Buscar

Revista sócio poética

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 178 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 178 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 178 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Volume 1 | Número 12 | janeiro a junho de 2014
Universidade Estadual da Paraíba 
Profº Antonio Guedes Rangel Junior
Reitor
Prof. Ethan Pereira Lucena
Vice-Reitor
Editora da Universidade 
Estadual da Paraíba
Diretor
Cidoval Morais de Sousa
Diagramação
Carlos Alberto de Araujo Nacre
Revista do Programa de Pós-Graduação em Literatura e 
Interculturalidade do Departamento de Letras
Direção Geral e Editorial
Luciano Barbosa Justino
Editor deste número
Luciano Barbosa Justino
Conselho Editorial
Alain Vuillemin, UNIVERSITÉ D´ARTOIS 
Alfredo Adolfo Cordiviola, UFPE
Antonio Carlos de Melo Magalhães, UEPB 
Arnaldo Saraiva, UNIVERSÍDADE DE PORTO 
Ermelinda Ferreira Araujo, UFPE
Goiandira F. Ortiz Camargo, UFG
Jean Fisette, UNIVERSITÉ DU QUÉBEC À MONTRÉAL ( UQAM) 
Max Dorsinville, MC GILL UNIVERSITY, MONTRÉAL 
Maximilien Laroche, UNIVERSITÉ LAVAL, QUÉBEC 
Regina Zilberman, PUC-RS 
Rita Olivieri Godet, UNIVERSITÉ DE RENNES II 
Roland Walter, UFPE
Sandra Nitrini, USP 
Saulo Neiva, UNIVERSITÉ BLAISE PASCAL 
Sudha Swarnakar, UEPB 
Coordenadores do Mestrado em Literatura e Interculturalidade 
Antonio Carlos de Melo Magalhães e Luciano Barbosa Justino 
Revisores
Eli Brandão da Silva, Luciano B. Justino,
Sébastien Joachim, Antonio Magalhães
LITERATURA BRASILEIRA
DO NORDESTE
Sociopoética
Volume 1 | Número 12 | janeiro a junho de 2014
Campina Grande - PB
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 5
GRÃOS DE POESIA: SOBRE A LÍRICA DE
LENILDE FREITAS 8
A DESTRUIÇÃO DOS LIVROS, O FIM DA ESCRITA
E A SOCIEDADE HIPERESPETACULAR: 
O FUTURO DA OBRA DE JORGE AMADO 27
PEREIRA DA SILVA E A POÉTICA DO DESALENTO 48
SÍMBOLOS DE NORDESTE NO ROMANCE
A MÁQUINA, DE ADRIANA FALCÃO 71
O ROMANCE “TERRA DE CARUARU”, 
DE JOSÉ CONDÉ: REMINISCÊNCIAS 102
ESSE É O HOMEM, DE W. J. SOLHA: 
UMA ODISSEIA PÓS-MODERNA 
NO ESPAÇO-TEMPO DA CULTURA 121
LITERATURA, O TEMA DO NACIONAL
E DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 
NA OBRA DE JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA 130
A AMAZÔNIA DE ABEL POSSE E 
WILLIAM OSPINA:
UMA VIA DE ACESSO À AMÉRICA 158
APRESENTAÇÃO
LITERATURA BRASILEIRA DO NORDESTE
Luciano Barbosa Justino (PPGLI/UEPB)
O dossiê da Revista Sociopoética que o leitor tem 
em mãos objetiva um olhar contemporâneo sobre o 
que no Programa de Pós-graduação em Literatura e 
Interculturaldiade estamos chamando de Literatura 
Brasileira do Nordeste.
Um olhar contemporâneo que pressupõe dois modos 
de ler e duas buscas pelos objetos que têm o nordeste 
como locus: pelo viés da produção mais recente e pela 
escolha de abordar a tradição a partir de suas demandas 
no presente. 
Objetiva-se articular contribuições acadêmicas e 
resultados de pesquisa que reflitam sobre a pertinência 
de representações identitárias que têm como foco a 
regionalidade, bem como submeter tais representações 
a um diálogo teórico-crítico com as novas configurações 
dos localismos no estágio atual de um capitalismo que 
tanto ameaça pulverizar toda identidade quanto repropõe 
em outras bases as formas tradicionais de pertencimento, 
modo de vida e imagem de si, exigindo novas leituras de 
obras de outrora e aportes metodológicos capazes de 
lidar com as especificidades do narrar o presente.
Em Grãos de poesia: sobre a lírica de Lenilde Freitas, 
José Hélder Pinheiro Alves (UFCG), compreende que a 
poesia de Lenilde Freitas é uma das produções mais 
significativas da lírica contemporânea brasileira. “Com 
nove livros publicados, a poetisa construiu um estilo 
peculiar marcado pela lucidez e pela concisão”. Neste 
artigo, além de apresentar rapidamente a poesia da 
autora paraibana, o autor se detém em alguns poemas 
de um de seus livros mais importantes, Grãos na eira 
(2001), com o objetivo de “apontar o valor desta poesia 
ainda bastante desconhecida do público e da crítica”.
A destruição dos livros, o fim da escrita e a sociedade 
hiperespetacular: o futuro da obra de Jorge Amado, de 
Paula Sperb e João Claudio Arendt (UCS/UNIRITTER) 
tem como objeto a obra de Jorge Amado “considerando a 
problemática da queima de seus livros pelo Estado Novo, 
em 1937, e a relação disso com a destruição de livros 
ao longo da História”, à luz do conceito de sociedade 
do espetáculo de Guy Debord e de hiperespetáculo de 
Juremir Machado da Silva. Os autores se propõem “fazer 
uma reflexão sobre o futuro da obra de Jorge Amado 
e quem serão seus possíveis leitores, delegando à 
remediação um papel fundamental na perpetuação da 
obra amadiana”.
Em Pereira da Silva e a poética do desalento, Geralda 
Medeiros Nóbrega (PPGLI/UEPB) traz a leitura da poesia 
pouco conhecida do poeta simbolista paraibano Pereira 
da Silva, mostrando seu estoicismo e sua emocionalidade 
contida, ocasião em discorre sobre seu modo de inserção 
no contexto da poesia brasileira dos finais do século XIX 
e inícios do século XX.
No artigo A Amazônia de Abel Posse e William Ospina: 
uma via de acesso à américa, Marinete Souza compreende 
a cultura e a literatura amazônicas entendendo-as como 
uma multiplicidade fronteiriça, geográfica e cultural. 
“Trata-se de uma reflexão que aporta modos de pensar a 
literatura da e sobre a Amazônia a partir de uma relação 
entre as cartografias locais e as dos estado-nações ou 
pela sobreposição de cartografias históricas e míticas 
face as políticas”. Símbolos de nordeste no romance “A 
máquina”, de Adriana Falcão, de Mônica Grisi e Roberto 
Henrique Seidel (UNEB), trata, a partir da representação 
simbólica do nordeste feita pela escritora Adriana Falcão, 
“como ocorre a permanência e reiteração de uma ideia 
de região que cada vez mais é cristalizada por intermédio 
de discursos da cultura de massa contemporânea”. 
O romance “Terra de Caruaru”, de José Condé: 
reminiscências, de Edson Tavares Costa (UEPB) centra 
sua atenção na memória individual e coletiva a partir de 
“uma incursão no romance de José Condé, cujo tema 
é a narrativa de acontecimentos ficcionais, embora 
com fundo histórico, de um ano qualquer da década de 
vinte do século passado”, tomando como base teórico-
metodológica Jaques Le Goff, Beatriz Sarlo e Peter Burke.
Em “Esse é o homem”, de W. J. Solha: uma odisseia 
pós-moderna no espaço-tempo da cultura, Expedito 
Ferraz Jr. (UFPB) faz uma análise da obra “Esse é o 
Homem: Tractatus Poetico-philosoficus”, com o objetivo 
de articular as referências ao espaço físico e ao ambiente 
social nordestinos aos “questionamentos comuns à série 
histórico-filosófica da literatura de todos os tempos com 
o seu modo peculiar de lidar com a dicotomia local versus 
universal.”
Em Literatura, o tema do nacional e desenvolvimento 
regional na obra de José Américo de Almeida, Nilvanda 
Dantas Brandão (UEPB), a partir do conceito reflexividade 
de Pierre Bourdieu, “parte da compreensão de que 
o pensamento de José Américo, ao se envolver nas 
discussões sobre o Brasil, põe em evidencia relevantes 
questões sobre a improvável relação de causa e 
efeito entre o desenvolvimento social e econômico e a 
miscigenação”. 
Acredito que os 7 artigos que compõem este 
número, na medida em que articular tradição e 
contemporaneidade, literatura e intermidialidade, hão de 
contribuir relevantemente para os estudos de literatura 
produzida no Nordeste e em relação com outras regiões 
do Brasil e de alhures.
Boa leitura.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 9
<< SUMÁRIO
GRÃOS DE POESIA:
SOBRE A LÍRICA DE
LENILDE FREITAS
 
