Buscar

MUDANÇA DE PERSPECTIVA DE UM ACADÊMICO DE DIREITO APÓS O CONTATO COM A REALIDADE PENAL CRIMINAL.

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

“MUDANÇA DE PERSPECTIVA DE UM ACADÊMICO DE DIREITO APÓS O CONTATO COM A 
REALIDADE PENAL-CRIMINAL.” 
 
Inicialmente, quando pensei em cursar Direito, acreditei que o melhor para o meu 
futuro profissional fosse fazer um concurso e obter a tão sonhada estabilidade. Mas, logo que 
tive o primeiro contato com alguns profissionais da área jurídica, especialmente os 
advogados, comecei a vislumbrar novas perspectivas de trabalho no âmbito jurídico, pois 
gosto de questionar, de argumentar, de lutar contra injustiças. Essas características pessoais 
aliadas à convivência com profissionais da área fortaleceram em minha consciência a certeza 
do caminho que irei trilhar. 
Continuando o curso, não tinha ideia de qual área atuaria, pois acredito que o 
profissional tem que ser muito bom e dedicado naquilo que se propõe a fazer. Nesse ínterim, 
mais precisamente por volta do segundo ano de curso, tive contato com o Direito Penal, o que 
me possibilitou a definir em qual seara jurídica. 
No entanto, existia um grande problema em mim mesmo: minha forma de pensar 
sobre a questão da violência no Brasil. Eu ainda era o tipo de pessoa leiga, que se deixava 
levar pelo senso comum, adepto das informações veiculadas pela mídia, internet e, também, 
sempre rodeado por pessoas que compartilhavam das mesmas concepções a respeito de 
criminalidade, da violência e da figura do criminoso. Ou seja, era defensor ardoroso da velha 
máxima: “Bandido bom é bandido morto (e enterrado em pé para não ocupar espaço)”. 
Essa forma de “pensar”, que apenas reproduz o discurso corriqueiro da imprensa 
sensacionalista, não contribui de forma alguma para o objetivo de tornar-me um profissional 
capacitado para o exercício da advocacia, especialmente na esfera criminal. Não tinha muita 
bagagem para discutir a respeito de assuntos fundamentais para o direito penal como, por 
exemplo, as causas do aumento da criminalidade em nossa sociedade. Percebi o quanto 
precisava rever minhas concepções, inclusive, o quão certo ou errado eu estava. Talvez o 
nobre leitor considere essas minhas impressões uma retórica de lugar-comum, mas, 
infelizmente, muitos são os que começam a percorrer o caminho da ciência jurídica 
compartilhando de tais posicionamentos desprovidos de senso crítico, conforme observo em 
minha vivência enquanto acadêmico. 
Mas a situação mudou quando me tornei estagiário do TJRN, onde tive a 
oportunidade e prazer de conhecer a Dra. Lena Rocha, pessoa magnífica e bondosa, Juíza de 
Direito, titular da 1ª Vara Criminal da Zona Norte de Natal, a qual se esforçou pessoalmente 
para conseguir minha transferência para o seu gabinete e, assim, estar em contato com um 
novo mundo de conhecimento e prática jurídica que me permitiram redirecionar tanto as 
concepções a respeito da criminalidade, quanto a necessidade do aluno para se aprofundar 
no estudo da ciência do direito. 
Por essa ocasião, também tive o privilégio de conhecer o Dr. Rosivaldo Toscano, 
durante período de substituição legal na 1ª Vara Criminal da Zona Norte. Essa aproximação 
contribuiu sobremaneira para ampliar os meus horizontes de estudo sobre o direito penal. 
Aprendendo e lidando diariamente com suas sentenças, bem como da própria Dra. Lena 
Rocha, comecei a absorver mais suas teses, a comungar de seus posicionamentos 
constitucionalistas e estrear um pensamento mais crítico a respeito do sistema penal-criminal. 
Como fruto dessa experiência estou tendo novos pontos de vista, amoldando-me a uma nova 
linha de pensar e compreender o fenômeno criminal e suas complexidades, para além do 
senso comum. 
Um dos meus primeiros pensamentos críticos foi em torno das garantias individuais 
em relação ao sistema penitenciário. Não foi difícil notar que, cotidianamente, os meios de 
comunicações em massa expõem as adversidades sob as quais os presos do nosso sistema 
carcerário são submetidos. Estes “renegados” da sociedade encaram uma tripla punição, isso 
porque são punidos pelo Estado; depois, já inseridos no sistema prisional, sofrem violências 
que advêm não só dos próprios companheiros de cela ou de alguns agentes penitenciários, mas 
