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1 Raciocínio Lógico - Unidade 2 Introdução à História da Lógica - Parte 1 Raciocínio Lógico Profª Carmen Suely Cavalcanti de Miranda Profº Ivickson Ricardo de Miranda Cavalcanti Raciocínio Lógico Profª Carmen Suely Cavalcanti de Miranda Profº Ivickson Ricardo de Miranda Cavalcanti 2 Raciocínio Lógico - Unidade 2 Introdução à hIstórIa da lógIca unIdade 3 2.1 contextualizando no capítulo anterior, você viu que a lógica é um conhecimento que estuda alguns aspectos da argumentação. especificamente, os aspectos que determinam se um argumento é válido ou não. assim, a lógica permite-nos: 1) distinguir os argumentos corretos dos incorretos; 2) compreender por que razão uns são corretos e outros não, e 3) evitar os equívocos na nossa argumentação. esse conhecimento, como você viu, é fundamental na construção de uma postura crítica. Para termos uma postura crítica precisamos de argumentos corretos. como toda produção humana, a lógica tem um desenvolvimento histórico. entender a história da lógica permite a compreensão das transformações pelas quais passou esse conhecimento e as diversas formas e instrumentos utilizadas pelo homem para explicar crítica e racionalmente o mundo que o cerca. ao final deste capítulo esperamos que você seja capaz de: • conhecer o desenvolvimento histórico da ciência da lógica; • identificar a contribuição de filósofos e matemáticos na sistematização desse conhecimento chamado lógica. 2.2 conhecendo a teoria a lógica, como colocamos no primeiro capítulo, pode ser considerada um instrumento mental construído pelo homem que permite distinguir o raciocínio correto do incorreto. como se constituiu esse conhecimento? Quais as transformações pelas quais passou? Você vai conhecer neste capítulo o desenvolvimento histórico da lógica, um desenvolvimento que acompanha de forma indissociável o desenvolvimento da filosofia, desde seu princípio. 3 Raciocínio Lógico - Unidade 2 É comum encontrarmos nas conversas entre amigos, ou até entre colegas de curso a ideia do filósofo como uma figura desligada, uma pessoa que sempre está no mundo da lua. esse preconceito não encontra na vida real fundamento, uma vez que a preocupação do filósofo é, antes de tudo, com a compreensão do mundo. assim, contrariando esse preconceito, podemos afirmar que a preocupação fundamental da filosofia desde sua origem é a de procurar dar uma lógica a este mundo. talvez seja por isso mesmo que o filósofo seja identificado com um louco já que o mundo, este sim, parece ser louco, por suas incertezas e contradições. Mas este é um assunto que podemos discutir mais profundamente em outra oportunidade. agora, convidamos você a conhecer a origem histórica da lógica como disciplina instrumental e formal ao auxílio do raciocínio. Para entendermos o nascimento da lógica é necessário voltar no tempo àqueles que primeiro se utilizaram do pensamento racional, os filósofos gregos antigos e, claro, às suas investigações sobre o arché, o princípio do cosmo. com tales de Mileto (cerca de 624-545 a.c.) surge a primeira proposição filosófica, ou pode-se dizer, a primeira explicação sobre a origem do cosmo. tales afirma que “tudo é água”. de acordo com a tradição filosófica, isto é tudo o que este pensador tem a nos dizer sobre o princípio vital da natureza. Mas esta resposta significa a substituição de uma explicação do cosmo dada pelas narrações míticas utilizadas naquele período, que não tinham preocupação alguma com a coerência do que estava sendo dito, para uma explicação racional face ao mundo e à vida. tales foi um filósofo grego, nasceu em Mileto (atualmente pertencente à turquia) por volta de 646 a.c. e morreu no ano de 546 a.c. É um dos “sete sábios” da antiguidade; se destacou tanto na filosofia como na matemática. a ele se atribui as primeiras demonstrações de teoremas geométricos mediante o raciocínio lógico. Figura 1 - tales de Mileto disponível em: <http://www.professoradanielamendes.blogspot.com> BIograFIa Para que você possa melhor entender o que estamos dizendo até aqui, alguns conceitos são importantes, veja a seguir: 4 Raciocínio Lógico - Unidade 2 conceIto archÉ – palavra grega que significa o princípio ordenador do mundo, presente em todas as coisas, dando a origem à variedade dos fenômenos naturais. cosMo – palavra de origem grega que significa mundo, de maneira mais ampla, o universo que o homem conhece (chalIta, 2005). a explicação de tales de Mileto, assim como dos seus sucessores até a obra de Platão, não é exposta em forma de argumento, mas de fragmentos que nos chegam por intermédio de pesquisadores e outros filósofos antigos