José Hélder Pinheiro Alves - UFCG 1∗
RESUMO: No âmbito da lírica feminina produzida no Brasil desde o final do 
século XX até o presente, a poesia de LenildeFreitas é uma das produções mais 
significativas. Com nove livros publicados, a poetisa construiu um estilo peculiar 
marcado pela lucidez e concisão. Neste artigo, além de apresentar rapidamente 
a poesia da autora paraibana, nos deteremos em alguns poemas de um de seus 
livros mais importantes, Grãos na eira (2001). Nosso objetivo é apontar o valor 
desta poesia ainda bastante desconhecida do público e da crítica.
Palavras-chave: Lenilde Freitas. Lírica feminina. Poesia contemporânea.
ABSTRACT: Regarding the female lyric poetry produced in Brazil since the 
end of the twentieth century to the present, the poetry of Lenilde Freitas is one 
of the most significant productions. With nine books published, the poetess 
has built a unique style marked by clarity and conciseness. In this article, in 
addition to briefly presenting her poetry, we will focus on some poems of one 
of her most important books, Grains on the Threshing-floor. Our goal is to point 
out the value of this poetry which is still quite unknown to the public and critics.
Keywords: Lenilde Freitas. Female lyrics. Contemporary poetry.
1 ∗ José Hélder Pinheiro Alves tem doutorado em Literatura brasileira (USP). 
É professor de Literatura brasileira, literatura popular na UFCG, onde atua no 
Mestrado em Linguagem e ensino. Realiza e orienta pesquisas voltadas para 
o ensino de literatura e a poesia lírica de poetisas brasileiras.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201410
<< SUMÁRIO
Introdução 
Instante 
Um olhar a menos
e não seria possível
ver no amarelos dos cajus
- trapezistas balançando
na lembrança – 
o ouro esporádico
da vida. 
(Lenilde Freitas, (Grãos na eira)
 O leitor que escolheu conhecer a poesia brasileira 
a partir de importantes antologias publicadas ao longo 
do século XX e início do século XXI poderá sair com a 
impressão de que a nossa língua, neste lado do Equador, 
não teve expressão significativa na voz feminina. Se a 
consulta foi realizada em obras como Antologia da poesia 
brasileira da fase colonial, organizada por Sérgio Buarque 
de Holanda (1979), Antologia dos poetas brasileiros – 
fase romântica e Antologia dos poetas brasileiros – fase 
parnasiana, ambas organizadas por Manuel Bandeira 
(1949 e 1967), esse leitor teria acesso apenas ao nome 
de Francisca Júlia, poetisa classificada como parnasiana. 
Na importante obra Panorama do movimento simbolista 
brasileiro, de Andrade Muricy (1973), dentre os 131 
autores arrolados, duas poetisas são citadas: Gilka 
Machado e Cecília Meireles. À parte o problema de associar 
as duas poetisas ao simbolismo, há que se reconhecer o 
avanço de trazer Gilka acompanhada de uma pequena 
antologia. Já no que se refere à poesia moderna, 
destaquemos três grandes antologias: a primeira, 
Poesia moderna, organizada por Péricles Eugênio da 
Silva Ramos (1967), recobre o período que vai de 1922 
até a Poesia Práxis. Nela comparecem apenas Cecília 
Meireles e Henriqueta Lisboa. A Antologia da Moderna 
Poesia Brasileira, organizada por Fernando Ferreira de 
Loanda (1967), inicia com Manoel Bandeira e termina 
com Afonso Felix. Estão fora autores como Oswaldo de 
Andrade e todos os concretistas. A terceira antologia que 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 11
<< SUMÁRIO
recobre toda nossa poesia moderna é o volume Poesia do 
Modernismo, organizado por Mário da Silva Brito (1968). 
A seleção de Brito traz um número maior de autores, 
mas também nela só encontramos Cecília Meireles e 
Henriqueta Lisboa. Nas três ficam fora nomes como Gilka 
Machado, Lila Ripol, Stella Leonardos, para citarmos 
entre as que estrearam até a década de quarenta2. 
Pode-se argumentar que os referidos antologistas não 
conheceram as inúmeras revisões canônicas realizadas 
por pesquisadores e pesquisadoras, sobretudo voltadas 
para a produção feminina nas últimas décadas do século 
XX. No entanto, se consultarmos antologias mais 
recentes, como Cinco séculos de poesia, organizada 
por Frederico Barbosa (2000), nem sequer o nome de 
Francisca Júlia comparece. E se observarmos dezenas de 
antologias contemporâneas, embora a presença da voz 
lírica feminina compareça, ela vem sempre em número 
inferior à voz lírica masculina3. O reflexo desta espécie de 
apagamento se reflete nos Livros didáticos responsáveis 
pelo principal acesso à poesia pelo leitor em formação.
 
Esta rápida contextualização do lugar (ou não lugar) da voz lírica 
feminina em nossas antologias é reveladora do quanto ainda a 
poesia produzida por mulheres tem pouca visibilidade. Insistimos 
neste fato uma vez que quem acompanha a produção poética das 
mulheres, sobretudo a partir da segunda metade do século XX e 
neste início do século XXI, vai encontrar obras de grande valor e 
quase totalmente desconhecidas. 
 
Foi a percepção desta discrepância que nos estimulou a pesquisar 
2 Para uma visão panorâmica da poesia feminina da colonização à década de 
1950, consulte-se Silva (1951). Veja-se também o estudo de Paixão (1991) 
que, além de elencar poetisas esquecidas pelo cânone, traz estudos inéditos 
sobre Narcisa Amálise, Júlia Cortines e Gilka Machado.
3 O leitor contemporâneo tem acesso a uma grande diversidade de antologias, 
que por autores, por estilos de época e por décadas. Exceto as organizadas 
apenas com poetisas, as demais trazem sempre um número muito reduzido 
de lírica feminina. Das contemporâneas, destaque para a coleção Roteiro da 
Poesia Brasileira, da Editora Global. Lenilde Freitas comparece no volume 
Roteiro da poesia brasileira anos 80, organizado por Ricardo Vieira Lima 
(2010)
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201412
<< SUMÁRIO
outras vozes de nossa lírica feminina, sobretudo a partir do século 
XX, uma vez que nos inquietava a percepção deste apagamento, 
inclusive no âmbito da crítica literária.
 
Uma de nossas importantes descobertas foi a obra de 
Lenilde Freitas4, poetisa paraibana, de Campina Grande, 
radicada em Recife. Apresentaremos neste artigo uma 
rápida visão da obra da poetisa, com destaque, ao final, 
para o livro Grãos na eira, publicado em 2001.
Visão da obra
Lenilde Freitas lançou em 1987 seus dois primeiros 
livros de poemas: Desvios e Esboço de Eva. A repercussão 
da crítica e de leitores parece ter sido mínima, embora 
a segunda obra trouxesse uma apresentação pela crítica 
Adélia Bezerra de Menezes e um posfácio assinado por 
Fábio Lucas.
 
Desvios apresenta alguns traços que serão depurados 
ao logo de quase trinta anos de poesia, como o uso do 
verso livre e curto, a quase ausência de rimas, e, no 
plano temático, um caráter sempre reflexivo, atento 
ao tempo e seus (des)mandos. A poetisa recolhe, sem 
sentimentalismo, vivências amorosas às vezes doídas, 
situações, reflexões, observações sobre o cotidiano, tudo 
de modo sempre contido. Dois poemas podem servir 
de apetite para leitura da obra. O primeiro é “Outro 
mundo”, que dá conta de uma consciência lúcida, com 
uma abordagem de viés existencial. 
4 A autora nasceu em Campina Grande, Paraíba. Mestra em Teoria da 
Literatura pela UFPE. Fez pós-graduação em Literatura Brasileira na FAFIRE, 
onde licenciou-se em Letras, em 1977. Na Escola de Sociologia e Política de 
São Paulo – USP, concluiu o curso de Biblioteconomia e Documentação. É 
poeta e tradutora. Fez traduções para o Jornal Folha de São Paulo; Revista 
Escrita; Revista Caliban, e outras. Foi agraciada com alguns prêmios, como 
“Prêmio Emílio Moura de Poesia” (MG), “Augusto dos Anjos” (PB), “Prêmio 
Pasárgada” (SP) e o “Nestlé de Poesia” (SP)
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 13
<< SUMÁRIO
Outro mundo
Dentro do mundo existe um mundo
semelhante a uma teia
suspensa na atmosfera
do nada que nos rodeia. (p. 17)
O segundo, “Canção quase elegíaca”, cujas imagensrelativas à separação trazem um fechamento que remete 
à dor, à fragmentação do eu, articula-se a toda uma 
tradição lírica de fundo melancólico. O eu lírico não nega 
a dor, no entanto, não cede ao descomedimento, ao 
sentimentalismo.
Canção quase elegíaca
Quando você foi embora
por becos de nuvem e vento,
os pés presos entre ramagens
à tona do anoitecer
por onde escoou o momento
de iniciação dos seus passos;
errante de outras margens,
todo fechado em meu ser
o sol se pôs em pedaços. (p. 34)
 A contenção lírica, anunciada nesta obra de estreia, 
terá momentos de grande realização ao longo de seu 
processo criador.
 Dois aspectos importantes se destacam, à primeira 
vista, em Esboço de Eva: o diálogo com a tradição 
literária judaico-cristã e a referência ao poema “Esboço 
de uma serpente” (“Ebouche d´un Serpent”) de Paul 
Valery. Por um lado o livro “põe em xeque a condição 
feminina marcada pela submissão imposta, apontando 
na construção de outra identidade para mulher” (ALVES, 
2011, p. 22); por outro, revela-se como uma resposta ao 
poeta francês, afirmando outra perspectiva – não mais 
tão racionalista. Conforme afirmou Menezes (1987) na 
“Apresentação” do livro, o “poema desdobra aos olhos 
do leitor a experiência auroral da mulher como ser de 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201414
<< SUMÁRIO
desejo”. A quarta estrofe do livro ostenta a consciência 
de sua condição, mas também de suas possibilidades:
 À semelhança fui feita
 e, como as estrelas, na unidade
 desfeita.
 Herdei a fragilidade
 daquele em quem sopraram vida –
 eu, parte dela dividida.
 Feita de barro que sou,
 habitam em mim seres famintos,
 pronta pra queda estou:
 Deslizo em seus labirintos.
 Dois anos após a estreia, a poetisa publica seu 
terceiro livro, Cercanias (1989). Permanece a tendência 
do poema curto, do registro lírico-reflexivo de grande 
síntese iniciado no primeiro livro. Como afirma Elisa 
Guimarães em pequeno comentário na orelha do livro, 
“Lenilde Freitas constrói com raro equilíbrio estético uma 
poesia a um tempo extremamente simples e lucidamente 
profunda”. Esta lucidez pode ser observada no poema 
“Folha”: 
Basta o balanço de uma folha
para me deixar pensativa
a ouvir o vento
que sempre chamou por mim.
Revejo o velho farol
podando a cidade com sua espada,
depois o pensamento voa baixo
e se espatifa na calçada.” (p. 27)
 A partir desta obra o verso livre passa a conviver, 
de modo bastante expressivo, com a presença de rimas 
(internas e externas), construindo ritmos e musicalidades 
singulares.
O quarto livro de poemas de Lenilde Freitas, 
Espaço Neutro (1991), foi agraciado com um prêmio 
da 5ª. Bienal Nestlê de Literatura, o que resultou numa 
publicação por uma editora de circulação mais ampla. O 
livro dá continuidade ao caráter reflexivo e imagético de 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 15
<< SUMÁRIO
sua poesia e incorpora procedimentos das vanguardas 
estéticas modernas no que se refere à distribuição gráfica 
dos versos e palavras na folha. O livro não é dividido 
em estrofes tradicionais. Cada página traz percepções, 
revelações e sugestões que vão sendo registradas, 
podendo, às vezes, ter uma continuidade na página 
seguinte. Trata-se de um poema construído em ritmos 
mais distendidos, marcado por diferentes tons. Sobre a 
obra afirmou o poeta Marcos Accioly: “O espaço neutro 
(entre dois tempos ou entre dois espaços) é o presente 
onde – nele – o poeta ora está no futuro, ora no passado. 
Porém, o que Lenilde Freitas quer é preencher, de passado 
e futuro, este presente, enchendo a naturalidade do hoje 
– seu vácuo ou seu vazio – de ontem e amanhã.” (Orelha 
do livro) Como se pode observar no poema abaixo, a 
pontuação é também bastante livre na obra:
... porque aberta toda porta é viagem
Rio que se faz no ar
Aragem
porque aberta toda porta é lençol
mapa de fogo
desdobrado sobre o mar
 sol
porque aberta toda porta é abrigo
grão semeado no olhar 
trigo (p. 9)
Tributos é o quinto livro de poemas da autora e veio a público 
em 1994, numa edição muito bem cuidada pelo selo Giordano. 
Trata-se de um livro revelador da sólida formação da poetisa. Mais 
de 40 poemas dialogam, como o título sugere, com importantes 
poetas, poetisas, escritores e obras literárias do ocidente. O livro 
se abre para as mais diversas abordagens, uma vez que cada 
poema toca, de modo sutil, algo marcante da obra/autor referida. 
Veja-se, a título de exemplo, a pequena quadra “A Santa Teresa 
de Ávila”:
Quase imperceptível
Uma folhinha no canto do muro.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201416
<< SUMÁRIO
Nela, os olhos de Deus
E os meus se encontram. (p. 75)
O sexto livro da poetisa é Grãos na eira (2001), 
a nosso ver o ponto alto de sua trajetória, conforme 
veremos mais detidamente a seguir. 
Ela publicou ainda A casa encantada (2009), cuja capa 
e ilustração enganosamente fazem pensar em poemas 
para crianças. De fato, os motivos são recolhidos do 
mundo infantil. Alguns temas também reforçam esta volta 
à infância, como “Rapunzel”, “João e Maria”, “Infância”, 
“Príncipe encantado” e “Cantiga de roda”, dentre outros. 
Um aspecto formal que se destaca e, pode-se dizer, 
predomina neste livro é a utilização da redondilha maior 
e de estrofes de quatro versos. Talvez seja este o livro 
da poetisa mais próximo da poesia popular. O primeiro 
poema do livro, “Cartilha”, de viés metalinguístico, é um 
convite à leitura – mas das “entrelinhas”:
A palavra está gasta
a forma demais usada
escrevo então quase nada.
Que a lembrança dos meus gestos
ou a nitidez das letrinhas
façam com que possas ler
o que dizem as entrelinhas. (p. 9)
Em 2010 veio a público uma importante antologia 
de sua obra denominada A corsa no campo. A seleta é 
dividida em nove temas com poemas de livros e épocas 
diferentes. O livro traz um dos melhores estudos sobre 
sua obra, assinado pelo professor Lourival Holanda. Para 
o crítico pernambucano, “Lenilde, como boa parte dos 
melhores poetas contemporâneos, investe na imagem e 
no ritmo. Ela sente aí seu terreno e sabe que o lírico 
dispensa o argumentativo, que o arrazoado lhe é estanho.” 
(HOLANDA, 2010, p. 16)
 