também do próprio Estado – que não garante seus direitos mais básicos, direitos reconhecidos 
em nossa Constituição, em nossas leis e em tratados ratificados pelo Brasil; finalmente, 
quando cumprem suas penas ou conseguem um regime de pena menos gravoso, a exemplo, o 
semiaberto, são novamente castigados, sendo que, nesta ocasião, pela sociedade – que lhes 
renega a oportunidade de reinserção. 
É precisamente quando o condenado deixa as grades do presídio para trás, tentando se 
restabelecer socialmente, que ele estará ainda mais fragilizado, pois sente sobre suas costas o 
peso do preconceito e discriminação, assim, novamente a dignidade e o respeito, são postos de 
lado. Ele se torna menos homem e mais rótulo: criminoso! 
O indivíduo que comete crime deve ser julgado e receber uma pena em conformidade 
com suas condições pessoais e proporcional à gravidade do delito que tenha cometido, 
atentando-se às suas características pessoais, bem como sua culpabilidade. Perceba que a 
explanação acima é coerente com o princípio consti tucional da dignidade da pessoa 
humana, pois um criminoso não pode ter uma pena exorbitante por conta de outro facínora 
que seja contumaz na prática criminosa. Vale lembrar, ainda, que é imprescindível que a 
pena seja individualizada, ou seja, não pode ultrapassar a pessoa do condenado, levando-
se em conta a perspectiva de resguardar o direito e cumprir a lei. 
É imperioso ressaltar que variadas são as dificuldades enfrentadas nos presídios 
brasileiros, tais como a superlotação, a insalubridade, ausência de higienização predial e dos 
internos, bem como a falta de assistência médica adequada destinada aos presos acometidos 
de doenças, inclusive as sexualmente transmissíveis, pois não recebem qualquer tipo de 
tratamento apropriado para o seu estado clínico. 
Nesse contexto, a (in) segurança também é uma dificuldade perceptível em 
praticamente todos os presídios (salvo os federais). Na maioria das penitenciárias brasileiras, 
os presos estão aos montes, portando arma, não só as artesanais, aparelhos celulares e outros 
instrumentos que, em tese, são proibidos. Essas aquisições colocam em risco, diariamente, a 
vida dos demais reclusos, dos agentes penitenciários, bem como a das demais pessoas que por 
alguma circunstância, ainda que indireta, com eles tenham contato, representando assim uma 
extrema situação de perigo. Sem falar que essa situação agrava os atos de violência dentro dos 
presídios. 
Então, surge a pergunta: é este sistema prisional que queremos para nosso país? 
Locais destinados à reclusão e detenção de apenados onde irrefutavelmente se viola a 
dignidade daqueles que lá estão custodiados? Indubitavelmente não. Não se pode seguir em 
frente ignorando esta mazela social. É necessária uma completa reformulação, um empenho 
conjunto entre sociedade e Estado para que o sistema carcerário brasileiro se evidencie eficaz, 
decente e seguro, pois esses indivíduos um dia voltarão para a convivência em sociedade e, 
muito provavelmente, pior do que quando ingressaram nesse sistema. 
Dessa forma, passei a entender que a criminalidade é um processo social intrínseco às 
relações humanas. Onde existir sociedade, existirá, fatalmente, crime, até porque o fenômeno 
crime não é um fato natural, mas uma construção social (do que deve ou não ser considerado 
crime). Essa delinquência criminosa pode desenrolar-se de diversas maneiras, seja na forma 
Formatado: À direita: 0,21 cm
individual ou organizada. 
As suas razões também são bem diversificadas. O ser humano por ser racional, 
pensante e ajustável às novassituações sociais, dispõe de alguns padrões de comportamento 
relevantes para o convívio social. Não existe possibilidade de dissociar o indivíduo do seu 
ambiente social e esperar que ele evolua de alguma forma. Todas as pessoas possuem 
comportamentos distintos na esfera privada, mas iguais na esfera pública e são estas nuances 
que causam os conflitos. 
Por essa razão, a delinquência não deve ser combatida com o emprego de mais 
violência, mas com sapiência, perspicácia e conhecimento. Faz-se necessário angariar 
procedimentos eficientes para, progressivamente, ir suprimindo ou minando a criminalidade 
da sociedade. E nesse caminho, a prevenção, é a forma mais significativa de se amenizar a 
ocorrência de crimes. 
A sanção aplicada no controle da criminalidade deve servir de lição, evidenciando que 
