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O paciente psicótico na psicoterapia de orientação analítica

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O PACIENTE PSICÓTICO NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA1Paper avaliativo do Estágio de Ênfase B do Curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus Frederico Westphalen/RS.
Ariella Luisa Caovilla2Aluna do sétimo semestre do Curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus Frederico Westphalen/RS.
Denise Zanatta3Professora Doutoranda do Curso de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus Frederico Westphalen/RS.
Esta produção textual parte de uma reflexão teórica sobre a psicose e o paciente psicótico na psicoterapia de orientação analítica, proposta a partir do Estágio de Ênfase B realizado na Clínica Escola do curso de Psicologia da URI Campus Frederico Westphalen, o qual tem por objetivo oportunizar ao aluno práticas relacionadas a atuação do psicólogo no contexto dos Processos Clínicos em Psicologia. Tendo como base para esta reflexão autores psicanalíticos clássicos e também contemporâneos. 
Conforme Roudinesco e Plon (1998), o termo psicose foi introduzido em 1845 pelo psiquiatra austríaco Ernst von Feuchtersleben (1806-1849) para substituir o vocábulo loucura e definir os doentes da alma numa perspectiva psiquiátrica. As psicoses opuseram-se, portanto, às neuroses, consideradas como doenças mentais da alçada da medicina, da neurologia e, mais tarde, da psicoterapia. O termo psicose designou inicialmente o conjunto das chamadas doenças mentais, fossem elas orgânicas (como a paralisia geral) ou mais especificamente mentais, restringindo-se depois às três grandes formas modernas da loucura: esquizofrenia, paranóia e psicose maníacodepressiva. Retomado por Sigmund Freud como um conceito a partir de 1894, o termo foi primeiramente empregado para designar a reconstrução inconsciente, por parte do sujeito, de uma realidade delirante ou alucinatória. 
Em 1911, Freud lançou “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia”. Nesse estudo, ele enunciou uma teoria quase completa do mecanismo do conhecimento paranóico, que lhe serviu para definir a psicose como um distúrbio entre o eu e o mundo externo. Em seguida, no contexto de sua segunda tópica e havendo elaborado uma nova teoria do narcisismo, Freud (1924-1969) inscreveu a psicose numa estrutura tripartite, opondo-a à neurose, de um lado, e à perversão, de outro. Ela foi então definida como a reconstrução de uma realidade alucinatória na qual o sujeito fica unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual auto-erótica: toma literalmente o próprio corpo (ou parte deste) como objeto de amor (sem alteridade possível). Ao lado da psicose, a neurose surge como o resultado de um conflito intrapsíquico, enquanto a perversão se apresenta como uma renegação da castração. 
Freud diferenciou criteriosamente a psicose das outras duas entidades (perversão e neurose), mas, ao mesmo tempo, apagou o abismo criado pela psiquiatria entre a norma e a patologia. Sandor Ferenczi4Sandor Ferenczi, “A importância de Freud para o movimento da higiene mental” (1926), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993.
 (apud ROUDINESCO; PLON, 1998), caracterizaria de maneira notável a eliminação dessa distinção, num texto de 1926 dedicado à contribuição da psicanálise para o movimento de higiene mental: 
Foi a análise da atividade psíquica no sonho que fez desaparecer por completo o abismo entre doença mental e saúde mental, até então considerado intransponível. O mais normal dos homens torna-se psicótico durante a noite: tem alucinações, e sua personalidade, tanto no plano lógico quanto no ético e no estético, sofre uma transformação fundamental, assumindo, de modo geral, um caráter mais primitivo.
Durante cinquenta anos, os herdeiros de Freud fariam questão de revisar a totalidade de sua doutrina, ora insistindo, como Lacan, no lugar da paternidade na gênese da psicose, ora, ao contrário, como Melanie Klein, situando a origem dela numa relação arcaica com a mãe. A partir da década de 1960, a reflexão sobre a natureza da loucura preponderou sobre a abordagem da doença mental em termos de psicose.