A poetisa tem ainda inédito os seguintes livros: Além 
da fronteira, A parte que me toca, Dobrando a esquina, O 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 17
<< SUMÁRIO
gemido das águas, Arquivo secreto, No vale das sombras 
/ Pórticos antigos5. 
Grãos na eira é uma imagem de caráter rural - um 
espaço de terra usado para secar cereais e outras tarefas 
afins. Lido metaforicamente pode-se pensar como 
imagem da poesia que se espalha nos mais diversos 
espaços. A poesia, o grão que está pronto para o consumo 
ou em estado de depuração. O livro, portanto, seria essa 
poesia-grão que se apresenta para ser recolhido nos 
mais diversos espaços, situações, reflexões. 
A obra se inicia com um poema de caráter 
metalinguístico, denominado “As palavras”. 
A palavra
essa rédia
me governa.
A palavra
essa lâmina
me reparte.
Ai de mim
que sou tantas
e tão sem arte
é a que em chão de silabas
se prosterna.
Ai de mim
que sou tantas 
a procurar-te
palavra
que não és
e és eterna. (p. 9)
 Chama a atenção as metáforas utilizadas para 
definir a palavra (“rédea” e “lâmina”) sugerindo algo 
corpóreo. O poema se constitui numa poética uma vez 
que indica tanto os procedimentos de que a poetisa lança 
mão quanto as dificuldades na busca da expressão. Este 
viés de expressão metalinguística foi bastante explorado 
na poesia moderna e tem em poemas como “O lutador”, 
de Carlos Drummond de Andrade, uma das melhores 
5 Soubemos da existência destas obras pela própria autora que está 
preparando uma edição de toda sua poesia e queterá como título Campo 
lavrado. A edição está prevista para 2015.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201418
<< SUMÁRIO
realizações. Construído em versos curtos, o poema de 
Lenilde Freitas parece figurar em sua construção visual a 
própria imagem de um instrumento cortante, penetrante. 
O sujeito lírico se define como “tantas/e tão sem arte” 
e esta diversidade se revela profícua na procura da 
palavra. O poema de caráter metalinguístico pode ser 
lido também como revelador da produção de quem o 
enuncia. Uma questão a ser colocada seria: de que 
modo estas inquietações postas no poema se revelam 
no contexto da obra da poetisa e, mais especificamente, 
no livro em questão? 
Um segundo poema que conserva a mesma 
perspectiva metalinguística de “A palavra” é “Momento”. 
Agora a poetisa nos coloca diante da possibilidade de 
percepção da poesia, muitas vezes tão próxima e tão 
imperceptível. Passemos ao poema:
Momento
A poesia se aproxima
marca sua presença
ou esteve sempre aqui
como sinal de nascença? (p. 9)
Está posto o lugar da poesia e sua percepção. A 
pergunta do segundo dístico nos inquieta uma vez que 
põe em xeque a visão de que a poesia é algo difícil, 
ou distante de nosso cotidiano. A perspectiva da poetisa 
pode ser também o da criação, mas antes da criação, 
há a percepção, a vivência, a educação dos sentidos, a 
luta com as palavras. Do ponto de vista da construção 
“momento” revela um caráter epigramático, aspecto já 
apontado por Lourival Holanda. Sobretudo em Grãos na 
eira somos colocados diante de poemas que captam a 
instantaneidade das vivências através de imagens.
Um terceiro poema que de algum modo se liga 
aos anteriormente citados, embora seu eixo não seja a 
reflexão metalinguística, é 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 19
<< SUMÁRIO
Alimento
As margaridas
estão em toda parte.
Quarenta vezes por segundo
bateram as asas do beija-flor.
A tarde, ao meu dispor,
urde as sombra no telhado.
Desatento um homem passa
e nada vê.
Todas as portas gemerão
se, desse sustento,
meu coração for despojado. (p. 35)
A primeira questão que poderá ser levantada é: de 
que natureza é esta alimentação? A primeira estrofe é 
basicamente visual. A imagem das margaridas e do beija-
flor, cunhadas da natureza, foram acionadas de modo 
curioso. Primeiro a associação entre flor e pássaro, remete 
ao título. Um alimenta o outro, mas também é por ele 
alimentado, polemizado. Importante também observar a 
construção do terceiro e quarto verso. Trata-se de uma 
informação expressa de modo singular. A informação é: 
as asas do beija-flor batem quarenta vezes por segundo. 
Certamente não se consegue contar, a olho nu, estas 
batidas. O tempo verbal é responsável por esse “desvio” 
significativo. O caráter visual permanece na segunda 
estrofe, agora com mais um toque pessoal: “a tarde a 
meu dispor” – imagem curiosa, que sujeita a natureza 
à vontade do eu lírico. A terceira estrofe oferece uma 
ponte com o poema “Momento”, afinal, todo o encanto 
que o eu lírico recolhe, parece não chamar a atenção do 
homem que passa “desatento”. Lá o eu lírico afirmara 
que a poesia “esteve sempre aqui”. mais A última estrofe 
traz um fechamento que justifica o título: as margaridas, 
o beija-flor, a sombra no telhado, enfim, a natureza 
em suas nuances, em seu tempo peculiar parece ser o 
alimento do eu lírico. Sua ausência causará imensa dor: 
“Todas as portas gemerão” se o coração do eu lírico “for 
despojado” desse sustento.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201420
<< SUMÁRIO
O poema coloca o leitor diante de uma das funções 
da poesia: trata-se de uma arte que, lançando mão das 
palavras, coloca o ser humano diante de uma suspensão; 
nas palavras de Jakbson (1978), “A poesia é o que nos 
protege contra a automatização, contra a ferrugem que 
ameaça a nossa fórmula do amor e do ódio, da revolta e 
da reconciliação, da fé e da negação.” (p. 177)
Vários poemas do livro se voltam para imagens 
cunhadas da natureza, como se pode observar a seguir: 
“Crepuscular”, em que retoma “as acácias/ cálidas/ onde 
a tarde bebe/ o vinho mais puro” (p. 15); “O jambeiro” 
em se refere aos “Raios de sol/ infiltram-se/ por entre 
as folhas do jambeiro” (p. 24); “Vínculos” em que a 
imagem da mangueira é retomada: “Olho a mangueira: 
definha sua raiz/ vínculos de vida ou morte com o chão” 
(p. 29) e, para não nos estendermos, o poema “Anônimo 
espetáculo” que traz a imagem dos cajus: “E, já maduros 
de sol,/ os cajus balançam/ ao ritmo da folha/ seu ouro 
vivo.” (p. 30) Estas e inúmeras outras imagens dão conta 
da ligação da poetisa com o nordeste, mas não se trata 
de uma opção a priori como se pode observar em muitos 
poetas. Aqui a natureza oferece um conjunto de imagens 
que são captadas ora como fonte de reflexão, ora pelo 
encantamento que provoca, ora pelas duas coisas. 
Acompanhemos agora um outro poema, de caráter 
mais narrativo. Um mote de discussão e leitura seria 
a condição feminina. A voz feminina se coloca aqui de 
modo especial, conforme poderemos observar:
A mulher do pescador
Escamava os peixes
quando sentiu seu corpo
ser privado da luz
por um vulto opaco
que se acercava.
Deus cria a noite
quando ele chega
- pensa – certa do que
a repugna:
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 21
<< SUMÁRIO
 os dias mofados
 as paredes salobras
 as guelras sangrentas 
 os anzóis oxidados.
 E a voz, a voz
 salina, seca
 golpes de martelo. (p. 35)
Trata-se de um poema em que o motivo externo 
é predominante. No entanto, a percepção do eu lírico 
recolhe o drama da mulher, sobretudo sua solidão. Na 
primeira estrofe, a mulher, em seu trabalho cotidiano, é 
revelada também em sua interioridade de insatisfação: 
privação “da luz”, “vulto opaco”, “a noite” que “repugna”. 
Na segunda, a enumeração de substantivos adjetivados. 
A adjetivação é por demais significativa. Dias, paredes, 
guelras, anzóis, voz – tudo acompanhado de epítetos com 
carga semântica negativa, que dão conta da condição 
feminina. A imagem final – “golpes de martelo” - parece 
caracterizar a condição da “mulher do pescador”. 
O próximo poema traz um destes milagres expressivos 
da poesia lírica. O fenômeno da identificação do eu lírico, 
do projetar-se de modo complexo no objeto exterior 
para melhor assimilá-lo se dá de modo esteticamente 
perfeito. Vejamos:
Identidade
Além da identidade do canto
nas horas serenas,
o que mais me assemelha
a um pássaro
é este renovar de penas. (p.60)
 A palavra “identidade” conota inúmeros sentidos 
possíveis. Tomemo-la pensando no contexto lírico em 
que foi colocada. Lembram-nos os teóricos que uma das 
marcas da poesia lírica está no fato de elidir sujeito x 
objeto (ROSENFELD, 1997). Há, de fato, na lírica, uma 
única realidade que foi consubstanciada pelo eu lírico. A 
identidade com o pássaro já está, a priori, e por um viés 
sublime – no canto. Pássaro e poetisa são seres cantantes. 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201422
<< SUMÁRIO
Por si só esta já seria uma identidade de alto grau de 
conotação. Mas a semelhança vai mais além, alcança 
outra dimensão. “(...) este renovar de penas” assume um 
sabor mítico, de renovação. Mas as palavras escondem 
quase sempre sentidos, associações inesperadas. 
“Penas” também pode conotar dores, apontar para os 
sofrimentos que se renovam também. Por outro lado, 
uma vertente não exclui outros. Poderíamos juntá-las 
numa dialética perspectiva que agrega renovação e dor, 
dimensão fundamentais da condição humana.
 Inúmeros poemas deste e de outros livros poderiam 
ser retomados e comentados, embora a melhor 
experiência seja degustar cada verso, cavalgar cada 
ritmo, se projetar na novidade de cada imagem.E é o 
que esperamos ter proporcionado ao leitor.
Considerações finais
 