conceituados, como é o caso de aristóteles. essa explicação era o remate e a consequência de uma preocupação crescente com a formulação de respostas mais coerentes do que as histórias fantásticas de deuses e seres sobrenaturais, até aquele contexto, utilizadas para explicar o mundo. os primeiros filósofos foram chamados de fisiólogos, uma vez que estavam preocupados mais especificamente com a phýsis (natureza) e seus fenômenos (seu desenvolvimento, o nascimento dos seres, a morte etc.), e isso eles o faziam, não por meio de narrações mitológicas, mas sim da observação da própria natureza. ora, e isso tinha pelo menos, como dizemos habitualmente, mais lógica? tales escolheu a água como elemento originário, isso por que ele observava como ela é importante para a vida dos homens, dos animais e das plantas, e como era tão dinâmica, podendo se configurar nas mais variadas formas. logo depois de inaugurada a investigação racional com tales, não demorou muito e praticamente no mesmo período surgiram mais explicações racionais, destacando-se a de seus sucessores também de Mileto, anaximandro (cerca de 610-547 a.c.) e anaxímenes (cerca de 596-525 a.c.). o primeiro dizia ser impossível escolher apenas um elemento da natureza para explicar toda ela, pois se assim fosse, como poderíamos explicar elementos como o fogo, oposto à água? tudo na natureza, para anaximandro, tinha um oposto e, portanto, o princípio deveria ser uma mistura infinita, ou, como ele teria chamado: o ápeiron. Já anaxímenes, não se contentando com a resposta de seu contemporâneo, segundo a qual não respondia nada, elegeu o ar como elemento originário. este, e não a água, seria o princípio de tudo, pois na sua análise era o elemento mais sutil da natureza e desta forma é anterior à água. Para este pensador, basta observarmos 5 Raciocínio Lógico - Unidade 2 o que acontece quando colocamos o elemento fogo em contato com a água para vermos que esta última se desfaz em vapor, ou como queira, ar. Bom, não nos cabe aqui um aprofundamento na teoria de cada pensador daquele período, basta o exemplo destes três primeiros para desmistificar a visão do filósofo como um louco e compreender que a preocupação fundamental que ronda a mente destes homens é a busca cada vez maior por coerência, ou lógica, nas explicações. Veja, a título de exemplo, trechos da letra da canção da banda de rock brasileira detonautas. Podemos ler nas entrelinhas elementos que nos remetem à atitude dos primeiros filósofos em relação ao mundo. lógica te encontrar em sonhos dividir segredos relembrar os planos enfrentar os medos e cuidar desse amor que nasceu de ti [...] Que eu encontre uma lógica Que me ensine os caminhos do mundo Que eu descubra uma mágica Que te traga pra perto de mim se eu não vou julgar o que é o certo e o que não é eu não vou julgar o que é o certo e o que não é [...] Você pode perceber que a música destaca o grande desafio do homem diante mundo, desde os primeiros filósofos: enfrentar o desconhecido, encontrar respostas capazes de explicar racIonalMente a origem de todas as coisas. a canção temo título lógIca e a busca pelos caminhos do mundo tem que ser uma busca lógIca, portanto, fundada na razão. esse desafio é uma eterna busca da verdade e do bem 6 Raciocínio Lógico - Unidade 2 numa convivência com o outro. 2.2.2 o nascimento da lógica formal Parmênides e o princípio de identidade Vimos anteriormente que dos primeiros filósofos só chegaram até nós fragmentos sobre o que pensavam. apesar de serem responsáveis por uma preocupação cada vez maior em dar explicações mais coerentes e de acordo com as observações dos fenômenos naturais, ainda assim, não desenvolveram uma preocupação com a criação de algum método ou princípio básico a se seguir para que isso se tornasse possível. Foi com Parmênides (cerca de 515-450 a.c.), filósofo de eleia (cidade colônia da magna grécia, região hoje próxima da Itália), que este problema foi trazido à tona. dos fragmentos deste pensador, surgia a primeira exposição de um princípio lógico a partir do qual deveria ser conduzido o nosso raciocínio. esse princípio se chamou: princípio da identidade. o pensamento de Parmênides teria se desenvolvido e seria marcado pela sua contraposição a heráclito (cerca de 540-480 a.c.), seu contemporâneo da cidade Éfeso (região de Mileto), para quem a contradição e a mudança seriam o princípio universal do cosmo e da própria vida. este seria, para Parmênides, o erro e o problema de toda a filosofia e ciência desde tales. ele notava que a verdade não poderia estar nas coisas, e consequentemente nem poderia provir das experiências sensoriais. o caminho correto à verdade