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APOSTILA COMPLETA LITERATURA BRASILIEIRA_PROSA

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Literatura Brasileira: 
Prosa 
Literatura e sociedade brasileiras: onde uma começa,
onde outra termina? 
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Profa. Ms. Malu Rangel
Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos 
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•	O que é literatura? Para que existe a literatura?
Para que você possa apreender de modo adequado o conteúdo desta disciplina, é muito importante 
realizar o seguinte percurso:
a) Leitura da contextualização;
b) Leitura do material teórico (esta leitura deve ser feita várias vezes destacando os principais conceitos 
ou as definições contidas no texto, bem como procurando compreendê-las por meio dos exemplos);
c) Realização da atividade de sistematização;
d) Realização da atividade de aprofundamento;
e) Consulta ao material complementar fornecido e/ou visita aos sites sugeridos;
f) Leitura da bibliografia da unidade, especialmente a que se encontra na biblioteca virtual da Universidade; 
g) Contato com o professor tutor para esclarecer dúvidas ou mesmo expor suas ideias a respeito do assunto.
Lembre-se, você está seguindo uma disciplina na modalidade a distância, mas isso não significa estar 
está sozinho nesse processo: o diálogo é a forma mais produtiva de ensino e de aprendizagem. É 
preciso compreender, ainda, que o estudo deve ir além dos conteúdos disponibilizados nos textos da 
unidade. A melhor forma de fazer isso é consultar a bibliografia indicada.
Nesta unidade, estudaremos o modo como se conectam a sociedade 
de um país e a literatura que nele é produzida. Como os autores 
apreendem o país de sua época, como traduzem a realidade em que 
vivem? Como tal entendimento está formalizado em suas obras? 
Veremos alguns aspectos do contexto histórico e cultural em que 
as obras são produzidas, buscando entender como as estruturas 
sociais se refletem nessa produção artística e como se forma, em 
suma, a literatura de uma nação. 
Literatura e sociedade brasileiras: um 
percurso de formação
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
Contextualização
“O Brasil não é para principiantes”. Lendária ou não, a frase atribuída ao músico e compositor 
Tom Jobim (1927 – 1993) – ele mesmo, por sinal, um dos mais sensíveis artistas que procurou 
entender o país em sua obra – dá ideia do tamanho do problema crítico que é interpretar 
o Brasil; ou, em outras palavras, apreender a realidade brasileira, com suas múltiplas faces, 
com suas disparidades sociais históricas, com sua posição periférica no cenário mundial (tanto 
econômico como cultural), não é fácil. 
Traduzir esta realidade (ou estas realidades), então, é uma tarefa para poucos. Como fazer 
para que o poético, a singeleza, as belezas, a marginalidade, a pobreza, o atraso (que não se 
contrapõem, mas se misturam em nosso cotidiano) resultem em obras artísticas? Ou, no caminho 
inverso, que obras artísticas lancem luz sobre o tempo histórico em que são produzidas?
Nesta primeira unidade, vamos justamente tentar pontuar tais questões, focando nossa 
atenção na literatura que foi – e é – produzida no Brasil. Qual o seu percurso de formação? 
O que tal percurso revela da realidade em que foi elaborado? O que escapa a ele? É possível, 
enfim, nos dias de hoje, pensar em obras literárias que condensem imagens e certezas do que é 
nosso país? Ou elas mostram justamente as fraturas do nosso cotidiano?
Há muitas perguntas. Prepare-se, então, pois vamos tentar respondê-las!
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O que é literatura? Para que existe a literatura?
Ser capaz de responder a estas perguntas, vocês devem imaginar, tirou o sono de muitos 
autores, críticos e filósofos – sem medo de generalizar, poderíamos dizer que isso aconteceu desde 
Aristóteles até os pensadores da atualidade. Afinal, o que é a Poética se não, majoritariamente, 
uma tentativa de entender minuciosamente a arte e a literatura de seu tempo? 
A Poética, provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e 323 
a.C., é um conjunto de anotações das aulas de Aristóteles sobre 
o tema da poesia e da arte em sua época, pertencentes aos seus 
escritos acroamáticos (para serem transmitidos oralmente aos seus 
alunos) ou esotéricos (textos para iniciados).
Tais cadernos de anotações serviam de guia para o professor Aristóteles, 
com temas destinados a ser desenvolvidos em suas aulas. Praticamente 
tudo que se conservou de Aristóteles faz parte das obras acroamáticas. A 
Poética é o primeiro escrito conhecido que especificamente busca analisar 
determinadas formas da arte e da literatura, sendo também um registro de 
como era a arte grega em seu tempo.
Figura 1: Aristóteles
Fonte: Wikimedia commons
O interessante é, como veremos ao longo desta unidade, que tal tentativa de entendimento se 
desdobra em outras questões e problemas que, se não explicam totalmente o que é a literatura, 
e o motivo de ela existir, acabam por mapear nada menos do que a função da arte tanto no que 
concerne ao indivíduo quanto ao meio social e histórico em que ele vive.
Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892-1940) nasceu em 
uma família judaica, filho de Emil Benjamin e Paula Schönflies 
Benjamin, comerciantes. Na adolescência, participou do 
Movimento da Juventude Livre Alemã, de tendência socialista. 
Em 1915, conheceu o filósofo e historiador Gerschom Gerhard 
Scholem, de quem se tornou grande amigo. Após estudar 
filosofia na Universidade Freiburg im Breisgau, doutorou-se pela 
Universidade Bern, em 1919, com a tese O conceito de crítica 
de arte no romantismo alemão. Com a ascensão do Nazismo, 
Benjamin, já abalado por dificuldades materiais, exilou-se 
em Paris, em 1935. Com a invasão da França pelos alemães 
nazistas, em 1940, Benjamin juntou-se a um grupo de refugiados 
que tentava fugir pelos Pireneus. Detido na fronteira pela polícia 
espanhola, que ameaçou entregar o grupo à Gestapo, Benjamin 
se suicidou. No dia seguinte à sua morte, contudo, as autoridades 
permitiram a passagem do grupo.
Figura 2: Walter Benjamin
Fonte: Wikimedia commons
Walter Benjamin (1892-1940), filósofo alemão que viveu e produziu grande parte de sua obra 
no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais, estudou como a arte, em suas mais diversas 
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
representações – e, especificamente, com interesse muito especial por parte do filósofo, a literatura 
– era capaz de mostrar tanto como a sociedade já não era mais capaz de fornecer narratividades, 
memórias e anseios que se transformassem em experiências, salvando os indivíduos do mecanicismo 
do mundo capitalista que se anunciava, como de, revelar, ela mesma, a própria literatura, certa 
reconstrução que salvaria a sociedade da desagregação e do esfacelamento.
Walter Benjamin é considerado um dos mais importantes pensadores modernos. 
Em vida, seus escritos não alcançaram repercussão, embora ele já fosse respeitado 
em alguns círculos, conseguindo o estímulo decisivo de filósofos como Ernst Bloch 
e Theodor W. Adorno. Adorno, aliás, responsável pela edição póstuma das obras de 
Benjamin, considerou-o antes de tudo como um filósofo que teria tentado subtrair-
se ao pensamento classificatório, filosofando contra a filosofia. Entre seus ensaios 
destacam-se As afinidades eletivas de Goethe, Sobre alguns temas em Baudelaire, 
Teses sobre a filosofia da história, Paris, capital do século 19 e A obra de arte na era 
de sua reprodutibilidade técnica.
Vamos ler um pouco as palavras deste pensador, cujos textos, escritos em meados dos anos 
1930, continuam muito atuais, e certamente nos ajudarão na tentativa de responder as duas 
perguntas que fizemos lá do início.
Em uma de suas belas passagens sobre a importância da literatura contra a ferocidade do 
capitalismo, Benjamin fala sobre o escritor francês Marcel Proust (1871-1922). Segundo o crítico 
alemão, Proust, em suas famosas memórias que são a base da obra Em busca do tempo perdido, 
não faz simplesmente relembrar os acontecimentos, “mas subtraí-los às contingências do tempo 
em uma metáfora”.Façamos uma pausa aqui. Vamos com calma, pois o assunto é difícil! Seguindo o pensamento 
de Benjamin (e não vamos nos esquecer da tentativa de entender a importância da literatura!), 
Proust não apenas escreveu memórias, mas intentou uma busca: ele buscou as analogias e 
as semelhanças entre o passado e o presente. Assim, seus livros não trazem uma volta ao 
passado, mas a presença do passado no presente e, por conta disso, o presente em si mesmo 
reconfigurado. Essa busca do narrador acaba, assim, ficando mais forte do que o próprio tempo 
– e por isso, mais do que lembrar ou evocar o passado, vai além da temporalidade e a transforma 
em metáfora, em matéria literária. Releia agora, depois dessa explicação, a frase do filósofo 
que destacamos acima: Proust não só relembra os acontecimentos, o que faz é subtraí-los às 
contingências do tempo em uma metáfora. Está justamente aí um dos poderes da literatura: o 
que mais poderia ir além do próprio tempo? 
Vale a pena lermos um pouco mais do que Walter Benjamin escreveu sobre Marcel Proust. O 
trecho a seguir é de um ensaio de 1929, intitulado A imagem de Proust.
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Marcel Proust nasceu no bairro de Auteil, em Paris, a 10 de julho 
de 1871, em meio aos bombardeios da guerra franco-prussiana. 