 Se pensarmos no contexto mais amplo da poesia 
contemporânea, viés importante para uma abordagem 
da obra da poetisa, observaremos que ela dialoga com 
tendências estéticas diversas, buscando uma síntese 
pessoal. Segundo Fernandes e Silva (2008, p. 161/162), 
“Na poesia contemporânea não há espaço para críticas 
que se apoiam em falsas dicotomias, do tipo forma versus 
conteúdo, ou (...) entre técnica e expressividade, ou entre 
tradição e ruptura. Os opostos se combinam, renovando 
a tradição da modernidade ou dela se afastando”.
 
Numa de suas inúmeras e agudas reflexões sobre 
a poesia, Octavio Paz (1982, p. 234) afirma: “O poema 
é uma obra sempre inacabada, sempre disposta a ser 
completada e vivida por um novo leitor.” A afirmação 
dialoga com vários postulados da Estética da recepção, 
sobretudo com o conceito de “vazio” formulado por Iser 
(1999). Embora o teórico alemão esteja refletindo sobre 
a recepção do texto ficcional, é possível deslocar, com 
certos cuidados, para a recepção da poesia, algumas de 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 23
<< SUMÁRIO
suas formulações.
 
Diante da obra de um poeta ou poetisa, ou mesmo 
diante de alguns poucos poemas, o leitor vai construindo 
sua leitura, vai aguçando suas percepções e formulando, 
paulatinamente, um olhar particular sobre os textos lidos. 
Este percurso de todo leitor, também o percurso do crítico 
que tem como diferencial a necessidade profissional de 
formular suas percepções e apresentá-las aos leitores. E 
por que o faz? De nossa perspectiva o gesto crítico tem 
como função precípua instigar o leitor para o encontro 
com o texto literário. Não necessariamente para formular 
uma teoria – afinal pouquíssimas pessoas são capazes de 
fazê-lo -, menos ainda, aplicar teorias aos textos lidos, de 
modo chapado – ação que pode reduzir o poema a uma 
perspectiva e, portanto, limitando sua multissignificação.
 Nossa rápida apresentação da poesia de Lenilde 
Freitas almeja apenas isto: dar a conhecer a obra de uma 
poetisa que consegue, no dizer de Octavio Paz (1982, p. 
233), consagrar “sempre uma experiência histórica, que 
pode ser pessoal, social ou ambas as coisas ao mesmo 
tempo.” E ao experimentarmos esta leitura somos levados 
“a repetir, a recriar seu poema, a nomear aquilo que ele 
nomeia; e ao fazê-lo, revela-nos o que somos.” (PAZ, 
1982, p. 233) 
 
Encerramos nosso diálogo com o leitor (re)
conduzindo-o ao poema, fonte maior de nosso interesse. 
E esperando que o leitor do texto crítico abandone o 
artigo o mais rapidamente possível e se entregue ao 
gesto fundamental de leitura do poema. Simbolicamente, 
vamos saindo do texto e entrado na poesia, partilhando 
um silêncio por demais expressivo:
Expressando o silêncio
A nitidez da vida
Me atravessa.
Tão dolorosa clareza
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201424
<< SUMÁRIO
Transpõe o lado
Onde o tempo inexiste.
Espreito pelas frestas possíveis:
Galos cocoricam, pisoteiam os sonhos.
Raios mordiscam as paredes porosas das manhãs,
Arbustos encardem.
Resultância de bruma e lucidez
Os olhos ardem. 
(Grãos na eira, p. 63)
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 25
<< SUMÁRIO
REFERÊNCIAS
ALVES, J. H. Pinheiro. A condição feminina em Esboço de Eva, de 
Lenilde Freitas. Letras em Revista, Teresina, UEPI, v. 02, nº 02, 
jul/dez. 2011. 
BANDEIRA, Manuel (org). Antologia dos poetas brasileiros: fase 
romântica. Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1940. 
BANDEIRA, Manuel (org). Antologia dos poetas brasileiros: fase 
parnasiana. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1972.
BARBOSA, Frederico. Cinco séculos de poesia: antologia da poesia 
brasileira clássica. São Paulo: Editora Aquariana, 2011.
BARBOSA, Frederico & DANIEL, Cláudio (org). Na virada do século. 
São Paulo: Landy Editora, 2002.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6ª. ed São Paulo: 
Companhia das Letras, 2000.
BRITO, Mario da Silva. Poesia do modernismo. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira: 1968.
BUENO, Alexei (org). Pré-Modernismo. Paulo: Global, 2007. 
(Coleção Roteiro da poesia da poesia brasileira)
COHEN, Jean. Estrutura da linguagem poética. Trad. Álvaro 
Lorencini e Anne Arnichand. São Paulo: Cultrix/ Editora da 
Universidade de São Paulo, 1974.
FERNANDES, Maria L. Outeiro, SILVA, Paulo C. Andrade da. Entre a 
técnica e a expressão: conflitos da poesia brasileira contemporânea. 
In: PIRES, Antônio Donizete, FERNANDES, Maria L. Outeiro (org) 
Modernidade lírica: construção e legado. São Paulo: Cultura 
Acadêmica Editora, 2008. (Série Estudos Literários, 08)
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Antologia dos poetas brasileiros da 
Fase Colonial. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201426
<< SUMÁRIO
ISER. Wolfgang. O ato de ler: uma teoria do efeito estético. Trad. 
J. Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999.
JAKBSON, Roman. O que é poesia. In: TOLEDO, Dionísio. (org) 
Circulo Linguístico de Praga: estruturalismo e semiologia. Trad. 
Dinísio Toledo, Zênia de Faria e Reasylvia Toledo. Porto Alegre: 
Editora Globo, 1978.
LOANDA, Fernando Ferreira de. Antologia da moderna poesia 
brasileira. Edições Orfeu, 1967.
MURICY, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 
2ª ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/ INSTITUTO 
NACIONAL DO LIVRO, 1973 (2 vol.)
PAIXÃO, Sylvia. A fala a menos: repressão do desejo na poesia 
feminina. Rio de Janeiro: NUMEM Editora, 1991.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. 2ª. Trad. Olga. Savary. Rio de Janeiro: 
Nova Fronteira, 1982.
PINTO, Manuel da Costa (org). Antologia comentada da poesia 
brasileira do século XXI . São Paulo: Publifolha, 2006.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org). Poesia Moderna. São 
Paulo: Melhoramentos, 1967.
ROSENFELD, Anatol. A teoria dos gêneros. In: O teatro épico. São 
Paulo: Perspectiva, 1997.
SILVA, Domingos C. da. Vozes femininas da poesia brasileira. São 
Paulo: Conselho Estadual de Cultura/ Comissão de Literatura, 
1959.
SILVA RAMOS, Péricles Eugênio (org). Poesia Moderna. São Paulo: 
Melhoramentos, 1967.
Obras de Lenilde Freiras
FREITAS, Lenilde. Desvios. São Paulo: Scortecci Editora, 1987.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 27
<< SUMÁRIO
________. Esboço de eva. Porto Alegre: RK Editores, 1987.
________. Tributos. São Paulo: Giordano, 1994.
________. Cercanias. São Paulo: Scortecci Editora, 1989.
________. Espaço neutro. São Paulo: Estação Liberdade: Fundação 
Nestlé de Cultura, 1991.
________. Grãos na eira. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
________. A casa encantada. São Paulo: Scortecci Editora, 2009.
________. A corsa no campo: coletânea de poemas. Recife: 
Editora da Autora, 2010. 
 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201428
<< SUMÁRIO
A DESTRUIÇÃO DOS LIVROS,
O FIM DA ESCRITA E A SOCIEDADE
HIPERESPETACULAR: 
O FUTURO DA OBRA DE JORGE AMADO
Paula Sperb1*
João Claudio Arendt2**
Neste mesmo momento, quando você lê estas linhas, 
pelo menos um livro está desaparecendo para sempre.
(Fernando Báez)
Onde queimam livros, acabam queimando homens.
(Heinrich Heine)
RESUMO: No presente ensaio, objetivamos refletir sobre a obra do escritor 
brasileiro Jorge Amado considerando a problemática da queima de seus livros 
pelo Estado Novo, em 1937, e a relação disso com a destruição de livros ao longo 
da História (BÁEZ, 2006). Também procuramos entender como as mudanças 
modernas entendidas como sociedade do espetáculo (DEBORD, 1998) e do 
hiperespetáculo (SILVA, 2012) podem interferir na função e usos do livro e sua 
respectiva influência na cultura escrita, entendida como técnica. Considerandouma possível diminuição do público leitor, propomo-nos a fazer uma reflexão 
sobre o futuro da obra de Jorge Amado e quem serão seus possíveis leitores, 
delegando à remediação um papel fundamental na perpetuação da obra 
amadiana.
PALAVRAS-CHAVE: Jorge Amado. Leitura. Literatura. Livro.
ABSTRACT: This paper aims to reflect about the work of the brazilian writer 
Jorge Amado considering the problem of burning his books by the “Estado Novo” 
policy in 1937. We also want to discuss the relationship between the bondfire of 
books and the destruction of books throughout history (Baez, 2006). Another 
goal is to understand how modern changes, seen as spectacle society (Debord, 
1998) and “hiperespetáculo” (Silva, 2012) may interfere in the uses of book 
and their respective influence in the written culture . Considering a possible 
reading decrease, we propose to make a reflection about Jorge Amado’s future 
works. We seek to understand who will be his potential reader in the future.
KEYWORDS: Jorge Amado. Reading. Literature. Book. 
1 * Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade pela Universidade de Caxias 
do Sul; aluna no Programa de Doutorado em Letras, Associação Ampla UCS/
Uniritter.
2 ** Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras, 
Cultura e Regionalidade e do Programa de Doutorado em Leitura e Linguagens, 
Associação Ampla UCS/UniRitter. Diretor da revista eletrônica Antares: 
Letras e Humanidades. Ex-bolsista CAPES para Estágio Pós-doutoral na Freie 
Universität Berlin, sob a supervisão da Profa. Dra. Ligia Chiappini.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 29
<< SUMÁRIO
1. A fogueira do Estado Novo incendeia os livros 
de Jorge Amado
 
