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Manu Arregui Biziola (Bergara, 1968) é professor de Física, Matemática e Astronomia na Ikastola Aranzadi de Bergara. É também membro do Ilatargi Astronomia Taldea, da Agrupación Astronómica Vizcaína, da Agrupación Astronómica de Sabadell e da ApEA (Asociación para la Enseñanza de la Astronomía) Manu Arregui Biziola | 7 Maio 2012 Desde há uns anos, nas escolas, livros de texto e brochuras de ONGs podemos ver um mapa do mundo algo estranho, como o da figura, descrita por muitos como o "mapa solidário". Tratase do mapa de Peters, que chama a atenção pela sua aparência distinta do habitual. Mapa de Peters Fazer um mapa do nosso mundo não é fácil. Tomemos uma laranja. Tiremoslhe cuidadosamente a pele por segmentos. Tratemos agora de colocar esta pele sobre uma mesa, sem a rasgar. Conseguem? Se quisermos, além disso, que adquira uma forma retangular, isso é simplesmente impossível. Fica claro que se quisermos fazer um mapa plano da Terra, teremos que adaptálo. Ao longo da história, as soluções adoptadas têm sido diversas, sendo a mais conhecida de todas a projecção de Mercator. Mais recentemente, tornouse muito popular a projecção de Peters de que falámos, ou, mais correctamente, aprojecção de GallPeters, porque Arno Peters apresentou em 1974 um mapa semelhante ao que em 1885 apresentou James Gall à Associação Britânica para o Avanço da Ciência. A verdade sobre o mapa Peters Temos já os primeiros sintomas de que esse tal de Peters era bastante "sabido". O mapamúndi mais conhecido, o mapa de Mercator foi duramente criticado por Peters e seus seguidores e o seu criador, Gerard de Kremer (ou Cremer) Mercator é a versão latinizada do seu apelido foi acusado de malintencionado ao realizar esta projecção do mundo. Aqui, as principais acusações: 1.) Representa correctamente o chamado primeiro mundo América do Norte e Europa , enquanto África e América do Sul aparecem muito reduzidas. Como exemplo, ele diz que a Gronelândia, com 2,1 milhões de quilómetros quadrados, é, na projecção de Mercator, maior do que África, que tem cerca de 30 milhões de quilómetros quadrados. Aparecem já as primeiras contradições. Não era o primeiro mundo o favorecido? Teria por acaso Mercator predilecção especial pela praticamente desabitada Gronelândia? Comparação da Gronelândia com o continente Africano na projecção de Mercator. 2.) Mercator coloca a Europa no centro do mapa e move a linha do Equador para baixo por motivos ideológicos, políticos, colonialistas ou de poder. Quem assim opina provavelmente ignora, na verdade, que está a criticar um mapa parcial de Mercator. Aquele que é conhecido como mapa de Mercator tem a linha do Equador no centro. Eis o mapamúndi baseado na projecção de Mercator, completo: O malvado mapa de Mercator Mapa completo do mundo segundo a projecção de Mercator. Mercator não tem culpa que se utilize a versão limitada da sua projecção da Terra. E de qualquer maneira, isso também tem uma explicação, que darei adiante. Qual era o objectivo final do mapa de Mercator? Mercator apresentou o seu mapa para a navegação marítima. A projecção de Mercator é uma projecção cilíndrica de uma superfície esférica. E Mercator teve que realizar cálculos para que a sua projeção foi útil em navegação. O primeiro passo para fazer qualquer projecção cilíndrica é tomála equidistante, com paralelos e meridianos perpendiculares. No mapa seguinte cada quadrícula é um quadrado de 15ºx15º. O Mapa de Mercator: a realidade. Projecção cilíndrica equidistante. Isto resulta, inevitavelmente, numa deformação. A linha do Equador mede na realidade 40.000 km, enquanto que os pólos são um ponto. E aqui os temos representados, a ambos, com o mesmo comprimento. Estamos a alongar a Terra na horizontal, tanto mais quanto mais longe nos encontramos do Equador. A solução adoptada por Mercator para manter a forma dos continentes é também um alongamento na vertical, tanto maior quanto mais afastados do Equador nos encontremos. Como podemos ver na imagem seguinte, o que antes eram quadrados são agora rectângulos, cada vez mais alongados. E notemos que isto é assim no mapa completo de Mercator que colocámos mais acima. Mapa completo do mundo segundo a projecção de mercator. Mas Mercator não o faz de qualquer maneira. Fálo de tal forma que, além de manter a forma dos continentes, as direcções são correctamente mantidas, a fim de traçar as rotas de navegação. Isto