caderno Espaço Feminino, v.19, n.1, jan/jul. 2008. NEGUEM, Universidade Federal de 
Uberlândia. p. 233-254. 
ATHILA, Adriana. Dentro da “casa dos homens”: sobre topologias rituais e os dilemas do 
etnólogo em campo. Disponível em: 
www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST6/Adriana_Athila_06.pdf 
AYMARD, M.; GRIGNON, C.; SABBAN, F. (Direction). Le Temps de manger. Paris: 
Editions de la Maison des Sciences de l´Homme/ Institut National de la Recherche 
Agronomique. 1993. 
 
BOGADO, Adriana. Dimensões da prática social de cozinhar na participação política de 
mulheres em movimentos sociais da Argentina contemporânea. Caderno Espaço Feminino, 
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