A fumaça subia alcançando o olfato até de quem 
passava pela parte alta da cidade de Salvador. Vinda de 
uma pequena praça na Avenida Contorno, em frente à 
antiga Escola de Aprendizes de Marinheiro, o odor de 
papel queimado e a cor cinza da fumaça indicavam que 
livros estavam sendo incinerados por ordem do Estado 
Novo, instituído apenas nove dias antes. No calendário, 
a data era 19 de novembro de 1937, mas a notícia em 
forma de ata oficial foi apenas divulgada, no jornal O 
Estado da Bahia, em 17 de dezembro de 19373. Foram 
queimados 1.694 livros de Jorge Amado, todos de edições 
novas usurpadas de três livrarias: Editora Baiana, Catilina 
e Souza. Ao fogo, foram atirados 808 exemplares de 
Capitães da Areia (lançado no ano anterior quando Jorge 
Amado se encontrava na prisão acusado, mesmo antes 
do Estado Novo, de ligação com a intentona comunista), 
267 de Jubiabá, 223 de Mar Morto, 214 de País do 
Carnaval, 93 de Suor, e 89 de Cacau.
Além dos livros de Jorge Amado, alimentaram 
a fogueira 72 livros do escritor José Lins do Rego: 26 
exemplares de Pureza, 15 de Doidinho, 14 de Menino de 
Engenho, 13 de Bangüê, e 4 de Moleque Ricardo, conforme 
ata publicada no jornal. O motivo para esses livros terem 
sido escolhidos pela repressão, segundo a manchete do 
periódico, era serem “considerados propagandistas do 
credo vermelho”. Mas, se a principal razão da escolha 
dos títulos era a ligação com o comunismo – embora José 
Lins do Rego não fosse comunista –, por que também 
não queimaram livros de outros comunistas, como 
Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz? Duarte, que faz 
esta interrogação, busca uma possível resposta: 
Voltando à ata da fogueira, vê-se que ela revela uma 
3 Ver Anexo I.
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201430
<< SUMÁRIO
verdade estatística e impõe a pergunta: por que Jorge 
Amado? Por que não os também comunistas Graciliano 
Ramos e Rachel de Queiroz? A resposta está na simples 
constatação dos números: para 4 volumes de Moleque 
Ricardo foram queimados 267 exemplares de Jubiabá, 
publicado no mesmo ano; ou ainda, para 26 de Pureza, 
incineraram-se 808 de Capitães da Areia ou 223 de Mar 
Morto. A propósito deste último, cabe a indagação: o que 
pode haver de subversivo ou de comunista na história de 
Guma e Lívia? A ata deixa visível o reconhecimento do 
poder de sedução e da força comunicadora da narrativa 
amadiana, da mesma forma que atesta o volume de sua 
receptividade junto ao público (DUARTE, 2002).
 
Podemos nos aproximar de uma possível resposta 
para a escolha dos livros de Jorge Amado para a fogueira. 
Certamente, o escritor não foi alvo apenas por estar 
vinculado ao comunismo – ele foi eleito Deputado Federal 
pelo PCB e participou da Constituinte de 1946 –, mas 
também pela sua alta circulação, como demonstram os 
números de exemplares nas livrarias, e pela recepção 
entre a massa de leitores. Todavia, a popularidade não 
daria conta, sozinha, de justificar a escolha, ou teríamos 
diversos outros livros de autores distintos queimados. 
Entra em jogo aqui, provavelmente, a temática das obras: 
os livros queimados tratam da camada mais explorada da 
sociedade, inclusive as narrativas do não-comunista José 
Lins do Rego. No caso desse autor, não seria o “credo 
vermelho” explícito que o teria levado à fogueira, mas a 
realidade social abordada nos enredos. 
 Quanto a Jorge Amado, a temática “subversiva” dobra 
as justificativas para a destruição das obras. Vejamos: 
Capitães de Areia fala sobre menores abandonados, 
infratores e moradores de rua em Salvador; Jubiabá 
narra a história de um herói negro e capoeirista que se 
transforma em líder sindical; Mar Morto conta – e canta 
– o amor de Guma e Lívia, mostrando a realidade dos 
trabalhadores do mar; País do Carnaval, assim como em 
alguns romances de José Lins do Rego, o personagem 
principal é um desiludido filho de fazendeiro; Suor revela 
a miséria da população urbana de Salvador e a utopia 
de um líder sindical; e Cacau mostra a perversidade do 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 31
<< SUMÁRIO
sistema de exploração dos trabalhadores. 
 
Todos os livros queimados de Jorge Amado, alguns 
mais e outros menos, têm a marca da denúncia social 
e o objetivo utópico de igualdade entre os humanos. 
Seria, então, a mensagem do livro que ameaçava as 
forças do Estado Novo? Por esse entendimento, somado-
se a significativa circulação dos escritos, as mensagens 
idealistas colocariam em risco a ditadura de Getúlio Vargas. 
Este parece um ponto crucial para compreendermos a 
queima de livros. Talvez mais do que a própria camada 
de leitores, quem mais delegava poder subversivo às 
obras era o próprio regime repressor. Provavelmente o 
leitor que entrasse em uma das três livrarias atacadas 
pelo aparelho ditatorial não escolhesse um livro de Jorge 
Amado porque ele era comunista. Aliás, provavelmente 
se afastasse da obra, dados o perigo iminente causado 
pelos “vermelhos” e o – persistente – preconceito contra 
a literatura engajada. Arriscamos a dizer que o que 
levava os leitores às obras de Jorge Amado eram tanto 
a sua profunda ligação com o povo e a identificação com 
a sociedade “tal qual ela é”, quanto o prazer de ler uma 
história bem contada. Portanto, quem mais enxergava 
perigo nos livros era o Estado. 
Vejamos o lado positivo – se é que ele existe – de o 
governo atacar e queimar livros: os responsáveis pelas 
táticas de repressão identificavam na leitura o potencial 
emancipador do indivíduo e libertador da consciência. 
Nesse aspecto, nós (os libertários das Letras) e os 
censores concordamos: o hábito da leitura é subversivo. 
Mas, claramente, discordamos sobre o destino que deve 
ser dado ao livro. De um lado, os biblioclastas; de outro, 
os defensores da escrita e da leitura como ferramentas 
para o desenvolvimento humano. Julgamos que a tática 
da queima de livros, com a expectativa de que os leitores 
não mais tivessem acesso ao seu conteúdo, era um tanto 
ingênua – talvez fruto de mentes que pouco ou nada 
liam, porque não se tratavam de livros raros, mas de 
SocioPoética- Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201432
<< SUMÁRIO
livros comercializados e já reeditados. Se antes o leitor 
buscava um romance qualquer, agora buscaria o proibido 
– um marketing espontâneo oferecido pelo Estado Novo 
para os escritores perseguidos. Ou seja, no final das 
contas, o resultado desejado pela Comissão de Busca e 
Apreensão de Livros (nomeada pela Comissão Executora 
do Estado de Guerra) seria exatamente o oposto do 
planejado. 
 Outro aspecto que chama atenção é Capitães da 
areia ter sido a obra com mais exemplares queimados. 
O que motivaria essa diferença em relação aos outros 
livros queimados de Jorge Amado? Para Duarte (2002), 
a razão seria a denúncia social sobre os garotos 
moradores de rua de Salvador. Mas nós acrescentaríamos 
que o fato de o livro ser um lançamento impulsionaria 
o número de exemplares distribuídos pela editora 
e, consequentemente, à disposição para venda nas 
livrarias. Recordando, foram 808 exemplares queimados 
somente desta obra. O livro de José Lins do Rego com 
mais exemplares jogados na fogueira foi Pureza (26 
exemplares), igualmente um lançamento – o que reforça 
nosso argumento. De qualquer maneira, a circulação está 
vinculada à recepção. Significa que quanto mais lido, 
mais perigoso e, portanto, alvo prioritário da Comissão 
de Busca e Apreensão de Livros.
 A fogueira constitui uma forma violenta e simbólica 
de destruir um livro, porém a censura tomava diversas 
formas institucionalmente aceitas. Nesse mesmo período, 
os livros de Jorge Amado foram proibidos em bibliotecas 
e escolas, sem contar a censura prévia exigida e sempre 
negada pelo autor, apoiado na causa pelo amigo Erico 
Verissimo, também opositor da leitura prévia dos órgãos 
oficiais com fins de censura. É o que se lê no depoimento 
a seguir: 
E, mesmo depois da fogueira, o romance dos pivetes de 
Salvador continuou no índex dos textos malditos para 
o Estado Novo. Alceu Amoroso Lima dá conta de que, 
no ano seguinte ao da incineração dos 808 exemplares, 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 33
<< SUMÁRIO
a censura a Jorge Amado persistia. Ouçamo-lo: “Em 
1938, quando meu saudoso amigo Henrique de Toledo 
Dodsworth me convidou para Reitor da Universidade do 
Distrito Federal, deu-me expressamente carta branca. 
Assim que tive oportunidade, como Reitor, de dar uma 
lista de livros para nossa biblioteca, incluí entre eles Ca-
pitães da Areia, de Jorge Amado. Dodsworth me comu-
nicou então que o Secretário de Educação, o nosso caro 
Paulo Assis Ribeiro, não admitia que comprássemos ‘li-
vros comunistas’” (declaração de Alceu Amoroso Lima ao 
Jornal do Brasil de 15 de abril de 1977. DUARTE, 2002).
2. A destruição dos livros ao longo da História
 
