Buscar

Psicologia Socio Historica - Uma tentativa de sistematização epistemológica e metodológica Elisa Zaneratto Rosa Ana Gabriela Pedrosa Adriani

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 17 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

proposta de construção de uma psicologia social crítica e assim a concretização da psicologia sócio-históricaPSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA:
Uma tentativa de sistematização epistemológica e metodológica
Elisa Zaneratto Rosa
Ana Gabriela Pedrosa Andriani 
A Psicologia Sócio-Histórica é uma vertente teórica da Psicologia, cujas proposições ligadas ao conhecimento do homem e de sua subjetividade estão guiadas pela concepção materialista dialética. No presente texto propomo-nos a explicitar a presença desta concepção dentro de tal vertente, sistematizando de forma organizada os diversos aspectos que se relacionam com a Psicologia Só-cio-Histórica, no sentido de fundamentação dos conhecimentos por ela produzidos e, ainda, das propostas de atuação para a Psicologia que se seguem. Deste modo, tentamos relacionar uma série de conhecimentos e contribuições já produzidas, procurando reconstituir a base sobre a qual está estruturada esta vertente teórica.
Num primeiro momento, apontamos alguns aspectos essenciais da teoria marxista, procurando explicitar em que consiste a concepção materialista dialética da realidade. Em seguida, tentamos contextualizar brevemente o momento em que se produzem os primeiros conhecimentos dentro de uma abordagem da Psicologia fundamentada nos pressupostos marxistas. A partir disso, explicitamos o processo pelo qual esta nova abordagem vai sendo trazida para a América Latina, mais especificamente para o Brasil, e incorporada à área da Psicologia Social. Cabe, então, trabalhar cuidadosamente com a produção teórica que vem se desenvolvendo dentro da abordagem, a maneira como ela concebe o homem e a construção de seu psiquismo, articulando a relação destas postulações teóricas com a base materialista dialética. Sob esta mesma perspectiva, procuramos trabalhar com a proposta metodológica da abordagem e, finalmente, levantar, ainda que brevemente, as perspectivas de atuação guiadas por seus pressupostos.
A partir disso, acreditamos que será possível pensar na contribuição efetiva que esta abordagem vem trazendo à Psicologia, tanto em termos das formulações teóricas e de propostas para a produção de conhecimento, como de possibilidades de intervenção que apontem para uma práxis transformadora na realidade em que ela se efetiva.
Talvez a proposta seja bastante pretensiosa, mas antes de procurarmos produzir algo que encerre uma discussão, nossa intenção é abrir um caminho para questionamentos e reformulações a partir do que nos arriscamos a construir. 
A contribuição marxista: o materialismo histórico e dialético
A produção de Karl Marx (1818-1883) está intimamente relacionada ao momento histórico em que viveu e desenvolveu seu pensamento. Assim, sua obra é fortemente determinada pêlos acontecimentos políticos, econômicos e históricos em que está inserido, bem como por um forte comprometimento em relação à classe trabalhadora.
0 momento referente diz respeito ao século XIX e passagem ao século XX, período em que se concretiza um grande desenvolvimento do capitalismo, ocasionando mudanças significativas na organização mundial. Num primeiro momento, acentua-se o crescimento da economia, das riquezas, das forças produtivas e, paralelamente, das classes trabalhadoras. Configura-se, então, por volta de 1848, uma situação que clama por mudanças: os trabalhadores lutando por transformações de caráter socialista, o que não se concretiza, e a burguesia sugerindo transformações um tanto menos radicais. Posteriormente, assistimos a um momento de expansão do sistema em nível mundial, desenvolvendo-se ainda mais a industria e formando-se um sistema capitalista internacional. Surgem as propostas e governos de cunho nacionalista e liberal, ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora avança em termos de organização e propostas.
Dentro destas condições, estrutura-se uma situação paradoxal: a racionalização do progresso tecnológico permanece em paralelo à desagregação dos modos de vida, sendo impedido a um grande número de pessoas o uso do atributo da liberdade e da vontade, tão fortemente proclamado.
Neste contexto, a obra marxista constitui-se em análises sociais, históricas, econômicas e políticas, que, ao mesmo tempo, correspondem a uma grande contribuição para a produção do conhecimento filosófico, uma vez que seu pensamento foi influenciado não só por sua atuação política, mas também por seu contato com as produções teóricas do momento. Neste sentido, destaca-se o contato de Marx com o sistema filosófico hegeliano, a partir do qual recupera a proposição dialética como perspectiva para a compreensão do real e para a construção do conhecimento. Portanto, dentro da teoria do conhecimento, o grande avanço de Marx consistiu em partir da explicação dialética da realidade, cuja proposta foi colocada por Hegel, aplicando a ela uma concepção materialista, o que implica dizer que a marca de seu pensamento é a perspectiva materialista dialética sob a qual propõe a compreensão da realidade, da sociedade e do homem.
Segundo a proposição marxista, o homem atua praticamente e conscientemente sobre a natureza, construindo o mundo objetivo e a si mesmo na medida em que procura satisfazer suas necessidades. É nesse ponto que o homem se diferencia dos demais animais: pelo fato de produzir seus próprios meios de existência, o que faz em relação com a natureza e com os outros homens. É a partir desta organização que se procura conhecer a história e a realidade, partindo-se assim de indivíduos reais, concretos, inseridos e determinados pela realidade objetiva: "Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais de sua produção" (Marx e Engels, 1980:19).
Na produção de seus meios de existência os homens se relacionam com a natureza, de onde se extrai os meios de produção e os objetos de trabalho, e se relacionam ainda com os outros homens, no que chamamos relações sociais de produção. Este conjunto de relações constitui a infra-estrutura, ou seja, a base material da sociedade, que determina a organização concreta dos homens, o que implica dizer que a forma de organização da sociedade está determinada pelo modo como os homens se organizam dentro dela para produzir seus meios de existência. Esta estrutura se altera ao longo do tempo, uma vez que a própria organização do sistema vai gerando suas contradições. Há um momento em que as forças produtivas entram em contradição com a forma na qual os homens estão organizados em suas relações, de tal modo que a própria organização das relações dos homens vai se alterando com a nova configuração das forças produtivas — nas palavras de Marx, "cada novo estádio na divisão do trabalho determina igualmente as relações entre os indivíduos no que[toca a matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho" (Marx e Engels, 1980:20). É assim que no interior da própria organização de trabalho gera-se uma contradição e, portanto, ela determina sua própria alteração.
Juntamente com esta infra-estrutura desenvolve-se um conjunto de idéias que a expressam e servem para a reprodução do sistema. Este conjunto de idéias corresponde à superestrutura da sociedade, isto é, sua instância política e ideológica. As transformações que ocorrem nesta superestrutura, ou seja, nas idéias e conhecimentos produzidos em uma sociedade, são determinadas pelas mudanças que se concretizam historicamente nas bases materiais (infra-estrutura), uma vez que com elas surge a exigência de novas idéias explicativas e novas regras. Contudo, deve-se considerar que a relação entre infra-estrutura e superestrutura é determinante, mas não imediata; as idéias expressam antagonismos da infra-estrutura e isto gera antagonismos também entre as idéias. A expressão destes antagonismos na superestrutura é complexa, de maneira que o movimento das idéias e da sua relação com a base material deve ser analisado dialeticamente, pois as idéias e conhecimentos se constroem na infra-estrutura, mas também atuam sobre ela, ocasionando transformações em suas relações. Estas idéias dependem da ação para se concretizarem,mas tal ação deve ser coerente com o pensamento. De qualquer forma, sendo as idéias originadas na base material e dependentes das ações para ocasionarem mudanças, podemos dizer que estas transformações partem sempre das relações concretas, ainda que não aparentemente.