	Melanie Klein (1991) nos diz que na primeira infância surgem ansiedades similares a das psicoses e que o ego desenvolve a partir daí mecanismos de defesa específicos, sendo que nesse período estão presentes os “pontos de fixação dos distúrbios psicóticos”. Tendo em vista as relações objetais, que são estabelecidas desde o início da vida do bebê, o seio materno é o primeiro objeto, nessa posição denominada “esquizoparanóide” esse objeto fica cindido entre um seio bom (gratificador) e um seio mau (frustrador), essa cisão resulta numa separação entre o amor e o ódio (Klein, 1991 p.21).
	Imerso em um mundo de sentimentos ambivalentes e incapaz de notar que o mesmo seio que gratifica é o que frustra, o bebê projeta seus mais arcaicos impulsos destrutivos por meio de ataques sádico-orais ao seio materno, agressões que posteriormente se estendem para todo o corpo da mãe, ou seja, diante desses sentimentos contraditórios e persecutórios a criança desenvolve mecanismos de defesas arcaicos, característicos da psicose e paranóia, dependendo da resolução desses conflitos o desenvolvimento posterior do sujeito. Klein (1991), afirma que se os medos persecutórios fossem deveras intensos e o bebê se tornasse incapaz de elaborar a desintegração típica da posição esquizo-paranóide, o resultado de tal fracasso seria um reforço regressivo dos medos persecutórios e um fortalecimento dos pontos de fixação psicóticos. 
	A fim de elucidar o fenômeno psicótico, Klein (1991) lançou mão de mecanismos de defesa, em especial da cisão, projeção e introjeção. O primeiro deles é resultado das experiências de gratificação e frustração, e a consequente distinção entre seio bom e mau. O segundo se relaciona à projeção de impulsos de amor e de destrutividade, atribuídos respectivamente ao seio gratificador e ao seio frustrador. Por fim, pela introjeção, um seio bom e um seio mau são estabelecidos dentro do bebê. O seio bom, tanto o externo quanto interno, irá se tornar o padrão de todos os objetos gratificadores, enquanto o seio mau tornar-se-á o modelo de todos os objetos persecutórios. 
	A mesma autora ainda sustenta que, quanto mais distantes o objeto idealizado e o objeto persecutório se encontram no ego, mais desintegrado e mais povoado por ansiedades persecutórias ele se encontraria. E como já foi visto anteriormente, ansiedades persecutórias em demasia, assim como uma profunda desintegração egóica subjazem ao modo de funcionamento psicótico. 
O primeiro a se pensar ao tratar-se de psicose são os delírios e alucinações, o que para Freud (1900-1969), são “estruturas tão normais e com as mesmas funções na psicose como o sonho no comum dos mortais”. Portanto, tratando-se de um paciente psicótico, devemos inicialmente acolher seus delírios, deixar de lado a censura, pois ainda para o mesmo autor, por mais confuso que o delírio possa ser, ele é uma tentativa de cura, uma reconstrução. A tarefa do delírio é cobrir uma realidade rejeitada, pois o mesmo é a realização de um desejo, que não pode ser postergado e ou substituído. Sendo assim, cabe ao terapeuta o trabalho de investigação e resgate do elemento desencadeador de tal rejeição, justo porque necessitamos preencher essas lacunas no desenvolvimento do sujeito. Segundo Zimerman (1999), os objetivos básicos da análise com os pacientes psicóticos são: 
promover a constância objetal interna e a constância da percepção da realidade externa a integração das dissociações; o desenvolvimento da capacidade de domínio sobre os estímulos resultantes das frustrações, tendo em vista que estes pacientes desorganizam-se diante de situações novas, não-estruturantes; a transição do imaginário para o simbólico; e a formação do sentimento de identidade. 
	Para tanto, alguns pontos são essenciais, como
exemplo, o analista deve partir do princípio de que todo paciente psicótico, tem uma parte sua que é de natureza neurótica, à qual ele deve aliar-se. Portanto, o passo inicial é conseguir estabelecer uma aliança terapêutica, sem a qual o restante do trabalho analítico com este tipo de paciente será improdutivo. Zimerman (1999), também destaca que é essencial que se mantenha a preservação do setting básico que foi instituído, como uma forma de assegurar à indispensável manutenção dos limites e da diferenciação dos respectivos papéis. As identificações projetivas, que costumam ser usadas maciçamente pelo paciente psicó- tico, devem ser discriminadas pelo analista em seu tríplice aspecto: como um mecanis- mo defensivo, como um importante meio de comunicação e como uma forma de invasão fusional e controle onipotente.