estaria só no pensamento. Para Parmênides, se confiássemos apenas no que estávamos vendo, ou no que estávamos sentindo, não seria possível dizer algo sobre o mundo. como dizer, por exemplo, que uma árvore ou outra coisa qualquer seria bonita se em alguns segundos, se por qualquer causa repentina ou acidental, ela poderia parecer feia? o filósofo de eleia chegou à conclusão de que o pensamento, o dizer, portanto, exigia antes de tudo, identidade. estava assim formulado, mesmo que ainda em entrelinhas o primeiro princípio lógico, o princípio da identidade. o ponto de partida para se superar as contradições e mudanças e construir um discurso ou um logos sobre a verdade ou a essência das coisas. a seguir temos alguns fragmentos do poema da natureza de Parmênides. um texto cheio de alegorias e elementos mitológicos, onde é possível ver a preocupação de Parmênides com este caminho pelo qual devemos orientar nosso pensamento se quisermos conhecer a verdade. 7 Raciocínio Lógico - Unidade 2 Pois bem, eu te direi, e tu acolhes a minha palavra:/quais são os únicos caminhos de busca que se podem pensar:/um diz que é e que não é possível que não seja, /é a vereda da persuasão (porque acompanha a Verdade); o outro diz que não é e que é preciso que não seja, / eu te digo que esta é uma vereda em que nada se pode aprender. de fato, não poderias conhecer o que não é, porque tal não é fatível, nem poderias expressá-lo... É necessário dizer e pensar que o ser é: de fato, o ser é, /o nada não é: te exorto a que consideres isso. / e, portanto, desse caminho de busca te conservo distante, / mas, depois, também daquele sobre o qual os mortais que nada sabem seguem vagando, homens de duas cabeças: / de fato, é a incerteza que ao seu peito conduz uma destinada mente (ParMÊnIdes apud nIcola, 2005, p. 29-30). PratIcando 1. Que princípio lógico já está implícito no poema sobre a natureza de Parmênides? comente. 2. em qual dos fragmentos expostos acima, está mais bem expresso este princípio? comente. Platão e o método dialético apesar de não ter deixado nenhuma obra completa, apenas fragmentos deste poema que vimos acima, Parmênides já teria alertado para a evidência da existência em nosso intelecto, de um caminho prévio em direção à verdade, e teria deixado assim à posteridade a preocupação em se estabelecer um método ou regras pelas quais fosse possível detectar ou traçar tal caminho. tal tarefa seria levada a cabo primeiramente pelo ateniense Platão (cerca de 428-347 a.c.), responsável pelos primeiros grandes escritos da tradição filosófica e um dos maiores pensadores da história. era por meio do método dialético que Platão pretendia fundamentar suas respostas sobre a realidade. Mas que método seria esse? o termo ‘dialética’ vem do grego. o prefixo dia quer dizer dois, e o sufixo lética deriva de logos, que é discurso. Portanto, dialética significa diálogo, contraposição, e era justamente assim, em forma de diálogo que o filósofo ateniense escreveu suas obras. os diálogos platônicos tinham como objetivo passar do que era incerto e mutável para o imutável, da opinião para o conceito, ou à própria verdade. Por exemplo, se estamos discutindo sobre a justiça, é evidente que na realidade em que vivemos tenhamos as mais variadas opiniões contraditórias e diferentes, cada qual de 8 Raciocínio Lógico - Unidade 2 acordo com a localidade, a crença e todas as outras peculiaridades possíveis daqueles que opinam. Mas se colocamos tais propostas lado a lado, estabelecendo o diálogo entre as mesmas e analisando as incoerências de cada uma até chegarmos àquela mais bem fundamentada e isenta de refutação, chegaremos assim ao verdadeiro conceito de justiça. neste sentido, ao optar por uma posição, estaria eliminada a contradição uma vez existente, e dessa forma seria estabelecida ou encontrada a identidade. uma coisa não pode ser definida como “isto” ou “aquilo”, tem que ser ou isto ou aquilo. só assim poderia estar garantida sua realidade, só assim ela poderia ser. Podemos dizer que Platão teria assim inventado a lógica dialética, método que teria lhe rendido um vasto e rico conjunto de diálogos, cada um com o objetivo de desvendar um conceito como amor, justiça, bem etc., apesar de não necessariamente ter chegado a respostas satisfatórias, e por isso mesmo ser o alvo de críticas como as de seu discípulo aristóteles. leia a seguir como a historiadora da filosofia Marilena chauí (2001, p. 181-2) caracteriza a lógica dialética criada por Platão. [...] Partindo de sensações, imagens, opiniões contraditórias sobre alguma coisa, a dialética vai separando os opostos em pares, mostrando que um dos termos é aparência e