Fica claro, deste modo, que a infra-estrutura determina a super-estrutura, de tal forma que sempre que falamos nos homens estamos nos referindo a indivíduos determinados pelas relações de produção, pela atividade produtiva e por relações sociais e políticas também determinadas. Segundo Andery e Sério (1994), para Marx a base da sociedade e a característica fundamental do homem estão centradas no trabalho por meio do qual o ser humano se constrói como homem e constrói a sociedade, transformando-a e fazendo a história,
Sintetizando:
"na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina q seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência (o grifo é nosso). Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevêm então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez" (Marx, 1982, in Andery e Sério, 1994:409).
A base de toda a sociedade e de sua formação, de seus valores e idéias e, até mesmo, de suas transformações está, pois, nas condições materiais. A vida determina a consciência e as idéias surgem da realidade material, sempre em transformação, de modo que os conceitos dominantes apenas se universalizam por conta dos interesses da classe dominante, já que estão a serviço da manutenção do sistema. Assim, é muito comum que o conjunto de idéias desvincule-se das condições materiais que o produziram, de tal forma a permitir a falsa aparência de que estas idéias dominam a história. Seria assim construída a ideologia, levando os homens à alienação: a atribuição das determinações de sua existência e da organização da sociedade desvincula-se das bases materiais, dirigindo-se as explicações a idéias de caráter abstraio e universal.
A partir destas considerações e do conhecimento de tais pontos da produção marxista, torna-se possível compreender em que consiste a concepção materialista dialética da realidade, o que nos permitirá entender melhor as proposições teóricas e metodológicas da Psicologia Sócio-Histórica. Segundo esta concepção, os fenômenos são constituídos e transformados a partir de múltiplas determinações que lhe são constitutivas, as quais são determinadas e fazem parte de outras relações. Concebe-se ainda a realidade como matéria, havendo a primazia do Ser sobre o Pensar, de modo que cada parte desta realidade, e podemos dizer cada fenômeno, constitui-se em uma formação material, que expressa a totalidade que a contém e a determina, ao mesmo tempo em que é determinada por ela. Assim, a totalidade é uma totalidade de determinações, de relações que constituem os fenômenos e são por eles constituídas. Para Marx, o concreto é a síntese de muitas determinações e a totalidade, como síntese, deve conter as determinações do todo reordenadas em uma nova unidade.
As coisas se constituem, pois, de contradições e transformações constantes, as quais não se manifestam diretamente. Desta forma, há uma distinção entre aparência e essência, entre a manifestação das coisas e sua real constituição. A aparência, ou a manifestação imediata do fenômeno, é parte dele, mas, não expressa diretamente sua totalidade. Para conhecê-lo realmente, isto é, à sua essência, é necessário ir além desta aparência, desvendando suas determinações. Segundo Andery e Sério (1994:423) o método para a produção do conhecimento deve “permitir que se descubra por trás da aparência o fenômeno tal como é realmente, e mais, o que determina, inclusive, que ele apareça da forma como o faz". Tal conhecimento parte do real e se refere ao real e, nesta medida, pressupõe, exige e implica a possibilidade de transformação desta realidade. Portanto, o conhecimento científico envolve teoria e práxis e depende de um método que se dirija ao concreto antes do abstrato, quer dizer, que explique as formações ideológicas sobre a base da prática material e que esteja preocupado em desvendar estas múltiplas determinações materiais em que o fenômeno se insere e que o constituem.
A produção do conhecimento deve, pois, partir do real, buscar as leis de transformação do fenômeno e sua relação coma totalidade, reinserindo-o, finalmente, na realidade. Deve-se expor adequadamente o movimento real e, portanto, refletir a lei fundamental de cada fenômeno: a transformação dialética. O conhecimento depende, portanto, da busca das determinações e relações intrínsecas e constitutivas dos fenômenos, sendo necessário, para tanto, buscar a compreensão da totalidade em que ele se insere.
Concluindo, o conhecimento verdadeiro é possível, assim como o é uma verdade absoluta em relação ao real, mas esta verdade é sempre relativa ao momento histórico específico. Isto porque a dialética prioriza o processo de transformação, de contradição em relação ao que permanece, sendo que é sempre possível conhecer as leis que regem os fenômenos, mas este conhecimento depende do momento e do contexto em que se insere: a cada momento se tem uma verdade, uma essência, superada com o tempo. Portanto, a verdade corresponde à essência do fenômeno naquele momento específico e deve abarcar, por isso mesmo, seu movimento contraditório.
Mais adiante explicitaremos outros pressupostos relacionados à questão do conhecimento, de forma mais diretamente interligada à proposta teórica e metodológica da Psicologia Sócio-Histórica. No momento, gostaríamos de finalizar esclarecendo a concepção de homem que Marx nos permite formular e que constitui fundamento de suas propostas: um produtor de bens materiais, de relações sociais e de conhecimento e, neste sentido, um produtor de todos os aspectos da vida humana; portanto, um produtor de si mesmo. 
Os primórdios da psicologia sócio-histórica
A Psicologia Sócio-Histórica surge no início do século XX, na União Soviética, momento em que esta procurava reconstruir suas teorias cientificas a partir do referencial marxista. Dentro desta produção, destaca-se o nome de Vygotsky (1896-1934), a quem se deveu os primeiros passos em direção a esta nova Psicologia, o qual teve como principais seguidores Luria (1902-1977) e Leontiev (1903-1979). É importante levantar que, dentro deste contexto, na Rússia pós-revolucionária, a construção de teorias psicológicas não poderia estar desvinculada das demandas práticas referentes aos problemas sociais e econômicos do povo soviético. 
Assim, Vygotsky, por volta de 1924, mostra-se insatisfeito com as correntes psicológicas soviéticas, apontando a existência de uma crise mundial da Psicologia, uma vez que suas diversas escolas se dirigiam ora para modelos elementaristas, negando a consciência, ora para modelos subjetivistas, considerando a consciência e os processos interiores desvinculados das condições materiais que os constituíam. Parece que os conhecimentos produzidos dentro da Psicologia, na tentativa de compreender quem é o homem e como se constróisua subjetividade, mantinham sempre a dualidade objetividade versus subjetividade, mundo interno versus mundo externo, oposição que a teoria histórico-cultural de Vygotsky, com as produções que lhe deram continuidade, parece ter conseguido diluir, como veremos no decorrer deste texto.
Este autor propôs-se, então, a construir uma Psicologia guiada pêlos princípios e métodos do materialismo dialético, de modo que sua produção se destinava à descrição e explicação da construção e desenvolvimento do psiquismo e comportamento humano, a partir das funções psicológicas superiores (pensamento, linguagem e consciência), guiando-se pelo princípio da gênese social da consciência. Sua obra seria, pois, fortemente marcada pela concepção marxista de homem e realidade, uma vez que estava guiada pelo princípio de que o ser humano constrói a si mesmo nas relações que estabelece com a realidade, na medida em que é determinado por esta, atua sobre ela e a transforma.