Seu pai, Louis Proust, era um grande cirurgião e professor de 
medicina, e sua mãe, Jane Weil, era de uma família burguesa judia 
parisiense. Criança de saúde frágil, Marcel estudou primeiramente 
no Liceu Condorcet, frequentado por filhos de famílias ricas. Aos 
nove anos, manifestou a doença que o perturbaria até a morte: 
a asma. Fez um ano de serviço militar, chegou a se matricular na 
Escola de Direito e na Escola de Ciências Políticas, mas acabou 
por se licenciar em Letras na Sorbonne. Em 1895, trabalhou 
como voluntário na Biblioteca Mazzarine (a mais antiga biblioteca 
pública da França). No início da década de 1890, flertou com o 
jornalismo, fundando a revista Le Banquet e publicando alguns 
textos em outros periódicos, como La revue blanche.
Figura 3: Marcel Proust
Fonte: Wikimedia commons
Marcel Proust nasceu no bairro de Auteil, em Paris, a 10 de julho de 1871, em meio aos 
bombardeios da guerra franco-prussiana. Seu pai, Louis Proust, era um grande cirurgião e 
professor de medicina, e sua mãe, Jane Weil, era de uma família burguesa judia parisiense. 
Criança de saúde frágil, Marcel estudou primeiramente no Liceu Condorcet, frequentado por 
filhos de famílias ricas. Aos nove anos, manifestou a doença que o perturbaria até a morte: a 
asma. Fez um ano de serviço militar, chegou a se matricular na Escola de Direito e na Escola 
de Ciências Políticas, mas acabou por se licenciar em Letras na Sorbonne. Em 1895, trabalhou 
como voluntário na Biblioteca Mazzarine (a mais antiga biblioteca pública da França). No início 
da década de 1890, flertou com o jornalismo, fundando a revista Le Banquet e publicando 
alguns textos em outros periódicos, como La revue blanche.
Os primeiros textos de Proust – pequenos relatos e poemas em prosa – foram reunidos 
com prefácio de Anatole France sob o título de Les plaisirs et le jours (O prazer e os 
dias), em 1896, e lhe valeram a reputação de ser um escritor “mundano”. Em 1895, 
Proust iniciou, sem no entanto terminar, um vasto romance autobiográfico, Jean 
Santeuil (publicado postumamente, em 1952), considerado um esboço daquela que 
seria sua grande obra, À la recherche du temps perdu (Em busca do tempo perdido).
A morte do seu pai, em 1903, fez tornar-se mais assídua a presença de Proust nos círculos da 
sociedade parisiense; já a da sua mãe, em 1905, fê-lo afastar-se das atividades sociais. Ambas 
perdas foram cruciais na vida do escritor. Após uma temporada em uma casa de saúde, devido 
sobretudo às crises asmáticas que lhe obrigavam a uma quase total reclusão, Proust instalou-
se no apartamento dos pais, no Boulevard Haussmann, onde mandou preparar o seu famoso 
quarto com paredes revestidas de cortiça para reduzir a propagação de ruídos.
Os esboços do que viria a ser Em busca do tempo perdido se multiplicaram. Em 1908, 
ele redigiu as páginas que seriam o verdadeiro início do romance, embora ainda hesitasse 
quanto à forma a ser dada ao projeto. A partir de 1909, ele projetou o início e o fim do livro: o 
último capítulo do último volume foi escrito imediatamente após o primeiro capítulo do primeiro 
volume. Tudo o que há no meio foi escrito depois.
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
Em 1912, ele tentou, novamente, ser publicado. Tinha setecentas páginas datilografadas, intituladas Le 
temps perdu (O tempo perdido), que representavam, aos seus olhos, metade do ciclo romanesco. Três 
editoras francesas, entre as quais a reputadíssima Gallimard, cujo editor era então o também escritor 
André Gide, recusaram o romance, até que Bernard Grasset o aceitou, mas somente se pudesse ser 
custeado pelo próprio autor. Nessa época Proust vivia acontecimentos que perturbariam a sequência 
do romance e fariam nascer o “ciclo de Albertine” (ou seja, A prisioneira e A fugitiva - Albertine 
desaparecida, introduzidos por Sodoma e Gomorra), um bom terço de Em busca do tempo perdido que 
não estava previsto inicialmente. Trata-se da morte acidental, no verão de 1913, de Alfred Agostinelli, 
que partilhava do apartamento de Proust na qualidade de motorista e que fizera nascer no escritor um 
intenso ciúme – sentimento esse que seria explorado em vários pontos de Em busca do tempo perdido, 
e mais especificamente, na parte intitulada No caminho de Swann.
A editora Gallimard, reconhecendo seu erro de avaliação, convenceu Proust a abandonar 
seu primeiro editor e recomprou os direitos para publicar No caminho de Swann, assim como 
À sombra das raparigas em flor, que foi impresso durante o armistício e colocado à venda em 
junho de 1919. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) deu sua contribuição à literatura e mais 
especificamente ao livro de Proust: durante o decorrer do conflito, o lado cômico e romanesco, 
às vezes até mesmo rocambolesco, foi muito desenvolvido, e a homossexualidade tornou-se um 
dos assuntos principais do livro.
Proust tornou-se um escritor conhecido e reconhecido, sobretudo depois que À sombra das 
raparigas em flor ganhou o prêmio Goncourt, em novembro de 1919. Seus últimos anos de vida 
foram de intensa luta contra a doença e contra a ameaça de morte. Mas ele não abandonou 
suas febris atividades boêmias e literárias, publicando ainda Pastiches et mélanges (1919), que 
reúne textos e prefácios. Proust foi nomeado Cavalheiro da Legião da Honra e chegou a pensar 
na Academia Francesa de Letras, enquanto uma nova geração de escritores o admirava como 
um grande mestre: Jean Cocteau, Jean Giraudoux, François Mauriac, entre outros. Ele queria 
publicar de uma só vez todo o restante de Em busca do tempo perdido, mas O caminho de 
Guermantes, o terceiro dos sete volumes, foi publicado em duas partes em 1920 e 1921, sendo 
a segunda delas seguida da primeira parte de Sodoma e Gomorra. Proust escreveu, também, 
vários artigos de crítica sobre Flaubert (1920) e Baudelaire (1921). A segunda parte de Sodoma 
e Gomorra é publicada em abril de 1922, quando Proust teria confiado à Celeste (sua célebre 
governanta, que cuidou dele até a morte) a escrita da palavra fim. Não conseguiu terminar de 
revisar as provas de A prisioneira; ditou, apenas, algumas alterações para Celeste.
Morreu em 18 de novembro daquele mesmo ano de 1922, de uma gripe não tratada 
que evoluiu para uma pneumonia. Albertine desaparecida e O tempo reencontrado 
apareceriam em 1925 e 1927, respectivamente. Como resultado de um ciclo de 
mais de vinte anos entre o início da redação e o término da publicação do romance, 
tem-se uma obra estruturalmente simétrica, que seria reverenciada pelas gerações 
que seguiram como um dos pilares do modernismo. O próprio Proust comparava 
Em busca do tempo perdido a uma catedral gótica que, vista de baixo, parece 
estender-se para cima infinitamente, e o crítico norte-americanoEdmund Wilson comparou o romance 
a uma sinfonia. O crítico ainda chamou o romance de Proust de “a maior representação literária da 
nossa época” e salientou, naquela que é, segundo ele, “a grande obra da autocriação”, “a crença 
no poder da arte disputar com o tempo”. Harold Bloom considera que Proust e seu Em busca do 
tempo perdido desafiam o poder shakespeariano de representação de personagens e faz notar que as 
personagens proustianas, assim como as de Shakespeare, resistem a qualquer tentativa de redução 
psicológica. “A grande força de Proust, entre tantas outras, é a caracterização: nenhum romancista do 
século XX pôde igualar seu rol de personalidades vívidas”, afirmou.
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Os treze volumes de A la recherche du temps perdu, de Marcel Proust, são o resultado de 
uma síntese impossível, na qual a absorção do místico, a arte do prosador, a verve do autor 
satírico, o saber do erudito e a concentração do monomaníaco se condensam numa obra 
autobiográfica. Já se disse, com razão, que todas as grandes obras literárias ou inauguram um 
gênero ou o ultrapassam, isto é, constituem casos excepcionais. Mas esta é uma das menos 
classificáveis. A começar pela estrutura, que conjuga a poesia, a memorialística e o comentário, 
até a sintaxe, com suas frases torrenciais (um Nilo da linguagem, que transborda nas planícies 
da verdade, para fertilizá-las), tudo aqui excede à norma. Que esse grande caso excepcional 
da literatura constitua ao mesmo tempo a maior realização literária das últimas décadas é a 
primeira observação, muito instrutiva, que se impõe ao crítico. As condições que serviram de 
fundamento a essa obra são extremamente malsãs. Uma doença insólita, uma riqueza incomum, 
e uma disposição anormal. Nem tudo na vida é modelar, mas tudo é exemplar. Ela atribui à 
obra literária mais eminente de nossos dias seu lugar no coração do impossível, no centro e ao 
mesmo tempo no ponto de indiferença de todos os perigos, e caracteriza essa grande “obra de 
toda uma vida” como a última, por muito tempo. (BENJAMIN, 1994, p. 37).
Estão aí, neste pequeno trecho, muito “do que é a literatura?” e muito do “para que existe a 
literatura?”, vocês perceberam? 
Vejam só: de um jeito bonito e emocionante, até de certa maneira lírico, o crítico reconhece 
na obra de Marcel Proust uma forma que dá forma (com o perdão da repetição proposital!) à 
própria vida. Pois não foi isso que ele quis dizer ao falar que os pequenos acontecimentos de 
um cotidiano podem não interessar por si mesmos... Mas quando colocados exemplarmente 
em uma obra literária bem formalizada (de novo esta palavra! Daqui a pouco veremos porque 
estou insistimos em repeti-la...), eles ganham força e dão impulso, também, à própria obra. 