é, a principal vantagem da projecção de Mercator é que as linhas de rumo constante (linhas que formam um ângulo constante com os meridianos) são representadas com segmentos rectos. Ou seja, podemos desenhar corretamente o nosso percurso de navegação em linha reta, coisa que não acontece sobre uma superfície esférica. Comecemos por chamálo correctamente: de GallPeters. O seu ponto de partida é também a projecção cilíndrica equidistante, mas com o objetivo de manter as proporções das áreas, Peters aumenta a escala vertical das regiões próximas ao Equador para compensar o alongamento horizontal das regiões temperadas. Mas isso cria sérios problemas de deformação na África e na América do Sul. E claro, não serve nem para navegar, nem para calcular distâncias entre dois pontos, nem para nada. Mas apliquemos a Arno Peters o seu próprio remédio. Isto é o que diz Peters sobre o mapa de Mercator: «São os países do terceiro mundo, os Estados excoloniais, as nações dos povos de cor, os que são desfavorecidos pelo mapa de Mercator. Este mapa é uma expressão da época da europeização do mundo, da época em que o homem branco dominava o planeta, da época da exploração colonial do mundo, por uma minoria de raças de senhores brancos, implacáveis, bem armados, e tecnicamente superiores...» Que bonito! O problema é que o seu mapa tampouco passa nesse filtro. Isso de que todos os continentes mantêm a sua área está muito bem, mas que países não sofrem deformação em relação à sua aparência real? Olhem para o mapa de Peters: a Europa e a América do Norte, enquanto que o terceiro mundo fica quase irreconhecível. Eia! Não era este o mapa solidário? É que Peters não tinha solução, poderia alguém argumentar. Mas na verdade tinha. Existe. É esta: Mapa de Peters, modificado. A única coisa que fiz foi reduzir o mapa de Peters verticalmente. Em 60%. Mantêmse as áreas proporcionais e recuperamse as formas. Mas há um preço a pagar. Esmagamse ligeiramente a E o mapa de Peters? Europa e a América do Norte. E isso é um problema? Talvez, se o que se pretende for vender mapas "solidários" nesses países. O mapa de Mercator não é perfeito. Nenhuma projecção cilíndrica de uma esfera o pode ser. Mas a projecção de Mercator tinha um propósito: fornecer um mapa útil em navegação. Não o tiremos do contexto e finjamos ver nele qualquer fim maquiavélico. É extremamente injusto criticálo. Mercator, na realidade, limitouse a idealizar uma maneira de projetar a superfície terrestre sobre um mapa plano para que fosse útil em navegação. Com base nisso, começou a fazer um atlas mundial, que não pôde concluir. Foi o seu filho quem completou a tarefa. Por que é que por vezes aparece cortado? Por pura estética. Não há terra, excepto a Antártida, abaixo da latitude 55°S. E esta aparece muito distorcida, descomunal, na projeção de Mercator. Comproveo no mapa completo de Mercator que colocámos mais acima. Curiosamente, os mapas rectangulares que se fazem hoje em dia de outrosmundos, Vénus, Marte ou Mercúrio, por exemplo, são projecções de Mercator. Por algo será. Ou, se formos ao Google Maps, vemos que é também um mapa de Mercator. Porque ele ainda é útil. Simplesmente. Arno Peters foi um personagem muito hábil que conseguiu que a ONU e as ONGs comprassem o seu "produto" cópia, como dissemos, do trabalho de Gall. E tornouse rico graças a isso. Hoje em dia este mapa invade escolas e livros didáticos. Paradoxos do mundo ocidental, que a única preocupação que parece sentir pelo Terceiro Mundo é que as suas áreas apareçam proporcionalmente representadas em um mapa. Ajudálos a superar o subdesenvolvimento não parece interessar tanto. Deve regressar o mapa de Mercator às escolas e aos livros didáticos? Não necessariamente. A projecção de Mercator tem uma finalidade prática, que não é representar fielmente o nosso mundo. Há, para isso, outras mapas. O melhor de todos eles é, talvez, aquele que é aceite actualmente pela National Geographic Society (NGS), a projecção de WinkelTripel: Concluindo Mapa do mundo segundo a projecção de WinkelTripel. E se não estiverem satisfeitos, podemos tornálo mais justo. Acabemos com a supremacia dos países do norte em nossos mapas, invertendoos. Será que mo compram? Mapa do mundo segundo a projecção de WinkelTripel, invertido. Manu Arregui Biziola, 7 Maio 2012 Original: http://naukas.com/2012/05/07/elmapadepeters/ Tradução: Carlos Abrunheiro
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