Vygotsky seguiu alguns pressupostos que guiaram suas teorias e que serviram à fundamentação e ao desenvolvimento, a partir de sua obra, da teoria Sócio-Histórica. Dentre eles, destaca-se a crítica da tentativa de compreensão de funções superiores por intermédio da psicologia animal, bem como da concepção de desenvolvimento natural humano, segundo a qual estas funções são resultado de um processo de maturação. Enfatiza-se a origem social da linguagem e do pensamento — colocando a cultura como parte do desenvolvimento — e a visão das funções psicológicas como produto da atividade cerebral. Cabe ressaltar, ainda, a contribuição em nível de desenvolvimento de uma estrutura teórica marxista para a Psicologia: os fenômenos são compreendidos como processos em movimento e mudança; o homem é entendido como um ser que atua sobre a realidade por intermédio, de instrumentos, transformando-a e a si próprio; o conhecimento deve apreender, a partir do aparente, as determinações constitutivas do objeto; a origem e a base do movimento individual estão nas condições sociais de vida historicamente formadas. Assim, percebemos que se nega qualquer tentativa de explicação referente a uma concepção de natureza humana universal e imutável, a qual necessitaria apenas aflorar e se desenvolver ao longo da vida do indivíduo. Não há natureza humana; o humano se constitui pela relação do homem com a realidade, não só enquanto meio social imediato, mas enquanto processo cultural historicamente produzido. A condição humana é construída sócio-historicamente, nas relações sociais e na ação dos homens sobre a realidade.
Sua produção teve continuidade, na União Soviética, com os trabalhos de Luria e Leontiev. Posteriormente passou a ser estudado em outros países. Na América Latina, especificamente no Brasil, sua obra foi adquirindo espaço e se incorporando à área de Psicologia Social. Neste processo, conhecimentos foram e estão sendo construídos, de modo a se concretizar, aprofundar e sistematizar uma vertente teórica da Psicologia fundamentada em bases materialistas-históricas.
Atualmente, estes conhecimentos expressam diferentes leituras da obra de Vygotsky dentre os diversos grupos que se ocupam da elaboração e construção desta proposta. Estes grupos e estas leituras utilizam também diferentes denominações para a proposta teórica que estão construindo no campo da Psicologia. Alguns deles a nomeiam como Psicologia Histórico-Cultural. A denominação Psicologia Sócio-Histórica foi criada pelo grupo da PUC/SP e o desenvolvimento do presente texto está orientado basicamente pela leitura e pela visão desenvolvida por este grupo. 
A crise da psicologia social, a proposta de construção de uma psicologia social crítica e a concretização da psicologia sócio-histórica
Durante muito tempo a Psicologia Social esteve marcada por um caráter e uma tradição pragmáticos, com seus trabalhos centrados no estudo das atitudes, sua mensuração e suas transformações, bem como de aspectos e processos ligados ao funcionamento grupai. Segundo Lane (1984), a partir de meados da década de 1960 a eficácia desta Psicologia começa a ser questionada, apontando-se para uma crise do conhecimento psicossocial, ineficiente em intervir, explicar e prever comportamentos sociais. Para Rodrigues (1981:20), este conjunto de questionamentos, que ele define como a crise de relevância na Psicologia Social, teve início "através de um clamor para maior relevância social das atividades desenvolvidas pêlos psicólogos sociais", chegando a atingir, posteriormente, os paradigmas vigentes.
A crítica à tradição pragmática americana debatia-se com o caráter ideológico e reprodutor de interesses da classe dominante, que marcava os conhecimentos que vinham sendo produzidos. Além disso, esta crítica, acima de tudo, colocava em cheque o embasamento positivista, que, em nome da objetividade, conduziu uma compreensão reduzida do ser humano, perdendo-se de vista a dimensão de sua totalidade. 
Banchs (1987) faz uma retrospectiva dos conhecimentos e propostas construídas em diversos momentos dentro da Psicologia Social, apontando para a existência de quatro enfoques diferentes nas produções desta área. Sua obra explicita um caráter de construção e transformação existente dentro da História da Psicologia Social, apontando para uma falta de hegemonia em relação ao desenvolvimento destas diversas posturas entre os países da América Latina e dentro do próprio Brasil.
Num primeiro momento aponta para uma produção que denomina como Psicologia Social Psicológica, na qual há uma concepção fortemente guiada pêlos processos psicológicos individuais, compreendendo-se o social como construído a partir da somatória destes indivíduos. Nesta perspectiva, todas as definições acabavam se referindo às suas condutas particulares. Posteriormente, vai se construindo uma Psicologia Social Sociológica, que estava direcionada à questão da interação social, dos processos situacionais e da relação da estrutura social com os indivíduos. Contudo, esta visão possuía um caráter ainda mecanicista, na medida em que mantinha a dicotomia indivíduo versus sociedade: estuda-se e defende-se muito a influência do social no indivíduo, mas este indivíduo não é trazido para o social, perdendo-se de vista o referencial do sujeito, sua particularidade. A partir daí, foram sendo formulados e sistematizados conhecimentos que conduziam a uma recuperação da história do indivíduo e do caráter constitutivo de suas relações sociais. A autora fala, então, de uma Psicologia Social Marxista Latino-americana e, posteriormente, de uma Psicologia Social Crítica, datadas do final da década de 1960 e das décadas de 1970 e 80. Estas teriam seguido o desenvolvimento da Psicologia Social Soviética e iriam "recuperar o indivíduo na intersecção de sua história com a história de sua sociedade", compreendendo-se assim o homem como construtor da história (Lane, 1984:13).
É neste movimento que, sobretudo na América Latina e no Brasil, procura-se consolidar a proposta de uma Psicologia Social com bases materialistas-históricas e voltada para a realização de trabalhos comunitários. No Brasil, a Profa. Dra. Silvia Lane se coloca à frente deste movimento, trazendo as produções guiadas pêlos pressupostos marxistas, mais especificamente as formulações da Psicologia Soviética, às quais já nos referimos, para a Psicologia Social. A contribuição fornecida pêlos trabalhos desenvolvidos dentro da PUC/SP parecem ser essenciais para a consolidação da ver-tente teórica denominada Psicologia Sócio-Histórica.
Consideramos relevante resgatar o momento histórico e o contexto em que se insere este movimento, com o intuito de pensar um pouco nas razões pelas quais e no processo em que estas propostas para a construção de uma nova Psicologia — guiada pêlos pressupostos materialistas dialéticos e iniciada na União Soviética por autores como Vygotsky, Luria e Leontiev — ganharam forma e continuaram a se desenvolver dentro da América Latina, até ser possível referir-se à consolidação de uma nova vertente teórica.