Leia de novo o trecho final para ver se ficou claro: Uma doença insólita, uma riqueza incomum, 
e uma disposição anormal. Nem tudo na vida é modelar, mas tudo é exemplar. Ela atribui à 
obra literária mais eminente de nossos dias seu lugar no coração do impossível, no centro e ao 
mesmo tempo no ponto de indiferença de todos os perigos, e caracteriza essa grande “obra de 
toda uma vida” como a última, por muito tempo.
Assim, vida e obra se alimentam, tempo histórico e literatura se conjugam, um explicando 
o outro, um dando sentido ao outro. Só quando este jogo formal dá certo, é que conseguimos 
alcançar uma obra literária daquelas – uma obra literária que faz diferença. Ou repetindo as 
palavras que Benjamin usou no trecho que lemos, “obras que constituem casos excepcionais”. 
Por falar em obra literária e em vida, precisamos lembrar de outro crítico importante, também, 
coincidentemente, alemão: Erich Auerbach (1892-1957). Se vocês estão se perguntando algo 
como: “Ei, esta não é uma Unidade de Literatura Brasileira?”. Tenham calma! É que para entender 
o que acontece no Brasil, nos dias de hoje e também lá no começo do que chamamos de “nossa 
literatura”, precisamos passar por alguns temas maiores, retomando o que alguns críticos escreveram 
não especificamente sobre seus países, mas sobre a literatura como um sistema que explica a própria 
estrutura, e também o tempo histórico em que foi produzida, para assim ultrapassar a si mesma e à 
história sem, entretanto, esquecê-las. Convencidos? Então vamos adiante.
Como íamos dizendo, Erich Auerbach escreveu textos bem bonitos, e um de seus livros, talvez 
o principal, chamado Mimeses: a realidade exposta na literatura ocidental, fala justamente desta 
relação entre literatura e vida que Walter Benjamin percebeu na obra de Proust – e que vem 
movendo a nossa busca por respostas às questões iniciais da unidade, vocês se lembram, não é? 
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
Neste Mimeses, publicado em 1946, Auerbach investiga a condição humana, e a entende como 
algo histórico, ou melhor dizendo, que surge da história. A condição humana, portanto, seria algo 
que se altera ao longo do tempo. O esforço de análise de Auerbach está justamente em revelar 
essa historicidade, e, na mesma medida, revelar a condição humana tal como ela se apresenta 
em diferentes épocas e situações. Para realizar esta tarefa, o crítico se vale da literatura: ou seja, 
é a partir da literatura, sempre andando conjuntamente com a história, que Auerbach procurará 
pesquisar a condição humana. Como os indivíduos fixam suas próprias imagens nas obras que 
produzem ao longo do tempo? Como isso caracteriza, para além da literatura, mas também a 
alimentando, uma visão histórica e social de um determinado período? Uma importante questão 
para refletirmos.
O filósofo Theodor W. Adorno (1903-1969), um dos fundadores da Escola de Frankfurt, cujos 
participantes tentavam, grosso modo, entender a sociedade pós Segunda Guerra da Alemanha 
a partir das teorias marxistas, defendeu, ao longo de um de seus livros mais importantes, o 
Teoria estética, que a obra de arte se apresenta como antítese da sociedade. O que isso quer 
dizer? Vejamos: construída à luz da conjuntura política e social de sua época, toda obra de 
arte é um reflexo do mundo real, contendo, tal qual “o mundo lá fora”, suas contradições e 
seus antagonismos. Vejam que bonito: a obra de arte leva adiante, em sua forma, um mundo 
autônomo, independente. Ao mesmo tempo, carrega características do mundo exterior, que 
a faz, como é a própria História, um poço de trivialidades, representando algo frágil que, a 
princípio, ela não é. Nas palavras de Adorno: 
Que as obras de arte, como mônadas sem janelas, “representem” o que elas 
próprias não são, só se pode compreender pelo fato de que a sua dinâmica 
própria, a sua historicidade imanente enquanto dialética da natureza e do 
domínio da natureza não é da mesma essência que a dialética exterior, mas se 
lhe assemelha em si, sem a imitar. A força produtiva estética é a mesma que a 
do trabalho útil e possui em si a mesma teleologia; e o que se deve chamar a 
relação de produção estética, tudo aquilo em que a força produtiva se encontra 
inserida e em que se exerce, são sedimentos ou moldagens da força social. 
O caráter ambíguo da arte enquanto autônoma e comment c’est fait social 
faz-se sentir sem cessar na esfera da sua autonomia. Nessa relação à empiria, 
as forças produtivas salvaguardam, neutralizado, o que outrora os homens 
experimentaram literal e inseparavelmente no existente e o que o espírito dele 
bania. (ADORNO, 1970, p. 15).
Agora, depois de termos passado pelos termos gerais que situa a obra de arte em seu tempo social 
e histórico, podemos nos perguntar: como tudo isso aconteceu (e segue acontecendo) no Brasil?
Para situarmos esta pergunta (Mais uma, vejam lá! É melhor se acostumar: já reparou que 
todo pensamento crítico parte de perguntas, mais do que de certezas?), vamos seguir o sistema 
proposto pelo crítico literário Antonio Candido para entender a formação da literatura brasileira. 
Partiremos, justamente, do livro de Candido intitulado Formação da literatura brasileira (Momentos 
decisivos 1750-1836). Neste livro, ointento é estudar a formação da literatura brasileira, com 
suas características específicas que, por conta disso, não pode ser considerada igual às demais. 
Ou seja: a literatura brasileira, por mais que tenha tentado na época de seu surgimento – que, 
como veremos, diz respeito também ao surgimento de uma nação – imitar a literatura europeia, 
nunca pode realmente fazê-lo. Nossa literatura diz respeito à nossa nação em formação, e dela 
tira seus artefatos, suas dádivas e suas lacunas. Assim, de acordo com Candido:
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Cada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas 
específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente, gerou 
no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três para 
se constituir. A sua formação tem, assim, caracteres próprios e não pode ser 
estudada como as demais, mormente numa perspectiva histórica, como é o caso 
deste livro, que procura definir ao mesmo tempo o valor e a função das obras.
A dificuldade está em equilibrar os dois aspectos, sem valorizar indevidamente 
autores desprovidos de eficácia estética, nem menosprezar os que desempenharam 
papel apreciável, mesmo quando esteticamente secundários. [...]
Há literaturas de que um homem não precisa sair para receber cultura e 
enriquecer a sensibilidade; outras, que só podem ocupar uma parte da sua vida 
de leitor, sob pena de lhe restringirem irremediavelmente o horizonte. Assim, 
podemos imaginar um francês, um italiano, um inglês, um alemão, mesmo um 
russo e um espanhol que só conheçam os autores de sua terra e, não obstante, 
encontrem neles o suficiente para elaborar a visão das coisas, experimentando 
as mais altas emoções literárias. 
Se isto já é impensável no caso de um português, o que se dirá de um brasileiro? 
A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de 
segunda ordem no Jardim das Musas [...] Os que se nutrem apenas delas são 
reconhecíveis à primeira vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo 
gosto provinciano e falta do senso de proporções. Estamos fadados, pois, a 
depender da experiência de outras letras, o que pode levar ao desinteresse e até 
menoscabo das nossas. Este livro procura apresentá-las, nas fases formativas, 
de modo a combater semelhante erro, que importa em limitação essencial da 
experiência literária. Por isso, embora fiel ao espírito crítico, é cheio de carinho e 
apreço por elas, procurando despertar o desejo de penetrar nas obras como em 
algo vivo, indispensável para formar a nossa sensibilidade e visão de mundo. 
(CANDIDO, 2000, p. 9). 
O sociólogo e crítico literário Antonio Candido é, sem dúvida, um 
dos mais importantes intelectuais brasileiros. Ler seus livros é um 
exercício inesquecível, tanto pelos lindos textos em si, ao mesmo 
tempo profundos e bem explicados, em um louvável esforço de 
crítica e estilo, como pela experiência de, depois da leitura, poder 
entender um pouco mais sobre literatura e sobre nosso país. Além 
dos livros que o crítico publicou (dentre os quais destacamos 
Formação da literatura brasileira, Literatura e sociedade, Vários 
escritos, Na sala de aula, A educação pela noite e outros ensaios, 
Iniciação à literatura brasileira), Candido deu inúmeras entrevistas, 
sempre enfatizando como a literatura precisa ser vista como uma 
arma poderosa, capaz de conscientizar os indivíduos a construir uma 
sociedade mais justa e humanitária, sem desigualdades econômicas 
e sociais. Vejam algumas das entrevistas logo abaixo. Caso queiram, compartilhem os livros e 
as entrevistas com os colegas no Fórum: um pensamento calcado na premissa de que a arte faz 
cidadãos críticos e, por isso, menos propensos a construir sociedades nas quais uns podem mais 
que os outros, como o desenvolvido por Antonio Candido, não pode ser esquecido. Um de seus 
textos mais famosos – na verdade, uma de suas falas – é “O direito à literatura”. Nele, o crítico 
expõe com clareza e beleza os motivos pelos quais a literatura deve ser um direito inalienável, 
tal qual são a comida e a moradia.
Figura 4: Antonio Candido
Fonte: Wikimedia commons
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
 
 Explore
•	 O direito à literatura:
http://culturaemarxismo.files.wordpress.com/2011/10/candido-antonio-o-direito-
c3a0-literatura-in-vc3a1rios-escritos.pdf. 
•	 Antonio Candido indica 10 livros para conhecer o Brasil:
http://blogdaboitempo.com.br/2013/05/17/antonio-candido-indica-10-livros-para-
conhecer-o-brasil/. 
•	 “O socialismo é uma doutrina triunfante”:
www.brasildefato.com.br/node/6819. 