ilusão e o outro, verdadeiro ou essência. a dialética é um debate, uma discussão, um diálogo entre opiniões contrárias e contraditórias para que o pensamento e a linguagem passem da contradição entre as aparências à identidade de uma essência. superar os contraditórios e chegar ao que é sempre idêntico a si mesmo é a tarefa da discussão dialética, que revela o mundo sensível como heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança incessante) e o mundo inteligível como parmenidiano (a identidade perene de cada idéia consigo mesma). a lógica aristotélica e a teoria do silogismo apesar de toda essa trajetória que você pôde ver até aqui, quem primeiro estabeleceu e apontou mais efetivamente as regras e princípios do pensamento correto, dando assim Figura 2 - Platão Fonte: <www.platomania.blogspot.com> 9 Raciocínio Lógico - Unidade 2 corpo ao que se denominou lógica, foi justamente o sucessor e discípulo de Platão, o macedônio aristóteles (cerca de 384-324 a.c.), que passaria a dedicar todo um estudo a parte no que diz respeito a estas regras e princípios. segundo ele, o método seguido por seu mestre na busca dos conceitos não poderia cumprir o papel de instrumento do pensamento correto. ora, o método dialético tal como Platão criara e desenvolvera era baseado em opiniões. como você viu, seu objetivo era estabelecer a passagem da contradição entre aparências à identidade de uma essência. Ir da superação do que é contraditório ao que é sempre idêntico. seria justamente este, para aristóteles, o problemadesta lógica dialética. ter como fundamento e ponto de partida opiniões pode ser bom para quem tem como único objetivo a persuasão ou ganhar uma disputa oratória, mas este estaria longe de ser o procedimento seguro para quem almejasse a verdadeira filosofia ou ciência. aristóteles entendia que a dialética era um exercício do pensamento e do discurso e ela tinha seu valor; no entanto, para exercitar o pensamento, ou mesmo quando pensamos e proferimos algum discurso, antes mesmo de formarmos qualquer conteúdo ou juízo, é necessário seguir leis que já estão a priori a nossa disposição no intelecto. nesse sentido, a lógica para aristóteles seria instrumental e também formal. Vale aqui observar que a dialética platônica se desenvolveu tendo como pano de fundo aquele velho problema já discutido com heráclito e Parmênides, o problema da tensão entre a mudança e a identidade. Para Platão, a mudança não passa de uma ilusão, já que a verdade é imutável. Isso significa dizer também que o método dialético tem como objetivo a ascensão de um nível de realidade inferior (das aparências) a um nível de realidade superior (das essências), um nível inteligível. Para aristóteles, a mudança não necessariamente implica contradição, existe apenas uma realidade caracterizada também pela mudança, que por sua vez, não é uma ilusão. tudo na natureza caminha em direção à realização de um fim, por exemplo, a criança visa tornar-se adulta, a semente tornar-se-á árvore. como poderíamos pensar ou dizer algo de uma realidade cujas coisas estão sempre se transformando em seus opostos? a concepção de heráclito e de Platão impossibilita a própria explicação do funcionamento da natureza e, sobretudo do movimento, que é algo ordenado e organizado, já que enquanto houver mudança nas coisas é porque há sempre um novo 10 Raciocínio Lógico - Unidade 2 fim a ser realizado. a realidade tem uma estrutura da qual podemos abstraí-la por meio de regras e leis que lhes corresponde, que se bem utilizadas farão com que possamos encaixar pensamento e realidade encontrando as causas e a essência dos fenômenos. o objeto principal da lógica aristotélica, portanto, consiste na proposição, que é a expressão, em forma de linguagem, dos juízos que temos da realidade, e consequentemente, o encadeamento de tais proposições que chamamos raciocínio. a partir deste momento histórico nasce a lógica como disciplina a parte, que tem como proposta oferecer instrumentos necessários para que possamos formular um raciocínio correto sobre o mundo. Mas que instrumentos são esses? 20 Raciocínio Lógico - Unidade 2 onde encontrar chalIta, g. Vivendo a filosofia. são Paulo: Ática, 2006. chauÍ, M. convite à filosofia. são Paulo: Ática, 2001. MarguttI, P. silogística aristotélica. disponível em: <http://www.fafich.ufmg. br/~margutti/silogistica%20aristotelica.pdf>. acesso em: 15 fev. 2011. nIcola, u. ontologia ilustrada de filosofia. são Paulo: globo, 2005. PereIra, s. do l. lógica proposicional. disponível em: <http://www.ime.usp.br/~slago/ Ia-logicaProposicional.pdf>. acesso em: 16 fev. 2011.
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