Neste sentido.Lane (1995) afirma que os avanços da Psicologia Social na América Latina estão diretamente relacionados à época da crise teórica e metodológica da Psicologia Social, a qual assumiu aí um caráter político, dado o contexto das ditaduras militares e da repressão, bem como das injustiças e opressões vividas nas décadas de 1960 e 70. Questionava-se, então, como a Psicologia Social poderia trazer subsídios para transformações sociais, pensando não só em reformulações de caráter teórico, mas também em transformações de cunho metodológico e de atuação.
Concretizava-se, deste modo, uma revisão crítica das escolas psicológicas, que caminhava para a construção de uma Psicologia Critica. Todas as reflexões, reformulações e propostas levantadas dentro da área estavam permeadas pela questão da relevância da Psicologia Social, relevância esta que parecia se apresentar cada vez mais vinculada ao contexto e à problemática social. Tentava-se "resgatar, através dos desdobramentos do pensamento marxista, o vigor conceitual e os compromissos filosóficos e políticos (...) necessários a uma tal redefinição da psicologia e da questão da subjetividade" (Monteiro, 1995:23). Portanto, neste período, a revisão e a reformulação conceituai crítica apoiaram-se em fundamentos marxistas e em teorias neomarxistas, que partiam de sua proposição inicial para a realização de uma reflexão na qual o indivíduo tinha um papel fundamental. Neste contexto, conceitos como alienação, ideologia e dominação vão se tornando peças essenciais para a compreensão da subjetividade humana e de sua relação com a realidade social. As palavras de Lane (1984:15-16) esclarecem o pensamento desta tendência:
"É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo e que permita uma intervenção efetiva na rede de relações sociais que define cada indivíduo — objeto da Psicologia Social".
No final da década de 1970 e iníciode80, dada a abertura da "Guerra Fria" e o acesso em inglês às obras russas, foi possível o encontro deste grupo com os trabalhos de Vygotsky, Luria e Leontiev, os quais representavam uma ciência psicológica fundamentada no pensamento marxista. Este foi um passo fundamental para que se seguisse o desenvolvimento de conhecimentos que vieram a concretizar, algum tempo depois, a Psicologia Sócio-Histórica.
É como se tivesse sido encontrado, ou melhor, construído, um caminho promissor para esta "crise" que estava sendo apontada e criticada. A partir daí, a
"questão da indissociabilidade entre teoria e prática era o desafio da Psicologia Social — ela deveria avançar na sistematização teórica e, conseqüentemente, produzir efeitos ciáticos ou então se desenvolver numa prática que redundaria numa sistematização teórica. Foi este desafio que caracterizou a Psicologia Social na década de 80, pois mediante uma prática do psicólogo em comunidades se procurou uma sistematização teórica, e, por meio de pesquisas sobre o comportamento político, buscou-se também encontrar formas de atuação para que, em ambos os casos, houvesse transformações significativas para as populações desfavorecidas da América Latina" (Lane, 1995:71).
Deste modo, a forma como foi e estão sendo estruturadas as propostas teóricas, metodológicas e de intervenção dentro desta abordagem aponta para um comprometimento constante de caráter ético e político com a realidade e o homem. Resta-nos, portanto, partir para a apresentação e sistematização dos pontos essenciais desta produção. 
Psicologia sócio-histórica: proposições teóricas
A Psicologia Sócio-Histórica está fundamentada, basicamente, na concepção de homem como um ser histórico-social. Assim, o ser humano não nasce formado ou possuindo uma essência pronta e imutável; ao contrário, ele se constrói como homem a partir das relações que estabelece com o meio e com os outros homens, num movimento dialético em que faz parte de uma totalidade e vai trans-formando-se em sua essência por um processo de complexificação e multideterminação. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (Marx & Engels 1980); é com base nesta proposição que Vygotsky (in Luria, 1987:21) defende que a origem e a compreensão da vida consciente e do comportamento humano só podem ser encontradas na vida social, "nas formas histórico-sociais da existência do homem".
O homem é, portanto, um ser ativo, histórico e social. Cheptulin (1982), partindo de uma concepção materialista e, portanto, considerando a realidade enquanto matéria, coloca que, sendo o homem um ser real e concreto, que pertence à realidade material, ele é uma formação material dessa realidade e é uma expressão de sua totalidade, porque é determinado e construído por ela. No entanto, nesta condição, o homem não só é determinado pela realidade que o contém, como também determina esta realidade.
Deste modo, o homem é essencialmente um ser social. Há uma relação de mediação entre ele e a sociedade: o homem contém o social, mas não se dilui nele, e vice-versa; ou seja, homem e sociedade não existem separadamente, um sem o outro, mas são, contudo, diferentes. O homem se constrói socialmente, a partir de suas relações com a realidade. Neste movimento ele se apropria de forma subjetiva e particular do social, transforma-o ao interiorizá-lo e, assim, se transforma e se singulariza.
Deste modo, o homem se constitui não por uma absorção imediata do meio, mas por um processo constante de subjetivação da realidade que o torna único. Neste processo de subjetivação, o mundo objetivo é convertido para o subjetivo, produzindo-se um plano interno pela incorporação do externo, processo em que se configura algo novo. Ao mesmo tempo, p homem constrói a realidade através de sua atuação sobre ela e, assim, da objetivação de seu mundo singular, ou seja, de sua subjetividade. Portanto, o individual e o social contêm um ao outro sem se diluírem, o que implica dizer que não há uma relação de identidade entre indivíduo e sociedade e vice-versa.
Na medida em que cada ser humano é construído socialmente, na relação com a realidade e com os outros homens, ele se apropria também da história da humanidade; isto é, o homem não é construído apenas pelo meio social imediato, mas por todas as mediações nele contidas, pela história da humanidade e pela cultura que ela carrega. A atividade humana, por meio da qual o indivíduo desenvolve a consciência, envolve, pois, essencialmente uma apropriação da história. Ao relacionar-se com os objetos produzidos pela humanidade, o homem apropria-se da atividade histórica acumulada e cristalizada naquele objeto, inserindo-se no mundo humano. Assim, o homem é essencialmente um ser histórico-social: se faz indivíduo humano apropriando-se da produção histórica da humanidade nas relações com os outros homens, a partir do que pode transformar esta história, pois por meio desta apropriação de sua produção cultural pode agir sobre a realidade transformando-a, construindo-a e construindo, assim, a história. Como o homem está diretamente envolvido e é sujeito ativo da organização da sociedade, enquanto organização da produção dos meios de existência, ele é o sujeito construtor da história e neste processo constrói a si próprio.
Ao atuar sobre a realidade com o intuito de satisfazer suas necessidades, o homem utiliza-se de instrumentos. A linguagem é um instrumento essencial neste processo. Ela é produzida social e historicamente e o homem deve também dela apropriar-se. É importante ressaltar que o desenvolvimento da linguagem e dos significados permite a representação da realidade e, assim, a possibilidade de se trabalhar com a atividade no campo da consciência. Contudo, não se pode perder de vista que a origem da consciência e da linguagem está na atividade concreta dos homens, ainda que estas se descolem aparentemente da atividade material.
A dialética entre externo e interno, onde um não existe sem ooutro, onde o psiquismo não existe sem as relações materiais em que está imerso, é mediada pela linguagem, pelos símbolos que emergem das relações sociais. Desta maneira, podemos dizer que a matéria-prima da consciência é a linguagem, os signos, uma vez que não há pensamento sem linguagem. É o signo e a atividade que constroem a consciência. Assim, para Vygotsky, a atividade é semioticamente mediada, sendo preenchida, por significações que constroem a subjetividade humana.