•	 Entrevista com Antonio Candido, Revista Brasileira de Ciências Sociais:
h t t p : / /www. s c i e l o. b r / s c i e l o.php? s c r i p t=sc i _a r t t ex t&p id=S0102 -
69092001000300001#back
•	 “O direito à literatura no século XXI: uma homenagem a Antonio Candido”:
http://blogdaboitempo.com.br/2012/05/31/o-direito-a-literatura-no-seculo-xxi-
uma-homenagem-a-antonio-candido-por-flavio-aguiar/. 
•	 Entrevista de Antonio Candido concedida na FLIP (Festa Literária de Paraty) em 2011:
http://topicos.estadao.com.br/antonio-candido. 
Por isso, entender a literatura brasileira é entender a sociedade brasileira. Vamos repetir muito 
esta ideia ao longo da disciplina: estudar um autor é estudar um pouco de sua biografia e de seu 
lugar no mundo; saber do estilo literário, das influências culturais de sua época e, nunca, nunca 
esquecer a sociedade, a política e a economia de seu tempo – tais componentes exteriores à obra 
nela penetram e, se não são restringem o sentido da obra e sua intenção artística, certamente 
os modificam. 
Poderíamos, para entender a literatura brasileira ou, antes, estabelecer um método crítico, seguir 
a linha de pensamento de Antonio Candido, e tentar não apenas entender as perguntas que nos 
fizemos no começo da aula (vocês lembram quais são?), mas desdobrá-las para a realidade brasileira. 
Ficaríamos assim: de onde veio nossa literatura? De que ela nos serviu, e de que ela nos serve? 
Bem, para Antonio Candido, literatura e sociedade não podem ser entendidas como dois 
campos que se relacionam de forma paralelística: de maneira diversa, diz o crítico, é preciso 
“averiguar como a realidade social se transforma em componente de uma estrutura literária, 
a ponto dela poder ser estudada em si mesma; e como só o conhecimento desta estrutura 
permite compreender a função que a obra exerce” (CANDIDO, 2006, p. 9). O autor afirma, 
mais adiante, que obra, fatores sociais e psicológicos, quando funcionam em conjunto, são 
como agentes da estrutura, alinhados entre os fatores estéticos íntimos à obra. Dizendo de 
outra maneira: “A análise crítica, de fato, pretende ir mais fundo, sendo basicamente a procura 
dos elementos responsáveis pelo aspecto e o significado da obra, unificados para formar um 
todo indissolúvel, do qual se pode dizer, como Fausto do Macrocosmos, que tudo é tecido num 
conjunto, cada coisa vive e atua sobre a outra” (CANDIDO, 2009, p. 14).
Vamos aprofundar um pouco esse posicionamento crítico para então voltarmos, definitivamente, 
para o percurso formativo de nossa literatura que, vale já dizer, resultou, em meados do século 
XIX, nas obras maduras de Machado de Assis. Segundo Candido:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092001000300001#back
15
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas 
visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto 
numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista 
que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção 
de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos 
necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, 
o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento 
que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, 
portanto, interno. (CANDIDO, 2009, p.13).Mais adiante, vamos mostrar como Candido aplica seu pensamento teórico em um dos mais 
importantes textos de nossa literatura – Senhora, de José de Alencar – que, como veremos um 
bocadinho mais adiante, será um dos responsáveis pelo surgimento e amadurecimento de um 
autor como Machado de Assis. 
Mais uma dica de método e de análise crítica: sempre que vocês 
perceberem algo, lerem, pesquisarem e elaborarem um conceito teórico 
é preciso “provar que ele funciona”, por assim dizer, no objeto de 
estudo. Voltem sempre ao conto, ao romance, ao poema, à canção, 
depois daquele estalo de Eureka! que costuma dar na gente quando 
estudamos. É dos objetos de estudo que se deve partir, e para eles 
que devem se voltar às questões e percepções críticas. Tal qual, vejam 
lá, Antonio Candido faz ao analisar uma passagem de Senhora: o 
crítico coloca no romance suas percepções teóricas, provando que elas 
funcionam dentro da obra.
Ao analisar esse romance, Candido chama atenção para como o livro, de saída, apresenta 
dimensões sociais evidentes (vocês imaginam quais poderiam ser? Vejam lá: a referência 
a lugares, a descrição de modos e costumes; as manifestações típicas de uma classe social 
descritas no livro, que mostram um modo de vida entre o burguês e o patriarcal). Porém, 
de acordo com o crítico, mesmo essas dimensões sociais devem ser matizadas, já que no 
próprio romance elas ganham um peso específico: a compra feita por Aurélia, que é nada 
mais, nada menos, do que a compra de um marido. Ao desnudar esse tipo de ação, e com 
ela compor o centro da narrativa, o autor faz mais do que criticar uma prática: insere o ritmo 
da compra e da venda na estrutura do romance: é traço fundamental, trançando o enredo, 
a ação e a composição dos personagens. Assim, nas palavras do crítico: 
Se, pensando nisto, atentarmos para a composição de Senhora, veremos que 
repousa numa espécie de longa e complicada transação, — com cenas de avanço 
e recuo, diálogos construídos como pressões e concessões, um enredo latente de 
manobras secretas, — no correr da qual a posição dos cônjuges se vai alterando. 
Vemos que o comportamento do protagonista exprime, em cada episódio, uma 
obsessão com o ato de compra a que se submeteu, e que as relações humanas se 
deterioram por causa dos motivos econômicos. A heroína, endurecida no desejo 
de vingança, possibilitada pela posse do dinheiro, inteiriça a alma como se fosse 
agente duma operação de esmagamento do outro por meio do capital, que o 
reduz a coisa possuída. E as próprias imagens do estilo manifestam a mineralização 
16
Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
da personalidade, tocada pela desumanização capitalista, até que a dialética 
romântica do amor recupere a sua normalidade convencional. No conjunto, como 
no pormenor de cada parte, os mesmos princípios estruturais enfermam a matéria.
Referindo esta verificação às anteriores, feitas em nível mais simples, constatamos 
que se o livro é ordenado em torno desse longo duelo, é porque o duelo representa 
a transposição, no plano da estrutura do livro, do mecanismo da compra e venda. 
E, neste caso de relações que deveriam pautar-se por uma exigência moral mais 
alta, a compra e venda funciona como verdadeira conspurcação. Esta não é 
afirmada abstratamente pelo romancista, nem apenas ilustrada com exemplos, 
mas sugerida na própria composição do todo e das partes, na maneira por que 
organiza a matéria, a fim de lhe dar uma certa expressividade.
Quando fazemos uma análise deste tipo, podemos dizer que levamos em conta 
o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar, 
na matéria do livro, a expressão de uma certa época ou de uma sociedade 
determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; 
mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e 
não ilustrativo. (CANDIDO, 2009, p. 16).
 
 Diálogo com o Autor
 
Vamos relembrar o enredo de Senhora, e também quem foi o seu autor, José de Alencar? 
O enredo do livro, de maneira genérica, refere-se à seguinte trama: Aurélia Camargo, filha de uma 
pobre costureira e órfã de pai, depois de perder seu irmão apaixonou-se por Fernando Seixas – 
homem ambicioso - a quem namorou. Este, porém, desfaz a relação, movido pela vontade de se 
casar com uma moça rica, Adelaide Amaral, e pelo dote ao qual teria direito de receber. Passado 
algum tempo, Aurélia, já órfã de mãe também, recebe uma grande herança do avô e ascende 
socialmente. Passa, pois, a ser figura de destaque nos eventos da sociedade da época. Dividida entre 
o amor e o orgulho ferido, ela encarrega seu tutor e tio, Lemos, de negociar seu casamento com 
Fernando por um dote de cem contos de réis. O acordo realizado inclui, como uma de suas cláusulas, 
o desconhecimento da identidade da noiva por parte do contratado até as vésperas do casamento. 
Ao descobrir que sua noiva é Aurélia, Fernando fica muito feliz, pois, na verdade, nunca deixou de 
amá-la. A jovem, porém, na noite de núpcias, deixa claro: “comprou-o” para representar o papel de 
marido que uma mulher na sua posição social deve ter. Se vocês puderem, vale ler ou reler o livro 
todo, que pode ser baixado gratuitamente da internet. A trama é muito bem escrita, os personagens 
delineados e o cenário, ricamente descrito – um romance, no melhor sentido do termo e do gênero! 
17
 
 Explore
O livro está disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_
action=&co_obra=2026. 
Para saber mais sobre o autor, um de nossos mais importantes romancistas, acesse sua biografia 
completa (e também sua biografia) no site da Academia Brasileira de Letras: http://www.academia.
org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=239. 
Vamos, agora, voltar ao nosso ponto inicial: como se fez o primeiro percurso formativo de 
nossa literatura? Ainda de acordo com Antonio Candido, voltando ao eixo que o autor explicita 
em Formação da literatura brasileira, a configuração de um sistema literário brasileiro acontece 
em meados do século XVIII. É quando, inclusive, ocorre certa articulação entre os homens 
cultos da colônia, “acertando o passo com a Filosofia das Luzes, o que se ligou de certo modo à 
transformação estética conhecida em Portugal e no Brasil sob o nome de Arcadismo” (CANDIDO, 
1999, p. 29). Vale dizer, como explicita Candido, que o Arcadismo no Brasil é concomitante a uma 
grande mudança política e econômica: a passagem do eixo político e econômico para o sul do país. 
O movimento literário do Arcadismo nasce, portanto, em clima de grande efervescência política. 
Tanto que muitos de seus membros são processados, presos e desterrados devido à posição política 
contrária ao governo português, como acontece com o grupo de poetas árcades mineiros. 