	É de máxima importância o reconhecimento das transferências e contratransferênciais como, por exemplo, a formação entre paciente e analista, de diferentes tipos de conluios inconscientes. Da mesma forma, é importante que se discrimine quando as resistências do paciente representam uma absoluta oposição ao método analítico, ou quando elas servem como um indispensável indicador ao analista de como funciona o ego de seu paciente. Assim, os múltiplos e frequentes actings5Noção criada pelos psicanalistas de língua inglesa e depois retomada tal e qual em francês, para traduzir o que Sigmund Freud denomina de colocação em prática ou em ato. O termo remete à técnica psicanalítica e designa a maneira como o sujeito passa inconscientemente ao ato, fora ou dentro do tratamento psicanalítico, ao mesmo tempo para evitar a verbalização da lembrança recalcada e para se furtar à transferência.
 devem ser entendidos como uma forma comunicacional muito primitiva e que se expressam pela linguagem paraverbal da ação. Igualmente, o uso de longos silêncios pelo paciente exige que se faça uma discriminação quanto ao propósito de cada um deles, sendo que, muitas vezes, uma pausa silenciosa, antes de ser uma resistência de oposição, pode estar significando a necessidade de o paciente ter um “espaço” seu para pensar (ZIMERMAN, 1999).
	Pacientes psicóticos são altamente sensíveis às frustrações, resultando daí que tais pacientes tendem a negar e a evitar essas frustrações ao invés de procurar enfrentar e modificá-las, o que se constitui num dos fatores que mais se opõem ao crescimento da mente. O analista deve ter claro para si o fato de que a capacidade de tolerância às frustrações é imprescindível para a formação de símbolos e para a mudança psíquica, a qual implica em uma ruptura com os conhecimentos e o código de valores previamente estabelecidos no paciente. Sendo assim, o que propicia o início da simbolização é o psicanalista portar-se como uma espécie de objeto transicional, que faculte ao paciente a sua passagem da díade fusional para a inter-relação triangular, isto é, gradativamente substituir a “lei do desejo” (mãe) pelo “desejo da Lei” (pai), tal como descreve Lacan (apud ZIMERMAN, 1999):
na experiência emocional do vínculo analítico, o indispensável contato com as verdades nunca deve ser de forma absoluta e nem definitiva, mas, sim, deve constituir-se em um compromisso com a veracidade, a coerência e a busca de correlação de significados. É de especial importância explorar ao máximo os fatores da realidade externa, a qual pode estar perturbada em umas áreas, e em outras não […]. Os aspectos contratransferenciais assumem uma importância fundamental pelo fato de que eles costumam adquirir extensão e profundidade tais que, tanto podem constituir-se como uma excelente bússola comunicadora ao psicanalista do mundo interno do paciente, como também podem os sentimentos despertados no analista estancar, desvirtuar ou até mesmo deteriorar de forma irreversível o método analítico.
	São conhecidas as respostas contratransferenciais que se manifestam sob a forma de sentimentos de medo, paralisia, impotência, ódio, con- fusão, angústia diante dos espelhamentos, etc., mas vale destacar a possibilidade de o analista vir a sentir em seu próprio corpo as representações intrapsíquicas do paciente psicótico, nos casos em que as identificações projetivas deste resultem de sua extrema necessidade de “tocar” o analista. Na análise, há transferência em tudo, mas isso não quer dizer que todas as intervenções devam visar sempre a transferência. Considera-se portanto, que a técnica analítica, dentro da preservação do setting, gira em torno de dois eixos fundamentais, que são indissociados e complementares entre si: a atividade interpretativa e a “atmosfera analítica”, a qual é determinada em função da atitude interna do psicanalista (ZIMERMAN, 1999). 
	A transformação da experiência emocional intolerável em algo tolerável só é possível pelo pensamento, por isto, é de grande utilidade prática que o analista localize em qual subestágio da evolução neurobiológica está detida a capacidade de pensar do seu paciente. Da mesma forma, pode-se dizer que o paciente psicótico nunca chegará à cura, sendo que o objetivo do método analítico restringe-se a um trabalho de restituição, razão porque a atividade interpretativa visa a um desenvolvimento cognitivo: ajudar a parte não-psicótica do paciente a observar, a pensar e a não fugir das verdades (BION, apud ZIMERMAN, 1999). No entanto, com o paciente psicótico, acima de tudo, é a “atmosfera analítica” que se constitui como o mais importante fator terapêutico. 