A linguagem materializa e constitui as significações construídas no processo social e histórico. Assim, ao apropriar-se dela, o homem teria acesso às significações historicamente produzidas. Este homem irá significar suas experiências e são estas significações que constituirão sua consciência, mediando assim suas formas de sentir, pensar e agir.
Dizemos, então, que o psiquismo se constrói pela transformação do plano social em plano psicológico. Nós nos apropriamos das significações construídas socialmente para significar nossas experiências, nossos sentimentos, nossos desejos, nossas ações (que são produzidos social e historicamente), de maneira que podemos conceber os signos como instrumentos voltados para a criação e a trans-formação do plano subjetivo do sujeito. O signo permite operar no plano psicológico, sendo constitutivo da consciência.
Cabe colocar que passamos por experiências que não são completamente significadas por nós, no sentido de estas vivências não serem apreendidas em sua totalidade. Estas experiências, ainda que estejam registradas e presentes no nosso psiquismo, acabam por não fazer parte da consciência. Pode-se pensar, então, que talvez esteja aí a chave para a compreensão do que seria o inconsciente. Lane (1995:78) faz referência a esta questão: "Estamos ainda em um terreno bastante hipotético, mas tudo indica que não podemos pensar a consciência sem pensar o inconsciente; e se a linguagem e o pensamento constituem a primeira, são as emoções que formam o segundo". Dado isso, podemos supor que as emoções não significadas constituiriam planos inconscientes do psiquismo humano: "a relevância atribuída ao racional em nossa cultura, submete as emoções ao seu contrário fazendo com que as emoções não significadas sejam reprimidas vindo a se constituir inconscientes" (Figueiredo, in Lane, 1995:60).
Como foi colocado anteriormente, a significação é construída na esfera social, de maneira que sua internalização dependerá da mediação externa, da relação com o outro. A transformação do social em subjetivo se dará sempre em um universo interpessoal, que se transforma em intrapessoal e intra-subjetivo, como resultado de um processo longo, processo pelo qual o plano subjetivo é criado. Portanto, a intersubjetividade é um espaço de construção do sujeito e é este espaço que permite a produção de sentidos. É sobretudo nas relações intersubjetivas que o indivíduo constrói sua subjetividade; e se as emoções estão presentes nas ações, consciência, pensamento, linguagem e identidade do homem, podemos concluir que as formas de significação também são emocionadas, ou seja, mediadas pelas emoções e que as falas, pensamentos e ações dos homens sempre carregam em si uma emoção. Segundo Vygotsky (in Lane e Camargo, 1995:118), "o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por traz de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a resposta ao último porquê de nossa análise do pensamento". Desta forma, o pensamento sempre será um fenômeno que terá em sua constituição uma emoção, e, sendo assim, o processo cognitivo nunca existirá sem ela também.
Para Vygotsky é através da palavra que se tem a maior possibilidade de entender a consciência. Sintetizando o que foi dito antes, na relação com o mundo, nas experiências vividas pelo homem, este se constrói singularmente, significando e configurando em sua subjetividade cada experiência de forma particular. Portanto, nesta atividade do homem sobre a realidade, a linguagem é um dos seus grandes instrumentos: é o instrumento psicológico que ele utiliza nas relações que estabelece com os outros homens, onde ela assume, então, o papel de mediadora. A linguagem transforma direta-mente a subjetividade dos homens em relação, sendo que cada um significa as palavras de uma maneira particular. É através da palavra que se opera o pensamento e o sentimento; ela é, pois, o "microcosmos" da consciência.
A partir de seu plano subjetivo, construído em uma história única e individual, o homem é capaz de se apropriar de significados construídos socialmente, oferecendo ainda um sentido pessoal às suas experiências e a essas significações. O sentido pessoal refere-se, então, a um sentido particular dado ao fenômeno e depende de uma configuração subjetiva do social. Algumas vezes este sentido pessoal está em contradição com o significado socialmente atribuído, ainda que sua constituição esteja diretamente vinculada a estes significados. O sentido pessoal constitui-se, pois, na somatória de eventos psicológicos evocados na pessoa ao se deparar com algo.
Entendemos assim que o psiquismo humano é construído na relação dialética que o homem estabelece com o meio em sua dimensão social e histórica. Ele é, então, determinado pelas relações materiais a que está sujeito, nas quais esta inserido e das quais faz parte, ao mesmo tempo em que as determina. Neste processo de constituição, o indivíduo, ao se apropriar da atividade, apropria-se das significações social e historicamente produzidas, constituindo-se como homem. Vivendo em um espaço intersubjetivo, de conflitos, confrontos e trocas, e considerando-se ainda a história particular de cada sujeito, o indivíduo irá atribuir sentidos pessoais para as suas experiências e para os fenômenos dos quais se apropria. É desta forma que a materialidade concreta é convertida em subjetividade, em que há uma superação: o social é transformado em algo novo. A linguagem, instrumento utilizado pelo homem nas relações intersubjetivas, é elemento essencial na construção do psiquismo humano. Ela tem uma relação de mediação com a consciência, sendo que uma não se dilui na outra, mas uma não pode existir sem a outra.
Assim, a consciência, principal categoria estudada dentro da Psicologia Sócio-Histórica, envolvendo as formas de pensar, sentir e agir, está diretamente relacionada à linguagem. O movimento do pensar, sentir e agir do sujeito, determinados pelas relações materiais vividas, define o movimento de sua consciência. Toda transformação qualitativa da consciência envolve uma integração e a superação dos movimentos de contradição entre estes processos.
Concluímos, deste modo, que a construção do psiquismo humano está intrinsecamente ligada à relação deste sujeito com a realidade e ao processo de apropriação e construção de signos e significados, a partir do que o homem poderá construir-se e i transformar-se, agir na realidade transformando-a, trazendo a ela algo novo.
Falamos, pois, de um psiquismo que se constitui em um contexto social, histórico e cultural. Cabe ressaltar que a Psicologia Sócio-Histórica não nega com isto a singularidade do ser humano. Ao contrário, como ficou subentendido anteriormente, considera-se que cada homem está inserido em um contexto específico, que cada homem tem uma história particular e, de acordo com esta, significa suas relações de um modo individual e único, dando um sentido pessoal a suas experiências e, assim, construindo um psiquismo também único e singular, apesar de determinado.
Partindo destas concepções acerca do homem e da construção de seu psiquismo, podemos pensar na proposta formulada pela Psicologia Sócio-Histórica para a produção do conhecimento. 
Psicologia sócio-histórica: fundamentos da metodologia de pesquisa
Na medida em que Vygotsky constrói uma teoria psicológica que vem romper com as correntes até então estruturadas, partindo de uma nova concepção de realidade e de homem, cria a necessidade de pensar em sua obraquestões relativas ao método de conhecimento: "nossa crítica das visões correntes da natureza essencial e do desenvolvimento dos processos psicológicos deve, inevitavelmente, resultar num reexame dos métodos de pesquisa" (Vygotsky, 1984:67). A pesquisa fundamentada na abordagem Sócio-Histórica não desvincula a teoria da metodologia; elas mostram-se implicadas, na medida em que resultam de uma mesma concepção de mundo, homem e relação sujeito/objeto.