Esse é, como vemos, um momento de amadurecimento para todo o Brasil, especialmente 
esteticamente e politicamente. De acordo com as palavras de Antonio Candido: 
Esse momento é de amadurecimento para todo o Brasil, que finalmente 
adquire um contorno geográfico bem próximo do que tem hoje e vê núcleos 
de povoamento se espalharem por todas as regiões, embora a população fosse 
rala e continuasse concentrada no litoral e adjacências. Esse amadurecimento 
se reflete na quantidade de homens cultos que atuaram aqui e na Metrópole, 
– sacerdotes, naturalistas, administradores, matemáticos, poetas, publicistas, – 
formando o primeiro grande conjunto de brasileiros capazes de ombrear com os 
naturais de Portugal. (CANDIDO, 1999, p. 30). 
Assim, as manifestações literárias daquele momento, como as empreendidas por José de Santa 
Rita Durão (1722-1784), que escreveu “Caramuru” (1781), e também por Basílio da Gama (1741-
1795) com o poema “Uraguai” (1795), foram tentativas conscientes de valorizar temas nacionais 
(como o enaltecimento dos índios na luta contra os ataques estrangeiros). Tal valorização foi 
posteriormente reconhecida pelos românticoscomo fonte da poesia nacional, como vocês já 
estudaram; os poetas árcades dos quais falávamos acima também foram influenciados por tais 
tendências ilustradas, nacionalistas e, a seu modo, liberais. Sobre os árcades, vale dizer, conforme 
percebe Antonio Candido, que já nasce em suas obras a noção de uma identidade nacional 
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=239
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=239
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2026
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2026
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Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
diferente daquela imposta pela metrópole. As descrições da paisagem local, por exemplo, feitas 
por Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) e calcadas nos modelos de poesia clássica, já mostram, 
implicitamente, o que em Machado de Assis atingirá a forma completa, e guiará nosso processo 
de formação literária: o atraso local é evidente quando colocado diretamente em comparação 
aos modelos clássicos do centro do mundo. Assim, segundo Candido: 
Nos sonetos e nas éclogas [de Cláudio Manuel da Costa], surpreendemos uma 
curiosa impregnação da natureza rochosa de sua região natal (a das minas de 
ouro), que se infiltra no modelo virgiliano, compondo uma espécie de diálogo 
implícito entre colônia e metrópole, barbárie e civilização. Isso apareceria de 
forma explícita no poema épico Vila Rica (c. 1773), onde narra o encontro das 
culturas e a vitória da ordem civil sobre a confusão dos aventureiros à busca de 
ouro. (CANDIDO, 1999, p. 32).
Notem que a formação da literatura nacional, para Antonio Candido, começa justamente no século 
XVIII por conta desta tomada de consciência de nossa condição de colônia e, ao mesmo tempo, pela 
busca por uma identidade nacional que levaria, noves fora, à emancipação política, econômica e 
cultural. Pensamentos e produção, precisamos ter em mente, feitos por e para a elite local. 
Toda essa produção é de fato marcada pelo requinte das elites, e historicamente 
importa como maneira de confirmar a preeminência social dos grupos cultos da 
Colônia, já impacientes com a prepotência de Portugal e interessados nos movimentos 
revolucionários dos Estados Unidos e da França. (CANDIDO, 1999, p. 33).
Colônia, metrópole; barbárie, civilização. Vocês acham que todo esse intervalo e toda essa 
diferença entre mundos seriam resolvidos com a independência política e, de certo modo, 
econômica do Brasil em 1822 – já tendo passado pela vinda da Família Real Portuguesa em 
1808 e, com isso, por uma aceleração do ritmo do progresso, inclusive intelectual? Já seria o 
caso de perguntar aqui: para quem estava sendo feita essa independência (assim como notou 
Candido: por quem e para quem era feita nossa literatura?)? 
Obviamente, como vocês devem ter percebido, não é possível simplificar: a sociedade que se 
formou no Brasil, desde os tempos de colônia, foi se constituindo em meio não apenas ao atraso 
característico de uma colônia quando comparada à metrópole (que, por sua vez, também era de 
economia frágil quando comparada aos outros países da Europa), mas de um território que fazia 
do atraso uma característica constitutiva de si próprio. Entre elite branca e escravos negros, havia 
uma massa de homens livres e pobres (brancos, mestiços, negros) que lutavam pela sobrevivência 
e formavam uma sociedade com regras próprias e bem específicas. Para ilustrar com um exemplo: 
vocês se lembram do romance de Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um sargento de 
milícias, publicado em 1852, que se passava “no tempo do rei”? É justamente este o quadro. 
Vejam um trecho de Memórias de um sargento de milícias e, se tiver tempo, leia o livro 
todo, disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=1969
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1969
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1969
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Ainda hoje existe no saguão do paço imperial, que no tempo em que se passou 
esta nossa história se chamava Palácio del-rei, uma saleta ou quarto que os 
gaiatos e o povo com eles denominavam o Pátio dos Bichos. Este apelido 
lhe fora dado em consequência do fim para que ele então servia: passavam 
ali todos os dias do ano três ou quatro oficiais superiores, velhos, incapazes 
para a guerra e inúteis na paz, que o rei tinha a seu serviço não sabemos se 
com mais alguma vantagem de soldo, ou se só com mais a honra de serem 
empregados no real serviço. Bem poucas vezes havia ocasião de serem eles 
chamados por ordem real para qualquer coisa, e todo o tempo passavam 
em santo ócio, ora mudos e silenciosos, ora conversando sobre coisas do seu 
tempo, e censurando as do que com razão já não supunham do seu, porque 
nenhum deles era menor de 60 anos. Às vezes acontecia adormecerem todos 
ao mesmo tempo, e então com a ressonância de suas respirações passando 
pelos narizes atabacados, entoavam um quarteto, pedaço impagável, que 
os oficiais e soldados que estavam de guarda, criados e mais pessoas que 
passavam, vinham apreciar à porta. Eram os pobres homens muitas vezes 
vítimas de caçoadas que naquele tempo de poucas preocupações eram o 
objeto de estudo de muita gente.
E é neste cenário que a literatura brasileira vai se formando: juntando ideais liberais e projetos 
de emancipação com o cotidiano de colônia, ex-colônia de economia escravocrata, liderada por 
uma elite branca rodeada por uma massa de escravos e de homens livres e pobres. Em um lugar 
tão cheio de realidades díspares como o Brasil, qualquer tentativa de importar um modelo de 
literatura – assim como um modelo de sociedade – soaria falsa, em desatino com o entorno, 
artificial, fora do lugar. Um pouco como Pestana, o personagem do conto “Um homem célebre”, 
de Machado de Assis, que tenta de todas as maneiras compor sonatas, sinfonias, réquiens – 
obras que o levariam à imortalidade – mas de seu piano só saem saltitantes polcas. Pestana 
representa, alegoricamente, o descompasso entre o popular e o erudito, mostrando, com a 
insistência com que o maxixe sai de suas composições, a presença indelével da escravidão e da 
mestiçagem em nossa sociedade (WISNIK, 2003, p.14)
Para Pensar
Vale a pena ler “O homem célebre”. O conto, na íntegra, encontra-se disponível neste 
endereço: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000232.pdf. 
Depois de ler, tente fazer uma resenha crítica, colocando alguns elementos discutidos por aqui.
Aqui vai um trecho do conto:
[...] Veio o café; Pestana engoliu a primeira xícara, e sentou-se ao piano. Olhou para o retrato 
de Beethoven, e começou a executar a sonata, sem saber de si, desvairado ou absorto, mas 
com grande perfeição. Repetiu a peça; depois parou alguns instantes, levantou-se e foi a uma 
das janelas. Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e executou-o do 
mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda xícara de café.
Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fez que estar à janela e olhar para as estrelas, 
entrar e olhar para os retratos. De quando em quando ia ao piano, e, de pé, dava uns golpes 
soltos no teclado, como se procurasse algum pensamento; mas o pensamento não aparecia e
20
Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
ele voltava a encostar-se à janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas 
no céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu tinha de ficar vazio, 
mas então a terra seria uma constelação de partituras.
[...]
Às vezes, como que ia surgir das profundezas do inconsciente uma aurora de ideia; ele corria 
ao piano, para aventá-la inteira, traduzi-la em sons, mas era em vão; a ideia esvaía-se. Outras 
vezes, sentado ao piano, deixava os dedos correrem, à aventura, a ver se as fantasiasbrotavam 
deles, como dos de Mozart; mas nada, nada, a inspiração não vinha, a imaginação deixava-se 
estar dormindo. Se acaso uma ideia aparecia, definida e bela, era eco apenas de alguma peça 
alheia, que a memória repetia, e que ele supunha inventar. Então, irritado, erguia-se, jurava 
abandonar a arte, ir plantar café ou puxar carroça; mas daí a dez minutos, ei-lo outra vez, com 
os olhos em Mozart, a imitá-lo ao piano.
Duas, três, quatro horas. Depois das quatro foi dormir; estava cansado, desanimado, morto; 
tinha que dar lições no dia seguinte. Pouco dormiu; acordou às sete horas. Vestiu-se e almoçou.
– Meu senhor quer a bengala ou o chapéu-de-sol? perguntou o preto, segundo as ordens que 
tinha, porque as distrações do senhor eram frequentes.
– A bengala.
– Mas parece que hoje chove.
– Chove, repetiu Pestana maquinalmente.
– Parece que sim, senhor, o céu está meio escuro.
Pestana olhava para o preto, vago, preocupado. De repente: 
– Espera aí.
Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se e espalmou as mãos no teclado. Começou 
a tocar alguma coisa própria, uma inspiração real e pronta, uma polca, uma polca buliçosa, 
como dizem os anúncios. Nenhuma repulsa da parte do compositor; os dedos iam arrancando 
as notas, ligando-as, meneando-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo. 