Desde o surgimento do livro e sua evolução, temos 
conhecimento da simultânea destruição de registros 
escritos. Livros são destruídos de maneiras díspares e por 
razões variáveis. Podem ser danificados intencionalmente 
ou por acaso. Podem ser abandonados ou perdidos. 
E podem simplesmente ser deteriorados pelo tempo 
de modo irrecuperável. Até hoje, o ser humano não 
desenvolveu um livro à prova de destruição. Mesmo 
trancado em um cofre com nenhum acesso humano, o livro 
como o conhecemos, se autodestruiria com a passagem 
dos séculos e em contato com o oxigênio e micro-
organismos. Cremos que o problema da deterioração 
natural de um livro sequer seja o que nos preocupa. 
Isso porque, mesmo que a desintegração natural de um 
livro seja prejudicial ao patrimônio humano, o que nos 
instiga a fazer a reflexão sobre o assunto é a destruição 
intencional de um pelo biblioclasta. 
 São 55 séculos de destruição de livros, ao longo 
dos quais surgiram “centenas de narrações históricas so-
bre a origem do livro e das bibliotecas, mas não existe 
uma única história sobre sua destruição. Não é uma au-
sência suspeita”? (BÁEZ, 2006:21). Responderíamos ao 
pesquisador venezuelano que sim, que é uma ausência 
suspeita. Mas, na maioria das vezes, o silêncio é um dis-
curso mais significativo do que o enunciado, já que, se-
gundo a sabedoria popular, “quem cala consente”. Con-
forme Báez (2006), aproximadamente 60% dos casos 
de destruições de livros são causados pelo homem. As 
demais situações seriam por catástrofes naturais, desa-
parecimento, deterioração natural. Em 2010, Fernando 
Báez faria a abertura do Seminário Internacional de Lite-
ratura e Leitura em Caxias do Sul - RS. Sua participação, 
no entanto, foi cancelada na última hora por problemas 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201434
<< SUMÁRIO
de agenda. O evento era promovido pela Biblioteca Mu-
nicipal de Caxias do Sul, e o convidado de honra sequer 
poderia imaginar que a mesma Biblioteca que o convi-
dou para palestrar destrói livros. Esse fato certamente 
causaria horror ao estudioso que teve como motivação 
inicial para seu objeto de pesquisa uma experiência pes-
soal. Báez assistiu durante sua infância a Biblioteca Pú-
blica de São Félix, na Venezuela, ser destruída. O local 
era especial para o garoto, porque ali passava as tardes 
enquanto sua mãe trabalhava: 
Essa felicidade foi interrompida bruscamente, porque o 
rio Caroni, um dos afluentes do Orinoco, cresceu sem 
aviso prévio e inundou a cidade, levando consigo os pa-
péis que constituíam o motivo de minha curiosidade. 
Acabou com todos os volumes. Dessa forma fiquei sem 
refúgio e perdi parte da minha infância na pequena bi-
blioteca, completamente arrasada pelas águas escuras 
(BÁEZ, 2006: 20).
 
Traumatizado pela inundação, o autor ainda 
presenciou seus colegas de escola queimarem os livros 
didáticos num final de ano letivo. Uma sequência de 
diferentes outros fatos levaram-no a ficar obcecado pelo 
tema, o que resultou em uma investigação de fôlego sobre 
a história da destruição dos livros, a qual não contempla, 
é claro, os livros descartados da Biblioteca Municipal 
de Caxias do Sul, mas que fazem parte do contexto de 
desapego aos livros. Em maio de 2011, foram solicitados 
livros antigos – porém não raros – à Biblioteca de Caxias 
para a produção de uma fotografia para um jornal. 
Gentis, as funcionárias do local cederam diversos livros 
velhos e não exigiram devolução: eles seriam destruídos 
em breve porque não tinham mais utilidade. Os títulos 
não eram literários, mas técnicos. Porém, a atitude é 
representativa de uma mentalidade que não consegue 
preservar seu passado, sempre disposta a apagá-lo para 
dar lugar ao novo. Quantos livros já foram destruídos no 
local desde então? E nas demais bibliotecas da cidade, 
do estado, do país? Esse é um exemplo de destruição por 
negligência, muito mais perigoso do que a destruição por 
causa natural, mas menos perigoso do que a que se faz 
de livros pela mensagem que carregam. 
 Báez (2006:24) defende a posição de que o livro 
não é destruído como objeto físico, mas como “vínculo 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 35
<< SUMÁRIO
de memória”. Para o autor, o vínculo estreito entre livro 
e memória faz com que os livros tenham papel essencial 
na construção do patrimônio cultural de uma sociedade. 
Como apagar a memória de uma comunidade, então? 
Aliás, por que apagar uma memória coletiva? Esses 
questionamentos nos levam a pensar sobre o uso e 
o senso utilitarista de quem ordena a destruição de 
bibliotecas. Concordamos com Báez a respeito da 
destruição do livro pelo que ele representa, não pelo 
que é. Um livro é queimado não por ser um objeto 
retangular, um conjunto de páginas de papel presas em 
uma lombada, adornado por uma capa de identificação. 
Um livro é queimado pela mensagem que carrega e pelo 
potencial que a mensagem desencadeia quando chega 
até seu receptor, o leitor. Não é à toa que governos, de 
diferentes partidos e em diferentes esferas (municipal, 
estaduale federal), têm uma verdadeira obsessão pelo 
controle da imprensa, dos livros de não-ficção – ou os de 
ficção com denúncia social, das biografias e – agora com 
muito mais dificuldade – da opinião individual escrita em 
perfis na internet. Para Báez,
Um livro é destruído com a intenção de aniquilar a me-
mória que encerra, isto é, o patrimônio de ideias de uma 
cultura inteira. Faz-se a destruição contra tudo o que se 
considera ameaça, direta ou indireta a um valor consi-
derado superior. O livro não é destruído por ser odiado 
como objeto. A parte material só pode ser associada ao 
livro numa dimensão circunstancial: a princípio foi uma 
tableta entre os sumérios, um osso entre os chineses, 
uma pedra, um pedaço de couro, uma prancha de bronze 
ou de ferro, um papiro, um códice, um papel e, agora, 
um CD ou um complicado dispositivo eletrônico (BÁEZ, 
2006: 25).
 A ideia central de que o livro em papel constitui 
apenas um suporte é essencial para a reflexão que estamos 
propondo. Desde que os livros eram placas de barro com 
escrita cuneiforme, eles já eram destruídos. Mas não 
eram incendiados, é claro. As tabuletas eram quebradas, 
impossibilitando a leitura; e até molhadas, “apagando” o 
conteúdo escrito. As demais formas conhecidas, já com 
papel ou material semelhante, desenvolveram-se assim 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201436
<< SUMÁRIO
como as fogueiras que as destruíam. Não nos parece 
uma coincidência que o local do surgimento do livro, 
a Suméria, tenha sido o palco para a maior destruição 
recente de obras raras e patrimônio histórico tombado: 
a região do atual Iraque. Em 2003, os bombardeios 
americanos e os saques de milícias locais levaram à ruína 
o acervo das bibliotecas de Bagdá. Não foi o ódio aos 
papiros históricos que desembocou na sua destruição, 
mas a intenção de “aniquilamento de memória” de que 
nos fala Báez (2006). 
 