	Cabe ao analista ter uma série de atributos básicos, dos quais é preciso ressaltar aqueles que correspondem aos que, certamente, faltaram na maternagem original do paciente. Assim, o analista que trata de pacientes psicóticos deve preencher as mesmas funções que uma mãe adequadamente boa exerce para o seu filho, desde o nascimento, que segundo Zimerman (1999), são as seguintes:
provedora (das necessidades básicas); contenedora (das angústias); organizadora (do caos resultante da indiferenciação); significadora (nomear e dar sen- tido a tudo que se passa com a criança) e modeladora (de identificações). Além da ativa participação em parte dessas funções, cabe ainda ao pai da criança (ou o analista, na transferência paterna) cumprir o papel do terceiro, isto é, aquele que vai desfazer uma possível perpetuação simbiótica da díade mãe-filho, tão comum nos pacientes psicóticos.
	É indispensável levar em conta que, sempre, o paciente psicótico está cheio de vazios, e que tais vazios, costumam ser substituídos por autarquias narcisísticas de auto-suficiência, ou por estruturas do tipo “falso self”. Em outras palavras, existe desde sempre uma falta básica, de modo que nos pacientes psicóticos predomina a presença de uma ausência. A importância disso na prática clínica consiste no fato de que toda privação que esse paciente é significada como um abandono e, portanto, ele a semantiza como sendo uma vivência de “aniquilamento”. Igualmente, uma outra importante repercussão na prática clínica, decorrente da constante “presença da ausência” no psiquismo do paciente, consiste na necessidade de que o analista saiba “escutar as ausências”. Da mesma forma, também é indispensável que o analista escute a constante presença da necessidade desse paciente de ser entendido nas suas angústias emergentes (ZIMERMAN, 1999). 
	Neste contexto, pode-se dizer que a atividade interpretativa e a função continente do psicanalista, aí incluída a capacidade de empatia, constituem um sistema único, que vai compondo a “atmosfera analítica”, a partir da qual aumenta a responsabilidade do terapeuta, pois ele vai sendo introjetado como um novo modelo de identificação e de ressignificação do código de valores do seu paciente psicótico.
	Para Portela Nunes (apud CORDIOLI, 1998), a finalidade da interpretação com o paciente psicótico
é diferente do paciente neurótico. Neste a interpretação visa tornar consciente um conflito inconsciente reprimido. Com psicóticos, a maioria destes conflitos são conscientes, por isso, talvez seja melhor dizer esclarecimento invés de interpretação. A intervenção do terapeuta, serve em primeiro lugar, para uma busca de uma linguagem comum, não simbólica, no par analítico. Além disso, serve para um alívio da situação transferencial psicótica, com isso aliviando também a ansiedade psicótica, fazendo com que o terapeuta ajude o paciente a reprimir sua realidade interna e discriminá-la da realidade externa.
	Como nem todos os conflitos são conscientes, e sequer a relação entre eles, cabe ao terapeuta ajudar o paciente a ligar partes destes conflitos projetados na realidade, ajudando-o novamente a discriminar o mundo externo do mundo interno. A compreensão do mundo interno faz com que aumente o vínculo entre paciente e terapeuta, ao mesmo tempo em que possibilita ao paciente discriminar melhor a função do terapeuta. Cordioli (1998), acredita que a compreensão da existência destes conflitos e sua associação com as ansiedades e sintomas, uma vez comunicados ao paciente, fazem com que perceba as distorções do realidade, de modo que seja ajudado no uso de defesas mais adaptadas. 
REFERÊNCIAS
CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicoterapias: abordagens atuais. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
EIZIRIK, C. AGUIAR, R. SCHESTATSKY, S. Psicoterapia de Orientação Analítica. Fundamentos Teóricos e Clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2005. 
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira, v. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1900-1969. 
FREUD, Sigmund. A perda da realidade na neurose e na psicose. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira, v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1924-1969. 
KLEIN, Melanie. Inveja e Gratidão e outros trabalhos 1946-1963. 4° ed. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991. 
ROUDINESCO, Elisabeth. PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 1999.

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