As pessoas que vêm trabalhando na produção de conhecimentos em Psicologia Sócio-Histórica, ao se depararem constantemente com a necessidade de uma metodologia coerente e relevante em relação às suas postulações teóricas, discutem aspectos que constituem os pressupostos e as propostas metodológicas da abordagem.
Partindo da concepção dialética da realidade, concebe-se que as coisas estão em movimento permanente, de tal modo que conhecer algo implica necessariamente em conhecer suas transformações, seu processo e suas contradições. A proposta é conhecer a essência, mas esta essência é o movimento e é ele que deve ser apreendido: a realidade e o homem estão em um constante processo de movimento, transformação e contradição.
A contradição — conceito fundamental para a concepção marxista — significa que a matéria contém em si (essência) o seu contrário, ou seja, sua própria negação. Ela deve ser compreendida à maneira dialética, de forma que há uma superação do velho pelo novo, sendo que este, ainda assim, conserva características do momento anterior que podem, em um movimento em espiral, atualizar-se, mas estando agora modificadas. Este movimento de contradição contém em si as possibilidades de transformação e desenvolvimento da matéria. Dado isso, entende-se que a essência da matéria, sendo entendida como uma unidade de contrários, não corres-ponde a um reflexo fidedigno de sua aparência, embora esta a contenha. Assim, concorda-se com Marx quando afirma que "se a essência dos objetos coincidisse com a forma de sua manifestação externa, a ciência seria completamente supérflua" (Marx, in Vygotsky, 1979:101-102), e percebe-se que somente o conhecimento da essência do fenômeno oferece a possibilidade de se chegar à verdade acerca dele — sendo que a essência sofre transformações e, devido a isso, é possível apreendermos somente um momento de sua manifestação. Portanto, essência e fenômeno, embora formem uma unidade dialética, não coincidem diretamente e, através do conhecimento da essência de um objeto (que contém em si o movimento de contradição, e portanto, as possibilidades de desenvolvimento e transformações deste objeto), podemos apreender um momento de sua manifestação, mas não o objeto como um todo, dado que ele é mutável.
Devido a isso, o critério de verdade, para o materialismo dialético, é ao mesmo tempo absoluto e relativo, uma vez que o conhecimento corresponde a manifestação da essência em um dado momento de sua existência, mas, posto que a realidade sofre transformações, o mesmo acontecerá com a essência do fenômeno, e assim o conhecimento, que outrora era verdadeiro, deverá modificar-se. Conhecer um objeto significa, portanto, compreender seus processos de movimento interno (contradições), desvendar e explicar as determinações [mediações) deste movimento. A partir disso, quando o objeto de nossos estudos é o ser humano, "parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos (reflexe) e ecos ideológicos deste processo de vida" (Marx, 1984:22). Ou seja, partimos do homem em carne e osso, do empírico, observável para então aprendermos sua essência.
É muito importante ressaltar que não cabe a uma ciência fundamentada nos pressupostos materialistas dialéticos somente descrever os fenômenos, como fazem os empiristas lógicos, mas sim compreender e desvendar as determinações sociais e históricas que constituem os vários momentos de sua essência:
"assim, pois, não estamos em absoluto interessados em uma descrição da experiência imediata posta em manifesto por um clarão de luz, tal como faz a análise do introspectivo; na realidade, tratamos de compreender os vínculos reais que existem entre os estímulos externos e as respostas internas que subjazem as formas superiores de conduta designadas pelas descrições introspectivas" (Vygotsky, 1979:102).
Para que possamos desvendar estas determinações que constituem momentos da essência dos homens precisamos, entretanto, considerá-lo enquanto um ser de relações, produto da evolução biológica de sua espécie e de determinações sociais e históricas do meio ao qual encontra-se inserido. Sendo assim, o homem jamais pode ser compreendido independentemente de suas relações ou vínculos estabelecidos e, portanto, a totalidade deve ser sempre considerada, sendo que ela representa a síntese das múltiplas determinações sociais, sendo constitutiva e constituída pelos indivíduos em uma relação de mediação. Através das relações de mediação, podemos entender que o homem e o meio social constroem-se e transformam-se reciprocamente, de maneira que um possui o outro encarnado em si, sem sê-lo de fato, ou seja, mantendo sua singularidade. Segundo Neves (1997), a tarefa da Psicologia encontra-se justamente neste ponto, na busca do indivíduo em sua singularidade, internalizando e expressando sua condição histórica e social, sua ideologia e relações vividas, e é isso que a Psicologia Sócio-Histórica tenta resgatar em seus estudos e produções teóricas.
A partir dos fundamentos desta vertente teórica pensa-se, assim como Marx, que não existe natureza humana, da mesma forma que não existe uma essência eterna e universal no homem que no decorrer de sua vida se desenvolve e atualiza, fazendo aflorar suas potencialidades e aptidões. Esta concepção de natureza humana está ligada à visão de indivíduo autônomo, independente das relações e das determinações sociais, econômicas e políticas estabelecidas na sociedade em que se encontra inserido. O que existe é a condição humana, na medida em que o homem é um ser ativo, social e histórico.
Sendo assim, conhecer o homem significa situá-lo em um dado momento histórico, desvendar e explicar as determinações sociais que o constroem. A partir do geral, ou seja, da realidade material concreta na qual os indivíduos encontram-se inseridos e mantém relações, e desvendando suas contradições, chega-se ao particular, ao psicológico, e às mediações mantidas entre estas duas instâncias (a realidade concreta e a realidade psicológica). Devido a isso, fica evidente a importância de considerarmos a totalidade na construção e determinação da consciência e significações humanas, e de realizarmos, portanto, um movimento contínuo de retorno à totalidade, como tentativa de esclarecermos e explicarmos tais determinações, ao mesmo tempo em que nos voltamos para o particular, subjetivo, procurando o encontro das significações sociais que constituem a consciência.
Kosik (1976) nos diz que a totalidade significa a realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racional-mente compreendido. Sendo assim, constatamos que "o estudo das partes e dos processos isolados não é suficiente; ao contrário, o problema essencial consiste em 'relações organizadas que resultam da interação dinâmica, fazem com que o comportamento da parte seja diverso, se examinado isoladamente ou no interior de um todo'" (Kosik, 1976:38). Desta forma, ainda utilizando o mesmo autor, afirmamos que a busca do conhecimento dialético da totalidade significa não somente que as partes interagem internamente e com o todo, mas também que o todo não pode ser abstraído deste processo como se fosse situado acima das partes, uma vez que se constitui na interação com elas. Assim, a realidade concreta, o empírico, observável torna-se nosso ponto de partida, mas isto não significa que ele corresponda à essência do fenômeno estudado, uma vez que devemos retornar constantemente à categoria que representaa síntese das múltiplas determinações (ou seja, a totalidade) para tentar desvendá-las e compreender a maneira como foram significadas pelo homem, e assim chegarmos a um momento de sua essência:
"através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população [que nesta análise representa a totalidade, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém, com uma rica totalidade de representações diversas" (Marx, 1984:14).