Os 1.694 livros de Jorge Amado4 não foram queimados 
porque eram feios, velhos, mofados, com traças ou porque 
perderam sua utilidade. Tampouco foram queimados 
por estudantes ao final do ano letivo, ou pela própria 
editora desfazendo-se dos seus worst sellers, ou por 
uma biblioteca com finalidade de ganhar mais espaço 
nas suas estantes. Os livros de Jorge Amado não foram 
destruídos por serem objetos, mas porque transmitiam 
uma mensagem oposta ao do regime getulista. Como 
diz Báez (2006), destrói-se o que se considera uma 
ameaça a algo que não deve ser atingido. Por essa lógica, 
fazem sentido também a tortura e mortes causadas pela 
ditadura no Brasil. Não só a mensagem era destruída, 
mas igualmente os seus mensageiros. 
Em 1937, os livros de Jorge Amado eram de papel e 
foram queimados. Algumas décadas depois, em 1997, os 
livros poderiam ser em formato de CD, e ser quebrados 
ou riscados. Mais recentemente, os livros poderiam ser 
digitais, os e-books, acessados por computador, notebook, 
4 Báez (2006) enumera diversos escritores que foram perseguidos ao 
longo da história, como James Hanley, Mario Vargas Llosa, Taslima Nasrim e 
cita, entre eles, Jorge Amado. O pesquisador arredonda o número de livros 
queimados e comete um equívoco ao afirmar que todos exemplares queimados 
foram de uma obra apenas. A lista com os livros queimados consta no início 
deste trabalho. “O terceiro autor é o marxista Jorge Amado, autor de Dona 
Flor e seus dois maridos. Mil e setecentos exemplares de um romance seu 
foram queimados por ordem direta do ditador Getúlio Vargas” (BÁEZ, 2006: 
264). 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 37
<< SUMÁRIO
smartphones e tablets. Nessa situação hipotética, como 
a Comissão de Busca e Apreensão de Livros de Getúlio 
Vargas faria para destruir os livros de Jorge Amado, 
lembrando que o alvo era o conteúdo e o alcance? Báez 
(2006) acredita que, mesmo no formato digital, livros 
podem ser destruídos por hackers. Mas o pesquisador 
ignora, nessa situação, algumas peculiaridades técnicas 
que impediriam o sumiço dos livros no meio digital. 
Mesmo um ataque hacker, se o alvo fosse uma biblioteca 
digital ou uma livraria virtual, não poderia eliminar todos 
os “exemplares”. Isso porque milhares de usuários 
espalhados teriam o arquivo em seus dispositivos, 
tornando impossível a tarefa de eliminação completa. 
 Esse raciocínio nos faz chegar a um ponto 
crucial deste ensaio. Os livros sofreram 55 séculos de 
destruição, boa parte causada intencionalmente para 
aniquilar o conteúdo que carregavam. Estaríamos 
agora, com os livros digitais, perto do fim da ditadura 
dos biblioclastas? Diferentemente do Estado Novo, que 
tinha o poder para invadir livrarias, roubar e queimar 
os livros antes que chegassem às mãos dos leitores, os 
poderes institucionalizados não têm hoje condições de 
mapear todos os arquivos considerados indesejáveis e 
apagá-los. Como destruir uma sequência de zeros e uns 
(a programação da linguagem virtual) por trás de tudo 
que vemos, ouvimos e lemos em um computador? Um 
arquivo, depois de compartilhado, pode ser copiado e 
repassado milhares de vezes, impossibilitando a “caça 
às bruxas”. Não estamos sequer avaliando o potencial de 
democratização do patrimônio cultural da humanidade, 
como propõe o Projeto Gutenberg5, que possui a biblioteca 
digital mais antiga do mundo, fundada em 1971, a partir 
do trabalho voluntário de pessoas espalhadas ao redor 
do globo que digitalizam obras de domínio público e as 
disponibilizam para download. Em 2001, foi publicado o 
5 Disponível em: <http://www.gutenberg.org/>. Acesso em: 20 de 
fevereiro de 2014. 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201438
<< SUMÁRIO
primeiro livro brasileiro pelo projeto. O eleito foi Lendas 
do Sul, de João Simões Lopes Neto. 
 Retornando ao nosso tópico central, perguntamos: 
a destruição dos livros estaria perto do fim?
3. O hiperespetáculo, o fim da escrita e do livro
 
Com as tecnologias digitais, a história da destruição 
dos livros poderia chegar aos seus últimos capítulos. 
Entretanto, alguns diagnósticos são mais pessimistas 
em relação ao futuro do livro. Não porque os livros 
digitais não têm cheiro de papel, páginas com anotações 
e marcações pessoais, rubrica do proprietário na folha 
de rosto etc., mas porque as tecnologias – que não são 
neutras como afirmava Heidegger (apud SILVA, 2012) – 
conduziriam ao fim da escrita. Ora, sem escrita não há 
leitura; sem ambas não há livro, independentemente do 
suporte. 
 
A decadência da sociedade letrada ou, melhor dizendo, 
o declínio da importância do livro passa a ser tratado 
como um sintoma das relações de consumo de cultura 
em 1967, através dos postulados do filósofo francês Guy 
Debord (1998). Marxista, Debord enxergava a cultura 
como mais uma mercadoria, uma forma de dominação 
nas relações econômicas que regiam o consumo. Debord 
é o autor da máxima “o que aparece é bom, o que é bom 
aparece”6. Na sua teoria, que antecipou uma série de 
fenômenos modernos das décadas seguintes, o espetáculo 
é entendido como as relações pessoais e institucionais 
dadas através da mediação. Na balança, pesa muito 
mais a mediação do que as relações propriamente ditas. 
O que importa e tem relevância é o que aparece, o 
6 O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutível 
e inacessível. Não diz nada além de “o que aparece é bom, o que é bom 
aparece”. A atitude que por princípio ele exige é a da aceitação passiva 
que, de fato, ela já obteve por seu modo de aparecer sem réplica, por seu 
monopólio da aparência (DEBORD, 1998:16,17).
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 39
<< SUMÁRIO
que é mediado. O espetáculo ocorre quando a imagem 
prevalece sobre conteúdo, valores, história. Trata-se da 
embalagem, não do que está dentro dela. 
 Na sociedade do espetáculo,como preconizou 
Debord (1998), parecer é muito mais importante do que 
ser. O que está em jogo é a imagem, como as coisas/
pessoas/produtos parecem ser. Sem mediação, há 
apenas um vazio existencial. Se (a)parece, existe; se 
(a)parece, é bom. Uma lógica que só tem sucesso por 
causa da passividade, pois, como afirma o filósofo, se 
algo aparece, já está subentendido que é bom; e, se é 
bom, vai aparecer. O raciocínio cíclico só tem sucesso 
porque é passivamente aceito. Não se questiona o que 
está aparecendo – ou sendo mediado –, porque está 
pressuposto que já passou pelas instâncias legitimadoras. 
Se aparece, já tem o selo de qualidade e a garantia. 
 
Na sociedade do espetáculo, a maior força 
legitimadora é a imagem (DEBORD, 1998). Por isso, 
afirmamos que é nesse momento que inicia de modo mais 
sistemático o declínio do livro. Afinal, qual é o espaço 
do conhecimento – apreendido e repassado pela forma 
escrita do livro – em uma sociedade que não precisa da 
educação formal como legitimação? Por que dedicar a 
mais-valia já usurpada para a leitura de um livro, se na 
prática o cidadão não precisa ser inteligente, mas parecer 
inteligente? Não é necessário ler, mas parecer que leu. Em 
uma sociedade de aparências, qual espaço tem o livro? 
Não afirmamos radicalmente que o livro não tem nenhum 
espaço na sociedade do espetáculo, mas que ele perde 
sua influência como legitimador e até hierarquizador. 
O livro, que possui sua própria cadeia produtiva, não 
escapa da máxima “o que é bom aparece, se aparece 
é bom”. O livro que simplesmente não aparecer será 
imediatamente compreendido pelo senso comum como 
um livro ruim. Se o lançamento literário não emplacou 
na primeira página do suplemento cultural dominical, é 
porque ele é ruim, e não porque há uma rede de relações 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201440
<< SUMÁRIO
prévias (normalmente econômicas) que determinam o 
que aparecerá. Essa é a lógica do senso comum passivo 
que concorda que o que é bom aparece. As consequências 
desse sistema de aparências são prejudiciais à literatura, 
uma vez que o que determina o que aparece raramente é 
a qualidade da produção, mas o quanto ela pode parecer 
ser boa. Poderíamos refletir mais sobre este tópico, mas 
voltemos ao que tange à questão do livro.
 
Como dissemos, na sociedade do espetáculo, o que 
importa são as aparências, a embalagem, a capa do 
livro – não o que está dentro dele. Esse funcionamento 
da cultura como mercadoria mediada se acentua à 
medida que os meios de comunicação de massa são 
potencializados com as tecnologias digitais. A internet 
muda o paradigma e bagunça o funcionamento dos 
meios tradicionais de massa (televisão e rádio, que 
não exigem leitura) tirando a concentração do emissor. 
Significa que qualquer um se transforma em emissor. 
Tudo pode ser dito a qualquer momento por qualquer 
um. Elevadas a níveis extremos, essas condições farão 
a migração da sociedade do espetáculo para a sociedade 
do hiperespetáculo (SILVA, 2012). 
 Se na sociedade do espetáculo a força legitimadora 
provém da imagem, na sociedade do hiperespetáculo a 
legitimação surge da superexposição. Se na sociedade 
do espetáculo o importante era a embalagem e não 
o conteúdo, na sociedade do hiperespetáculo o que 
importa é o rótulo. O aforismo de Guy Debord continua 
vigente, mas potencializado. Nas relações da sociedade 
hiperespetacular, o livro perde qualquer legitimação que 
lhe restava. A leitura, a escrita e os livros são apenas 
para provocar fastio. A leitura dos clássicos já não 
se faz necessária em uma sociedade que se organiza 
hierarquicamente a partir das aparências. Assim, “a 
sociedade medíocre, no seu presente hiperespetacular, 
liquida os grandes do passado com dois epitáfios 
igualmente incontornáveis: chatos ou clássicos” (SILVA, 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 41
<< SUMÁRIO
2012:33). Aliás, chatos e clássicos são tidos praticamente 
como sinônimos e usados, quando muito, como distinção 
social por parte daqueles que não querem ser identificados 
como integrantes da sociedade do hiperespetáculo. Para 
Silva, 
A leitura desses clássicos chatos é feita, em geral, por 
três categorias: aqueles que buscam um efeito de erudi-
ção (especialistas, intelectuais e afetados), aqueles que 
buscam um efeito de distinção (todos os que se sentem 
mais elevados fazendo a defesa de uma alta cultura de-
sastrosamente perdida) e aqueles que precisam passar 
por um concurso ou num exame de admissão a algum 
doutorado. Raramente essa leitura é feita por prazer. 
Dificilmente é uma leitura desinteressada, uma fruição 
pela fruição. 
Boa parte dessa cultura louvada, mas pouco consumida, 
serve cada vez mais para efeitos de seleção. Como num 
reality show em que será eliminado aquele que não sou-
ber com quem a celebridade do momento está casada 
ou não conseguir pular amarelinha sem pisar na risca, o 
conhecimento dos clássicos serve para separar, hierar-
quizar, etiquetar, agrupar e atribuir valor social (SILVA, 
2012:33).
 