Pestana esquecera as discípulas, esquecera o preto, que o esperava com a bengala e o guarda-
chuva, esquecera até os retratos que pendiam gravemente da parede. Compunha só, teclando 
ou escrevendo, sem os vãos esforços da véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem 
interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma 
como de uma fonte perene.
Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda alguns pontos, quando voltou para jantar; 
mas já a cantarolava, andando, na rua. Gostou dela; na composição recente e inédita circulava 
o sangue da paternidade e da vocação. Dois dias depois, foi levá-la ao editor das outras polcas 
suas, que andariam já por umas trinta. O editor achou-a linda.
– Vai fazer grande efeito.
Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em 1871, quis dar-lhe um 
titulo poético, escolheu este: Pingos de sol. O editor abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos 
deviam ser, já de si, destinados à popularidade, - ou por alusão a algum sucesso do dia, - ou 
pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A lei de 28 de Setembro, ou Candongas não fazem 
festa.
– Mas que quer dizer Candongas não fazem festa? perguntou o autor.
– Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.
Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações e guardou a polca; mas 
não tardou que compusesse outra, e a comichão da publicidade levou-o a imprimir as duas, 
com os títulos que ao editor parecessem mais atraentes ou apropriados. Assim se regulou pelo 
tempo adiante.
21
É justamente este descompasso, muito sutil e profundamente percebido por Machado de 
Assis, que faz de sua obra o ponto de chegada de um período da literatura brasileira: justamente 
aquele que Antonio Candido considera como sendo o percurso formativo de nossas letras, e do 
qual falamos até aqui. Assim, de modo insistente, como tópico que perpassa toda sua obra, o 
escritor denuncia a presença da escravidão, e toda a disparidade que o modo de agir e estar em 
uma sociedade escravocrata traziam ao se chocar com hábitos e poses supostamente liberais (e 
imitados da Europa). Deste modo, Machado de Assis denuncia, também, o lugar daquele Brasil 
do século XIX. Na verdade, um lugar fora de lugar, onde se imita, mas não se pratica, fielmente, 
o liberalismo. Roberto Schwarz, que percebeu esta característica na obra de Machado de Assis, 
explica com clareza o cenário em que a obra do escritor foi escrita: 
Toda ciência tem princípios, de que deriva o seu sistema. Um dos princípios da 
Economia Política é o trabalho livre. Ora, no Brasil domina o fato “impolítico e 
abominável” da escravidão. 
Este argumento – resumo de um panfleto liberal, contemporâneo de Machado 
de Assis – põe fora o Brasil do sistema da ciência. Estávamos aquém da realidade 
a que esta se refere; éramos antes um fato moral, “impolítico e abominável”. 
Grande degradação, considerando-se que a ciência eram as Luzes, o Progresso, 
a Humanidade etc. Para as artes, Nabuco expressa um sentimento comparável 
quando protesta contra o assunto escravo no teatro de Alencar: “Se isso ofende 
o estrangeiro, como não humilha o brasileiro!”. Outros autores naturalmente 
fizeram o raciocínio inverso. Uma vez que não se referem à nossa realidade, 
ciência econômica e demais ideologias liberais e que são, elas sim, abomináveis, 
impolíticas e estrangeiras, além de vulneráveis. “Antes bons negros da costa 
da África para felicidade sua e nossa, a despeito de toda a mórbida filantropia 
britânica, que, esquecida de sua própria casa, deixa morrer de fome o pobre 
irmão branco, escravo sem senhor que dele se compadeça, e hipócrita ou 
estólida chora, exposta ao ridículo da verdadeira filantropia, o fado de nosso 
escravo feliz”. 
Cada um a seu modo, estes autores refletem a disparidade entre a sociedade 
brasileira, escravista, e as ideias do liberalismo europeu. Envergonhando 
a uns, irritando a outros, que insistem na sua hipocrisia, estas ideias – em 
que gregos e troianos não reconhecem o Brasil – são referências para todos. 
Sumariamente está montada uma comédia ideológica, diferente da europeia. É 
claro que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo geral, 
o universalismo eram ideologia na Europa também; mas lá correspondiam 
às aparências, encobrindo o essencial a exploração do trabalho. Entre 
nós, as mesmas ideias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, 
original. A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em 
parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia nada, como 
tornava mais abjeto o instituto da escravidão. A mesma coisa para a professada 
universalidade dos princípios, que transformava em escândalo a prática geral 
do favor. Que valiam, nestas circunstâncias, as grandes abstrações burguesas 
que usávamos tanto? Não descreviam a existência – mas nem só disso vivem 
as ideias. Refletindo em direção parecida, Sérgio Buarque observa: “Trazendo 
de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do 
mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável 
e hostil, somos uns desterrados em nossa terra”. Essa impropriedade de nosso 
pensamento, que não é acaso, como se verá, foi de fato uma presença assídua, 
atravessando e desequilibrando, até no detalhe, a vida ideológica do Segundo 
Reinado. Frequentemente inflada, ou rasteira, ridícula, ou crua, e só raramente 
22
Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
justa no tom, a prosa literária do tempo é uma das muitas testemunhas disso. 
(SCHWARZ, 2000, p. 14).
“Estar fora de lugar”, nos dias de hoje, conta com especificidades diferentes: o lugar do Brasil na 
conjuntura mundial se modificou, mas não se alterou de todo. Para entender a posição do Brasil 
no eixo dos países ricos, detentores do capital, é preciso levar em conta toda sua história – e daí 
perceber como as desigualdades e as opressões aqui parecem mais profundas. Algo que a literatura, 
com seu olhar minucioso e crítico, denuncia, como ainda vamos estudar. Mas agora, fiquemos com 
as percepções de Machado de Assis sobre o seu tempo, tão bem refletidas em sua obra. 
23
Material Complementar
O universo de formação de uma literatura – e também a própria literatura de uma nação – são 
temas fascinantes e capazes, inclusive, de nos levar a outros textos, canções, filmes e obras de 
artes plásticas que, de alguma maneira, ajudam a explicar não apenas a literatura, mas o nosso 
próprio cotidiano. Refletir criticamente sobre a literatura e sobre as artes (além de se deixar levar 
pela beleza e pela emotividade que provocam as verdadeirasobras de artes) é entender melhor 
o nosso tempo, humanizar-se e lutar por uma sociedade mais igualitária.
É muito importante que você explore o portal e aprofunde seus estudos.
Indicamos que você consulte: 
 
 ADORNO, Theodor W. Posição do Narrador no Romance Contemporâneo. (trad. Jorge de Almeida). 
In: Notas de literatura I. São Paulo, Duas Cidades/ Editora 34, 2003. p. 55-63.
ANDRADE, Mário. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo, Martins, s/d.
ANDRADE, Oswald. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro, Civilização 
Brasileira, 1978.
ARANTES, Paulo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira. Rio de 
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______. O paradoxo do intelectual. In: Ressentimento da dialética. São Paulo, Paz e Terra, 1996. 
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FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1976. 14ª ed.
______. Brasil: tempos modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LUKÁCS, Georg. Teoria do romance (trad. José Marcos M. de Macedo). São Paulo: 34 Letras, 
2000.
______. Narrar ou descrever? Trad. Giseh Vianna Konder. In Ensaios sobre literatura. Rio de 
Janeiro, Civilização Brasileira, 1965. p. 43-94.
MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
24
Unidade: Literatura e sociedade brasileiras: um percurso de formação
Referências
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São Paulo: Abril, 1980. (Col. “Os Pensadores”) 
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de Literatura I. Duas Cidades/Ed. 34, 2003, pp. 65-90.
BENJAMIN, W. “O narrador”. In: Obras Escolhidas I. SP: Brasiliense, 1987. 
-------------- “O autor como produtor”. In: Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985. 
------------ “Sobre alguns temas em Baudelaire”. In: Obras escolhidas (Vol. III). Charles 
Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. 
-------------- Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1995.
BOSI, A. “Literatura na era dos extremos”. In: Rodapé. Crítica de Literatura Brasileira 
Contemporânea no. 2. São Paulo: Nankin, 2002. 
CANDIDO, A. Na sala de aula. Caderno de análise literária. São Paulo, Ática, 2002.
-----------------. O discurso e a cidade. São Paulo, Duas Cidades, 2004.
Referências Bibliográfica (Disponível para consulta)
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 47. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
BRAIT, B. (Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. (E-book)
BRAIT, B. A personagem. 8. ed. São Paulo: Ática, 2006. (E-book)
BRAIT, B. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010. (E-book)
CÂNDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. 8. ed. São Paulo: Ática, 2000. 
(E-book)
GOTLIB, N. B. Teoria do conto. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006. (Coleção princípios). (E-book) 
LUKACS, G. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2003.
SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas. 5. ed. São Paulo: Editora 34, 2003
SOUZA, R. A. Teoria da literatura. 10. ed. São Paulo: Ática, 2006. (Série Princípios). (E-book)
Machado de Assis
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Profa. Ms. Geovana Gentili
Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
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• Machado de Assis
• Machado de Assis: homem, escritor e sociedade
Para obter bons resultados ao longo do curso, é fundamental que você seja organizado e que 
dedique de seu dia algumas horas para o estudo. Escolha um ambiente tranquilo, livre de 
sons altos e de aparelhos visuais que possam dificultar sua concentração. 
Separe o material teórico a ser lido e tenha à sua disposição os demais recursos de consulta, 
como são os dicionários. Caso você use a versão on-line, tome cuidado para não perder o 
foco e se distrair com pesquisas secundárias. Não se esqueça de que a leitura das obras é 
fundamental para a compreensão da discussão proposta nesta unidade. Não se satisfaça 
apenas com os trechos que destacaremos.