Exemplificando de uma maneira menos teórica, afirmamos, com base em Neves (1997), que a partir da palavra (signo) podemos buscar explicações da história individual, mas, ao mesmo tempo, dadas as mediações sociais, podemos apreender neste discurso individual aspectos da história social, ideologia, memória coletiva etc. Interessa conhecer a consciência inserida em uma totalidade histórico-social, desvendando suas determinações, sua processualidade, sua contradição dialética, garantindo assim o alcance de sua essência. Contudo, a consciência é uma categoria, um constructo hipotético e, como tal, procura explicitar uma zona da realidade (a organização do pensar, sentir e agir do indivíduo) que não se apreende diretamente, mas através de suas mediações. Sendo a consciência constituída enquanto linguagem, a fala é a sua mediação maior, capaz de expressar sua forma de organização. Portanto, é principalmente através da fala dos sujeitos que a análise pode alcançar a consciência e seu movimento. As falas dos sujeitos expressam suas significações e o sentido que atribuem a suas vivências e experiências. Na análise dos dados, é essencial que estas significações e sentidos subjetivos sejam apreendidos o máximo possível em sua totalidade, a fim de que se possa desvendar o movimento de constituição e transformação do pensar, sentir e agir dos indivíduos.
A partir desta organização dos fenômenos observados, é necessário que, em um movimento dialético, retornemos à realidade concreta enquanto todo, e assim sucessivamente. Cabe dizer ainda, que a totalidade não é assimilada de maneira imediata pêlos sentidos; ao contrário, através de uma relação de mediação com o outro, ela é configurada em realidade psicológica na linguagem pensamentos e emoção. 
Apesar de partimos do que é suscetível aos sentidos, o dado empírico corresponde à aparência do fenômeno que se refere por sua vez, à manifestação externa de um momento da essência ou seja, de sua forma imediata. A essência contém a fonte de desenvolvimento, transformação e contradição do homem, mas uma vez que e produzida social e historicamente, está sujeita a transformações que se dão por intermédio de contradições. Através da apreensão destas contradições também podemos supor formas de conhecer o homem. Disto, concluímos que o ser imediato não corresponde a sua essência, mas a momentos de apresentação desta que poderão sofrer alterações. Conhecer o homem, portanto além de situá-lo em um momento histórico e social, significa também conhecer o movimento, o processo e as contradições de sua essência, ou seja, do empírico pensado. Dado que sua essência é construída historicamente e é, portanto, mutável, o conhecimento produzido acerca do homem nunca será apresentado como uma produção finalizada e estática; ele também é produto de um momento histórico e, portanto, também sofre transformações. Como nos diria Kosik (1976:43), "o sujeito que conhece o mundo, e para o qual o mundo existe como um cosmo ou ordem divina ou totalidade, é sempre um sujeito social; e a atividade que concebe a realidade natural e humano-social e atividade do sujeito social". Assim, da mesma forma que a realidade material (totalidade) sofre transformações, o homem que a conhece e que é estudado por outros homens também se modifica no decorrer de suas experiências e relações estabelecidas entre si e com o meio. Devido a isso, afirmamos que o conhecimento produzido e absoluto — uma vez que corresponde a um momento da essência humana ou a um momento da realidade concreta — ao mesmo tempo em que relativo - já que esta realidade e essência são mutáveis por serem históricas e sociais.
Os princípios aqui apresentados, como proposta para produção do conhecimento na Psicologia Sócio-Histórica, caracterizam uma metodologia qualitativa em detrimento dos procedimentos e orientações quantitativas. Isto não quer dizer que este tipo de dado seja ignorado ou considerado irrelevante. A análise quantitativa é um passo do processo, o qual é importante para permitir a análise qualitativa. Esta análise deve, por isso, ser realizada, mas restringir-se a ela é insuficiente para a garantia de um conhecimento verdadeiro. A análise quantitativa deve ter continuidade com a qualitativa, isto é, com a realização de um pensamento que busque o significado e o sentido destes dados através das reflexões teóricas, das relações com a totalidade, da compreensão de sua processualidade etc.
Rey (1998) caracteriza os processos qualitativos de produção de conhecimento destacando três pontos:
1. Para além de constatar fatos, se constroem idéias, de modo que o empírico é um momento na construção destas. Além disso, a verificação do conhecimento é histórica, uma vez que as teorias não são verificáveis;
2. A singularidade é legitimada na construção do conhecimento e a qualidade está na profundidade e não na magnitude numérica. A construção teórica é essencial neste processo, uma vez que a subjetividade não expressa processos regulares e lineares, inviabilizando medições. Deste modo, os dados que surgem na relação são tão ou mais importantes que aqueles fornecidos por instrumentos;
3. Os processos de produção de conhecimento nas ciências humanas são processos de relacionamento, em que um constrói o outro. O instrumento deve ser uma ferramenta de interação e não uma ferramenta de se obter resposta; ele não produz resultados finais, mas pontos parciais a serem inseridos na construção teórica.
Rey (1997) afirma que na epistemologia qualitativa os métodos são considerados momentos constitutivos em uma relação humana, entre o investigador e o investigado, relação esta que é essencial no que se refere à qualidade do conhecimento produzido.
Para compreendermos as propostas de métodos que se construíram com o intuito de captar o indivíduo situado historicamente e multideterminado, devemos tentar estabelecer uma articulação não somente com estes pressupostos, mas com todo o momento e contexto de questionamento e de tentativa de construção de uma Psicologia Social Crítica, preocupada com sua relevância social. Lane (1984:18) define muito bem a condição implícita nestas considerações e construções metodológicas: "Pesquisador e pesquisado se definem por relações sociais que tanto podem ser reprodutoras como podem ser transformadoras das condições sociais onde ambos se inserem; desta forma, consciente ou não, sempre a pesquisa implica intervenção, ação de uns sobre os outros". Assim, o conhecimento é sempre envolvido em uma práxis: cada momento empírico é refletido e repensado, sendo traçados novos caminhos de investigação, ampliando-se constantemente, desta maneira, a compreensão e o âmbito do conhecimento. Está, portanto, presente a idéia do compromisso ético-político com a realidade e os seres humanos que estão sendo estudados. O conhecimento constitui-se pela produção de uma ação refletida na realidade. Segundo Frigotto (1989:81):
"A teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento efetiva-mente se dá na e pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar".
Se a pesquisa Sócio-Históricaassume este compromisso ético e político com a realidade e os indivíduos no sentido de uma trans-formação, é essencial e fundamental que a análise dos dados considere a ação da pesquisa e do pesquisador no momento de compreender a realidade, o sujeito estudado e o movimento de contradição e transformação de sua consciência, isto é, de seus pensamentos, de seus sentimentos e de suas ações. Uma vez que a pesquisa constitui um espaço intersubjetivo e, portanto, produtor de ressignificações e de transformações, a ação do pesquisador não só deve ser aceita e considerada, como analisada na compreensão e síntese dos dados. Além disso, é importante destacar que ele interage na realidade no momento de produzir os dados e deve, por conta disso, iniciar a análise durante o próprio processo de ação/pesquisa/
intervenção. Este procedimento é essencial tanto para uma coleta de dados mais rica, refletida e eficaz, quanto para uma análise e uma compreensão mais profunda do fenômeno estudado, das consciências dos sujeitos com os quais se está interagindo. Dado isto, um projeto de pesquisa pode sofrer alterações ao longo de sua atuação, à medida que a realidade material e as relações estabelecidas se modificarem.