 A comparação de Silva (2012) com um reality show 
não ocorre ao acaso. O programa televisivo é o ápice 
da superexposição. Não é preciso ser nada, fazer nada 
ou saber nada para obter notoriedade. Basta aparecer. 
Quem aparecer mais, ganhará. Não temos conhecimento 
de nenhum participante do deplorável Big Brother Brasil 
que ocupasse seu tempo ocioso lendo um livro – qualquer 
que fosse. E, se assim o fizesse, talvez fosse o primeiro 
a ser eliminado pelo público na votação. 
 Nesse contexto, o livro enquanto objeto guardaria 
em si um vestígio de outra época, conforme Silva (2012). 
Mas, para o mesmo autor, o livro como suporte de 
arquivo de memórias já não é necessário na sociedade 
do hiperespetáculo. Tampouco a escrita teria importância 
perante o monopólio e a preferência pela imagem. Para 
Silva, 
A sociedade moderna consagrou-se com a (im)prensa. 
Foi, por excelência a época do livro – inclusive no cristia-
nismo reformado, multiplicando o que era de uso espe-
cializado nas religiões do passado –, a era do texto. A so-
ciedade espetacular entronizou a imagem. A passagem 
ao hiperespetacular surge com o fim da necessidade do 
livro e do texto como meio de comunicação e dispositivo 
de memória. Mesmo se tudo já pode ser dito, transmiti-
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201442
<< SUMÁRIO
do e memorizado em áudio e imagem, o livro escrito não 
acabou na época do áudio-livro e das memórias artifi-
ciais. Continua como um vestígio, um rastro investigado 
por uma nova disciplina, a rastreabilidade ou ‘traçabili-
dade’ literária, sucessora da genética. Quando a escri-
ta chega ao seu fim como necessidade técnica, o 
texto e o livro entram na fase arqueológica, cacos 
de um passado revolucionário revoluto. A literatura 
impressa mergulha na ficção, uma autoficção científica 
ao gosto dos espíritos nostálgicos sem futuro (SILVA, 
2012: 48,49, grifos nossos).
 
As tecnologias permitem que toda mensagem, 
conhecimento e memória não precisem do código escrito 
para serem emitidas. O áudio e a imagem substituiriam a 
escrita em sua função meramente técnica, superando-a 
como todas as técnicas um dia são superadas. Um 
exemplo cotidiano é a mensagem escrita enviada por 
celular, conhecida como SMS. Através do aplicativo 
WhatsApp e do próprio Facebook, as mensagens são 
gravadas em voz, não mais escritas. A mãe da co-autora 
deste ensaio enviou uma mensagem para seu neto, 
não alfabetizado, através do celular. O neto recebeu a 
mensagem e a compreendeu porque o código era falado, 
graças à tecnologia. A avó tem 54 anos, o neto tem quase 
3. Esse é apenas um exemplo, talvez ingênuo, de como 
a tecnologia inclusive incentiva que se desvie da escrita 
(“demorada, chata, formal”) para fins de comunicação.Isso não significa que os livros desaparecerão por 
completo, mas, como acredita Silva (2012), poderão 
se tornar um vestígio, assim como são hoje em dia os 
papiros:
Um tempo começa a morrer quando seus pilares são 
tecnologicamente superados, o que o torna, obviamen-
te, prescindíveis e mais onerosos. O jornal em papel, 
o livro impresso e, salto no abismo, até mesmo a 
escrita já não são mais necessários. Continuam, 
porém, a ser socialmente necessários em muitos 
lugares. Imprimir tornou-se expressão de desperdício. 
É antiecológico, demorado, embora cada vez mais rápi-
do, e caro. Exige armazenamento e transporte físico. A 
informação chega inutilmente atrasada. O paradoxo da 
passagem ao hiperespetacular é soar como uma ironia: 
quanto mais atrasada e pobre for uma sociedade, maior 
será a sua dependência em relação a esses meios tec-
nologicamente superados, o jornal de texto, o livro e a 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 43
<< SUMÁRIO
escrita. A escrita, que já foi uma marca das civilizações 
avançadas, será, em breve, um sinal de atraso típico 
das culturas em déficit de tecnologias de som e imagem 
(SILVA, 2012:49,50, grifos nossos).
 
Como bem explica Silva (2012), a sociedade 
hiperespetacular é paradoxal. Nesse contexto, a 
possibilidade de vida cultural sem escrita e sem papel 
é uma realidade. Para o autor, ainda, o excesso de 
tecnologia nos faz voltar às origens, ou seja, às culturas 
orais e não escritas: 
A associação entre escrita e papel representou, de fato o 
mais poderoso sistema de hierarquia social de todos os 
tempos. Mesmo em sociedades de papel barato, como 
as atuais, o custo de impressão permanece como um 
limite e um fator de exclusão. Esse é o poder que mor-
reu. O intelectual era o sacerdote da escrita e do papel. 
O seu prestígio vinha também ou acima de tudo de ser 
publicado. Se hoje todos podem ser publicados to-
dos podem se publicar, todos podem ser intelectu-
ais, raros serão os que terão reconhecimento pelo 
que publicam. Nada de novo no front. Mais uma vez, 
o intelectual morre. Desta vez, por falta de papel. Daí, 
paradoxalmente, essa nostalgia dos intelectuais em re-
lação ao papel. Essa ladainha sobre cheiro, textura, afe-
tos, cor. Se ainda persiste o preconceito com o virtual, é 
preciso lembrar com Harold Innis que o papel enfrentou 
forte preconceito em determinado momento por ser um 
produto judeu ou árabe. Cada época com as suas resis-
tências e as suas estratégias fatais. A escrita e o papel 
são duas invenções recentes fadadas, como tantas 
outras, a passar pelo ciclo nascimento, crescimen-
to, apogeu e declínio. Estamos no hiperespetacu-
lar, a possibilidade concreta da vida cultural plena 
sem escrita e sem papel. 
(...)
Se o sistema de hierarquia social da escrita e do papel 
baseava-se no poder de publicar, uma nova hierarquia 
terá de basear-se no publicado. Se a hierarquia do papel, 
obviamente, tinha o poder de censurar, censura legitima-
da como efeito de qualidade, uma nova hierarquia teria 
de inventar um poder de distinção. No mundo virtual 
a censura é virtualmente impossível. Não pode, ao 
menos, acontecer de forma velada ou dissimula-
da: falta de espaço, inadequação à linha editorial, pouca 
qualidade (SILVA, 2012:86,87, grifos da Autora).
 Percebe-se, lendo esse longo trecho, que temos 
mais um paradoxo diante de nós. Se, na sociedade do 
espetáculo, a regra determina que o que está aparecendo 
é automaticamente considerado bom (já passou por uma 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201444
<< SUMÁRIO
seleção prévia), na sociedade hiperespetacular, tudo e 
todos têm iguais condições de aparecer no meio digital 
cada vez mais predominante. Quando todos publicam, 
fica cada vez mais difícil selecionar (a partir de critérios 
arbitrários, como todos o são) o que possui qualidade ou 
não. Em última instância, quando tudo pode aparecer, 
nada aparece. Quando o bom e o ruim aparecem, na 
verdade, nenhum aparece. 
 
Qual o espaço do livro em uma sociedade que não 
precisará ler nem escrever para se comunicar? Restariam 
ao livro somente o papel de objeto de pesquisa para uma 
minoria acadêmica e a função de hierarquizar a sociedade. 
Talvez nem esta função hierarquizante restasse, pois, é 
possível ser tudo sem saber nada. 
4. Considerações finais: remediação e o futuro 
da obra de Jorge Amado
 As contextualizações feitas neste ensaio servem 
de subsídio para realizar uma reflexão sobre o futuro 
do livro e da escrita, é claro, mas mais especificamente 
sobre o futuro da obra do escritor Jorge Amado. Alguns 
questionamentos nos moveram ao longo do texto: quem 
lerá sua obra no futuro? Por que seus livros serão lidos? 
Que importância o escritor terá para os leitores?
 Como pudemos ver, Jorge Amado é um autor que 
desde o início de sua carreira foi perseguido. Inicialmente, 
pelo caráter de denúncia de suas obras; depois pela sua 
filiação ao PCB; e, mais recentemente, pela sua suposta 
baixa qualidade literária. A questão do cânone é relevante 
para refletirmos sobre o futuro da obra de Jorge Amado, 
pois, como nos mostra Alves (2001), o autor baiano só não 
foi excluído do cânone porque aparece nas histórias da 
literatura. Mas o modo negativo com que aparece nesses 
trabalhos pode excluí-lo futuramente. Isso porque, por 
exemplo, se um estudante deparar-se com a crítica de 
Alfredo Bosi (ALVES, 2001), que afirma que a literatura 
de Jorge Amado satisfará “ao leitor glutão”, poderá não 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 2014 45
<< SUMÁRIO
querer se enquadrar nesse rótulo, acabando por buscar 
outras leituras. Segundo a pesquisadora, “provavelmente, 
lendo a avaliação do historiador, nenhum leitor/estudante 
que se qualifique como leitor burguês, detentor de um 
poder cultural – desejará ser identificado com um grupo 
com tais ‘desqualificações’’!…” (ALVES, 2001:203).
 A possibilidade de exclusão futura do cânone, 
portanto, é um risco que a obra amadiana corre, a não ser 
que sejam questionados os paradigmas da crítica. Sabe-
se que o comunismo do autor alterou o juízo de muitos 
estudiosos, que não conseguiram se livrar de preconceitos 
políticos (que hoje se mostram ultrapassados) para 
avaliar a obra do autor. Entretanto, como essas histórias 
da literatura foram usadas na formação dos atuais 
professores de Letras e ainda são usadas na formação 
dos atuais alunos e futuros professores, quem será o 
leitor de Jorge Amado no futuro próximo? Arriscamos 
a afirmar que só lerão Jorge Amado os jovens letrados 
ou em letramento que contrariarem seus professores 
e arriscarem a ler por conta própria a obra de Amado 
– escapando das contraindicações –, ou aqueles que 
ousarem discordar das autoridades legitimadas e autoras 
dos julgamentos perpetuados através da fotocópia em 
polígrafos amarelos e quase ilegíveis. 
 O cenário descrito anteriormente é o mais otimista 
porque considera que o livro ainda terá um papel 
importante e será um objeto de fruição e prazer da leitura 
para jovens, estudantes de Letras ou não. Entretanto, 
considerando os aspectos tanto da sociedade do 
espetáculo (DEBORD, 1998), como do hiperespetáculo 
(SILVA, 2012), veremos que o conhecimento de fato 
perderá importância diante do parecer ser inteligente, 
ou melhor, aparecer como inteligente. O uso intenso da 
tecnologia para a comunicação – hoje uma dificuldade 
para algumas gerações, mas que será natural para as 
vindouras – influenciará o destino da comunicação escrita, 
que ficará ultrapassada diante de outras técnicas. Sem 
SocioPoética - Volume 1 | Número 12
janeiro a junho de 201446
<< SUMÁRIO
escrita, também não haverá leitura. Qual será o destino 
dos livros para a população jovem do futuro? Apenas 
objetos de museu? Algo antigo usado pelos avós? 
 Concordamos

Continue navegando