Nesta unidade, estudaremos a atuação de Machado de Assis 
no sistema literário brasileiro. Seguindo a tese de que toda 
obra emerge de um determinado contexto social e é fruto do 
posicionamento do escritor no campo das artes, procuraremos 
analisar, no corpus selecionado para este estudo, o modo como 
Machado de Assis retrata as mazelas sociais de seu tempo.
Machado de Assis
6
Unidade: Machado de Assis
Contextualização
De acordo com Leyla P. Moisés (1978, p.73), existem dois tipos de obras: as inacabadas 
que são assim designadas por serem “obra[s] prospectiva[s] que avança[m] para o presente 
e impele[m] para o futuro”, e as acabadas, ou seja, aquelas obras que estão “historicamente 
liquidada[s], aquela[s] que não diz[em] nada ao homem (ao escritor) de hoje, que não lhe 
permite dizer nada mais” (Idem, p.73).
Ser inacabada constitui-se, portanto, em uma qualidade literária capaz de, numa ação 
dialética, fixar um determinado discurso no campo literário e, ao mesmo tempo, abrir caminhos 
para produções futuras. Neste grupo, podemos colocar a obra de Machado de Assis: uma das 
maiores expressões do sistema literário brasileiro.
A atribuição “inacabada” dada à obra machadiana confirma-se nas diferentes expressões 
artísticas que, com maior ou menor intensidade, estabelecem um diálogo com as produções 
de Machado de Assis. Quem não conhece a mulher com “olhos de ressaca”? Capitu é uma 
das personagens femininas da obra machadiana que se destaca, sobretudo, por seu caráter 
ambíguo. Teria ela ou não traído a Bentinho?
A dubiedade exposta na temática da obra concretiza-se no modo de narrar por meio 
das diferentes combinações dos recursos narrativos. É, portanto, este modo de formar que 
particulariza a produção machadiana e a faz avançar para além do seu tempo. A representação 
da figura feminina delineada na personagem de Capitu ganhou, recentemente, um novo suporte 
que não o livro: com composição de Luiz Tatit e voz de Zélia Duncan surge a música “Capitu” 
(Eu Me Transformo em Outras – Universal Music, 2004).
Ouça a música e observe o léxico empregado nela. Há um jogo de palavras que combina 
referências à Capitu machadiana ao mesmo tempo em que incorpora na caracterização nessa 
personagem elementos da modernidade. Diante dessa proposta artística, podemos perguntar: 
essa junção entre o clássico machadiano e os elementos modernos não seria uma forma de 
reafirmar a universalidade das representações sociais conquistada por Machado de Assis no 
seu fazer literário? Essa composição musical não confirmaria a via dupla na qual se constitui 
uma obra literária inacabada? Isto é, o texto literário surge de um determinado contexto e, 
concomitantemente, passa a modificá-lo delineando um novo protótipo social capaz de romper 
as fronteiras de tempo e espaço. A final, qual a mulher que não possui um pouco da essência 
enigmática, misteriosa e, muitas vezes, dúbia de Capitu?
 
 Explore
https://www.youtube.com/watch?v=NAeJv8LAX28
 
 Importante
Como futuro profissional das Letras, a leitura constitui-se a base para o aprimoramento. Tenha 
uma postura positiva ante os textos e mergulhe neste universo rico de possibilidades, denominado 
Literatura. Por meio dela, podemos ser quem não somos e viver experiências que, em vida, talvez 
não experimentemos. Essa é a magia das obras literárias!
https://www.youtube.com/watch?v=NAeJv8LAX28
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Machado de Assis
Fonte: Wikimedia commons
Antes de adentrarmos no universo machadiano – vida e obra – é pertinente lembrar as 
palavras do sociólogo e crítico literário Antonio Candido, no artigo O direito à literatura, em 
Vários Escritos:
“Toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de objeto, de objeto construído; e é grande o 
poder humanizador desta construção, enquanto construção.
De fato, quando elaboram uma estrutura, opoeta ou o narrador nos propõem um modelo de 
coerência, gerado pela força da palavra organizada. Se fosse possível abstrair o sentido e pensar nas 
palavras como tijolos de uma construção, eu diria que esses tijolos representam um modo de organizar 
a matéria, e que enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a nossa mente. Quer 
percebamos claramente ou não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que 
nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e, em consequência, mais 
capazes de organizar a visão que temos do mundo” (CANDIDO, 2011, p. 177).
Muitas vezes, acreditamos que a essência de uma obra é sua temática, o que ela diz e o que 
ela nos ensina. Entretanto, ainda que esta seja uma das facetas da obra literária, o modo como os 
elementos externos são transformados em internos é onde incide o poder humanizador da obra.
Sendo assim, a postura a ser adotada ante um texto literário não se basearia em perguntar 
“o que ela diz” e, sim, “como diz”. Observar a maneira como os elementos narrativos são 
distribuídos e organizados, conjugando forma e conteúdo. 
Para Pensar
Entendendo a obra literária sobre esse prisma proposto por Antonio Candido, a leitura – enquanto 
atividade e experiência – adquire um sentido mais vivo e útil. Mais do que uma mera história, a literatura 
é uma construção e, por meio dela, nos aproximamos da nossa essência. Vivemos o não vivido. Como 
futuros professores de literatura, torna-se a nossa meta demonstrar aos nossos alunos a importância da 
leitura na nossa formação enquanto homem. O livro de Daniel Pennac, Como um romance, retrata o 
papel decisivo do professor no processo de formação leitora dos alunos. Recomendamos essa leitura, 
que, além de prazerosa, é esclarecedora da nossa função social como professores.
8
Unidade: Machado de Assis
Machado de Assis, em suas obras, consegue magistralmente congregar esses elementos, tal 
como analisaremos em alguns trechos de seus textos. Mas, como sabemos, nenhum escritor nasce 
pronto; existe um processo formativo e aperfeiçoador até a publicação das obras que o consagram.
Quando pensamos em Machado de Assis, por exemplo, vinculamos sua imagem aos seus 
romances – Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba e Memorial 
de Aires. Mas, qual foi o percurso angariado até a data da publicação desses textos que se 
converteram em grandes clássicos da literatura brasileira? Qual o papel desempenhado por 
Machado de Assis na sociedade de sua época? Qual o seu posicionamento frente às questões 
sociais e literárias de seu tempo? Percorrer os caminhos trilhados por Machado de Assis torna-se 
parte essencial para conhecer o maior nome da nossa cultura.
Machado de Assis: homem, escritor e sociedade
Em 21 de junho de 1838, numa chácara no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, nasce 
Joaquim Maria Machado de Assis, filho do pintor Francisco José de Assis (mulato, filho de 
escravos alforriados) e de Maria Machado da Câmara (portuguesa açoriana, agregada de uma 
fazenda que adotou o nome Leopoldina no Brasil, passando a se chamar, após o casamento, 
Maria Leopoldina Machado de Assis). 
Ainda menino, Machado experimenta perdas significativas: em 1845, morrem Maria, a irmã 
do escritor, e D. Maria José de Mendonça Barroso, sua madrinha. Ambas foram vítimas de uma 
epidemia de varíola. Quatro anos mais tarde, em 1849, falece a mãe do escritor com tuberculose. 
Em 1854, Machado de Assis começa a trabalhar na tipografia de Paula Brito e, neste mesmo 
ano, publica o seu primeiro poema, o soneto À Ilmª. Srª. D.P.J.A., no Periódico dos Pobres1. Um 
ano depois, Machado de Assis já é um colaborador regular da Marmota Fluminense.
Na vida profissional, Machado de Assis continua desenvolvendo-se e, de 1856 a 1858, passa 
a atuar como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional. Continua como revisor de provas 
na Tipografia de Paula Brito e, em 1860, passa a ser redator do Diário do Rio de Janeiro, onde 
exerce a função até 1867. Nesse período, Machado de Assis amplia o seu círculo de atuação 
nos jornais e revistas do país: em 1859, passa a escrever regularmente na revista O Espelho; de 
1860 a 1875, colabora n’ A Semana Ilustrada.
A Secretaria Especial de Comunicação Social do Rio de Janeiro disponibiliza, 
em pdf, o volume A Semana Ilustrada: história de uma inovação editorial, que 
integra a coleção Cadernos da Comunicação. Série Memória. Caso tenha 
interesse e queira ampliar seus conhecimentos, acesse: http://www.rio.rj.gov.br/
dlstatic/10112/4204434/4101427/memoria19.pdf. 
1 Os dados biográficos apresentados foram extraídos da página da Academia Brasileira de Letras, dedicada ao escritor.
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204434/4101427/memoria19.pdf
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204434/4101427/memoria19.pdf
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No que se refere ao contexto sociopolítico e econômico, nesse período, o Brasil vive o Segundo 
Reinado, instaurado com a antecipação da maioridade de Dom Pedro II, em 1840, encabeçada 
pelo Partido Liberal. O café, desde 1830, passa a ser o principal produto da economia brasileira, 
deslocando o eixo econômico do país das regiões nordestinas (das lavouras) para o Centro-Sul, 
sobretudo, o oeste paulista. Depois do café, o açúcar, o algodão e o tabaco também ocupam 
seus espaços na economia brasileira da época. 
Trata-se de uma sociedade escravocrata cuja classe dominante e influente é a dos grandes 
fazendeiros. Sob forte pressão da Inglaterra, em 1831, o Brasil promulga uma lei proibindo 
o tráfico negreiro; porém, tal como revela o IBGE (2010), de 1836 a1840, estima-se que 
desembarcaram no Brasil cerca de 240.600 negros para serem vendidos como escravos. Nos 
anos seguintes, de 1841 a 1845, o número diminui para 120.900. E, apesar da Lei Bill Aberdeen 
(1945), que concedia à marinha britânica aprisionar qualquer navio negreiro, de 1846-1850, 
chegaram às nossas terras 157.500 negros. 