A partir de práticas realizadas nas comunidades, aponta-se a proposta da Pesquisa-Ação, que ganha cada vez mais um espaço relevante dentro da abordagem. Nesta modalidade de pesquisa, o pesquisador insere-se na realidade ou grupo a ser estudado, com um determinado objetivo ou problema a ser investigado e compreendido. Este passa, então, a trabalhar junto ao grupo, construindo com ele propostas e definindo no processo os passos a serem dados, de acordo com o movimento do próprio grupo, as necessidades sentidas por seus membros etc. Desta maneira, o pesquisador torna-se parte da totalidade, passando a constituir-se, sem dúvida, em uma de suas determinações. Ao mesmo tempo, o conhecimento vai sendo construído a partir do próprio acompanhamento do movimento e do processo que está sendo produzido nesta realidade. É, com certeza, uma proposta fortemente comprometida com uma práxis transformadora, uma vez que é a partir de uma atuação e do desenvolvimento de um trabalho junto aos sujeitos estudados que se procura entender as atividades e consciências individuais que se desenvolvem num contexto social mais amplo. Tal modalidade está, portanto, articulada com a proposição marxista da inter-relação entre teoria e prática na construção do conhecimento científico.
Além desta estratégia metodológica, vêm sendo propostas outras que, muitas vezes, não possuem uma denominação definida e se caracterizam por aspectos peculiares ainda não sistematizados, como uma modalidade ou método de pesquisa dentro da abordagem. Dentro deste conjunto, podem-se citar algumas intervenções realizadas que são utilizadas como procedimento de coleta de dados em pesquisas. Este método diferencia-se da Pesquisa-Ação (Thiollent, 1985) — é a Pesquisa-Participante — porque há um plano de ação/intervenção previamente organizado pelo pesquisador, que o aplica então como uma proposta de intervenção, utilizando a situação e a concretização desta proposta como instrumento para desenvolver sua pesquisa. Contudo, esta prática aproxima-se da Pesquisa-Ação por envolver uma intervenção e, portanto, um compromisso e uma preocupação de transformação da realidade e/ou grupo em questão. Em decorrência disto, a atuação do pesquisador e o projeto desenvolvido devem ser considerados no momento da análise dos dados como parte da totalidade e, portanto, como determinantes da mesma e partes constitutivas de processos de contradição e transformação no fenômeno estudado. Ou seja, a trans-formação produzida pela intervenção deve não só ser considerada, como se caracterizar como parte integrante e essencial da análise realizada. 
Psicologia sócio-histórica: breve consideração sobre intervenção
A Psicologia Sócio-Histórica está diretamente interessada em compreender as atividades do homem vinculadas às significações que irão constituir o psiquismo humano. A partir desta compreensão, sua preocupação se direciona à possibilidade de transformação da atuação e das relações deste ser humano em seu meio.
Para tanto, as propostas de intervenção devem estar preocupadas com a condução de uma reflexão crítica. Dentro desta abordagem, a atuação do psicólogo está comprometida com a promoção de saúde, partindo do princípio que saúde e doença são processos produzidos nas relações sociais. A própria situação de pesquisa e a produção de conhecimento objetivam, sempre, gerar uma práxis transformadora e a promoção de saúde. Neste sentido, o conhecimento será tanto mais eficaz quanto mais transformações quantitativas e qualitativas gerar em seu objeto de estudo.
Desta forma, esta prática envolve a compreensão e atuação junto ao indivíduo a partir de suas relações sociais; o trabalho destas relações de modo a construir uma compreensão sobre elas mesmas e suas transformações, além de procurar oferecer formas de ampliação da consciência sobre a realidade, possibilitando ao sujeito agir no sentido de transformar e resolver suas dificuldades. A promoção de saúde pode ser alcançada na medida em que seja permitida a emergência de conflitos. Estes deverão, então, ser trabalhados de modo a propiciar re-significações capazes de desvendar o essencial encoberto no cotidiano, nas relações sociais, na ideologia. Procura-se, portanto, ampliar a consciência dos indivíduos e propiciar re-significações no sentido de levá-los a conhecer e se apropriar das determinações de seus conflitos, de suas ações, de seus desejos e das dificuldades das relações em que se inserem. Trabalha-se procurando promover nos indivíduos uma ressignificação das experiências vividas, o que acarretará uma compreensão menos ideológica do mundo, a consciência do processo de construção de si mesmo e da realidade material.
A saúde é, assim, entendida enquanto possibilidade de o indivíduo lidar com a realidade e com os obstáculos por ela impostos. Para que este processo ocorra verdadeiramente, cada indivíduo deve ser capaz de fazer uma leitura crítica da realidade, compreendendo as determinações sociais a que está sujeito e que os constitui, a fim de que possa propor caminhos que direcionem sua vida no sentido da realização de uma consciência integrada e de uma práxis transformadora — ou seja, de um homem crítico e um homem de ação. 
Referências bibliográficas 
ANDERY, M. A. A.; SÉRIO, T. M. A. A prática, a história e a construção do conhecimento: Karl Marx. In: ANDERY, M. A. A./ et al. Para compreender a ciência. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1994. 
BANCHS, M.A. Las diferentes caras de la Psicología Social: sus objetos de estudios y sus doctrinas del hombre. Boletim de Psicologia, 1987, v. 24, pp. 217-232. 
CHEPTULIN, A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. 
FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, I. Metodologia de pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. 
KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 
LANE, S. T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção de homem para a Psicologia. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. Psicologia Social - o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LANE, S. T. M. A mediação emocional na constituição do psiquismo. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (orgs.). Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense/Educ, 1995. 
___• Avanços da Psicologia Social na América Latina. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (orgs.). Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense/Educ, 1995. 
____; CAMARGO, D. Contribuição de Vigotski para o estudo das emoções. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (orgs.). Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense/Educ, 1995. 
LURIA, A.R. Pensamento e linguagem — as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Moraes, 1984. 
MARX/ K.; ENGELS, F. A ideologia alemã I. Lisboa:Editorial Presença, 1980. 
MONTEIRO, L. G. M. Objetividade x subjetividade: da crítica à Psicologia à Psicologia Crítica. In: LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (orgs.). Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense-Educ, 1995. 
NEVES, W. M. J. As formas de significação como mediação da consciência: estudo sobre um grupo de professores. São Paulo: PUC-SP. Tese de Doutorado em Psicologia Social, 1997. 
REY, F. G. Epistemología Cualitativa y Subjetividad. São Paulo: Educ, 1997. 
____• "Epistemologia qualitativa: uma proposta para a produção de conhecimento em Psicologia Social". Curso ministrado na Faculdade de Psicologia da PUC/SP, em 11 e 12/05/98. 
RODRIGUES, A. Aplicações da Psicologia Social. Petrópolis: Vozes, 1981. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1985. 
VYGOTSKY/ L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 
___• El Desarrollo de los Procesos Psicológicos Superiores. Barcelona, Ed. Critica, 1979.

Continue navegando