o Estado se encontra presente, aplicando providências adequadas contra a criminalidade. A 
administração pública deverá operar suas incumbências em quatro momentos distintos. Em 
primeiro, na prevenção, com o policiamento ostensivo e coercivo; em segundo, com a atuação 
proveitosa da polícia judiciária; terceiro, aplicação de políticas públicas que apresentem 
melhorias no cumprimento ou execução de penas; quarta, destinar esforços hábeis a efetivar 
uma ressocialização adequada para aqueles que estão cumprindo pena ou estão, em tese, 
prontos para retomar o convívio social. 
Entretanto, o combate à criminalidade não se reduz com o afastamento puro e simples 
do criminoso do convívio social. O Estado deve lhe impor uma reprimenda e, ao mesmo 
tempo, reeducá-lo para retornar à convivência social (ressocialização), oferecendo-lhe as 
oportunidades essenciais para tal propósito. É preciso capacitar, qualificar, lapidar o indivíduo 
que venha a ter contato com a criminalidade, tendo como pilar primordial todos os princípios 
peculiares à sua dignidade enquanto pessoa humana. 
Nesse diapasão, faz-se necessário destacar que os direitos humanos não estão à 
serventia exclusivamente dos criminosos, como costumeira e erroneamente se divulga em 
alguns meios de comunicação. Tais direitos representam a proteção para todos os cidadãos, 
da mesma forma que para o individuo que, ocasionalmente, pratica um crime. Não são 
privilégios dos criminosos, mas de todos os cidadãos. Representa a garantia de todo cidadão 
que deve ser salvaguardada, protegida e defendida a qualquer custo. A dignidade deve ser 
preservada ainda que o crime cometido seja o mais violento e macabro, pois não se está a 
tutelar o agente criminoso, mas garantir a defesa dos direitos de todos os cidadãos brasileiros 
previstos em lei. 
A criminalidade, como se denota, precisa ser encarada com parâmetros pragmáticos 
e dentro das balizas que permite a lei, respeitando sempre todos os direitos e garantias 
fundamentais constantes na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, os quais, por seu turno devem ser apresentados como referências legais 
tanto na contenção, quanto na prevenção à criminalidade. 
É fato que o Direito Penal é impositor, cuja sanção mais dura é a aplicação da pena 
privativa de liberdade, que esbarra frontalmente com a liberdade do sujeito de direito. Dessa 
maneira, devem-se trazer para o debate quais os rumos a serem traçados para uma melhor 
aplicabilidade do Direito Penal, especialmente quanto à questão da ressocialização. 
É indispensável, ainda, traçar diretrizes básicas que possam contribuir para uma 
sociedade menos violenta. Acredito que isto só será possível quando todos os atores que 
compõe o meio jurídico se unirem, formando um só bloco, contribuindo na defesa das 
garantias individuais, respeitando os direitos humanos de todos, incluindo os daqueles que 
estão à margem e que precisam de direcionamento em suas vidas. Não esquecendo que a pena 
deve ter o caráter pedagógico, pois ao mesmo tempo em que pune, também trabalha no 
sentido de evitar a reincidência criminosa. 
A título de (in)conclusão, pois muitas nuances poderiam ser aqui levantadas, destaco 
que torna-se imprescindível que todos se conscientizem que a resistência da criminalidade 
em nosso país, será resolvida, somente, quando acontecerem investimentos maciços na 
educação, saúde e segurança, bem como abrir oportunidades para que os menos assistidos 
possam se desenvolver de todas as formas possíveis. 
É preciso investir no processo civilizatório por meio do conhecimento, no 
aperfeiçoamento do sistema penitenciário e carcerário, além de eleger a ressocialização do 
preso como premissa do Estado de Democrático Direito, como já reconhecido na Convenção 
Americana sobre Direitos Humanos. Enfim, é necessário desmistificar a ideia de que o 
Princípio da Dignidade Humana e os Direitos Humanos são obstáculos ao cumprimento das 
normas do direito penal. 
 
Paulo Sérgio Dantas 
Acadêmico do 8ª período do curso de Direito da Faculdade Maurício de Nassau/Natal-
RN. Estagiário do TJRN no Juízo da 1ª Vara Criminal do Distrito Judiciário da Zona Norte – 
Natal-RN. Pesquisador do Centro de Pesquisas e Aplicação do Direito – CPAD desenvolvido 
pela BCEJ.

Continue navegando