São vários os conflitos que marcam a história do Brasil ao longo do Segundo Reinado, como: 
Guerra contra Aguirre (1864-1865), na qual as tropas brasileiras por terra e mar avançam 
contra o Uruguai, destituindo do poder o presidente Atanásio Aguirre. Este, por sua vez, pede 
auxílio ao governo paraguaio, estabelecendo uma aliança de caráter político e militar. Essa 
união assinala o início de outra guerra sangrenta entre os países, conhecida na historiografia 
como a Guerra do Paraguai (1865-1870). 
Para um maior conhecimento das proporções atingidas na guerra contra o Paraguai, 
indicamos a consulta à obra Genocídio americano: a Guerra do Paraguai, de Júlio 
José Chiavenatto.
É, em meio às notícias de guerra, economia, política, moda e receitas de higiene e bordados, 
que a literatura ganha seu espaço e vai formando seus leitores no século XIX. Em 1861, 
Machado de Assis publica a tradução da sátira Queda que as mulheres têm para os tolos e, em 
1863, o volume Teatro de Machado de Assis, composto por duas peças teatrais O Protocolo e 
O Caminho da Porta.
A atuação de Machado de Assis nos veículos de comunicação do país expande-se, passando 
a contribuir na revista O Futuro, de Faustino Xavier de Novais (irmão de sua futura esposa 
Carolina Novais) e no Jornal das Famílias, de B. L. Garnier. Ainda em 1862, Machado de Assis 
assume o cargo de censor teatral no Conservatório Dramático Brasileiro. 
O ano de 1864, no âmbito pessoal, marca mais uma perda na vida de Machado de Assis: seu 
pai falece. Contraditoriamente, esse é o ano em que vem à luz o seu primeiro livro de versos 
Crisálidas. O volume de produção intensifica-se e, em 1866, Machado de Assis publica a sua 
tradução do romance Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, organizada em três volumes. 
Na esfera teatral, mais uma comédia é publicada: Os deuses de casaca. Neste ponto, cabe 
lembrar que o escritor não dispôs de uma formação escolar regular e que grande parte do seu 
conhecimento foi adquirida por esforço próprio. 
10
Unidade: Machado de Assis
Você pode veros exemplares de Crisálidas e Os deuses de casaca no site Machado 
de Assis Bib Virt, no setor de obras raras, em: http://docvirt.com/docreader.net/
docreader.aspx?bib=BVMachado&pesq= 
Em visita a Faustino Xavier de Novais, por conta de seus distúrbios mentais, Machado de 
Assis conhece Carolina com quem se casa em 1869. Nesse período, passa a ocupar o cargo de 
ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial, função que exercerá até 1874.
Fonte: Wikimedia commons
Seis anos depois de Crisálidas, o segundo volume de versos é publicado sob o título Falenas. 
Ainda em 1870, Machado de Assis lança Contos fluminenses, uma coletânea de 8 contos, 
sendo que 7 deles já tinham configurado no Jornal das Famílias. Desse mesmo procedimento, 
Machado de Assis se valerá para organizar o volume Histórias da meia-noite (1873), coletânea 
de 6 seis contos, todos já veiculados no periódico citado. 
Essas duas publicações – idealizadas a partir das experiências literárias nos periódicos – 
chamam a atenção para esse aspecto da carreira de Machado de Assis: as colaborações em 
jornais e revistas podem ser entendidas como um meio de prática e aprimoramento de escrita. 
Por esse motivo, fizemos questão de recuperar a biografia de Machado de Assis, pontuando o 
seu movimento no círculo literário e jornalístico da época. É preciso entender que, antes do 
Machado de Memórias Póstumas de Brás Cubas – obra considerada um marco na historiografia 
literária – existiu um escritor que se dedicou à escrita e que a praticou nos diferentes gêneros: 
poesia, teatro, crônica e conto. 
Tal como alguns críticos advertem, devido ao marco alcançado com Memórias Póstumas, 
tornou-se um hábito desprezar as produções anteriores. Veja o que afirma o estudioso francês 
Jean-Michel Massa (1971, p. 07) sobre essa questão: 
“[…] só se projetou luz sobre a fase culminante de sua obra (1880-1900), passando-se ligeiramente 
pelos escritos da mocidade e os textos tidos apressadamente como secundários. Quantos estudos 
sobre a trilogia Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro! A vida literária 
de Machado de Assis ficou artificialmente cortada em duas metades. Só há interesse pela segunda”
http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=BVMachado&pesq=
http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=BVMachado&pesq=
11
Atualmente, esse quadro tem se modificado e diversos pesquisadores vem debruçando-se 
sobre essas narrativas que ficaram “perdidas” nas folhas dos jornais e revistas. Esses estudos 
destacam sobre importância dessa etapa no fazer literário machadiano. Revelam, ainda, a 
consciência desse jovem escritor em relação ao canal de veiculação de suas narrativas e ao 
público leitor a que se dirige.
Ao renegar essa vasta produção anterior às Memórias Póstumas de Brás Cubas, ofusca-se a 
perspicácia de um escritor que, pouco a pouco, vai delineando os traços de sua escrita, o seu 
estilo próprio. Muitos dos contos e textos foram publicados com firma pseudônima, como é o 
caso da primeira colaboração no Jornal das Famílias. O conto Frei Simão é assinado por M. A.
A respeito dessa prática, é interessante consultar a relação organizada pela Academia Brasileira 
de Letras, em sua página na internet, no endereço http://www.machadodeassis.org.br/. No ícone 
“Bibliografia > Obras > Publicações sob pseudônimos”, encontramos os nomes usados por 
Machado de Assis e os diferentes jornais e revistas em que eles aparecem. 
Devido à relevância dessas publicações em jornais e revistas, propomos a leitura do conto 
Linha Reta e Linha Curva, publicado no Jornal das Famílias, no ano de 1866. O que você acha 
de ler esse conto no próprio Jornal das Famílias? Graças ao trabalho de digitalização de obras 
raras da Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro, esse contato com a fonte é possível e 
realizável. Acesse os links que indicamos no quadro abaixo; você será redirecionado às páginas 
em que o conto está.
Uma excelente leitura! E que você possa se deliciar com esse registro da nossa história 
social e literária. 
 
 Explore
Jornal das Famílias - Obras raras da Biblioteca Pública do Rio de Janeiro: 
Ano 1865 – Início do conto Linha Reta e Linha Curva
Parte I – Outubro/1865:
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=2998 
Parte II – Novembro/1865:
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3032
Parte III – Dezembro/1865:
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3072
Ano 1866 – parte final do conto Linha Reta e Linha Curva
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3104
Como foi sua experiência de leitura? Conseguiu se sentir como um leitor do século XIX? 
O que achou da língua portuguesa usada na época? Talvez, para nós do século XXI, pareça 
estranho e, até certo ponto, difícil nos desprendermos da mentalidade “moderna” ao realizar 
um recuo temporal de 200 anos. 
http://www.machadodeassis.org.br/
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=2998
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3032
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3072
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3104
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Unidade: Machado de Assis
Vamos por parte e, pouco a pouco, juntando um detalhe a outro, iremos reconstruindo essa 
esfera na qual Machado de Assis permaneceu por longo período. Quando você iniciou a leitura 
da parte final do conto, no volume do ano 1866, você observou a capa do Jornal das Famílias? 
Se não, volte ao periódico para observá-la.
Qual a imagem nela retratada? Sim, logo abaixo do nome do periódico, temos uma mulher 
bordando. Esse foco na figura feminina e na atividade que realiza já nos dá indícios do público-alvo 
do periódico: em especial, as mulheres. Notamos que se junta ao texto verbal – Jornal das Famílias 
– um não verbal que complementa o sentido do primeiro: nessa combinação, temos retratada uma 
sociedade patriarcal cujos valores moralizantes regem as boas normas de conduta social. 
Sendo assim, as publicações que se destinassem a essa camada social, deveriam adequar-se 
às necessidades desse público, sem nos esquecer de que a aquisição da assinatura do periódico 
estava intermediada pelo crivo masculino do marido ou do pai. 
Ao folhearmos o Jornal das Famílias, verificamos que as narrativas estão inseridas em meio 
à partitura de músicas para serem tocadas em piano, de receitas caseiras, de moldes de costura 
e bordado e de moda. Com ilustrações coloridas, retratam-se os vestidos e combinações usadas 
no momento. Entretanto, por ser parcialmente produzida na França, notamos um descompasso 
entre a moda proposta no periódico e o clima tropical. A título de exemplo, citamos no link abaixo 
uma das páginas de moda em que se constata a diferença das estações entre Brasil e Europa. 
 
 
Explore
Moda:
http://www.docvirt.com/DocReader.net/DocReader.aspx?bib=BibPublRJ&PagFis=3062
Os estudos sobre a imprensa desse período e 
sobre o papel desempenhado por esse canal no 
desenvolvimento do sistema literário brasileiro 
destacam os dois lados desse avanço cultural. 
Por um lado, os jornais e revistas são percebidos 
como um sinal de desenvolvimento e progresso. O 
próprio Machado de Assis manifesta, num primeiro 
momento, a sua euforia em relação ao movimento 
criado pela imprensa na sociedade e no campo 
literário. No texto O jornal e o livro, publicado em 
1859, no Correio Mercantil, Machado de Assis afirma:
“O jornal apareceu, trazendo em si o gérmen de uma revolução. Essa revolução não é só literária, 
é também social, é econômica, porque é um movimento da humanidade abalando todas as suas 
eminências, a reação do espírito humano sobre as fórmulas existentes do mundo literário, do mundo 
econômico e do mundo social”
(In: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/cronica/macr13.pdf).
A implantaç
ão da 
imprensa no
 Brasil

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